A responsabilidade
civil por danos ambientais tem por base dois princípios fundamentais, um deles
fundamentador do próprio instituto jurídico da responsabilidade civil – o princípio
do ressarcimento dos danos[1], e
o outro próprio do Direito do Ambiente – o princípio da solidariedade
intergeracional[2],
com assento constitucional no Art. 66º, n.º 2, alínea d) da Constituição da
República Portuguesa (doravante, CRP). O que se pretende com a responsabilidade
civil por danos ambientais é, segundo as palavras de CARLA AMADO GOMES[3],
por um lado, ressarcir a geração que sofre os danos ambientais e, por outro,
proporcionar a uma geração futura a fruição do bem jurídico ambiente. MENEZES
CORDEIRO[4],
inversamente, ao enunciar os princípios gerais nesta matéria faz referência ao
princípio da causa, o qual viria pôr de parte os fundamentos clássicos da
responsabilidade civil, afirmando que, em matéria de danos ambientais, o
responsável por estes danos seria sempre quem deu origem aos mesmos. Salvo o
devido respeito, e tendo em conta o regime jurídico analisarei ao longo da
presente reflexão, não me parece que sejam de afastar os fundamentos clássicos
da responsabilidade civil – a responsabilização por danos ambientais, quer na
sua vertente subjectiva, quer na sua vertente objectiva, baseia-se, precisamente,
neles.
Como é referido por
vários autores, nomeadamente CARLA AMADO GOMES[5], o
direito administrativo do ambiente assentou, e continua a assentar, nos
princípios da prevenção e da precaução, tal como resulta do Art. 191º TFUE e
Art. 3º, alínea a) da LBA. Tal fez com que a tutela primária do bem jurídico ambiental
se tenha procurado realizar sempre a montante, previamente à concretização de
um qualquer dano, do que a jusante, relegando o instituto jurídico da
responsabilidade civil para um plano secundário – tal como refere a citada autora[6], a ênfase deve ser dada à evitação – ou
minimização do dano -, não à sua reparação. No entanto, o princípio da
responsabilidade por danos ambientais é referido em vários instrumentos
internacionais, como a Declaração de Estocolmo e a Declaração do Rio, mas tardou
a surgir uma resposta legislativa, tanto a nível regional (surge em 2004, com a
Directiva n.º 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Abril),
como a nível interno (a transposição desta Directiva dá-se com o Decreto-Lei
n.º 147/2008, de 29 de Julho, embora o princípio da responsabilização já
constasse da Lei de Bases do Ambiente, no seu Art. 3ª, alínea h)). A verdade é
que num ramo de direito que se baseia da prevenção da ocorrência de danos, o
estabelecimento de um instituto de responsabilidade civil leva à aceitação de
que as suas principais premissas e princípios falharam, mas crer que o direito
poderia ficar incumbido da tarefa de evitação de todo e qualquer dano ambiental
não é mais do que um sonho utópico.
O primeiro ponto a que
convém aludir quando se fala no regime da responsabilidade civil por danos
ambientais é a distinção entre dano ecológico e ambiental, sem me debruçar
extensivamente sobre o tema, sob pena de tornar o presente estudo demasiado
lato. Nas palavras de CUNHAL SENDIM[7],
dano ao ambiente, lato sensu, deve
ser entendido como a perturbação do
estado do ambiente determinado pelo sistema jurídico-ambiental. No direito
positivo português, só com o Decreto-Lei n.º 147/2008 se procede à distinção clara
entre os dois tipos de danos. A reparação do dano ecológico, até à entrada em
vigor deste instrumento legislativo, não dava resposta às afirmações da
doutrina, sendo o mesmo de difícil sustentação jurídica, à luz do disposto na
Lei de Bases do Ambiente e, no entendimento de alguns autores, à própria Lei da
Acção Popular, pois ambas apresentam uma perspectiva individual, e não
colectiva[8],
do ressarcimento por danos em matéria de ambiente. Com o Decreto-Lei supra
referido estabelece-se expressamente a reparação do dano ecológico, e apenas
deste.
