domingo, 31 de março de 2013

Notícia: Quercus apresenta queixa contra o Estado sobre qualidade do ar

 


«A Quercus vai apresentar uma queixa à Comissão Europeia contra o Estado português por alegado incumprimento das regras sobre a qualidade do ar. Em causa estão ainda falhas de monitorização na Área Metropolitana de Lisboa Norte, onde a associação encontrou problemas de comunicação de dados em estações de medição de concentrações de poluentes.
Na capital, denunciou a Quercus neste domingo, foram ultrapassados vários valores limite para alguns poluentes, nomeadamente na Avenida da Liberdade.
Da análise que fez à Base de Dados Online QualAr da Agência Portuguesa do Ambiente, a associação de defesa ambiental concluiu que há estações de medição desligadas e outras com problemas de funcionamento nos equipamentos, uma situação que supõe estar associada à falta de manutenção dos equipamentos. São os casos das estações da Reboleira, Cascais-Mercado, Beato, Santa Cruz de Benfica e Odivelas-Ramada.
Num comunicado, a Quercus denuncia o desrespeito do “dever de informação ao público”, alerta para a ameaça à saúde pública e diz estar em causa uma “infracção à legislação nacional e europeia”. Isso levou a associação a pedir explicações sobre o que se está a passar nos vários pontos de monitorização, sob responsabilidade do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território.
O ministério reconheceu, entretanto, numa nota divulgada pela Lusa, que algumas medidas “não têm tido o resultado expectável” e garantiu que prepara novas medidas.
Com a queixa junto da Comissão Europeia, que inclui a denúncia destas falhas, a Quercus quer “obrigar o Estado Português a tomar medidas mais exigentes e efectivas para cumprir a legislação europeia e nacional sobre qualidade do ar”. Porque, diz, a legislação tem sido violada desde 2005 “por ultrapassagem dos valores limite diários e/ou anuais relativos às partículas inaláveis (PM10), e desde 2008 por ultrapassagem dos valores limite diários e/ou anuais relativos ao óxidos de azoto (NOx)”.
Foi o que aconteceu na Avenida da Liberdade, em Lisboa, onde, segundo a Quercus, foram ultrapassados em 2012 valores limite de protecção à saúde para estes poluentes, num ano em que foram testadas alterações ao trânsito no eixo Marquês de Pombal-Avenida da Liberdade. Depois de um período experimental, a câmara de Lisboa decidiu manter as duas rotundas no Marquês de Pombal, acabando por recuar em algumas alterações introduzidas na circulação da Avenida.
De acordo com dados provisórios da associação, o valor limite diário que se refere às partículas inaláveis PM10 foi ultrapassado 74 vezes, quando o número de veze que pode ser excedido é de 35. Porém, a média anual fica abaixo do limite.
Quanto ao dióxido de azoto NO2 emitido pelos escapes dos veículos, o valor limite horário de protecção à saúde foi excedido 13 vezes (contra um limite anual de 18) e também a média anual foi ultrapassada.
A Avenida da Liberdade é uma das áreas abrangidas pelas Zonas de Emissão Reduzida (ZER) introduzidas pela câmara em Julho de 2011. Aqui – e nas áreas delimitadas pela Avenida de Ceuta, Eixo Norte-Sul, avenida das Forças Armadas, Avenida Estados Unidos da América e Baixa – não podem circular carros com mais de 20 anos, estando também proibida a circulação de carros com matrícula anterior a 1996 entre a Baixa e a Avenida.
A Quercus entende que 2012 foi “um ano particularmente importante, dado que se implementaram algumas medidas de melhoria da qualidade do ar” em Lisboa e refere-se à Avenida da Liberdade como um “caso paradigmático” da ultrapassagem de valores limite de poluentes.
O Estado português, recorda a Quercus, foi condenado no ano passado pelo Tribunal Europeu de Justiça por incumprimento dos valores limite de PM10, num processo desencadeado em 2006 também por uma queixa junto da Comissão Europeia.»

Notícia retirada de: Jornal Público Online
Rectificação:
Energia nuclear - análise jurídica e política do tema
Filipe Nuno Schonburg Carrillo de Mira, nº18135

Energia nuclear - parte I


1. Introdução
   
    A energia nuclear é hoje uma questão não apenas política, como também jurídica e económica importantíssima. Não admira. O Mundo, e em particular a União Europeia, em cujos Estados-membros não existem reservas significativas nem de petróleo, nem de gás natural, nem de carvão, estão atravessando uma crise energética. A União Europeia, como acabei de mencionar, tem uma indústria fortíssima, uma economia desenvolvidíssima, mas não tem maneira de ampará-la, porque não dispõe de reservas de petróleo, de gás natural e de carvão em grande quantidade. É, por conseguinte, dependente, do ponto de vista energético, especialmente de países como a Rússia e do Oriente Médio, que se têm servido da sua posição para procurar dominá-la politicamente e economicamente.
     Entre nós, tem-se discutido como pôr termo a essa dependência energética. Duas soluções se têm posto: a energia nuclear e as energias renováveis. Para Krämer, a União Europeia tem estimulado, porventura de forma excessiva, a energia nuclear. O autor critica veementemente esta opção política e defende mais investimento nas denominadas energias verdes. A posição de Krämeré, a meu ver, irrealista. Ponhamos a questão. A energia nuclear é limpa, barata e segura. Pelo contrário, as energias renováveis, como a energia solar, a energia eólica, entre outros, são de viabilidade duvidosa e pouco rendíveis. Por isso a decisão de encerrar as centrais nucleares e investir unicamente nas energias verdes não me parece algo avisado e espero que não siga em diante.
    A eleição da energia que melhor satisfará as nossas necessidades é, naturalmente, política. Para quem se identifique mais com a direita política, evidentemente defenderá a energia nuclear ou, ao menos, não a verá com tanto receio. O ambiente pouco importa, se não existir progresso económico e social. Para quem se filie num pensamento político de esquerda, a energia nuclear poderá ser uma opção ultrapassada e não isenta de perigos.
     De resto, os tratados europeus não se mostram a favor nem da energia nuclear, nem das energias fósseis, nem das energias renováveis. Tão só estabelecem determinadas medidas de segurança, a que todas elas deverão obedecer.




