TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA
Exmo. Sr. Juiz de Direito do Tribunal
Administrativo de Círculo de Lisboa,
O Município de Lisboa, Paços do Concelho –
Praça do Município, 1149 – 014, Lisboa,
Vem deduzir,
Contestação
Por impugnação contra,
A Sociedade Lislixo, S.A., NIPC 123 123 123,
com sede na Rua Patrocínio, Nº 111, 2715-311, Lisboa,
Em coligação com,
A Associação Ambientalista Verdetotal, NIPC 987 987 987,
com rede na Rua Monte Olivete, Nº 35, 1200-278, Lisboa,
O que faz nos termos do art. 83º/1 do Código Processo dos Tribunais
Administrativos, doravante CPTA, e com os seguintes fundamentos:
I – DOS FACTOS
1º
Corresponde à verdade o referido nos quesitos 1º a 6º da Petição Inicial (
doravante PI);
2º
Dão-se igualmente como provados os quesitos 9º a 11º;
3º
É verdade que o Município de Lisboa celebrou um contrato de concessão de
serviços públicos com a Sociedade Lislixo, S.A. em regime de exclusividade;
4º
No entanto, o contrato apresentado pela Sociedade Lislixo, S.A. padecia de
uma invalidade na formulação das partes, uma vez que é tido como formalidade
assente que o PRIMEIRO OUTORGANTE é o contraente público;
5º
Como tal, esse contrato foi impugnado, tendo o nosso departamento jurídico
comunicado à Sociedade Lislixo S.A. o sucedido (anexo 1), enviando ainda em
anexo no referido e-mail o contrato que veio a ser celebrado no dia 9 de
Dezembro de 2009 (anexo 2);
6º
Foi requerido no e-mail um aviso de receção, sendo que o mesmo foi feito
pela Sociedade Lislixo, S.A. (anexo 3);
7º
Dá-se como provado o quesito 13º;
8º
Relativamente ao disposto nos quesitos 14º e 15º da PI, não percebe o Réu
por que razão é afirmado nos mesmos que há um efetivo desaparecimento de RSU,
uma vez que não é apresentada qualquer prova que demonstre tal facto;
9º
Após a receção do e-mail, enviado a 18 de Dezembro de 2012 pela Lislixo,
S.A. (anexo 7 da Petição Inicial), o Município tomou a iniciava de notificar a
GNR conforme consta dos anexos da presente contestação (anexos 4, 5, 6 e 7);
10º
Impugna o Réu a veracidade dos anexos 2, 3 e 4 da Petição Inicial, pois não
provém de nenhuma fonte oficial, fidedigna e idónea. Até um leigo em computadores
conseguia fazer uma tabela do género;
11º
A diminuição de RSU nos seus pontos de recolha é uma decorrência lógica da
grave crise económica que assola os cidadãos, razão pela qual impugnamos os
dados trazidos à colação pelos autores nos quesitos 16º e 18º;
12º
Além do mais, a diminuição da recolha de resíduos reflecte-se mais nos
cofres do Município de Lisboa do que na Sociedade Lislixo, S.A. uma vez que
eles recebem uma retribuição certa todos os anos independentemente das
toneladas de RSU recolhidas, tal como consta da cláusula 19º do contrato;
13º
Parece-nos que os AA. não entendem o conceito de exclusividade: o facto do
Município de Lisboa apenas estar vinculado à Lislixo, S.A. não significa que a
mesma seja obrigada a ter-nos como único cliente, daí impugnarmos os quesitos
19º e 20º;
14º
Perante o anexo 5 apresentado pelos AA. na PI, ficamos estupefactos com as
insinuações dos mesmos ao alegarem que houve uma diminuição dos resíduos, visto
que os ecopontos presentes nas imagens anexadas na PI estão rodeados de “lixo”;
15º
De resto, a concessionária tem o dever contratual de acautelar a capacidade
dos ecopontos para a quantidade de RSU a depositar, e só por falta de
diligência da sua parte se verifica a existência de “lixo” na rua, como explicaremos infra;
16º
E mais, não reconhece o Réu as imagens anexadas à PI como representando
contentores do Município de Lisboa, uma vez que não apresentam a morada onde
estão localizados. Os mesmos poderiam até estar situados na Região Autónoma dos
Açores;
17º
Ademais, ainda que o douto Tribunal assim não entenda, consta da cláusula
1º/1 al. b) do contrato por nos apresentado em anexo 2 que a limpeza da zona
circundante dos ecopontos cabe à Sociedade Lislixo, S.A.;
18º
Muito embora a acção de “catadores de lixo” provoque uma proliferação de
RSU no espaço envolvente aos ecopontos, reiteramos que a responsabilidade pela
limpeza destes espaços incumbe à Sociedade Lislixo, S.A, impugnando assim o
conteúdo dos quesitos 22º, 23º e 24 da PI;
19º
Em relação ao conteúdo dos quesitos 26º, 27º e 28º da PI remete-se para o
conteúdo do quesito 9º desta contestação;
20º
Foi muito difícil compreender o pedido dos autores, na medida em que o
mesmo é inconclusivo;
21º
Não se percebe o que os autores na prática entendem por fiscalização (um
polícia em cada ecoponto? câmaras de videovigilância?). Questiona-se se os
autores sabem o número de ecopontos que existem só no concelho de Lisboa;
(anexo 7).
