sexta-feira, 10 de maio de 2013

Contestação Município de Lisboa


TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA


Exmo. Sr. Juiz de Direito do Tribunal
Administrativo de Círculo de Lisboa,


O Município de Lisboa, Paços do Concelho – Praça do Município, 1149 – 014, Lisboa,


Vem deduzir,

Contestação

Por impugnação contra,

A Sociedade Lislixo, S.A., NIPC 123 123 123, com sede na Rua Patrocínio, Nº 111, 2715-311, Lisboa,

Em coligação com,

A Associação Ambientalista Verdetotal, NIPC 987 987 987, com rede na Rua Monte Olivete, Nº 35, 1200-278, Lisboa,

O que faz nos termos do art. 83º/1 do Código Processo dos Tribunais Administrativos, doravante CPTA, e com os seguintes fundamentos:

I – DOS FACTOS

Corresponde à verdade o referido nos quesitos 1º a 6º da Petição Inicial ( doravante PI);

Dão-se igualmente como provados os quesitos 9º a 11º;

É verdade que o Município de Lisboa celebrou um contrato de concessão de serviços públicos com a Sociedade Lislixo, S.A. em regime de exclusividade;

No entanto, o contrato apresentado pela Sociedade Lislixo, S.A. padecia de uma invalidade na formulação das partes, uma vez que é tido como formalidade assente que o PRIMEIRO OUTORGANTE é o contraente público;

Como tal, esse contrato foi impugnado, tendo o nosso departamento jurídico comunicado à Sociedade Lislixo S.A. o sucedido (anexo 1), enviando ainda em anexo no referido e-mail o contrato que veio a ser celebrado no dia 9 de Dezembro de 2009 (anexo 2);

Foi requerido no e-mail um aviso de receção, sendo que o mesmo foi feito pela Sociedade Lislixo, S.A. (anexo 3);

Dá-se como provado o quesito 13º;

Relativamente ao disposto nos quesitos 14º e 15º da PI, não percebe o Réu por que razão é afirmado nos mesmos que há um efetivo desaparecimento de RSU, uma vez que não é apresentada qualquer prova que demonstre tal facto;

Após a receção do e-mail, enviado a 18 de Dezembro de 2012 pela Lislixo, S.A. (anexo 7 da Petição Inicial), o Município tomou a iniciava de notificar a GNR conforme consta dos anexos da presente contestação (anexos 4, 5, 6 e 7);

10º
Impugna o Réu a veracidade dos anexos 2, 3 e 4 da Petição Inicial, pois não provém de nenhuma fonte oficial, fidedigna e idónea. Até um leigo em computadores conseguia fazer uma tabela do género;

11º
A diminuição de RSU nos seus pontos de recolha é uma decorrência lógica da grave crise económica que assola os cidadãos, razão pela qual impugnamos os dados trazidos à colação pelos autores nos quesitos 16º e 18º;

12º
Além do mais, a diminuição da recolha de resíduos reflecte-se mais nos cofres do Município de Lisboa do que na Sociedade Lislixo, S.A. uma vez que eles recebem uma retribuição certa todos os anos independentemente das toneladas de RSU recolhidas, tal como consta da cláusula 19º do contrato;

13º
Parece-nos que os AA. não entendem o conceito de exclusividade: o facto do Município de Lisboa apenas estar vinculado à Lislixo, S.A. não significa que a mesma seja obrigada a ter-nos como único cliente, daí impugnarmos os quesitos 19º e 20º;

14º
Perante o anexo 5 apresentado pelos AA. na PI, ficamos estupefactos com as insinuações dos mesmos ao alegarem que houve uma diminuição dos resíduos, visto que os ecopontos presentes nas imagens anexadas na PI estão rodeados de “lixo”;

15º
De resto, a concessionária tem o dever contratual de acautelar a capacidade dos ecopontos para a quantidade de RSU a depositar, e só por falta de diligência da sua parte se verifica a existência de “lixo” na rua, como explicaremos infra;


16º
E mais, não reconhece o Réu as imagens anexadas à PI como representando contentores do Município de Lisboa, uma vez que não apresentam a morada onde estão localizados. Os mesmos poderiam até estar situados na Região Autónoma dos Açores;

17º
Ademais, ainda que o douto Tribunal assim não entenda, consta da cláusula 1º/1 al. b) do contrato por nos apresentado em anexo 2 que a limpeza da zona circundante dos ecopontos cabe à Sociedade Lislixo, S.A.;