 2. Colisão de direitos fundamentais
    Como mencionei anteriormente, a escolha entre energia nuclear e energias renováveis é, naturalmente, política. Mas pode existir, de igual modo, uma colisão de direitos fundamentais: direito ao ambiente e direito à livre iniciativa económica e ao progresso social económico. Para dirimir esse conflito, o intérprete deve recorrer a uma lógica de ponderação e não de subsunção. Quer dizer: terá de encontrar uma forma de optimizar cada um dos direitos, em lugar de se limitar a subsumir a premissa menor à premissa maior. Mais tarde voltaremos ao tema.




3. Princípios da precaução e da prevenção
    Para alguns autores, estes termos estão em sinonímia, mas essa ideia não corresponde fielmente à realidade.
    Para o princípio da precaução, o legislador ordinário deve tomar medidas preventivas quando seja razoável prever que esta ou aqueloutra substância cause graves danos ao ser humano, independentemente de esses riscos estarem suficientemente provados ou não.  É a tese defendida pelos ecologistas e, decerto, pelos partidos de esquerda mais radicais, como os partidos comunistas e os partidos verdes. Concede mais importância ao ambiente do que à economia e, como escreve o Professor Vasco Pereira da Silva, mergulha, não raro, num “ecofunfamentalismo”: deixa de admitir-se a experimentação de novas tecnologias, porque há sempre uma possibilidade de isso pôr em causa o ambiente.
    Em minha opinião, esta tese não convence, porque o ambiente pouco importa, se não existir progresso social e económico e não houver inovação científica. O ambiente deve estar ao serviço do homem. Naturalmente, o homem tem a obrigação de protegê-lo.
    O princípio da prevenção é um pouco mais moderado. Determina que o legislador ordinário estabeleça medidas adequadas quando o risco seja evidente e esteja cientificamente comprovado. Por força disso, deve o legislador ordinário limitar ou até proibir a construção de centrais nucleares? Em minha opinião, não. Naturalmente, a resposta será afirmativa, quando se pondere a construção de uma central numa área particularmente sísmica ou em que se faça uso de uma substância ou de uma técnica inovadora, que ainda não esteja cientificamente comprovada. Pense-se numa central nuclear que permitisse a fusão nuclear, quando é sabido que esse é o maior pesadelo dos cientistas nucleares. Ou imagine-se uma central nuclear obsoleta, como é o caso de não poucas centrais localizadas na antiga União Soviética (donde, Chernobyl, mas não só. Na própria Alemanha Oriental, que não fazia parte da União Soviética, mas que se encontrava sob o seu domínio, subsistem algumas centrais nucleares da era soviética. Em boa hora se decidiu, no entanto, começar a fechá-las).
    Pessoalmente, filio-me na tese da prevenção. A tese da precaução é, a meu ver, a expressão acabada de um fundamentalismo ideológico. É um obstáculo ao crescimento económico e à inovação científica e olvida que a vida é um risco e que sem riscos a própria humanidade não progride. Diferentemente, o princípio da precaução previne não todos os riscos, mas apenas aqueles cuja existência esteja cientificamente provada e não seja uma mera miragem.
    O TJUE tem seguido o critério da prevenção. Donde, os casos C-157/96 e C-180/96.




4. Fim da energia nuclear?
    Recentemente tem-se discutido o fim da energia nuclear. Para alguns, ela é sobremaneira perigosa e o mais avisado seria iniciar o encerramento das centrais nucleares. A Alemanha, durante o consulado de Schroeder, aderiu a essa opção política. Decretou o encerramento progressivo das centrais nucleares e passou a estimular com mais afinco as energias renováveis. Institui, nesse sentido, um programa de apoio às energias verdes. O programa foi frutífero, é certo, mas não tanto como se veiculou nos meios de comunicação social: na Alemanha, apenas 15% da energia produzia é “verde”. Por isso decidiu prorrogar-se a vida útil destas centrais, enquanto não exista melhor alternativa. Pouco tempo depois se anunciou novamente o encerramento das centrais nucleares. Com a crise económica e a ascensão ao poder da CDU, liderada por Angela Merkel, o fecho das centrais nucleares passou a ser uma certeza apenas relativa.
    A decisão é, sobretudo, política e dependerá, dalguma sorte, da ideologia política que triunfe. Poderá a Alemanha abastecer-se unicamente de energias renováveis e, eventualmente, fósseis? É duvidoso. A Alemanha é a maior economia europeia e a sua indústria, uma das maiores do Mundo. A decisão de fechar as centrais nucleares é, por conseguinte, precipitada e oxalá não tenha seguidores.




5. A falta de uma estratégia energética.
    Como escreve  Krämer, a ausência de uma política energética tem quatro causas principais.
- Em primeiro lugar, costuma existir uma grande dependência das energias fósseis e a política energética varia de país para país, consoante as suas necessidades.
-Em segundo lugar, as várias formas de produção de energia não comportam apenas problemas pelo que toca à emissão de gases poluentes. Donde, as centrais nucleares emitem meramente vapor de água para atmosfera. Desta sorte são menos poluentes do que as centrais a carvão ou petróleo, etc. Mas as centrais nucleares não são isentas de riscos. Ainda hoje, não se sabe bem como tratar determinados resíduos nucleares, nem que destino dar ao lixo nuclear. A energia nuclear é ainda mal aceite pelas populações. Não é de admirar. Esta energia é, dalguma forma, maculada ou, se se preferir, estigmatizada. Para o autor, a energia nuclear é ainda pouco rendível, talvez com a excepção da França. Não é verdade. O milagre económico alemão deveu-se, até certo ponto, à energia nuclear.
-Em terceiro lugar, as emissões variam muito de país para país: um país altamente industrializado, como a Alemanha ou a França, decerto emitirá muito mais gases poluentes do que um país como Portugal, que se dedica a actividades do sector terciário, com relevo para o turismo.
-Em quarto lugar, não tem havido vontade política no sentido de desincentivar o uso de carro e estimular os transportes públicos e, enfim, meios de transporte como a bicicleta.




