1. Introdução
A energia
nuclear é hoje uma questão não apenas política, como também jurídica e
económica importantíssima. Não admira. O Mundo, e em particular a União
Europeia, em cujos Estados-membros não existem reservas significativas nem de petróleo,
nem de gás natural, nem de carvão, estão atravessando uma crise energética. A
União Europeia, como acabei de mencionar, tem uma indústria fortíssima, uma
economia desenvolvidíssima, mas não tem maneira de ampará-la, porque não dispõe
de reservas de petróleo, de gás natural e de carvão em grande quantidade. É,
por conseguinte, dependente, do ponto de vista energético, especialmente de
países como a Rússia e do Oriente Médio, que se têm servido da sua posição para
procurar dominá-la politicamente e economicamente.
Entre
nós, tem-se discutido como pôr termo a essa dependência energética. Duas
soluções se têm posto: a energia nuclear e as energias renováveis. Para Krämer, a União Europeia tem estimulado, porventura de forma excessiva, a
energia nuclear. O autor critica veementemente esta opção política e defende
mais investimento nas denominadas energias verdes. A posição de Krämeré, a
meu ver, irrealista. Ponhamos a questão. A energia nuclear é limpa, barata e
segura. Pelo contrário, as energias renováveis, como a energia solar, a energia
eólica, entre outros, são de viabilidade duvidosa e pouco rendíveis. Por isso a
decisão de encerrar as centrais nucleares e investir unicamente nas energias
verdes não me parece algo avisado e espero que não siga em diante.
A eleição
da energia que melhor satisfará as nossas necessidades é, naturalmente,
política. Para quem se identifique mais com a direita política, evidentemente
defenderá a energia nuclear ou, ao menos, não a verá com tanto receio. O ambiente
pouco importa, se não existir progresso económico e social. Para quem se filie
num pensamento político de esquerda, a energia nuclear poderá ser uma opção
ultrapassada e não isenta de perigos.
De resto,
os tratados europeus não se mostram a favor nem da energia nuclear, nem das
energias fósseis, nem das energias renováveis. Tão só estabelecem determinadas
medidas de segurança, a que todas elas deverão obedecer.
2. Colisão de direitos fundamentais
Como
mencionei anteriormente, a escolha entre energia nuclear e energias renováveis
é, naturalmente, política. Mas pode existir, de igual modo, uma colisão de
direitos fundamentais: direito ao ambiente e direito à livre iniciativa
económica e ao progresso social económico. Para dirimir esse conflito, o
intérprete deve recorrer a uma lógica de ponderação e não de subsunção. Quer
dizer: terá de encontrar uma forma de optimizar cada um dos direitos, em lugar
de se limitar a subsumir a premissa menor à premissa maior. Mais tarde
voltaremos ao tema.
3. Princípios da precaução e da prevenção
Para
alguns autores, estes termos estão em sinonímia, mas essa ideia não corresponde
fielmente à realidade.
Para o
princípio da precaução, o legislador ordinário deve tomar medidas preventivas
quando seja razoável prever que esta ou aqueloutra substância cause graves
danos ao ser humano, independentemente de esses riscos estarem suficientemente
provados ou não. É a tese defendida
pelos ecologistas e, decerto, pelos partidos de esquerda mais radicais, como os
partidos comunistas e os partidos verdes. Concede mais importância ao ambiente
do que à economia e, como escreve o Professor Vasco Pereira da Silva, mergulha,
não raro, num “ecofunfamentalismo”: deixa de admitir-se a experimentação de
novas tecnologias, porque há sempre uma possibilidade de isso pôr em causa o
ambiente.
Em minha
opinião, esta tese não convence, porque o ambiente pouco importa, se não
existir progresso social e económico e não houver inovação científica. O
ambiente deve estar ao serviço do homem. Naturalmente, o homem tem a obrigação
de protegê-lo.
O
princípio da prevenção é um pouco mais moderado. Determina que o legislador
ordinário estabeleça medidas adequadas quando o risco seja evidente e esteja
cientificamente comprovado. Por força disso, deve o legislador ordinário
limitar ou até proibir a construção de centrais nucleares? Em minha opinião,
não. Naturalmente, a resposta será afirmativa, quando se pondere a construção
de uma central numa área particularmente sísmica ou em que se faça uso de uma substância
ou de uma técnica inovadora, que ainda não esteja cientificamente comprovada.