O conceito de dano de ambiental é um corolário do
antropocentrismo, ou seja, encara-se este dano como o dano causado às pessoas e
às coisas, como consequência da contaminação do ambiente[9] -
nas palavras de MENEZES LEITÃO[10],
haverá a lesão de um bem jurídico concreto. Por outro lado, o conceito de dano
ecológico, cuja possibilidade de reparação foi expressamente assinalada por
CUNHAL SENDIM[11],
surge no decurso de um aprofundamento do Estado de direito ambiental e do
ecocentrismo, encarando-se o dano já não por referência à pessoa e ao
património, mas por referência ao ambiente em si, à natureza como conjunto de
recursos bióticos e abióticos, à vida, sem haver uma violação de direitos
individuais. Seguindo a definição do autor, o dano ecológico será assim uma perturbação do património cultural […]
que afecte a capacidade funcional ecológica e a capacidade de aproveitamento
humano de tais bens tutelada pelo sistema jurídico-ambiental. MENEZES
LEITÃO afirma igualmente a possibilidade de ressarcimento do dano ecológico,
recorrendo para tanto ao Art. 52º, n.º 3 da CRP e aos Arts. 22º e 23º, da Lei
n.º 83/95, de 31 de Agosto, a já referida Lei da Acção Popular. Actualmente, e
tendo em conta o regime sobre o qual me debruço no presente estudo, o conceito
de dano ecológico pode retirar- se do Art. 11º, n.º 1, alínea d), do DL n.º
147/2008, bem como do seu preâmbulo e do Anexo V do diploma. Na mesma esteira,
HENRIQUE ANTUNES[12]
afirma que a defesa do direito ao ambiente não exige a titularidade de um
direito real de gozo – que poderá gerar a aplicação dos Arts. 1347º, 1348º e
1350º CC, pois o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, tal
como decorre do Art. 66º CRP, é essencial ao livre desenvolvimento da
personalidade, direito fundamental previsto no Art. 26º CRP.
A Directiva 2004/35/CE,
com base nos princípios do poluidor-pagador e da reparação de danos ambientais,
juntamente com o princípio do desenvolvimento sustentável, vem afirmar
claramente a responsabilidade, por causação de danos ecológicos[13] [14],
dos operadores cuja actividade possa levar a danos ou a uma ameaça de danos a
bens ambientais.
A Directiva, ao
consagrar esta possibilidade de ressarcimento do dano que ainda não ocorreu,
mas que é iminente, mais do que ter em atenção um princípio de
poluidor-pagador, toma como ponto de partida o princípio da prevenção e da
responsabilização – pretende-se que, ex
ante, os operadores que coloquem os bens ambientais numa situação
susceptível de causação de danos sejam responsabilizados, o que permite uma
intervenção de um princípio basilar no direito administrativo do ambiente (o da
prevenção), conjuntamente com outro princípio ao qual nem sempre se deu a mesma
atenção (o da responsabilização e do ressarcimento dos danos), por ser sempre
encarado numa perspectiva ex post. O
regime jurídico nacional assenta igualmente nesta compreensão alargada, pois,
como se percebe desde logo, na grande maioria dos casos, os danos ambientais
são irreversíveis, ou a reversibilidade importa uma onerosidade material e
financeira que faz com que o problema se deva colocar, sempre que possível, a
montante.