6. Dimensão política das energias renováveis
    As energias renováveis adquiriram importância política há relativamente pouco tempo. Só recentemente acolheram a atenção da União Europeia e ainda assim o seu papel continua sendo residual. Não é de surpreender. Após o fim dos trinta gloriosos anos (1945-1973), assistiu-se a um enfraquecimento dos partidos de esquerda e os partidos de direita readquiriam preponderância na política europeia. Ainda hoje isso é evidente: a maior parte dos Estados europeus tem governos de direita e o Partido Popular Europeu tem sido, quase sempre, o maior grupo parlamentar do Parlamento Europeu.




7. Segue.
    O Tratado da União Europeia e a Euratom propõem medidas energéticas. A Euratom surgiu em 1957 com o desígnio de promover o uso pacífico da energia nuclear mas acabou perdendo a sua “raison d’être”. A França, a maior potência nuclear da União Europeia, recusou subordinar as suas centrais nucleares a regras comuns e também a Alemanha. A Euratom continua existindo, apesar de muitos vaticinarem o seu fim.
    Em 2000, sete países não dispunham de centrais nucleares: Grécia, Itália, Portugal, Irlanda, Dinamarca, Luxemburgo e Áustria. Com a adesão dos países da Europa Central e Oriental, em 2004 e 2007, é claro que o número de centrais nucleares da União Europeia aumentou consideravelmente.




8. Resíduos nucleares
    As regras comunitárias não regulam pormenorizadamente o destino a dar ao lixo nuclear. Deixam essa matéria ao livre arbítrio dos Estados-membros.
    Recentemente (http://ec.europa.eu/news/energy/101103_1_pt.htm), sugeriu-se a criação de regras comuns a todos os Estados-membros, sobre o tratamento dos resíduos nucleares. Como é sabido, as centrais nucleares produzem cerca de um terço da electricidade consumida na União Europeia, bem como 7000 metros cúbicos de resíduos nucleares por ano. Presentemente é possível tratar cerca de 97% dos resíduos nucleares, mas o destino dos outros 3% é incerto.
    Actualmente, os resíduos nucleares são colocados em depósitos perto da superfície. A solução é pouco convincente. Como esses resíduos perduram por milhões de anos, o melhor seria colocá-los a grande profundidade, até para pô-los a salvo de possíveis terramotos e outras catástrofes naturais.
    A instituição de normas comuns a todos os Estados-membros poderia mitigar o receio da opinião pública em relação à energia nuclear, que procede, em grande medida, do acidente nuclear de Chernobyl, em 1986. Os dados são elucidativos. Mais de 80% dos cidadãos da União Europeia entendem que é preciso investir na segurança das centrais nucleares e criar regras comuns para o tratamento de resíduos nucleares.
    As normas sugeridas por alguns grupos políticos do Parlamento Europeu obrigariam os Estados-membros a adoptar a solução de enterrar a grande profundidade os resíduos nucleares a longo prazo. Tornaria juridicamente vinculativas para todos os Estados-membros as regras da Agência Internacional de Energia Atómica.
    Os Estados-membros teriam de apresentar aos órgãos da União Europeia os seus programas para o tratamento de resíduos nucleares. Esses órgãos poderiam sugerir alterações.
    Entidades competentes ficariam encarregadas da concessão de licenças para a construção e gestão de depósitos. Admitir-se-iam acordos entre Estados-membros para a gestão comum dos resíduos nucleares. Porém, proibir-se-ia a sua exportação para fora da União Europeia.
    As populações seriam consultadas sobre a instalação de depósitos nucleares perto das suas casas. Na União Europeia, França, Finlândia e Suécia começaram já a construção de novas instalações, que permitirão armazenar os resíduos nucleares a grande profundidade, mitigando assim os perigos existentes.
    Em suma, sugiro a criação de regras comuns, não apenas sobre os resíduos nucleares, mas também sobre a segurança das centrais nucleares. A energia nuclear é essencial, mas não pode deixar de obedecer a apertadas medidas de segurança. Tais regras não deixam de ser também uma forma de tranquilizar as populações ao pé das quais se localizarão estes depósitos nucleares.




9. Regras comunitárias já existentes sobre a segurança das centrais nucleares
    Em 1994, foi concluída em Viena a Convenção sobre a Segurança Nuclear. A mesma convenção afirma, no seu preâmbulo, a necessidade de garantir que a energia nuclear seja limpa e segura. Ressalva ainda que ela pode ter impactos transfronteiriços. Donde, o caso de Chernobyl. O acidente nuclear repercutiu-se severissimamente não só na Ucrânia, onde se deu, mas também em países como a Bielorrússia, em cujo território caiu 70% da radiação causada pelo acidente, e a Rússia, onde as consequências não foram, ainda assim, tão nefastas como nos dois primeiros países.
    A Convenção sobre Energia Nuclear preocupa-se sobremodo com o impacto transfronteiriço das nuvens radioactivas oriundas das centrais nucleares. Por isso estabelece que a os signatários devem comunicar aos seus vizinhos a decisão de construir centrais nucleares que possam afectá-los (17º, iv) da referida convenção). É o caso das centrais situadas na fronteira entre dois países.
    A regra que impõe aos Estados signatários o dever de inteirar os seus vizinhos da construção de instalações nucleares decorre, até certo ponto, do princípio da boa fé objectiva (que consagra deveres de lealdade, de informação e de segurança para as partes, neste caso os Estados signatários). Com efeito, os resíduos nucleares não conhecem fronteiras, não se alojam tão só no Estado de cujas centrais nucleares provêm. Viajam para outros Estados e estes têm o direito de ser informados, de modo a prevenir que isso suceda.