Pense-se numa central nuclear que permitisse a fusão nuclear, quando é sabido
que esse é o maior pesadelo dos cientistas nucleares. Ou imagine-se uma central
nuclear obsoleta, como é o caso de não poucas centrais localizadas na antiga
União Soviética (donde, Chernobyl, mas não só. Na própria Alemanha Oriental,
que não fazia parte da União Soviética, mas que se encontrava sob o seu
domínio, subsistem algumas centrais nucleares da era soviética. Em boa hora se
decidiu, no entanto, começar a fechá-las).
Pessoalmente,
filio-me na tese da prevenção. A tese da precaução é, a meu ver, a expressão
acabada de um fundamentalismo ideológico. É um obstáculo ao crescimento
económico e à inovação científica e olvida que a vida é um risco e que sem
riscos a própria humanidade não progride. Diferentemente, o princípio da
precaução previne não todos os riscos, mas apenas aqueles cuja existência
esteja cientificamente provada e não seja uma mera miragem.
O TJUE tem
seguido o critério da prevenção. Donde, os casos C-157/96 e C-180/96.
4. Fim da energia
nuclear?
Recentemente tem-se discutido o fim da
energia nuclear. Para alguns, ela é sobremaneira perigosa e o mais avisado
seria iniciar o encerramento das centrais nucleares. A Alemanha, durante o
consulado de Schroeder, aderiu a essa opção política. Decretou o encerramento
progressivo das centrais nucleares e passou a estimular com mais afinco as
energias renováveis. Institui, nesse sentido, um programa de apoio às energias
verdes. O programa foi frutífero, é certo, mas não tanto como se veiculou nos
meios de comunicação social: na Alemanha, apenas 15% da energia produzia é
“verde”. Por isso decidiu prorrogar-se a vida útil destas centrais, enquanto
não exista melhor alternativa. Pouco tempo depois se anunciou novamente o
encerramento das centrais nucleares. Com a crise económica e a ascensão ao
poder da CDU, liderada por Angela Merkel, o fecho das centrais nucleares passou
a ser uma certeza apenas relativa.
A decisão é, sobretudo, política e
dependerá, dalguma sorte, da ideologia política que triunfe. Poderá a Alemanha
abastecer-se unicamente de energias renováveis e, eventualmente, fósseis? É
duvidoso. A Alemanha é a maior economia europeia e a sua indústria, uma das
maiores do Mundo. A decisão de fechar as centrais nucleares é, por conseguinte,
precipitada e oxalá não tenha seguidores.
5. A falta de uma
estratégia energética.
Como escreve Krämer, a ausência de uma
política energética tem quatro causas principais.
- Em primeiro lugar,
costuma existir uma grande dependência das energias fósseis e a política
energética varia de país para país, consoante as suas necessidades.
-Em segundo lugar, as
várias formas de produção de energia não comportam apenas problemas pelo que
toca à emissão de gases poluentes. Donde, as centrais nucleares emitem
meramente vapor de água para atmosfera. Desta sorte são menos poluentes do que
as centrais a carvão ou petróleo, etc. Mas as centrais nucleares não são
isentas de riscos. Ainda hoje, não se sabe bem como tratar determinados
resíduos nucleares, nem que destino dar ao lixo nuclear. A energia nuclear é
ainda mal aceite pelas populações. Não é de admirar. Esta energia é, dalguma
forma, maculada ou, se se preferir, estigmatizada. Para o autor, a energia
nuclear é ainda pouco rendível, talvez com a excepção da França. Não é verdade.
O milagre económico alemão deveu-se, até certo ponto, à energia nuclear.
-Em terceiro lugar, as
emissões variam muito de país para país: um país altamente industrializado,
como a Alemanha ou a França, decerto emitirá muito mais gases poluentes do que
um país como Portugal, que se dedica a actividades do sector terciário, com
relevo para o turismo.
-Em quarto lugar, não tem
havido vontade política no sentido de desincentivar o uso de carro e estimular
os transportes públicos e, enfim, meios de transporte como a bicicleta.
6. Dimensão política
das energias renováveis
As energias renováveis adquiriram
importância política há relativamente pouco tempo. Só recentemente acolheram a
atenção da União Europeia e ainda assim o seu papel continua sendo residual.
Não é de surpreender. Após o fim dos trinta gloriosos anos (1945-1973),
assistiu-se a um enfraquecimento dos partidos de esquerda e os partidos de
direita readquiriam preponderância na política europeia. Ainda hoje isso é
evidente: a maior parte dos Estados europeus tem governos de direita e o
Partido Popular Europeu tem sido, quase sempre, o maior grupo parlamentar do
Parlamento Europeu.