18º
Muito embora a acção de “catadores de lixo” provoque uma proliferação de RSU no espaço envolvente aos ecopontos, reiteramos que a responsabilidade pela limpeza destes espaços incumbe à Sociedade Lislixo, S.A, impugnando assim o conteúdo dos quesitos 22º, 23º e 24 da PI;

19º
Em relação ao conteúdo dos quesitos 26º, 27º e 28º da PI remete-se para o conteúdo do quesito 9º desta contestação;

20º
Foi muito difícil compreender o pedido dos autores, na medida em que o mesmo é inconclusivo;

21º
Não se percebe o que os autores na prática entendem por fiscalização (um polícia em cada ecoponto? câmaras de videovigilância?). Questiona-se se os autores sabem o número de ecopontos que existem só no concelho de Lisboa; (anexo 7).


II- DO DIREITO 

22º
Não se pretendendo ferir o âmbito de competências do douto Tribunal, é em face do Direito e do sentido útil do processo, que em rigor notamos que a Petição Inicial (PI) dos AA. padece de falta de objetividade e coerência argumentativas (veja-se, amiúde, a enumeração manualística de posições doutrinárias contraditórias donde nada se extrai para a linha argumentativa seguida, por ex. nos quesitos 29º a 36º da PI);

23º
Questiona-se o entendimento dado pelo quesito 7º da Petição Inicial (PI), pelos AA. relativo à competência do Município de Lisboa para estar presente em juízo;

24º
Sendo o Município de Lisboa uma pessoa coletiva de direito público, deveria ser utilizado o número 2 do artigo 10º, CPTA, e não o número 1 tal como referido pelos AA. (vide, quesito 7º da PI);

25º
Além do mais, tendo os AA. feito uma cumulação de pedidos juntamente com uma coligação de autores, deveriam ter utilizado como base legal o 10º/5 do CPTA;

26º
Como se tal não fosse já bastante, a PI revela impreparação técnica e desconhecimento da lei, em especial flagrantes no que concerne à legitimidade passiva e à formulação do pedido: os AA. ignoram nos seus articulados os segmentos normativos específicos conferidores de legitimidade passiva às entidades demandadas;

27º
Ademais, o pedido, formulado pelos AA., tal como já havíamos referido no quesito 20º (supra), é inconsequente e inadequado face à fundamentação aduzida (já de si incoerente), o que tendo em conta a letra do 95º/1 CPTA delimita o objeto do Processo e o âmbito da decisão - v., em especial o segmento normativo seguinte: “(…) e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas (…)”;


1-  DO CONTRATO


i)                    DO OBJECTO

28º
Nos termos do 3º, al. ee) do Regime Geral dos Resíduos (DL 178/2006 de 5 de Setembro, com as alterações constantes do DL 73/2011 de 2011 de 17 de Junho) resíduo é “quaisquer substâncias ou objectos de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer” (cfr. Alexandra Aragão, Direito Administrativo dos Resíduos, in Tratado de Direito Administrativo Especial– vol. I coord. Paulo Otero & Pedro Gonçalves, Almedina, 2009, p. 48);

29º
A partir do momento em que os RSU são depositados nos contentores há uma integração dos bens a favor do concessionário (sobre o regime de bens na concessão v. Fernanda Maçãs “A concessão de serviço publico e o Código dos Contratos Públicos” in Estudos da Contratação Publica pág. 418 e 419): donde resulta a transferência da propriedade dos mesmos para o concessionário,

30º
É factual que o Município aderiu, através do contrato de concessão, à implantação e promoção dos sistemas de deposição selectiva multimaterial, nomeadamente por deposição em ecopontos dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), categoria de resíduos “predominantemente composta por resíduos domésticos, provenientes de habitações”;

31º
Como defende a Autora, ainda que se encare o cidadão como peça importante na gestão de RSU (na tripla dimensão de produtor de resíduos, consumidor responsável e agente) existe desde logo a“necessidade de transferir para terceiros, que não o produtor, parte da responsabilidade pela gestão de tais resíduos” (idem, p. 61);

32º
Segundo Alexandra Aragão “muitos dos aspectos da deposição e remoção de resíduos urbanos ou equiparados encontram-se estabelecidos em Regulamentos Municipais, que definem esta actividade como o afastamento dos RSU e equiparados dos locais de produção, mediante deposição, recolha e transporte, e podendo integrar ainda a limpeza pública.” (idem, ibidem). É este o caso do Município de Lisboa, conforme atesta o art. 6º/2 do Regulamento Municipal;