10. Colisão de direitos fundamentais (desenvolvimento).


10.1 Colocação do problema
    Como mencionei supra, a decisão entre energia nuclear e outra forma de energia é, evidentemente, uma decisão política, que não deixa de pôr em colisão determinados direitos fundamentais. Esses direitos são o direito ao ambiente e o direito à iniciativa privada e, se se quiser, à prosperidade económica. Seguidamente, daremos o nosso parecer sobre o direito ao ambiente.
    O direito ao ambiente é, segundo a expressão de Vasco Pereira da Silva, um genuíno direito fundamental, isto é, um direito subjectivo. É directamente oponível aos poderes públicos e públicos e não constitui uma mera protecção reflexa. É, para usar a conhecida definição de António de Menezes Cordeiro, uma permissão normativa específica de aproveitamento de um bem: o direito existe para aquele cidadão e este não é, qual bom samaritano, um mero interessado no seu cumprimento. É antes o seu árbitro, aquele em função do qual esse direito existe.
    Não acompanho a posição do Professor Vasco Pereira da Silva. O direito ao ambiente é, em primeiro lugar, um direito de terceira geração e, como sucede com a maioria dos direitos de segunda geração em diante, é dificílimo defender a sua directa oponibilidade perante os poderes públicos e políticos ou, por outros termos, a sua consideração como direitos subjectivos.
    Como escreve Diez-Picaso, é decerto pacífico que estes direitos, mais do que constituir direitos subjectivos, estabelecem directrizes ao legislador.
    O direito ao ambiente, como a maioria dos direitos de segunda, terceira e quarta geração, não é, por conseguinte, directamente invocável perante os poderes públicos e políticos e dificilmente poderá ser visto como um parâmetro de constitucionalidade dos actos do poder político. Mas, apesar disso, este tipo de direitos não deixa de encarnar determinados valores ou bens jurídicos dignos de protecção.


10.2 Colisão de direitos fundamentais
    A Constituição da República Portuguesa consagra, como as suas congéneres alemã e espanhola, a necessidade de as leis que restringem direitos, liberdades e garantias respeitarem o conteúdo essencial do direito sacrificado (18º;nº3). Por outra parte sugere que não existem direitos absolutos (18º,nº2), ressalvando a possibilidade de qualquer direito ser restringido para salvaguardar outro direito ou interesse constitucionalmente protegido. A jurisprudência e a doutrina portuguesas são a este respeito muito pobres e é preciso recorrer à doutrina e à jurisprudência estrangeiras.
    Na Alemanha, a Lei Fundamental de Bona consagra a necessidade de o decisor político respeitar sempre o conteúdo essencial do direito, aquando da sua restrição. Igual dever se acha estabelecido na Constituição Espanhola.
    Sobre este tema existe bastante jurisprudência tanto espanhola, como alemã.
    Vejamos a importante sentença 11/1981. Aqui o Tribunal Constitucional Espanhol entendeu que a decisão de restringir um direito fundamental deveria passar necessariamente por dois crivos: conteúdo essencial e princípio da proporcionalidade.
    Neste aresto, o Tribunal Constitucional entendeu que havia duas formas de entender o conteúdo essencial do direito. Numa primeira acepção, o conteúdo essencial integraria as faculdades, as ideias e as convicções geralmente admitidas entre os juristas. Numa outra acepção, o conteúdo essencial compreenderia os interesses juridicamente protegidos que formam parte do núcleo duro do direito subjectivo.
    O Tribunal Constitucional reafirmou ainda a necessidade de a restrição ser proporcional. A proporcionalidade é uma criação da jurisprudência alemã, que passou para a jurisprudência do Supremo Tribunal Europeu de Direitos Humanos e do Tribunal de Justiça da União Europeia. O referido princípio constitui um instrumento de controlo de quaisquer actos dos poderes públicos e políticos (leis, regulamentos, actos administrativos, etc.). Para o princípio da proporcionalidade, os mesmos devem, sob pena de inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, respeitar três requisitos fundamentais:
-Que a intervenção seja adequada a alcançar o fim proposto;
-Que a intervenção seja necessária, na medida em que não exista melhor alternativa para os interesses do cidadão;
-Que seja proporcionada em sentido estrito ou, por outros termos, que jamais acarrete um sacrifício excessivo do direito que se está restringindo.
    Segundo este último requisito, a medida não seria adequada, no caso de o direito ficar esvaziado. É o caso da decisão política de confiscar os depósitos bancários (violação do direito de propriedade), como forma de resolver os problemas financeiros do Estado. Em conclusão, o princípio da proporcionalidade é uma técnica cujo desígnio passa por garantir que a prossecução dos interesses públicos não se faça em detrimento excessivo dos direitos e interesses dos particulares. Procura antes um ponto de equilíbrio entre ambos. A proporcionalidade distingue-se do princípio da razoabilidade: este último simplesmente exige que a intervenção não seja absurda, pelo que nem todas as restrições desproporcionadas seriam inconstitucionais. O princípio da razoabilidade não é, por isso, geralmente acolhido nem pelos tribunais internacionais, nem pelos tribunais nacionais. E ainda bem, porque a adopção desse princípio permitiria abusos por parte do Estado.
    Posto isto, cumpre apresentar uma solução para a eventual colisão entre o direito ao ambiente e o direito à iniciativa privada e, não é errado dizê-lo, à prosperidade económica.
    Como invoquei umas linhas atrás, nenhum direito é absoluto. Todos os direitos podem sofrer algum tipo de limitação, apesar de uns tenderem a ser mais importantes do que outros. Antes do mais, tanto o direito ao ambiente como o direito à iniciativa privada não são direitos absolutos, no sentido atrás exposto, e por isso se admite que eles possam ser restringidos (18º,nº2 da Constituição da República Portuguesa). Seguindo a doutrina do Tribunal Constitucional Espanhol e do Tribunal Constitucional Alemão, a decisão política de construir uma central nuclear, se é certo que proporciona energia barata e que é imposta pela circunstância de existir uma economia de mercado, pode pôr em causa, é verdade, o meio ambiente, desde logo porque a emissão de carbono, apesar de ser bem inferior à das centrais a petróleo ou a carvão, continua existindo e porque a energia nuclear não é isenta de riscos: embora 97% dos resíduos sejam tratáveis, os outros 3% não o são ou não o são adequadamente e os cientistas ainda estão tentando descobrir uma forma de solucionar esse problema. Pode dizer-se, por conseguinte, que a decisão de construir uma central nuclear deverá respeitar o conteúdo essencial do direito que se está sacrificando, isto é, o direito ao ambiente. O seu conteúdo essencial integrará o direito a um ambiente sadio, que permita aos cidadãos crescer livres de doenças provocadas, por exemplo, pela radiação. Por outra parte, a mesma decisão política terá de ser proporcional, isto é, adequada para alcançar o fim proposto, necessária, na medida em que não haja melhor alternativa para os interesses dos cidadãos sacrificados, e proporcionada em sentido estrito ou, por outros termos, não acarretar um sacrifício excessivo para o direito ou interesse sobre o qual está recaindo a intervenção pública. Passado este teste, a decisão é perfeitamente válida.
    Em suma, a decisão de construir centrais nucleares é, em princípio, admissível. Mais é recomendável, contanto que se garantam as condições de segurança. A energia nuclear é, ademais, limpa, segura e barata e constitui uma excelente solução para o problema do aquecimento global e para a escassez e o elevado preço dos combustíveis fósseis, como o petróleo e o gás natural.