II- DO DIREITO
22º
Não se pretendendo ferir o âmbito de competências do douto Tribunal, é em
face do Direito e do sentido útil do processo, que em rigor notamos que a
Petição Inicial (PI) dos AA. padece de falta de objetividade e coerência
argumentativas (veja-se, amiúde, a enumeração manualística de posições doutrinárias contraditórias
donde nada se extrai para a linha argumentativa seguida, por ex. nos quesitos
29º a 36º da PI);
23º
Questiona-se o entendimento dado pelo quesito 7º da Petição Inicial (PI),
pelos AA. relativo à competência do Município de Lisboa para estar presente em
juízo;
24º
Sendo o Município de Lisboa uma pessoa coletiva de direito público, deveria
ser utilizado o número 2 do artigo 10º, CPTA, e não o número 1 tal como
referido pelos AA. (vide, quesito 7º da PI);
25º
Além do mais, tendo os AA. feito uma cumulação de pedidos juntamente com
uma coligação de autores, deveriam ter utilizado como base legal o 10º/5 do
CPTA;
26º
Como se tal não fosse já bastante, a PI revela impreparação técnica e
desconhecimento da lei, em especial flagrantes no que concerne à legitimidade
passiva e à formulação do pedido: os AA. ignoram nos seus articulados os
segmentos normativos específicos conferidores de legitimidade passiva às
entidades demandadas;
27º
Ademais, o pedido, formulado pelos AA., tal como já havíamos referido no
quesito 20º (supra), é inconsequente e inadequado face à fundamentação
aduzida (já de si incoerente), o que tendo em conta a letra do 95º/1 CPTA
delimita o objeto do Processo e o âmbito da decisão - v., em especial o
segmento normativo seguinte: “(…) e não pode ocupar-se
senão das questões suscitadas (…)”;
1- DO CONTRATO
i) DO OBJECTO
28º
Nos termos do 3º, al. ee) do Regime Geral dos Resíduos (DL 178/2006 de 5 de
Setembro, com as alterações constantes do DL 73/2011 de 2011 de 17 de Junho)
resíduo é “quaisquer substâncias ou objectos de que o detentor se desfaz ou tem
a intenção ou a obrigação de se desfazer” (cfr. Alexandra Aragão, Direito Administrativo dos Resíduos, in Tratado de Direito
Administrativo Especial– vol. I coord. Paulo Otero & Pedro Gonçalves,
Almedina, 2009, p. 48);
29º
A partir do momento em que os RSU são depositados nos contentores há uma
integração dos bens a favor do concessionário (sobre o regime de bens na
concessão v. Fernanda Maçãs “A concessão de serviço publico e o
Código dos Contratos Públicos” in Estudos da Contratação Publica pág. 418 e 419): donde resulta a transferência
da propriedade dos mesmos para o concessionário,
30º
É factual que o Município aderiu, através do contrato de concessão, à
implantação e promoção dos sistemas de deposição selectiva multimaterial,
nomeadamente por deposição em ecopontos dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU),
categoria de resíduos “predominantemente composta por resíduos
domésticos, provenientes de habitações”;
31º
Como defende a Autora, ainda que se encare o cidadão como peça importante
na gestão de RSU (na tripla dimensão de produtor de resíduos, consumidor
responsável e agente) existe desde logo a“necessidade de transferir para
terceiros, que não o produtor, parte da responsabilidade pela gestão de tais
resíduos” (idem, p. 61);
32º
Segundo Alexandra Aragão “muitos dos aspectos da deposição e remoção de
resíduos urbanos ou equiparados encontram-se estabelecidos em Regulamentos
Municipais, que definem esta actividade como o afastamento dos RSU e
equiparados dos locais de produção, mediante deposição, recolha e transporte, e
podendo integrar ainda a limpeza pública.” (idem, ibidem). É este o caso do
Município de Lisboa, conforme atesta o art. 6º/2 do Regulamento Municipal;
33º
Importa ainda considerar, para a compreensão da expectativa do Município
colocada na concessionária, a noção legal de gestão de resíduos, constante do
artigo 3º al. p) do Regime Legal dos Resíduos já citado: “a recolha, o
transporte, a valorização e a eliminação de resíduos, incluindo a supervisão
destas operações, a manutenção dos locais de eliminação no pós -encerramento,
bem como as medidas adoptadas na qualidade de comerciante ou corretor”.