33º
Importa ainda considerar, para a compreensão da expectativa do Município colocada na concessionária, a noção legal de gestão de resíduos, constante do artigo 3º al. p) do Regime Legal dos Resíduos já citado: “a recolha, o transporte, a valorização e a eliminação de resíduos, incluindo a supervisão destas operações, a manutenção dos locais de eliminação no pós -encerramento, bem como as medidas adoptadas na qualidade de comerciante ou corretor”.

ii)                  DA REMUNERAÇÃO

34º
Ao contrário do que é invocado pelos AA., a remuneração do concessionário é fixa e constante, independentemente da quaisquer medidas quantificadoras dos resíduos (v.g. tonelada) conforme se comprova pelo Contrato anexado (anexo 2);

35º
Assim, não há base de facto ou de Direito para que os AA. aleguem quaisquer prejuízos financeiros para o concessionário decorrentes da diminuição das quantidades de resíduos recolhidas.  Quedam por explicar os prejuízos financeiros da concessionária, sendo curial relevar a possível existência de práticas de gestão danosa naquela Sociedade, já noticiadas (v. Público, 15/01/2013, p.23; v. Diário de Notícias, 18/01/2013, p. 8) e do conhecimento público;

36º
Ademais, estamos perante um contrato potencialmente vantajoso para o concessionário em face da forma de remuneração estabelecida (v. o anexo 8), que à data da celebração de contrato se deveu à importância e relevo da atividade de recolha de resíduos para os propósitos ambientais do Município de Lisboa, bem como para o bem-estar dos munícipes de Lisboa;

37º
Na verdade, dado o incumprimento do contrato em que incorreu a Sociedade Lislixo, S.A., existe, isso sim, um prejuízo financeiro avultado para o Município que, tendo cumprido sempre pontualmente o pagamento da remuneração ao concessionário, esperava em contraprestação, obter o cumprimento integral dos deveres contratuais por parte da Sociedade Lislixo S.A. – tal não tendo acontecido, cabe constatar que esta última se locupletou à custa do orçamento camarário, i.e, de verbas públicas.

iii)                DA EXECUÇÃO

38º
Note-se que os deveres de fiscalização do Município (regulados nos arts. 302º al. b), 303º/1 e 2, 305º CCP) nunca foram descurados por este. Do exercício daqueles deveres resultou a tomada de conhecimento da situação de facto já descrita e a consequente solicitação da intervenção das entidade competente para reprimir o furto, a Guarda Nacional Republicana (G.N.R.), nos termos do art. 190º/1 do Regulamento Geral de Serviço da G.N.R..

39º
O Município está consciente de ter zelado pela segurança e saúde públicas, observando sempre os limites ínsitos aos poderes de fiscalização.


iv)                DO INCUMPRIMENTO CONTRATUAL

40º
Assente está que o crescente furto de resíduos deve-se, em exclusivo, ao incumprimento do contrato por parte da Sociedade Lislixo S.A., pois os sujeitos desconhecidos antecipam-se à passagem das viaturas daquela Sociedade;

41º
 Era obrigação da concessionária adoptar as medidas necessárias, no âmbito da concessão, que colocassem termo à situação fáctica descrita, como por exemplo o aumento do número de rondas das viaturas da empresa para recolha de resíduos ou o aumento do número de ecopontos existente;

42º
Era dever da concessionária ter tomado tais medidas: em função da sua direta relação com o objeto do contrato (a recolha de RSU), conforme anexado, pois que como nota Pedro Gonçalves: “A entidade pública contratante não pode exigir prestações contratuais desproporcionadas ou que não tenham uma relação direta com o objeto do contrato”(Cfr. Pedro Gonçalves apud Carla Amado Gomes, Risco e Modificação do Ato Autorizativo Concretizador de Deveres de Proteção do Ambiente, FDUL, 2006, p. 774);

43º
Em virtude do princípio de adaptação às necessidades, nos termos do art. 429º CCP (pois que como salienta Menezes Cordeiro, ob.cit., p. 111: “os riscos próprios do contrato são (…) aquelas pequenas flutuações do dia-a-dia, que ao concessionário compete gerir.”);