Bibliografia
Vasco Pereira da Silva, «Verde Cor de Direito». Em especial, página 25.
Luis María Diez-Picaso, «Sistema de Derechos Fundamentales», em especial páginas 61 e seguintes e 111 e seguintes.
Ludwig Krämer - «Environmental Law», em especial pontos 1-24 – 1-29; 2-86 – 2-94; 4-28 – 4-30; 8-01 – 8-02; 9-09 – 9-16; 9-42 – 9-51; 10-16 – 10-18.

Filipe Nuno Schönburg Carrillo de Mira, nº18135




Providências Cautelares Ambientais



            O meio ambiente é alvo constante de agressões por parte de acções humanas ou de omissões na medida em que deixam de agir, por vezes decorrente de actividades exercidas pelo Homem. De forma a proteger o meio ambiente e todos os bens naturais que o envolvem, há que abrir mão de acções, que possam visar a salvaguarda do meio ambiente. Mas não basta abrir mão das mesmas, há que agir no sentido de proteger o meio ambiente, pois este é um bem essencial para a nossa sobrevivência.

             Neste caso em concreto, vamos analisar as providências cautelares. Antes de analisarmos as providências cautelares no Direito do Ambiente, há que tratar das providências cautelares e explica-las num panorama geral.

            Os sujeitos que se sentem lesados por alguma agressão de que são alvos, na maior parte dos casos não podem aguardar pelo proferimento de uma decisão judicial por parte de um tribunal, uma vez que a resolução definitiva do conflito não e célere, arrastando-se em certos casos durante longos anos. O arrastar do processo provoca danos maiores ao que seriam provocados, se o processo fosse mais rápido menores seriam os danos, pelo que tratando de danos ambientais, alguns são irreparáveis.

             Ponderando os interesses em conflito, não será correcto o lesado ter de esperar pelo proferimento da decisão sem nada poder fazer. Há que agir e de forma rápida de forma a minorar os danos provocados ao meio ambiente. É então que nos referimos às providências cautelares, uma vez que como veremos e um processo extremamente rápido face á acção principal e mais simples.

            As providências cautelares têm uma composição provisória da situação controvertida, estando previstas nos termos dos artigos 381º e ss do CPC e 112º ss do CPTA. Esta provisoriedade resulta do facto de corresponderem a uma tutela que é qualitativamente diferente daquela que é obtida na acção principal de que é dependente, nos termos do artigo 383º/1 do CPC e 113º/1 do CPTA.

            Para Mário Aroso de Almeida “… o que a providência cautelar não pode fazer é antecipar, a título definitivo, a constituição de situações que só a decisão a proferir no processo principal pode determinar a título definitivo, em tais condições que essa situação já não possa ser alterada se, no processo principal, o juiz chegar, a final, a conclusões que não consintam na sua manutenção.”

            A dependência da acção principal é bastante notória, na medida em que é necessário a substituição da tutela provisória por aquela que vier a ser decretada na acção principal. Os processos são autónomos, podendo ser instaurados antes, quando ou durante a instauração da acção principal, correndo por apenso a esta (artigos 383º/2 do CPC; 113º/2 e 3 do CPTA).

            As providências são decretadas antes do proferimento da decisão definitiva do tribunal, na acção principal, uma vez que apenas faz sentido decretar a providência se ainda não houver decisão, porque havendo uma decisão por parte do tribunal que tem carácter definitivo, prevalece sobre a providência que tem caracter provisório e acessório.

             Estas justificam-se na medida em que seja necessário assegurar a utilidade e a efetividade da tutela jurisdicional nos termos do artigo 2º/2 do CPC, encontrando fundamento nos termos do artigo 20º/1 da CRP, como garantia do acesso ao direito e aos Tribunais.