Há que fazer uma breve
alusão à problemática dos actos autorizativos: a regra vigente no ordenamento
jurídico português, tendo em conta a legislação aplicável em termos de licenças
e autorizações ambientais, é a da proibição
sob reserva de permissão, o que se pode retirar do Art. 26º da LBA, o que
significa que os operadores apenas poderão desenvolver actividades susceptíveis
de causação de danos ambientais nos casos em que as entidades administrativas,
com competência para a emissão de actos autorizativos, o permitam. Ou seja,
seguindo as palavras de HENRIQUE ANTUNES[15],
por referência a GOMES CANOTILHO, o acto autorizativo justifica a conduta que
poderá causar danos, desde que este acto seja emitido de acordo com a lei e com
os princípios constitucionais. Tal permissão administrativa traduzir-se-á, no
entanto, numa vinculação estrita dos operadores aos limites resultantes dessa
mesma autorização, mas, ao mesmo tempo, na criação de inúmeras competências de
fiscalização para a Administração, tendo em conta a mutabilidade tão
característica de uma área como o ambiente, pela sua ligação estreita com a
tecnologia e a ciência, o que resulta com clareza dos Arts. 25º e ss. do DL n.º
147/2008.
Segundo a Directiva, o
dano tem que ser significativo, concreto, quantificável e imputável através de
um nexo de causalidade. Dá-se uma preferência à reconstituição in natura, e, quando tal não seja
possível, as quantias pecuniárias devem destinar-se apenas à efectivação de
medidas de reparação. O que resulta do regime nacional, e que já anteriormente
se poderia retirar da aplicação do Art. 48º da LBA, conjugado com os preceitos
do Código Civil, nomeadamente o Art. 562º[16],
é que há, em matéria de ressarcimento de danos, uma primazia da reconstituição
natural face à obrigação de indemnização, obrigação que se faz sentir mais intensamente
quando os danos são ambientais. Está-se assim, segundo as palavras de CARLA
AMADO GOMES[17],
perante uma vertente reparatória e eventualmente compensatória da
responsabilidade civil.
Reconhecendo igualmente que a reparação de danos
ecológicos pode importar elevados custos para os operadores, a Directiva propõe
a criação de mecanismos de garantia financeira, o que, em Portugal, se
concretizou através do estabelecimento instituição do FIA (Fundo de Intervenção
Ambiental), previsto no Art. 23º do DL n.º 147/2008.
O regime instituído
pelo DL n.º 147/2008 estabelece uma distinção entre medidas preventivas – Art.
14º e medidas reparatórias – Arts. 15º e 16º, com fundamento no Art. 48º da
LBA. As medidas preventivas deverão ser adoptadas quando se esteja perante a
iminência – temporal ou circunstancial (reunião de pressupostos que, com um
grau de certeza razoável, apontem para a causação do dano) – de um dano
ambiental, tanto pelo operador causador do dano como pela entidade pública
responsável pela fiscalização, entidade esta que é a Agência Portuguesa do
Ambiente, como resulta do Art. 29º, e cuja competência resulta, em última
análise, da Constituição, ao confiar na Administração a tutela do ambiente[18]. Já
as medidas reparatórias poderão ter lugar por iniciativa da autoridade
competente (Art. 16º, n.º 4) ou do operador (Art. 16º, n.º 1). O incumprimento
de qualquer uma destas medidas gera responsabilidade contraordenacional, nos
termos do Art. 26º, ou a aplicação de sanções acessórias previstas no Art. 27º.
Uma crítica apontada por CARLA AMADO GOMES a este novo regime prende-se com a falta de
consagração da inversão do ónus da prova a favor do denunciante, que será
imposta pelo princípio da prevenção – tendo em conta a desigualdade informativa
em que se encontra aquele que sofre e, em consequência disso, denuncia um dano
ecológico, deveria beneficiar de uma inversão do ónus da prova, ficando antes a
cargo do operador demonstrar que a sua actuação não haveria causado o dano
alegado. No mesmo sentido, MENEZES LEITÃO[19], num
texto anterior ao DL n.º 147/2008, e mesmo à Lei n.º 67/2007, que regula a
responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas
colectivas públicas, recorre às normas do Código Civil para justificar esta
inversão do ónus da prova, afirmando que se poderá recorrer ao mecanismo
presuntivo do Art. 493º, n.º 2 do Código Civil, solução que, a meu ver, se
justificará, actualmente, quando as situações se façam reger pela lei civil e
não pelo DL n.º 147/2008, mas que devia ter estado no pensamento do legislador
aquando da transposição da directiva, aparecendo prevista no regime do referido
DL. No entanto, ao contrário do que defende MENEZES LEITÃO, e na esteira que é
afirmado por ANA PERESTRELO[20],
penso que a inversão do ónus da prova não deve assentar numa ideia de probatio diabolica, mas antes na
necessidade de protecção do ambiente e da vítima de danos ambientais.