44º
Num contrato de concessão com direito de exclusividade, os deveres de zelo e diligência derivados da boa-fé no cumprimento da prestação, revestem especial intensidade, na medida em que esta aumenta as expectativas juridicamente relevantes do Município (Cfr. Lino Torgal / João de Oliveira Geraldes, Concessões de Atividades Públicas e direito de exclusivo, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, vol IV, p. 541-567);

45º
Cumpre assinalar que o concessionário exerce a função administrativa e está, portanto, sujeito às vinculações jurídico-públicas desta decorrentes, maxime a vinculação ao interesse público e ao princípio da legalidade (art. 266º CRP). Parecem ignorar os AA. a existência de uma relação contratual;

46º
Não se tendo verificado nenhuma das medidas acima indicadas ou outras tendentes à execução do objeto do contrato, i.e., à recolha dos RSU, existe incumprimento do contrato por parte do concessionário (art. 325º nº1 CCP).

v)                  DA RESOLUÇÃO

47º
Dada esta situação, o Município perdeu o interesse na prestação (325º/1 CCP in fine) tendo em conta que:

48º
1) É frustrada a finalidade da concessão e queda o interesse público na manutenção do contrato em face da inadequação do mesmo – em virtude da omissão dos deveres por parte da concessionária - para tutelar o meio ambiente municipal, uma vez que havendo furto de resíduos é violada a expectativa pública aquando da celebração do contrato;

49º
2) O facto de, quotidianamente, os resíduos não estarem a ser recolhidos conforme contratualizado criar perigos para o ambiente, para a saúde pública e para a segurança da comunidade local; 

50º
3) A forma de remuneração estabelecida ficar agora injustificada e manifestamente desproporcionada, havendo razões económico-financeiras e de interesse público que desaconselham a manutenção do contrato dado a inexistência, nos termos acordados, da contraprestação contratualizada;

51º
Veja-se, a este propósito, o contributo doutrinário de Menezes Cordeiro: “ (…)a substância própria dos contratos administrativos acabará por radicar na galáxia do Direito Público, com pontos nodais na autoridade e no interesse público.”;

52º
 Prosseguindo, o mesmo Autor considera que” a sujeição a um interesse público opera como justificação para que uma das partes possa, unilateralmente, introduzir modificações no contrato”(Cfr. António Menezes Cordeiro,  Contratos públicos: subsídios para a dogmática administrativa com exemplo no princípio do equilíbrio financeiro, in O Direito, nº2, Almedina, 2007, pp. 47-48; cfr. também Carla Amado Gomes, Risco e Modificação do Ato Autorizativo Concretizador de Deveres de Proteção do Ambiente, FDUL, 2006, pp. 732 e segs.);

53º
Em consequência do exposto, decidiu o Município resolver o contrato de concessão com fundamento no art. 333º a) do Código dos Contratos Públicos.

2- DO PERITO

54º
Vem o Réu impugnar o requerimento para produção de prova pericial apresentada pelos AA., na medida em que está patente uma clara ilegitimidade do Presidente do Conselho de Administração da Sociedade Lislixo, S.A.: o representante da Sociedade seria o Senhor Limpo nos termos do artigo 390º CSC e não o senhor Eugénio Mãos-Sempre-Limpas.


III – PEDIDO RECONVENCIONAL

55º
Pelo exposto, e nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exa. mui doutamente suprirá, deve a presente contestação ser julgada procedente e por consequência sejam os AA. condenados a pagar indemnização, no valor de €500.000 (quinhentos mil euros) decorrente dos graves prejuízos resultantes do incumprimento contratual (tendo em conta o disposto no artigo 15º/2 do Contrato de Concessão de Serviços Públicos constante do anexo 2) para o interesse público nas vertentes da saúde, segurança, ambiente e qualidade de vida.


IV – PROVA

Prova testemunhal:
- Almerindo Revira-Caixotes, GNR, residente na Praceta da Ilha dos Amores, bloco 4.51.01 D, 2º Dto, 1990-069, Lisboa;
- Fausto Conta-Tudo, residente na Avenida das Forças Armadas, nº 7, 4º Esq., 1950-980, Lisboa;

Junta: 8 anexos, procuração forense, DUC e comprovativo pagamento do DUC.

Lisboa, 28 de Abril de 2013

                                                                                                                                                                    A Advogada,
Ana da Videira


RR.
João Mendes
João Santos
Diogo Gaspar
Ana Miranda
Carla Silva
Rute Fernandes
Inês Vieira
Vânia Ferreira
Laura Falcão
Filipe Mira

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