 

As providências cautelares podem ter uma de três finalidades:

            1.necessidade de garantir um direito - providências que garantem a utilidade da composição definitiva;

            2. regulação provisória -providências que definem uma situação transitória ou provisória;

            3.antecipação de uma tutela pretendida ou requerida - providências que atribuem o mesmo efeito que se visa obter na decisão definitiva.

            Para se atingir qualquer dos objectivos visados por qualquer uma das três finalidades das providências cautelares, de forma a evitar a lesão provocada pela agressão ou a sua continuidade, as providências cautelares tem de ser decretadas com grande celeridade. Este sim é uma grande vantagem das providências cautelares, na medida em que visam ser decretadas com bastante rapidez para que possam produzir efeitos imediatos após serem decretadas.

            Quanto mais cedo se puder garantir, regular ou antecipar um direito, mais fácil será salvaguardar esse direito de possíveis agressões ou de uma contínua agressão que já se encontre em curso. Essa salvaguarda dos direitos não ocorre por via do processo principal, com tanta celeridade como ocorre nas providências, que se pode arrastar perdurando no tempo a decisão definitiva, como anteriormente referi.

É bastante importante para o meio ambiente que as providências cautelares tenham por base um processo célere, como mais a frente destacarei essa importância. As providências cautelares podem ser decretadas sem a prévia audição da contraparte, sendo um desvio ao princípio do contraditório admitido nos termos do artigo 3º/2 do CPC. Pode ocorrer a proibição da audição do requerido nos termos dos artigos 394º e 408º/1 do CPC, ou permitir-se mas não se impondo que a providência seja decretada sem a audição do requerido, nos termos do artigo 385º/1 do CPC.

 

A providência visa evitar a lesão grave decorrente da agressão e que a sua reparação é dificilmente reparável, nos termos do artigo 381º/1 do CPC. Há que preencher certos e específicos pressupostos para que se possa decretar a providência cautelar. Os pressupostos são:

 

1.periculum in mora: dano proveniente quer de uma lesão iminente quer pela continuação de uma lesão em curso.

Se este pressuposto não se preencher, isto é, se não houver um dano nem possibilidade de vir a surgir, então não pode vir a ser decretada a providência, pois não há necessidade de uma acção com carácter provisório e urgente;

 

2.fumus boni iuris: apenas é exigível a demonstração da probabilidade séria da existência da violação do direito alegado. Quanto ao grau de prova é requerido apenas uma mera justificação de que a situação jurídica alegada é provável ou verosímil;

 

3.summaria cognitio: demonstração sumária da existência do direito.

 

 

Os pressupostos referidos são cumulativos, pelo que a falta da verificação de algum deles leva a que a providência requerida pelo suposto lesado não seja decretada.

 Há que ter em atenção o interesse processual, isto é, há interesse se o requerente apenas pode ver satisfeita a sua pretensão pelo decretar da providência, não havendo outro procedimento mais célere e económico para obter a tutela dos seus interesses do que a providência cautelar.

 

Após ser decretada a providência cautelar, o requerente fica com o ónus de propor acção principal sob pena de caducidade da decisão cautelar (artigos 383º/1 e 389º/1 a) do CPC; 113º/1 e 123º do CPTA).

 

Há uma preferência das providências especificadas face ás não especificadas nos termos dos artigos 383º/3 do CPC e 112º/2 do CPTA. Sempre que uma providência existente e regulamentada assegure a tutela de forma plena e eficaz para o requerente, é esta que se deve optar e não uma providência não especificada, podendo haver cumulação de providências nos termos dos artigos 392º/3 do CPC e 120º/3 do CPTA.

Há então uma relação de subsidiariedade entre as providencias especificadas com as devidas adaptações no CPC que a haver para o caso concreto, prevalecem sobre as providências especificadas no CPTA de acordo com o artigo 112º/2 do CPTA. Ao não haver providência especificada, aplica-se uma providência não especificada criada de acordo ao caso em concreto.

 

Como referi as providências cautelares são um processo mais rápido e mais simples, mas poderemos dizer que não é muito seguro. Deparamo-nos que não é preciso provar com certeza o que é alegado, mas basta uma demonstração da probabilidade séria do direito violado, pelo que desta forma há que ponderar a lesão que a providência causará ao requerido e o benefício que proporcionará ao requerente.

Estamos perante uma tutela provisória, que tem por base uma apreciação muito sumária e não provada, mas apenas demonstrada dos factos por parte do requerente, o que potencia decisões erradas que prejudiquem o requerido.

Nos termos dos artigos 387º/2 do CPC e 120º/2 do CPTA se os danos do requerido forem superiores ao do requerente não se decreta a providência cautelar, o que faz sentido ponderando os interesses de cada um dos sujeitos dos conflitos. Se assim não fosse todas as providências seriam decretadas mesmo que fosse mais prejudicial para o requerido do que benéfico para o requerente. Nos termos do artigo 120º/3 do CPTA, as providências requeridas pelo requerente podem ser substituídas por outras menos lesivas do interesse do requerido que salvaguardem da mesma forma os interesses do requerente.

 

Após uma breve explicação das providências cautelares, há que estabelecer uma relação com o Direito do Ambiente e com os bens que por este ramo do Direito são salvaguardados. Mas para entender a actuação das providências cautelares no Direito do Ambiente, há que fazer uma referência a um dos mais importantes princípios do Direito do Ambiente - Princípio da Precaução.

 

            O princípio da precaução foi formulado pelos gregos e significa ter cuidado e estar ciente. Na era moderna o princípio da precaução foi desenvolvido na Alemanha nos anos 70 e implementado por todos os países europeus até aos anos 90. O princípio da precaução foi acolhido em Portugal no Decreto-lei n.º173/2008, de 26 de Agosto, o qual transpôs a directiva do Conselho 96/61/CE de 25 de Setembro.