Como se sabe, a verificação de um dano ecológico
não significa, desde logo, que um prejuízo deva ser reparado, tornando-se
necessário que o dano se subsuma a uma situação de responsabilidade prevista na
lei, o que exige a verificação de todos os pressupostos de que depende o
ressarcimento desses mesmos danos. Um dos temas mais complexos no âmbito da
responsabilidade civil por danos ambientais, aquele sobre o qual incide a
presente reflexão, prende-se a imputação de danos. Uma das primeiras
dificuldades parece resultar, a meu ver, da difícil demonstração da causa do
dano, por nem sempre haver informação suficiente, por se tratar de uma área
complexa, sobretudo pela sua multidisciplinariedade e pelo carácter indirecto e
oculto do processo causal[21].
Outra dificuldade resulta dos fenómenos de causalidade alternativa e cumulativa
que tendem a verificar-se com uma maior frequência neste ramo – em muitas das
situações, os danos surgem pela actuação, regra geral não consertada, de vários
operadores. Sobre esta matéria incidem os Arts. 4º a 6º do DL n.º 147/2008. A
verdade é que, nestes casos, os preceitos não dão uma resposta clara, sendo a
solução legislativa bastante criticada por CARLA AMADO GOMES[22]
no que toca a este aspecto – o Art. 4º, ao referir-se ao casos de
comparticipação como casos em que o dano ambiental é causado por vários
operadores e o Art. 6º dispondo sobre os casos de poluição de carácter difuso,
partem já do pressuposto que a causalidade entre a actuação do operador e o
dano se encontra verificada, nos termos do Art. 5º. O Art. 5º parte da teoria
da causalidade adequada, chamando à colação a necessidade de provas científicas
que demonstrem o nexo causal, o que nem sempre será fácil de verificar quando
haja uma actuação de vários operadores alternativamente que contribui para a
causação do dano. Segundo a mesma autora[23],
os principais problemas derivam dos casos em que não se consegue encontrar
nenhum responsável – poluição difusa ou latente, como de casos em que há um
número infindável de presumíveis responsáveis.
MENEZES LEITÃO[24]
defendia, antes da existência do preceito do DL n.º 147/2008, que estabelece
indubitavelmente a teoria da causalidade adequada, ao referir-se ao facto
danoso como sendo apto a produzir a lesão
verificada, a aplicação da doutrina do escopo da norma violada, a qual,
partindo da conditio sine qua non,
imputada ao agente os danos que correspondessem a posições garantidas pelas
normas violadas, embora afirmando que mesmo este critério era de difícil
aplicação em matéria ambiental, uma vez que a prova causalidade, tendo que
recorrer a técnicas científicas, se baseava, a maioria das vezes, em
estatísticas. A maioria das situações redunda em casos de causalidade
alternativa, sabendo-se que o autor da lesão se encontra entre vários agentes,
mas sem possibilidade de estabelecer, ao certo, qual deles foi o causador do
dano. Parece-me que MENEZES CORDEIRO[25],
em texto igualmente anterior ao surgimento do DL n.º 147/2008, adopta a mesma
teoria, ao defender que se verifica uma situação de responsabilidade civil
quando haja uma violação censurável de normas jurídicas por parte do agente,
admitindo depois que a maioria dos danos ambientais ocorrem sem essa violação
ou sem que ela possa ser imputada a alguém, havendo apenas espaço para a
responsabilidade pelo risco ou para a responsabilidade objectiva. O autor
refere-se igualmente às questões da causalidade normativa, que terá por base
uma causalidade estatística, afirmando que será esta a tese que possibilitará a
resolução de vários problemas em termos de causalidade ambiental: através dela,
poderá recorrer-se ao estabelecimento de presunções de causalidade e à
imputação dos danos a uma pluralidade de agentes quando não se consiga saber,
ao certo, qual deles foi o responsável pelo mesmo, solução que foi adoptada no
ordenamento jurídico alemão – o § 830, 1, 2ª parte BGB sanciona todos os
intervenientes quando não é possível provar qual deles teve o comportamento que
deu origem ao dano. No que toca a esta imputação de danos aos vários agentes,
quando não seja possível identificar qual o agente causador do mesmo, HENRIQUE
ANTUNES[26],
faz igualmente um apelo à teoria da market-share-liability,
segundo a qual a imputação da responsabilidade aos operadores, nestas
situações, se faria segundo a quota de mercado que cada um dispusesse – cada
empresa seria responsável pelos danos ambientais na proporção da sua quota de
mercado.
