A Constituição de 1976,
a jusfundamentalidade dos direitos sociais:
Pioneira no tratamento do ambiente como direito fundamental –
direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado (nº1 do artigo 66 CRP)
- , a Constituição portuguesa inspirou outras leis fundamentais, europeias
(caso da espanhola) e americanas (caso da brasileira), para além de ter
inspirado constituições dos novos países de língua oficial portuguesa (caso da
moçambicana).
A afirmação constitucional do direito ao ambiente foi, em
1976, de enorme importância. Com efeito, até aos finais da década de 60 a
autonomização de uma área normativa definida pelo objecto (ambiente), ou pela
protecção desse objecto, era materialmente impossível, apesar de as
preocupações ambientais, serem à época, uma realidade com raízes culturais
diversificadas.
O reconhecimento constitucional do direito a um ambiente
sadio e ecologicamente equilibrado é fruto de uma concepção de fundo
antropocêntrico mitigado, não utilitarista, e a sua consagração no quadro dos
direitos económicos, sociais e culturais torna-o beneficiário de uma protecção
vasta e com implicações em outras normas constitucionais.
O direito constitucional comparado mostra dois modelos
fundamentais de protecção do ambiente: a configuração como tarefa do Estado
(Constituições alemã, holandesa, grega e sueca) e a sua elevação ao patamar de
direito fundamental (Constituições espanhola e polaca).
A Constituição portuguesa apresenta a originalidade, em
termos de direito constitucional comparado, de assumir e garantir os dois
modelos. Como tarefa fundamental do Estado, surge logo na alínea d) do artigo
9º, que define ao Estado a tarefa de promover o bem-estar e a qualidade de vida
do povo e a concretização dos direitos ambientais, tarefa que deve ser lida de
forma conjugada com o disposto no nº 2 do artigo 66º, que atribui ao Estado,
por meio de organismos próprios, diversas actividades de protecção ambiental, e
com o disposto no artigo 81, nomeadamente as alíneas a) l), m) e n), que
definem as incumbências prioritárias do Estado no âmbito económico e social.
Por sua vez, na sua dimensão subjectiva, de direito fundamental ao ambiente de
vida humana saudável e ecologicamente equilibrado, é reconhecido no artigo 66º,
nº 1, e assegurado como direito social. Desta complexa opção constitucional
decorre, em grande medida, a riqueza e profundidade do normativo constitucional
em análise, que irradia para múltiplos dispositivos constitucionais.
Como direito fundamental ao ambiente, tanto exige do Estado
prestações positivas, isto é, concretas actividades de promoção de um ambiente
sadio e ecologicamente equilibrado ou de controlo de acções capazes de o
degradar, como impõe limites travões à acção estadual, impedindo o Estado, no
limite, de agir, se essa acção puser em causa o referido ambiente sadio e
equilibrado. Seja, porém, como for, perante a natureza mesma do ambiente, sem
fronteiras políticas e fruto de múltiplas sinergias e interconexões, dependente
de inúmeras condicionantes, da qual fazem parte asa acções humanas,
intencionais, reconhecer que o Estado pode, pela abstenção ou pela acção,
garantir ao cidadãos o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado
é colocar a garantia do direito num ponto demasiado elevado para as forças
estaduais o poderem alcançar.
A perplexidade daqui decorrente deve compreender-se à luz do
contexto do nascimento do ambiente como preocupação politica, exigindo
empenhamentos e particulares níveis de confiança nos resultados da acção. Essa
preocupação politica conduz a uma modelação do direito fundamental ao ambiente
diferente da clássica, que materialmente o
integra numa nova categoria de direitos humanos, para lá dos direitos
económicos, sociais e culturais.
Assim, o direito fundamental a um ambiente sadio e
ecologicamente equilibrado caracteriza-se por não ser um puro direito perante o
Estado ou dirigido ao Estado. O direito co-envolve o dever de todos
contribuírem para que do Estado solicitem, isto é, em concreto, a defesa do
ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, o que abre espaço para a dimensão
auto-reflexiva do direito. Porém, tal não serve para diminuir o papel acrescido
que o Estado detém como destinatário privilegiado como garante da efectividade
do direito em causa.