 

O princípio da precaução tem como função principal evitar os riscos e a ocorrência de danos ambientes que possam afectar o meio ambiente. O risco não decorre apenas de determinadas actividades exercidas pelo ser humano, mas também de futuras acções que possam advir. Com o avanço incontrolável da tecnologia nos dias de hoje, o ambiente é que pode sofrer no futuro, há que agir para que o avanço da tecnologia seja canalizado para defender o ambiente ao mesmo tempo que se desenvolve a tecnologia.

 

Há que destacar que muitos desses riscos já actualmente nos afectam e muito gravemente, como a poluição quer seja sonora, das aguas, assim como a desflorestação, mas há que pensar nos perigos que podem advir de um futuro que de facto é certo, mas que poderá acarretar riscos que são incertos, isto é que surgirão danos desconhecidos e que o Homem poderá não estar preparado para os danos que desses riscos podem advir.

 

O princípio da precaução assume um papel muito importante, pretendendo precaver as acções que possam resultar em danos indesejáveis para o meio ambiente assim como para o ser humano. Este princípio visa salvaguardar a interacção do Homem e da natureza assim como das suas atividades decorrentes, pretendendo atingir um equilíbrio entre o Homem/Natureza. Quando nos referimos ao Ambiente, pensamos num espaço complexo de múltiplas relações estabelecidas, pelo que temos de preservar essa relação.

 

            Na Bergen Conference realizada em 1990 nos Estados Unidos é interpretado o princípio da precaução de uma forma radical, mas a meu ver correcta: “É melhor ser grosseiramente certo no tempo devido, tendo em mente as consequências de estar errado do que ser completamente errado mais tarde”.

            De facto é a realidade, pois é melhor tomar medidas drásticas a nível da protecção do ambiente, tendo noção que essas medidas estão certas e necessárias, mesmo que sejam extremas, porque de facto há uma consciência dos problemas que afectam o nosso meio ambiente, do que nada fazer e vir a perceber mais tarde que esses problemas existem e que tem consequências graves para o ser humano e para o Ambiente.

            Mas aqui a chave para a actuação não é apenas a precaução, que é a base da actuação, mas é ter consciência, isto é estar ciente e inteirado que o problema existe e que está bem presente na nossa sociedade. Se não houver essa consciência, não vai haver qualquer actuação, porque aos olhos do mundo não há problemas com o meio ambiente, mas só mais tarde se apercebem das consequências graves, que podiam ser evitadas se tivesse havido uma preocupação e uma actuação a tempo.

            Na Conferência no Rio de Janeiro, em Junho de 1992, a declaração do Rio/92 sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, definiu o princípio da precaução como “a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados”. De forma específica assim diz o princípio: “Para que o ambiente seja protegido, serão aplicadas pelos Estados, de acordo com as suas capacidades, medidas preventivas. Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis, não será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes, em termos de custo, para evitar a degradação ambiental”.

            O princípio da precaução consta na Convenção sobre Diversidade Biológica-CDB, como sendo um princípio ético e implica que, a responsabilidade pelas futuras gerações e pelo meio ambiente, deve ser combinada com as necessidades antropocêntricas do presente. No preambulo lê-se: “observando também que, quando exista uma ameaça de redução ou perda substancial da diversidade biológica, não deve ser invocada a falta de completa certeza científica como razão para adiar a tomada de medidas destinadas a evitar ou minimizar essa ameaça”.

            Tanto no caso da Conferência do Rio de Janeiro de 1992, como da Convenção sobre a Diversidade Biológica a principal preocupação é os danos ao meio ambiente. Os Estados têm de agir preventivamente para prevenir esses danos, prevalecendo o ambiente sobre a incerteza científica que pode haver sobre os riscos futuros, assim como e se, as medidas preventivas que se pretendem implementar são eficazes não só em termos de custos, mas principalmente eficazes no combate á degradação ambiental. O caminho a seguir pelos Estados é de acções preventivas.

            A Comissão Europeia em Fevereiro de 2000 adoptou uma comunicação relativa ao princípio da precaução: “o princípio da precaução faz parte de uma abordagem estruturada à análise de riscos, sendo igualmente relevante no que diz respeito à gestão de riscos. Abrange casos em que os resultados científicos são insuficientes, inconclusivos ou incertos e uma avaliação científica preliminar indica que há motivos para suspeitar que efeitos potencialmente perigosos para o ambiente, a saúde das pessoas e dos animais ou a protecção vegetal podem ser incompatíveis com o elevado nível de protecção escolhido pela UE.”

            A União Europeia visa uma protecção ao Ambiente, sendo fácil verificar que o regime jurídico em matérias de ambiente é bastante denso, convergindo inúmeros protocolos e acordos internacionais, regulamentação e legislação europeia e nacional. Há um vasto articulado legislativo que se complementa entre eles. Mais uma vez o ambiente e a sua salvaguarda prevalece sobre a incerteza científica, o mesmo referido anteriormente.

            Na Constituição da República Portuguesa-CRP é de destacar o artigo 9º em que é uma das tarefas fundamentais do Estado promover o bem-estar e a qualidade do povo, defendendo a natureza assim como o ambiente e os recursos naturais, assim como o artigo 66º em que todos os cidadãos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.

            Desta forma visando o Direito do Ambiente a protecção do Ambiente e dos seus recursos, é bastante importante o princípio da precaução, para que se possa adoptar uma postura preventiva para proteger o meio ambiente. Mas vejamos o Direito do Ambiente não se preocupa apenas com a precaução, isto é, em actuar antes de os danos ambientais ocorrerem, mas também em reparar danos já causados, pois infelizmente não é possível precaver todos os danos ambientais, pois se tal fosse possível não havia danos ambientais, nem problemas a eles associados.