Seja qual for a tese que se siga – a da causalidade
adequada ou a do fim da norma, a verdade é que o ponto de partida não poderá
deixar de ser a ideia de conditio sine
qua non, enquanto critério científico-natural[27] e
se esta não é suficiente para fundamentar a imputação em termos de
responsabilidade, será sempre condição necessária. Segundo este critério “uma acção seria considerada causa de um
resultado sempre que, se não tivesse sido praticada aquela, este, o resultado, não
se teria verificado”[28].
No entanto, como assinala ANA PERESTRELO, esta teoria tende a revelar-se
inútil, pois não é apta a resolver uma grande parte dos casos em que nos
deparamos em matéria ambiental – casos de causalidade cumulativa ou alternativa.
Partindo do exemplo dado pela autora: A e
B lançam simultaneamente despejos ou substâncias corrosivas numa corrente,
provocando a morte de uma grande quantidade de peixes. Suprimindo a actuação
de qualquer um dos operadores, o dano continuaria a verificar-se, pelo que a
teoria da conditio sine qua non se
mostra, assim, inapta.
Este entendimento levou a que surgisse, nos finais
do séc. XIX, a teoria da causalidade adequada, a qual, partindo da conditio sine qua non, só imputaria o
dano ao agente quando o facto fosse adequado a produzi-lo, escolhendo assim, de
todas as causas que resultam da primeira teoria, aquela que se manifeste, em
abstracto e em concreto, como a mais apta a produzir o dano. Chega-se a esta conclusão
através do recurso a um juízo de prognose póstuma, colocando-se o juiz no lugar
do agente antes da prática do facto. Mais tarde, surge a teoria do fim da
norma, segundo a qual só serão imputados ao agente os danos que este cause e
que levem a uma frustração das utilidades que a norma visava conferir a um
sujeito.
Noutros ordenamentos jurídicos, a resposta aos complexos
problemas do nexo de causalidade na responsabilidade civil por danos ambientais
foi dada através da adopção de presunções legais ilidíveis de causalidade
associadas a determinadas actividades perigosas, cessando tal presunção quando
o lesante prove que utilizou a melhor tecnologia disponível (Alemanha, no
regime jurídico de responsabilidade por danos ambientais de 1990); atenuação da
exigência de prova na Convenção de Lugano; ou adopção de causalidade probabilística
(no ordenamento jurídico norte americano e já defendida em Portugal por MENEZES
LEITÃO e MENEZES CORDEIRO).
Explicadas as várias teses em torno do assunto,
importa atender ao regime legal e dar uma resposta ao problema em análise:
através de que critérios se deve partir para que se impute a um operador um
dano ambiental, independente do quantum
da sua participação no processo causal?