ii) DA REMUNERAÇÃO
34º
Ao contrário do que é invocado pelos AA., a remuneração do concessionário é
fixa e constante, independentemente da quaisquer medidas quantificadoras dos
resíduos (v.g. tonelada) conforme se comprova pelo Contrato anexado (anexo 2);
35º
Assim, não há base de facto ou de Direito para que os AA. aleguem quaisquer
prejuízos financeiros para o concessionário decorrentes da diminuição das
quantidades de resíduos recolhidas. Quedam por explicar os prejuízos
financeiros da concessionária, sendo curial relevar a possível existência de
práticas de gestão danosa naquela Sociedade, já noticiadas (v. Público, 15/01/2013, p.23; v. Diário de Notícias, 18/01/2013, p. 8) e
do conhecimento público;
36º
Ademais, estamos perante um contrato potencialmente vantajoso para o
concessionário em face da forma de remuneração estabelecida (v. o anexo 8), que
à data da celebração de contrato se deveu à importância e relevo da atividade
de recolha de resíduos para os propósitos ambientais do Município de Lisboa,
bem como para o bem-estar dos munícipes de Lisboa;
37º
Na verdade, dado o incumprimento do contrato em que incorreu a Sociedade
Lislixo, S.A., existe, isso sim, um prejuízo financeiro avultado para o Município
que, tendo cumprido sempre pontualmente o pagamento da remuneração ao
concessionário, esperava em contraprestação, obter o cumprimento integral dos
deveres contratuais por parte da Sociedade Lislixo S.A. – tal não tendo
acontecido, cabe constatar que esta última se locupletou à custa do orçamento
camarário, i.e, de verbas públicas.
iii) DA EXECUÇÃO
38º
Note-se que os deveres de fiscalização do Município (regulados nos arts.
302º al. b), 303º/1 e 2, 305º CCP) nunca foram descurados por este. Do
exercício daqueles deveres resultou a tomada de conhecimento da situação de
facto já descrita e a consequente solicitação da intervenção das entidade
competente para reprimir o furto, a Guarda Nacional Republicana (G.N.R.), nos
termos do art. 190º/1 do Regulamento Geral de Serviço da G.N.R..
39º
O Município está consciente de ter zelado pela segurança e saúde públicas,
observando sempre os limites ínsitos aos poderes de fiscalização.
iv) DO INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
40º
Assente está que o crescente furto de resíduos deve-se, em exclusivo, ao
incumprimento do contrato por parte da Sociedade Lislixo S.A., pois os sujeitos
desconhecidos antecipam-se à passagem das viaturas daquela Sociedade;
41º
Era obrigação da concessionária adoptar as medidas necessárias, no
âmbito da concessão, que colocassem termo à situação fáctica descrita, como por
exemplo o aumento do número de rondas das viaturas da empresa para recolha de
resíduos ou o aumento do número de ecopontos existente;
42º
Era dever da concessionária ter tomado tais medidas: em função da sua direta
relação com o objeto do contrato (a recolha de RSU), conforme anexado, pois que
como nota Pedro Gonçalves: “A entidade pública contratante não pode exigir
prestações contratuais desproporcionadas ou que não tenham uma relação direta
com o objeto do contrato”(Cfr. Pedro Gonçalves apud Carla Amado Gomes, Risco e Modificação do Ato Autorizativo Concretizador de Deveres de Proteção
do Ambiente, FDUL, 2006, p. 774);
43º
Em virtude do princípio de adaptação às necessidades, nos termos do art.