            Assim como pelo princípio da precaução se visa evitar a lesão do meio ambiente, o mesmo ocorre com as providências cautelares no Direito do Ambiente, que visa evitar danos ambientais. Havendo uma lesão ambiental que ponha em causa bens naturais, justifica-se que se “abra mão” das providências cautelares de forma o proteger a Natureza.

            Pensemos numa actividade que implica descarga de elevadas cargas de poluentes para as águas de determinado rio, acabando por levar a morte de algumas espécies presentes nesse rio. Se optarmos pela via do tribunal de forma a resolver o conflito de forma definitiva, teremos de esperar pela decisão, enquanto se continua a descarregar poluentes para as águas, agravando a destruição de espécies e contaminando as águas.

             Se houver possibilidade de uma actuação imediata, ao contrário da decisão do tribunal, que produza efeitos imediatos, então podemos diminuir os prejuízos decorrentes da actividade lesiva. É aqui que entram as providências cautelares, que contornando a decisão definitiva do processo, conseguem actuar de forma provisória, visando proteger o meio ambiente.

            Por vezes se não houver uma actuação rápida, os danos provocados podem mesmo ser irreparáveis. Essa actuação rápida, provem do uso de providências cautelares, que como referi anteriormente é um processo rápido. Vejamos, o Ambiente não é um bem que tenha avaliação pecuniária, pelo que a sua lesão não pode ser indemnizada por qualquer quantia pecuniária, nem pode por vezes ser reposto o ambiente como anteriormente estava antes de sofrer a agressão, ou podendo ser reparável, poderá demorar vários anos.

            No âmbito da subsidiariedade das providências cautelares anteriormente referidas, há que verificar se há providências cautelares especificadas do CPC que se adequam aos danos ambientais. Na opinião de Carla Amado Gomes o embargo de obra nova presente nos termos do artigo 412º e seguintes do CPC, é a providência que mais se adequa para reagir ás ofensas aos bens ambientais naturais, podendo necessitar de alguma complementaridade por parte de uma providência não especificada.

            No âmbito do contencioso administrativo, relativamente a providências especificadas é de ressalvar quer a suspensão da eficácia de actos (artigo 128º e 129º do CPTA),quer de normas imediatamente exequíveis (artigo 130º do CPTA), defendendo Carla Amado Gomes a sua grande utilidade para a defesa do interesse ecológico.

            Nos termos do artigo 131º do CPTA, o requerente pode em casos de especial urgência, solicitar ao juiz administrativo o decretamento provisório da providência, decidindo num prazo de 48 horas e com a audição do requerido, não violando o princípio do contraditório anteriormente elencado.

            Antes de concluir há que fazer referência ao ónus da prova. No âmbito de Direito do Ambiente, há doutrina inclusivamente Carla Amado Gomes que coloca a possibilidade de inversão do ónus da prova. Regra geral a prova cabe ao requerente da providência cautelar, isto é ao lesado, mas por vezes é extremamente difícil demonstrar que há um perigo iminente derivado de uma certa acção, tornando-se difícil decretar a providência.

 

            Desta forma, haveria uma inversão do ónus da prova, sendo mais coerente e seguro para a tutela ambiental ser o requerido, neste caso lesante do dano ambiental a ter de provar que agiu em conformidade com o que é estabelecido por lei não ultrapassando qualquer limite legal, nem provocando desta forma qualquer dano ao requerente, nem haver possibilidade de tal dano puder vir a ocorrer posteriormente.

 

            Para que possa ocorrer a inversão de ónus da prova, Carla Amado Gomes considera que tem que estar preenchidos três requisitos:

1.      A sua finalidade ser a da protecção preventiva de valores constitucionalmente tutelados, nos termos do artigo 66º/2 da CRP;

2.      a sua configuração resultar de uma necessidade devidamente fundamentada e garantir a efectividade da justiça ambiental;

3.      a sua consagração não implicar um desequilíbrio intolerável das posições processuais das partes.

 

            Concluindo, as providências cautelares são um instrumento fundamental para a preservação e protecção ambiental. Se não fosse por intermédio de providência cautelar seria muito difícil reagir contra danos ambientais de uma forma tão célere, pois como acima referi os processos nos tribunais demoram muito tempo a ser decididos. É de defender as providências cautelares no Direito do Ambiente, pois desta forma o Ambiente está protegido de uma forma que está ao acesso de todos os cidadãos, e acima de tudo uma via de tutelar rápida. Não é de mais referir que a via cautelar é célere, pois e essa celeridade que pode evitar danos, ou minorar os danos causados.

 

            O meio ambiente precisa de um acompanhamento diário, de uma preservação constante, e não basta pensar no presente, há que preservar para as gerações futuras, e estar consciente dos problemas ambientais presentes na nossa sociedade, e agir de forma a inverter a situação que actualmente nos afecta, para que de futuro todos tenhamos um ambiente melhor. Tem de haver uma consciência que o Ambiente é de todos e que necessita de cuidados.

 

 

“Nunca o homem inventará nada mais simples nem mais belo do que uma manifestação da natureza. Dada a causa, a natureza produz o efeito no modo mais breve em que pode ser produzido” - Leonardo da Vinci

 
César Marques, Nº20398
 

           


Bibliografia


Canotilho, J.J.Gomes, “Introdução ao Direito do Ambiente”, Universidade Aberta, Lisboa,1998;

Gomes, Carla Amado, “Direito Administrativo do Ambiente”, Almedina, 2009;

Gomes, Carla Amado, “Introdução ao Direito do Ambiente”, AAFDL, 2012;

Silva, Vasco Pereira da, “Verde cor do Direito – Lições de Direito do Ambiente”, Almedina,Coimbra,2002;

Gomes, Carla Amado, “ As providências cautelares e o principio da precaução – Ecos de Jurisprudência”, Porto, 2007.