ANA PERESTRELO vem claramente rejeitar a vigência,
no nosso ordenamento jurídico, de uma ideia de market-shared-liability, posição com a qual concordo pois não é o
que resulta dos princípios fundamentais em matéria de Direito do Ambiente
(sobretudo, o princípio do poluidor-pagador, pois uma maior quota de mercado não
corresponde à causação de mais danos ambientais), e também não é aquela que
resulta dos preceitos legais actualmente existentes, faltando-lhe, a bem da
verdade, consistência jurídica[29].
Na esteira do que defende a referida autora,
qualquer que seja o critério de escolha, parece-me que este tem que ser
valorativamente adequado, orientado por preocupações de segurança jurídica e de
confiança, não se podendo escolher um critério que não seja apto a nortear as
condutas dos sujeitos jurídicos; bem como deverá ter em conta as especiais
exigências em matéria de ambiente e ser juridicamente operacional, não abrangendo
casos que não merecerão consideração em termos de responsabilidade civil, e
deixando de fora outros que mereceriam a intervenção deste instituto jurídico.
CUNHAL SENDIM propõe a adopção de critérios de
verosimilhança ou de probabilidade[30],
de forma a atenuar a exigência de prova da conditio
sine qua non, dando resposta a muitos problemas que ficariam sem ela. Anterior
ao DL n.º 147/2008, o autor defende neste texto a ideia que veio posteriormente
a ser adoptada pelo legislador, uma vez que o Art. 5º do mesmo alude
precisamente ao facto de a prova do nexo de causalidade assentar “num critério de verosimilhança e de
probabilidade”. No entanto, sob pena de basear a responsabilidade civil por
danos ambientais num critério puramente estatístico[31],
há que ter em conta os restantes factores que a lei refere. Ou seja, conforme
assinala VASCO PEREIRA DA SILVA[32],
apesar de não se poder abandonar a lógica causal em termos de responsabilidade,
dever-se-á introduzir alguma flexibilidade nos critérios adoptados para a determinação
do nexo causal quando estão em causa danos ambientais, de forma a não deixar de
lado as necessidades de tutela específica deste ramo do Direito.
Outro ponto que convém deixar presente: ao recorrer
à aplicação de medidas preventivas quando está em causa um dano ambiental, o DL
n.º 147/2008 adopta igualmente a teoria do risco, que não é estranha em termos
de teorias de imputação[33],
uma vez que aplica estas medidas quando o operador tenha criado ou aumentado o
risco de produção de um dano ambiental com a sua actividade, em concreto (e não
em abstracto, por tal ser violador dos princípios basilares do instituto jurídico
da responsabilidade civil, desde logo o princípio do ressarcimento dos danos).
Segundo ANA PERESTRELO, esta é a teoria mais apta a dar resposta aos problemas
de imputação em matéria de ambiente, solução com a qual concordo. Especialmente
se tivermos em atenção o princípio da prevenção, a teoria do risco é aquela que
se apresenta como a mais conforme – não esperando a causação de um dano,
bastando-se com a criação ou aumento de um risco para o bem jurídico para que o
dano se impute ao agente, é garantida a tutela preventiva do ambiente. No
entanto, quando os danos já se produziram, a teoria a adoptar é a da
causalidade adequada, pelas razões supra mencionadas, bem como por ter sido
esta a teoria positivamente consagrada pelo nosso legislador, transpondo uma
Directiva comunitária.
Por fim, no que ao concurso de imputações diz
respeito, o legislador optou por estabelecer uma responsabilidade solidária,
sem prejuízo do direito de regresso que possa vir a ser exercido por qualquer
um dos operadores, como decorre do Art. 4º, n.º 1 do DL n.º 147/2008. O que acontece, nos casos em que não seja
possível identificar precisamente um responsável (isto é, com recurso à norma
do Art. 5º do referido DL não se apura com verosimilhança ou probabilidade que
operador causou o dano ambiental), caberá ao FIA a suportação dos mesmos, nos
termos do Art. 23º, n.º 1, conjugadamente com o Art. 19º, n.º 4, sem, no
entanto, como refere CARLA AMADO GOMES[34],
ser posto em causa o princípio do poluidor-pagador, pois o FIA é alimentado em
grande parte pelo valor das coimas resultantes das contraordenações em matéria
ambiental.