429º CCP (pois que como salienta Menezes Cordeiro, ob.cit., p. 111: “os riscos próprios do contrato são (…) aquelas pequenas
flutuações do dia-a-dia, que ao concessionário compete gerir.”);
44º
Num contrato de concessão com direito de exclusividade, os deveres de zelo
e diligência derivados da boa-fé no cumprimento da prestação, revestem especial
intensidade, na medida em que esta aumenta as expectativas juridicamente
relevantes do Município (Cfr. Lino Torgal / João de Oliveira Geraldes, Concessões de Atividades Públicas e direito de exclusivo, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, vol IV, p. 541-567);
45º
Cumpre assinalar que o concessionário exerce a função administrativa e
está, portanto, sujeito às vinculações jurídico-públicas desta decorrentes, maxime a vinculação ao interesse público e ao
princípio da legalidade (art. 266º CRP). Parecem ignorar os AA. a existência de
uma relação contratual;
46º
Não se tendo verificado nenhuma das medidas acima indicadas ou outras tendentes à execução do objeto do contrato, i.e., à recolha dos RSU, existe incumprimento do contrato por parte do concessionário (art. 325º nº1 CCP).
Não se tendo verificado nenhuma das medidas acima indicadas ou outras tendentes à execução do objeto do contrato, i.e., à recolha dos RSU, existe incumprimento do contrato por parte do concessionário (art. 325º nº1 CCP).
v) DA RESOLUÇÃO
47º
Dada esta situação, o Município perdeu o interesse na prestação (325º/1 CCP in fine) tendo em conta que:
48º
1) É frustrada a finalidade da concessão e queda o interesse público na
manutenção do contrato em face da inadequação do mesmo – em virtude da omissão
dos deveres por parte da concessionária - para tutelar o meio ambiente
municipal, uma vez que havendo furto de resíduos é violada a expectativa
pública aquando da celebração do contrato;
49º
2) O facto de, quotidianamente, os resíduos não estarem a ser recolhidos
conforme contratualizado criar perigos para o ambiente, para a saúde pública e
para a segurança da comunidade local;
50º
3) A forma de remuneração estabelecida ficar agora injustificada e manifestamente
desproporcionada, havendo razões económico-financeiras e de interesse público
que desaconselham a manutenção do contrato dado a inexistência, nos termos
acordados, da contraprestação contratualizada;
51º
Veja-se, a este propósito, o contributo doutrinário de Menezes Cordeiro: “ (…)a substância própria dos contratos administrativos acabará por radicar
na galáxia do Direito Público, com pontos nodais na autoridade e no interesse
público.”;
52º
Prosseguindo, o mesmo Autor considera que” a sujeição a um interesse
público opera como justificação para que uma das partes possa, unilateralmente,
introduzir modificações no contrato”(Cfr. António Menezes Cordeiro, Contratos públicos: subsídios para a dogmática administrativa com exemplo
no princípio do equilíbrio financeiro, in O Direito, nº2, Almedina, 2007,
pp. 47-48; cfr. também Carla Amado Gomes, Risco e Modificação do
Ato Autorizativo Concretizador de Deveres de Proteção do Ambiente, FDUL, 2006, pp. 732
e segs.);
53º
Em consequência do exposto, decidiu o Município resolver o contrato de
concessão com fundamento no art. 333º a) do Código dos Contratos Públicos.
2- DO PERITO
54º
Vem o Réu impugnar o requerimento para produção de prova pericial
apresentada pelos AA., na medida em que está patente uma clara ilegitimidade do
Presidente do Conselho de Administração da Sociedade Lislixo, S.A.: o
representante da Sociedade seria o Senhor Limpo nos termos do artigo 390º CSC e
não o senhor Eugénio Mãos-Sempre-Limpas.
III – PEDIDO RECONVENCIONAL
55º
Pelo exposto, e nestes termos e nos melhores de
direito, que V. Exa. mui doutamente suprirá, deve a presente contestação ser
julgada procedente e por consequência sejam os AA. condenados a pagar
indemnização, no valor de €500.000 (quinhentos mil euros) decorrente dos graves
prejuízos resultantes do incumprimento contratual (tendo em conta o disposto no
artigo 15º/2 do Contrato de Concessão de Serviços Públicos constante do anexo
2) para o interesse público nas vertentes da saúde, segurança, ambiente e qualidade
de vida.
IV – PROVA
Prova testemunhal:
- Almerindo Revira-Caixotes, GNR, residente na Praceta da Ilha dos Amores,
bloco 4.51.01 D, 2º Dto, 1990-069, Lisboa;
- Fausto Conta-Tudo, residente na Avenida das Forças Armadas, nº 7, 4º
Esq., 1950-980, Lisboa;
Junta: 8 anexos, procuração forense, DUC e comprovativo pagamento do DUC.
Lisboa, 28 de Abril de 2013
A Advogada,
Ana da Videira
RR.
João Mendes
João Santos
Diogo Gaspar
Ana Miranda
Carla Silva
Rute Fernandes
Inês Vieira
Vânia Ferreira
Laura Falcão
Filipe Mira
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