Na nossa Constituição, o direito ao Ambiente é enquadrado
como um direito social (em sentido amplo) pela maioria da doutrina (Jorge
Miranda, Vieira de Andrade, Gomes Canotilho), correspondendo-lhe
consequentemente o regime especifico dos direitos sociais. Jorge Reis Novais,
no entanto, defende uma teoria unitária de direitos fundamentais, ou seja, não
se referindo apenas ao direito ao ambiente, mas aos direitos sociais no seu
conjunto, considera que será aplicável a alguns direitos sociais o mesmo regime
dos direitos de liberdade. Quanto a mim, penso que os argumentos de Reis Novais
têm procedência. Isto porque o autor realça o facto dos direitos fundamentais
serem frequentemente enquadráveis segundo uma visão estanque, entre direitos
cujo conteúdo é materializado numa abstenção (non facere) e outros que se
caracterizariam essencialmente por consistirem em condutas positivas (facere) a
maior parte das vezes fácticas. Na opinião do referido autor, tal argumento é
enganoso. Isto porque apesar de se poder referir que em relação a um
determinado direito, a vertente positiva ou a negativa pode desde logo
sobressair, ou manifestar-se de forma mais intensa (exemplo: direito a vida, é
desde logo o não ser privado da vida que releva, porém tal facto não desvirtua
o dever do Estado encetar condutas positivas com vista à protecção do direito).
ou seja, tudo se resume ao plano da efectividade que se quer conferir ao
direito em causa. Pois desde logo, que ninguém pense que o direito a vida se
basta com a mera abstenção, pois o Estado tem de dispor dos meios coercitivos
para reprimir violações encetadas por terceiros, e tal conduta apresenta um
conteúdo positivo. Também o argumento de que os direitos sociais (assim o
direito ao ambiente) está sujeito à “reserva do financeiramente possível” não
se mostra relevante, pois todos os direitos envolvem custos, isto se os
dotarmos do grau de efectividade elevado. Gastar mais recursos com a
defesa/promoção do ambiente ou gastar mais em segurança, é certo que é matéria
que diz respeito à definição de opções políticas primárias. Tal argumento,
serve para os críticos da teoria unitária de direitos fundamentais a recusarem
a jusfundamentalidade aos direitos sociais, visto que estariam na dependência
de maioria parlamentar, característico do principio da separação de poderes.
Pois bem, a jusfundamentalidade de um direito não está afectada por tal facto,
visto que esse “problema” não é privativo dos direitos sociais, mas de todo e
qualquer direito fundamental, na medida em que numa situação de escassez de
recursos, opções á a fazer, quanto ao grau de efectividade que se pretende
dotar um determinado direito.
Por último ainda se diga que relativamente ao direito ao
ambiente (direito social), a sua configuração como um direito de facere ou de
non facere derivará consoante a perspectiva que se detenha do mesmo e claro, do
Estado em que estamos inseridos. Isto porque, caso eu detenha recursos próprios
e pretenda exercer o direito ao ambiente, claro que será o dever de respeito
(na tripartição de ALEXY, este identifica como conteúdo de um direito: dever de
respeitar, dever de promover, dever de protecção) que relevará. No entanto,
caso eu já esteja a exercer o meu direito ao meio ambiente, relevará a
protecção que o Estado me conferir perante intervenções conflituantes de
terceiros. Porém, já se eu não dispuser dos meios económicos para o efeito, ou
se por um qualquer motivo existir um obstáculo fáctico que obste ao meu
exercício, já relevará o dever de promoção que incumbirá ao Estado.
Em suma, diga-se que pelo menos quanto ao dever de respeito
que incumbe ao Estado, esse será transversal a qualquer direito fundamental.
Quanto à prática de condutas de protecção ou promoção, tal derivará do grau de
efectividade que se queira imprimir a um qualquer direito. Isto porque como nos
diz Reis Novais, “os direitos fundamentais têm que ser olhados como um todo, e
não numa perspectiva prima facie”.
Relação entre
Constituição e lei ordinária:
Todo este enquadramento, permite aproximar o leitor da
temática dos direitos fundamentais, que subjazem ao presente tema. Isto porque,
importa deixar claro, do ponto de vista dogmático, qual a compreensão dos
direitos fundamentais que julgo adequada, pois tal condicionará a resposta a
dar à pergunta que encabeça o presente estudo.