7. Segue.
O Tratado da União Europeia e a Euratom
propõem medidas energéticas. A Euratom surgiu em 1957 com o desígnio de
promover o uso pacífico da energia nuclear mas acabou perdendo a sua “raison
d’être”. A França, a maior potência nuclear da União Europeia, recusou
subordinar as suas centrais nucleares a regras comuns e também a Alemanha. A
Euratom continua existindo, apesar de muitos vaticinarem o seu fim.
Em 2000, sete países não dispunham de
centrais nucleares: Grécia, Itália, Portugal, Irlanda, Dinamarca, Luxemburgo e
Áustria. Com a adesão dos países da Europa Central e Oriental, em 2004 e 2007,
é claro que o número de centrais nucleares da União Europeia aumentou
consideravelmente.
8. Resíduos nucleares
As regras comunitárias não regulam
pormenorizadamente o destino a dar ao lixo nuclear. Deixam essa matéria ao
livre arbítrio dos Estados-membros.
Recentemente (http://ec.europa.eu/news/energy/101103_1_pt.htm),
sugeriu-se a criação de regras comuns a todos os Estados-membros, sobre o tratamento
dos resíduos nucleares. Como é sabido, as centrais nucleares produzem cerca de
um terço da electricidade consumida na União Europeia, bem como 7000 metros
cúbicos de resíduos nucleares por ano. Presentemente é possível tratar cerca de
97% dos resíduos nucleares, mas o destino dos outros 3% é incerto.
Actualmente, os resíduos nucleares são
colocados em depósitos perto da superfície. A solução é pouco convincente. Como
esses resíduos perduram por milhões de anos, o melhor seria colocá-los a grande
profundidade, até para pô-los a salvo de possíveis terramotos e outras catástrofes
naturais.
A instituição de normas comuns a todos os
Estados-membros poderia mitigar o receio da opinião pública em relação à energia
nuclear, que procede, em grande medida, do acidente nuclear de Chernobyl, em
1986. Os dados são elucidativos. Mais de 80% dos cidadãos da União Europeia
entendem que é preciso investir na segurança das centrais nucleares e criar
regras comuns para o tratamento de resíduos nucleares.
As normas sugeridas por alguns grupos
políticos do Parlamento Europeu obrigariam os Estados-membros a adoptar a
solução de enterrar a grande profundidade os resíduos nucleares a longo prazo.
Tornaria juridicamente vinculativas para todos os Estados-membros as regras da Agência
Internacional de Energia Atómica.
Os Estados-membros teriam de apresentar aos
órgãos da União Europeia os seus programas para o tratamento de resíduos
nucleares. Esses órgãos poderiam sugerir alterações.
Entidades competentes ficariam encarregadas
da concessão de licenças para a construção e gestão de depósitos.
Admitir-se-iam acordos entre Estados-membros para a gestão comum dos resíduos nucleares.
Porém, proibir-se-ia a sua exportação para fora da União Europeia.
As populações seriam consultadas sobre a
instalação de depósitos nucleares perto das suas casas. Na União Europeia,
França, Finlândia e Suécia começaram já a construção de novas instalações, que
permitirão armazenar os resíduos nucleares a grande profundidade, mitigando
assim os perigos existentes.
Em suma, sugiro a criação de regras comuns,
não apenas sobre os resíduos nucleares, mas também sobre a segurança das centrais
nucleares. A energia nuclear é essencial, mas não pode deixar de obedecer a apertadas
medidas de segurança. Tais regras não deixam de ser também uma forma de
tranquilizar as populações ao pé das quais se localizarão estes depósitos nucleares.
9. Regras comunitárias
já existentes sobre a segurança das centrais nucleares
Em 1994, foi concluída em Viena a Convenção
sobre a Segurança Nuclear. A mesma convenção afirma, no seu preâmbulo, a
necessidade de garantir que a energia nuclear seja limpa e segura. Ressalva
ainda que ela pode ter impactos transfronteiriços. Donde, o caso de Chernobyl.
O acidente nuclear repercutiu-se severissimamente não só na Ucrânia, onde se
deu, mas também em países como a Bielorrússia, em cujo território caiu 70% da radiação
causada pelo acidente, e a Rússia, onde as consequências não foram, ainda assim,
tão nefastas como nos dois primeiros países.
A Convenção
sobre Energia Nuclear preocupa-se sobremodo com o impacto transfronteiriço das
nuvens radioactivas oriundas das centrais nucleares. Por isso estabelece que a
os signatários devem comunicar aos seus vizinhos a decisão de construir
centrais nucleares que possam afectá-los (17º, iv) da referida convenção). É o
caso das centrais situadas na fronteira entre dois países.