A temática das restrições respeita, por definição e a partir
do momento em que a Constituição vincula todos os poderes públicos à
observância dos direitos fundamentais, às relações entre o plano constitucional
da consagração dos direitos fundamentais e o pano das posteriores intervenções
de quaisquer poderes constituídos do Estado nesse domínio. Porém, dada a
posição funcional que ocupa na separação de poderes própria de Estado de
Direito, é ao legislador ordinário que incumbe a primeira e, em larga medida,
decisiva, confrontação com o problema.
No que se refere ao sentido da supremacia das normas constitucionais
de garantia de direitos fundamentais face ao legislador ordinário, a relação
direitos fundamentais/lei é, aparentemente, unívoca e linear, dado que, se é
obrigado a partir da clara e expressa afirmação do primado, vinculatividade e
aplicabilidade directa que a Constituição reconhece aos preceitos
constitucionais (e aqui ao contrário da maioria da doutrina incluo não só os
direitos de liberdade mas também os direitos sociais).
O reconhecimento constitucional da aplicabilidade directa dos
direitos fundamentais e da correspondente vinculação do legislador ordinário
aos seus preceitos marca uma clara inversão da visão tradicional da relação dos
direitos fundamentais/lei com enormes consequências em toda a ordem jurídica.
Não obstante, a aparente clareza da definição constitucional presente na
cláusula de vinculatividade e aplicabilidade directa, as consequências práticas
da reconhecida subordinação do legislador aos direitos fundamentais são mais
complexas do que o sugerido pela fórmula do art. 18 nº1 da CRP.
Esta complexificação, deriva, não apenas das diferenças de
perspectivas teóricas de avaliação do papel do legislador, mas também de razões
materiais relacionadas com a própria natureza e objecto da garantia das normas
constitucionais de direitos fundamentais que obrigam a matizar o sentido de uma
relação de supremacia aparentemente linear e de consequências pacificamente
acolhidas.
A dificuldade básica deriva do facto de a Constituição
pretender assegurar, neste domínio, uma vinculação estrita de todos os poderes
públicos, e primariamente do legislador,
aos direitos fundamentais, mas ser, todavia, obrigada a recorrer a formulações
que, para tomarem na devida conta a natureza potencialmente expansiva e conflitual
do objecto da garantia dos direitos fundamentais e a complexidade da sua
realização nas condições concretas da vida, revestem tendencialmente, mesmo no
que se refere aos direitos de liberdade um carácter geral e principal donde não
é possível extrair, de forma pacifica e unívoca, o sentido concreto da
vinculação exigida.
Assim, e apesar da proclamada subordinação do legislador aos
direitos fundamentais, há, desde logo, a necessidade de diferenciar em função
dos diferentes graus de abertura que as normas constitucionais de garantia de
direitos fundamentais apresentam face à realidade constitucional e às mutações
que nela se verificam e, em consequência, ao direito ordinário emergente.
A Constituição revela, de facto, uma disponibilidade
tendencial para se permeabilizar às normas infra-constitucionais que conformam
juridicamente os recortes de realidade objecto do seu “programa normativo”. Por
sua vez, essa abertura será tanto maior quanto o sector de realidade em questão
careça de uma conformação jurídica de tal forma detalhada e intensa que só
possa ser proporcionada pelo legislador ordinário, pelo que a “infiltração” da
Constituição pelas leis ordinárias será tanto mais pressionante quanto o “âmbito normativo” dos
direitos fundamentais seja mais ou menos produzido ou influenciado pelo
Direito, sendo, por exemplo, maior no caso de uma garantia institucional do que
um direito negativo pessoal de defesa, maior no direito ao casamento ou num
direito processual do que no caso da liberdade de arte ou de religião.
Por exemplo, Majewski considera que a solução do problema da
relação conflitual entre o principio do primado da Constituição e o principio
da autonomia do legislador no domínio dos direitos fundamentais, só
indiciariamente depende do tipo de reserva de que a Constituição dotou cada
direito fundamental. Ou seja, sendo certo que um direito fundamental sem
reservas seria, em principio, menos acessível, à legislação ordinária, o factor
decisivo para apurar o diferente grau de abertura de um direito fundamental e a
consequente diferenciação na competência da respectiva conformação por parte do
legislador seria sempre a diferente estrutura dos eu âmbito normativo.