A regra que impõe aos Estados signatários o
dever de inteirar os seus vizinhos da construção de instalações nucleares
decorre, até certo ponto, do princípio da boa fé objectiva (que consagra
deveres de lealdade, de informação e de segurança para as partes, neste caso os
Estados signatários). Com efeito, os resíduos nucleares não conhecem
fronteiras, não se alojam tão só no Estado de cujas centrais nucleares provêm.
Viajam para outros Estados e estes têm o direito de ser informados, de modo a
prevenir que isso suceda.
10. Colisão de direitos
fundamentais (desenvolvimento).
10.1 Colocação do
problema
Como mencionei supra, a decisão entre
energia nuclear e outra forma de energia é, evidentemente, uma decisão
política, que não deixa de pôr em colisão determinados direitos fundamentais.
Esses direitos são o direito ao ambiente e o direito à iniciativa privada e, se
se quiser, à prosperidade económica. Seguidamente, daremos o nosso parecer
sobre o direito ao ambiente.
O
direito ao ambiente é, segundo a expressão de Vasco Pereira da Silva, um
genuíno direito fundamental, isto é, um direito subjectivo. É directamente
oponível aos poderes públicos e públicos e não constitui uma mera protecção
reflexa. É, para usar a conhecida definição de António de Menezes Cordeiro, uma
permissão normativa específica de aproveitamento de um bem: o direito existe
para aquele cidadão e este não é, qual bom samaritano, um mero interessado no
seu cumprimento. É antes o seu árbitro, aquele em função do qual esse direito existe.
Não acompanho a posição do Professor Vasco
Pereira da Silva. O direito ao ambiente é, em primeiro lugar, um direito de
terceira geração e, como sucede com a maioria dos direitos de segunda geração
em diante, é dificílimo defender a sua directa oponibilidade perante os poderes
públicos e políticos ou, por outros termos, a sua consideração como direitos
subjectivos.
Como escreve Diez-Picaso, é decerto pacífico
que estes direitos, mais do que constituir direitos subjectivos, estabelecem
directrizes ao legislador.
O direito ao ambiente, como a maioria dos
direitos de segunda, terceira e quarta geração, não é, por conseguinte,
directamente invocável perante os poderes públicos e políticos e dificilmente
poderá ser visto como um parâmetro de constitucionalidade dos actos do poder
político. Mas, apesar disso, este tipo de direitos não deixa de encarnar
determinados valores ou bens jurídicos dignos de protecção.
10.2 Colisão de
direitos fundamentais
A Constituição da República Portuguesa
consagra, como as suas congéneres alemã e espanhola, a necessidade de as leis
que restringem direitos, liberdades e garantias respeitarem o conteúdo essencial
do direito sacrificado (18º;nº3). Por outra parte sugere que não existem
direitos absolutos (18º,nº2), ressalvando a possibilidade de qualquer direito
ser restringido para salvaguardar outro direito ou interesse constitucionalmente
protegido. A jurisprudência e a doutrina portuguesas são a este respeito muito
pobres e é preciso recorrer à doutrina e à jurisprudência estrangeiras.
Na Alemanha, a Lei Fundamental de Bona
consagra a necessidade de o decisor político respeitar sempre o conteúdo essencial
do direito, aquando da sua restrição. Igual dever se acha estabelecido na
Constituição Espanhola.
Sobre este tema existe bastante
jurisprudência tanto espanhola, como alemã.
Vejamos a importante sentença 11/1981. Aqui
o Tribunal Constitucional Espanhol entendeu que a decisão de restringir um
direito fundamental deveria passar necessariamente por dois crivos: conteúdo
essencial e princípio da proporcionalidade.
Neste aresto, o Tribunal Constitucional
entendeu que havia duas formas de entender o conteúdo essencial do direito.
Numa primeira acepção, o conteúdo essencial integraria as faculdades, as ideias
e as convicções geralmente admitidas entre os juristas. Numa outra acepção, o
conteúdo essencial compreenderia os interesses juridicamente protegidos que
formam parte do núcleo duro do direito subjectivo.
O Tribunal Constitucional reafirmou ainda a
necessidade de a restrição ser proporcional. A proporcionalidade é uma criação
da jurisprudência alemã, que passou para a jurisprudência do Supremo Tribunal
Europeu de Direitos Humanos e do Tribunal de Justiça da União Europeia. O
referido princípio constitui um instrumento de controlo de quaisquer actos dos
poderes públicos e políticos (leis, regulamentos, actos administrativos, etc.).