A restrição
propriamente dita:
Independentemente da diversidade de tipologias propostas
pelos Autores, e da multiplicidade de conceitos mais frequentemente utilizados
(restrição, delimitação, intervenção, conformação, concretização…),
interessa-me, aqui, precisar o sentido das diferenças entre essas modalidades
de intervenção de forma que me permita posteriormente, muito menos que
questionar a justeza das soluções adoptadas, considerar a questão das
exigências formais e materiais correspondentemente aplicáveis.
Em teoria, é certo, é possível construir, independentemente
da designação adoptada, inúmeras modalidades de intervenção nos direitos
fundamentais conceptualmente distintas. Já, porém, em termos genéricos, é muito
difícil, se não impossível, encontrar critérios sólidos de distinção, tendo em
conta que o objectivo principal visado não é tanto o da distinção conceptual,
como, sobretudo, o da determinação da aplicabilidade dos requisitos de Estado
de Direito. Assim, se em teoria é aparentemente pacífica a distinção, por
exemplo, entre regulamentação de exercício d um direito fundamental e a
restrição desse direito – regulação dos pormenores práticos do exercício de um
direito – regulação dos pormenores práticos do exercício de um direito em ordem
a facilitar ou adequar a sua efectivação nas condições complexas das relações
da vida, no primeiro caso, e afectação desvantajosa do próprio conteúdo de um
direito fundamental, no último - , na prática a distinção pode revelar-se muito
mais problemática. Em principio, a regulamentação, enquanto sub-espécie dentro
da categoria do desenvolvimento dos direitos fundamentais, visa ajudar o
exercício dos direitos fundamentais, mas nela, está também presente, ainda que
mediatamente orientada àquele fim, uma intenção restritiva pelo que não é fácil
determinar se – ou a partir de que intensidade – a realização dessa intenção
produz efeitos e se constitui em intervenções restritivas a que deva, portanto,
ser aplicado regime jurídico idêntico ao das restrições propriamente ditas.
Para além dessas dificuldades em estabelecer fronteiras
precisas entre normas restritivas e normas de desenvolvimento de direitos
fundamentais, há, ainda, a notar que a mesma norma pode assumir uma dupla
natureza envolvendo aquelas duas dimensões. Veja-se, neste sentido, o caso
típico das normas penais ambientais: destinam-se por um lado, a proteger
valores dignos e carecidos de protecção, entre os quais também, valores
jusfundamentais, mas simultaneamente, fazem-no através da ameaça ou da efectiva
restrição do mesmo ou de outros direitos fundamentais do próprio ou de outros
titulares. Por exemplo, a valoração do impacto ambiental, seria quase
impossível sem o estabelecimento de regras. Logo, a criação do procedimento de
impacto ambiental é uma condição de exercício de um direito. Porém, é também
indiscutível que essas regras impõem proibições, limites e restrições à própria
liberdade ao próprio direito ao ambiente, pelo que elas são simultaneamente
regulamentação e restrição de direitos fundamentais.
Quando nos situamos no âmbito das restrições dos direitos
fundamentais consideradas em sentido lato, ou seja, enquanto comportamentos
estatais que afectem desvantajosamente a garantia de um bem jusfundamentalmente
protegido, podemos distinguir duas modalidades: as restrições, em sentido
estrito, e as intervenções restritivas em direitos fundamentais. As restrições
em sentido estrito têm uma vocação normativa geral e abstracta, o que significa
que o prejuízo da liberdade produzido se identifica com uma alteração da
própria norma jusfundamental – isto é, verifica-se uma redução, amputação ou
eliminação do conteúdo objectivo do direito fundamental constituído,
reconhecido, conformado ou delimitado por essa norma, restringindo-se o seu
âmbito de protecção. Já numa intervenção restritiva em direito fundamental afecta-se
negativamente o conteúdo da posição individual que resulta da titularidade de
um direito fundamental, permanecendo, todavia em principio, inalterada a norma
de direito fundamental e o correspondente conteúdo objectivo do direito.
Assim enquanto que uma norma que regula a possibilidade de
expropriações em determinadas circunstâncias poderá ser eventualmente
considerada uma restrição ao direito de propriedade, já o acto de expropriação
– independentemente da forma que revista – será uma intervenção restritiva no
bem protegido por esse direito. Isto significa que a afectação desvantajosa do
âmbito de protecção do direito fundamental, que caracteriza a restrição em
sentido lato, pode operar-se em dois planos ou momentos logicamente distintos.
Por uma lado, o âmbito de protecção de um direito fundamental, tal como resulta
da interpretação, comportada pela sua primeira conformação ou delimitação
constitucional, pode ou deve ser redefinido num sentido de amputação ou
eliminação parcial em função do prosseguimento de outros valores ou interesses
e com base numa autorização expressa ou implicitamente admitida; este é o
domínio das restrições aos direitos fundamentais em sentido estrito, ou seja,
as regulações que, com um sentido de preenchimento mais acabado do âmbito de
protecção do direito fundamental, alteram, restringindo, com uma intenção de
validade geral e abstracta, a primitiva norma de direito fundamental.
Com a delimitação que acima se efectua, pode-se concluir que,
relativamente ao direito ao ambiente poderão existir restrições, bem como
intervenções restritivas. Isto leva, a considerar o direito ao ambiente num
plano idêntico ao dos direitos de liberdade, pelo menos na sua vertente
negativa.
A efectividade da
tutela:
Nos dias de hoje, o direito do ambiente tem, sofrido
alterações profundas, quer quanto à consciencialização da sua importância, quer
quanto à proliferação de procedimentos que regulam o exercício ao direito ao
ambiente, que por vezes conflitua com outros direitos também com dignidade constitucional.
Já atrás deixei claro, como compreendo o direito ao ambiente,
é um direito fundamental, como qualquer outro, não tendo a sua
jusfundamentalidade desconsiderada por ser qualificado como um direito social.
Nesse sentido deixe-se claro que as restrições ao memo direito devem obedecer
aos requisitos do artigo 18 da CRP. Neste sentido, considero que a tutela do
direito ao ambiente não deve ser desconsiderada. Isto porque, em legislação
especial não se efectiva plenamente os interesses de parte dos seus titulares (os
particulares). Muita da legislação que hoje regula a matéria do ambiente é por
vezes obsoleta, na medida em que nomeadamente atribui indemnização a um números
reduzido de casos, deixando de fora casos análogos, que não se entende que sejam
excluídos. O que quererá isto dizer? Que nos conforme-mos com a mitigação da
tutela? Ou que por via de uma compreensão adequada dos direitos fundamentais se
proponha uma tutela efectiva? Será a tutela neste campo especifico um limbo?
Desde já adianto a minha resposta. Considero que o sistema de
direitos fundamentais é a via adequada para solucionar a questão. O artigo 22
da CRP, cuja redacção permanece inalterada desde 1976, estabelece um principio
geral da responsabilidade civil do Estado e das demais entidades públicas. O
principio constante deste artigo, é assumido constitucionalmente como
instrumento fundamental de protecção dos particulares num Estado de direito. A
sua principal função é reparadora, garantindo aos lesados o “ressarcimento” dos
danos causados pelos actos praticados pelos titulares dos órgãos, funcionários
e agentes do Estado e de entidades públicas – Ac TC nº 236/04.
Nesta primeira dimensão, o direito à indemnização impõe-se
como um postulado intrínseco da efectividade da tutela jurídica condensada no
direito do respectivo titular naqueles casos, pelo menos, em que se verifica a
sua violação. Mas para além desta evidente e importante função reparadora, a
valorização do princípio da responsabilidade civil dos poderes públicos, na
medida em que sancione o funcionamento anormal dos serviços públicos, cumpre
igualmente uma importante função preventiva e de controlo do bom funcionamento
dos serviços públicos.
O sentido fundamental do artigo 22 – e o paradigma que lhe
subjaz – harmoniza-se com a tendência há muito assumida no Direito da União
Europeia.