Para o princípio da proporcionalidade, os mesmos devem, sob pena de
inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade,
respeitar três requisitos fundamentais:
-Que a intervenção seja
adequada a alcançar o fim proposto;
-Que a intervenção seja
necessária, na medida em que não exista melhor alternativa para os interesses
do cidadão;
-Que seja proporcionada
em sentido estrito ou, por outros termos, que jamais acarrete um sacrifício
excessivo do direito que se está restringindo.
Segundo este último requisito, a medida não
seria adequada, no caso de o direito ficar esvaziado. É o caso da decisão
política de confiscar os depósitos bancários (violação do direito de
propriedade), como forma de resolver os problemas financeiros do Estado. Em
conclusão, o princípio da proporcionalidade é uma técnica cujo desígnio passa
por garantir que a prossecução dos interesses públicos não se faça em
detrimento excessivo dos direitos e interesses dos particulares. Procura antes
um ponto de equilíbrio entre ambos. A proporcionalidade distingue-se do
princípio da razoabilidade: este último simplesmente exige que a intervenção
não seja absurda, pelo que nem todas as restrições desproporcionadas seriam
inconstitucionais. O princípio da razoabilidade não é, por isso, geralmente
acolhido nem pelos tribunais internacionais, nem pelos tribunais nacionais. E
ainda bem, porque a adopção desse princípio permitiria abusos por parte do
Estado.
Posto isto, cumpre apresentar uma solução
para a eventual colisão entre o direito ao ambiente e o direito à iniciativa
privada e, não é errado dizê-lo, à prosperidade económica.
Como invoquei umas linhas atrás, nenhum
direito é absoluto. Todos os direitos podem sofrer algum tipo de limitação,
apesar de uns tenderem a ser mais importantes do que outros. Antes do mais,
tanto o direito ao ambiente como o direito à iniciativa privada não são direitos
absolutos, no sentido atrás exposto, e por isso se admite que eles possam ser
restringidos (18º,nº2 da Constituição da República Portuguesa). Seguindo a
doutrina do Tribunal Constitucional Espanhol e do Tribunal Constitucional
Alemão, a decisão política de construir uma central nuclear, se é certo que proporciona
energia barata e que é imposta pela circunstância de existir uma economia de
mercado, pode pôr em causa, é verdade, o meio ambiente, desde logo porque a
emissão de carbono, apesar de ser bem inferior à das centrais a petróleo ou a
carvão, continua existindo e porque a energia nuclear não é isenta de riscos:
embora 97% dos resíduos sejam tratáveis, os outros 3% não o são ou não o são
adequadamente e os cientistas ainda estão tentando descobrir uma forma de
solucionar esse problema. Pode dizer-se, por conseguinte, que a decisão de
construir uma central nuclear deverá respeitar o conteúdo essencial do direito
que se está sacrificando, isto é, o direito ao ambiente. O seu conteúdo
essencial integrará o direito a um ambiente sadio, que permita aos cidadãos
crescer livres de doenças provocadas, por exemplo, pela radiação. Por outra
parte, a mesma decisão política terá de ser proporcional, isto é, adequada para
alcançar o fim proposto, necessária, na medida em que não haja melhor
alternativa para os interesses dos cidadãos sacrificados, e
proporcionada em sentido estrito ou, por outros termos, não acarretar um
sacrifício excessivo para o direito ou interesse sobre o qual está recaindo a
intervenção pública. Passado este teste, a decisão é perfeitamente válida.
Em suma, a decisão de construir centrais
nucleares é, em princípio, admissível. Mais é recomendável, contanto que se
garantam as condições de segurança. A energia nuclear é, ademais, limpa, segura
e barata e constitui uma excelente solução para o problema do aquecimento
global e para a escassez e o elevado preço dos combustíveis fósseis, como o
petróleo e o gás natural.
Bibliografia
Vasco Pereira da Silva,
«Verde Cor de Direito». Em especial, página 25.
Luis María Diez-Picaso,
«Sistema de Derechos Fundamentales», em especial páginas 61 e seguintes e 111 e
seguintes.
Ludwig Krämer - «Environmental
Law», em especial pontos 1-24 – 1-29; 2-86 – 2-94; 4-28 – 4-30; 8-01 – 8-02; 9-09
– 9-16; 9-42 – 9-51; 10-16 – 10-18.
Filipe Nuno Schönburg Carrillo de Mira, nº18135