O tribunal de Justiça tem, na verdade, admitido amplamente a
responsabilidade civil dos Estados-Membros. A lei nº 67/2007 de 31 de Dezembro,
veio concretizar o novo paradigma constitucional e em matéria de
responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.
O principio da responsabilidade civil dos poderes públicos é
delimitado no artigo 22 em temos muito amplos. Por outro lado, o artigo 22 deve
ser visto, ele próprio, como manifestação do principio do Estado de Direito,
nem sequer esgotando o universo das situações que à luz do referido principio
merecem tutela ressarcitória.
No artigo 22, o legislador constitucional tem potencialmente
em vista, não apenas as actuações administrativas, mas também as actuações
politico-legislativas e jurisdicionais. Concretamente o artigo 22 da
Constituição fornece a base constitucional para que se possa afirmar o direito
dos particulares, lesados por uma acção ou omissão legislativa ilícita e
censurável, a obter a reparação dos danos causados. Por outro lado, não
obstante a legislação ordinária continuar a distinguir no plano substantivo,
entre acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder
público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo e
actividades de gestão privada, o artigo 22 da CRP, enquanto principio geral,
que pode ser conformado, com maior ou menor amplitude – incluindo, com a
previsão de regimes diferenciados – pelo legislador ordinário, não se aplica
apenas no âmbito da actividade da gestão pública, não podendo a Administração
furtar-se ao principio da responsabilidade através da fuga para o Direito
Privado ou da manipulação da natureza jurídica da personalidade colectiva.
A não aceitação do
limbo:
Apesar de tudo quanto ficou dito, controversa é a questão de
saber se o preceito constitucional contempla igualmente a responsabilidade
civil pelo risco e a indemnização pelo sacrifício.
A génese do preceito nos trabalhos preparatórios da
Assembleia Constituinte, a afirmação do principio da responsabilidade
solidária, o confronto com outras disposições constitucionais que prevêem
situações de responsabilidade civil objectiva, onde sobressai a previsão da
indemnização por sacrifício licito de direitos patrimoniais plasmada no artigo
62, nº 2, apontam no sentido de que o artigo 22, consagra tão somente um
principio geral de responsabilidade civil do Estado por factos ilícitos e
culposos. A distinção da parte final do artigo 22 – “violação de direitos”- não
infirma a referida conclusão, não só porque a responsabilidade por factos
ilícitos pode não advir da violação de direitos, liberdades e garantias, mas
também porque a responsabilidade por acções e omissões de que resulte prejuízo
para outrem também é constitucionalmente configurada como uma responsabilidade
tendencialmente solidária.
Todavia, de acordo com o entendimento largamente
prevalecente, mesmo quando se considera que o artigo 22, consagra um principio
geral de responsabilidade civil do Estado, seja por facto ilícito, seja pelo
sacrifício ou pelo risco, não deixa de se reconhecer que o artigo 22, na parte
referente à responsabilidade por factos ilícitos e culposos, é directamente
aplicável.
A recusa em retirar do
artigo 22, um titulo habilitante para uma responsabilidade civil objectiva não
impede que se reconheça que, por força do principio do Estado de Direito, é
possível afirmar um direito geral à reparação dos danos mesmo em domínios não
cobertos pelo preceito constitucional referido.
Em qualquer caso, se é certo que este entendimento significa
que, mesmo em relação a domínios não cobertos pelo artigo 22, não está excluído
que seja possível extrair da CRP uma tutela ressarcitória, não é menos verdade
que a liberdade de conformação do legislador, quando concretiza o principio do
Estado de Direito, é maior do que naquelas situações em que se limita a
regulamentar o disposto num preceito.
Neste sentido, há que
fazer uma escolha: ou se tutela efectivamente os particulares quando sejam
especificamente onerados no seu livre exercício do direito ao ambiente (claro
que sempre dentro das situações que possamos qualificar como responsabilidade
pelo risco, responsabilidade pelo sacrifício, e responsabilidade por factos
ilícitos) ou a tutela do direito ao meio ambiente permanecerá num limbo,
que mais do que dizer respeito a um direito social “sob reserva do possível”,
será um direito tutelado quando já não for possível…
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- Para um Contencioso
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Diogo Giroto nº 18643 sub 6
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