[1] Neste
sentido, LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito das Obrigações, Volume I, 2010, Almedina, pp. 51 a 54,
afirmando que este princípio se traduzirá na transferência de um dano da esfera
jurídica do lesado para outem, quando seja este último, por uma qualquer razão
de justiça, que deva suportar esse dano. O que acontece, no instituto da
responsabilidade civil, é que o dano é imputado a outrem, e é essa a razão de
justiça subjacente a que outrem, que não a pessoa que sofreu o dano
(afastando-se a premissa de the loss lies
where it falls), o suporte, imputação que poderá ser feita a título de
culpa, a título de risco ou a título de sacríficio.
[2] O princípio
da solidariedade intergeracional foi adoptado pela nossa CRP, com a revisão
constitucional de 1997, como corolário da dignidade da pessoa humana,
consagrando-se um direito ao ambiente de gerações que não têm qualquer direito
potestativo no presente, conferindo uma dimensão transtemporal ao ambiente.
Assim, DOMINGUES, Victor Hugo; Solidariedade
Intergeracional: limites e perspectiva constitucionais; FDL, 2009, pp. 38 a
41.
[3] GOMES, Carla Amado; «A responsabilidade civil por
dano ecológico. Reflexões preliminares sobre o novo regime instituído pelo
Decreto-Lei nº 147/2008, de 29 de Julho», in O Direito, Ano 141, 2009, I, pp. 128.
[4] CORDEIRO,
António Menezes; «Tutela do ambiente e direito civil», in Separata de «Direito do Ambiente», INA, 1994, pp. 381.
[5] GOMES,
Carla Amado; «A responsabilidade…», pp. 128 e, da mesma autora, «Direito
Administrativo do Ambiente», in Tratado
de Direito Administrativo Especial, Volume I, Almedina, 2009, pp. 243.
[6] Neste
sentido, vide, GOMES, Carla Amado;
«Direito…», pp. 243.
[7] SENDIM, José de Sousa Cunhal; Responsabilidade civil por danos ecológicos – Da reparação do dano através de restauração natural; Coimbra
Editora, 1998, pp. 129.
[8] Neste
sentido, vide, GOMES, Carla Amado, «A
responsabilidade…», pp. 131 e ss.
[9] Tal
resulta conceito resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 147/2008.
[10] LEITÃO,
Luís Menezes; «A tutela civil do ambiente», in Revista de Direito do ambiente e ordenamento do território,
Associação Portuguesa para o Direito do Ambiente, Nº 4 e 5, 1999.
[11] SENDIM,
José Cunhal, Responsabilidade civil por
danos ecológicos - Da reparação do dano através de restauração natural;
Coimbra Editora, 1998, pp.
[12] ANTUNES, Henrique Sousa; «Ambiente e responsabilidade
civil», in Estudos dedicados ao Prof.
Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, Universidade Católica Editora, 1ª
Edição, 2002, pp. 649.
[13] Neste
sentido, vide, GOMES, Carla Amado, «A
responsabilidade…», pp. 133 e ss., que retira no considerando 14 e do Art. 3º/3
da Directiva que esta apenas se aplica ao dano ecológico, e não ao dano
ambiental, uma vez que o ressarcimento deste se pode fazer através dos
clássicos mecanismos do direito civil.
[14] A
directiva circunscreve o seu âmbito de aplicação aos danos ecológicos causados
às espécies e habitats protegidos no contexto da Rede Natura 2000, à agua e
solo. No entanto, os Estados, ao transporem a directiva para os ordenamentos
jurídicos internos, poderão alargar o seu alcance. No caso do Estado português,
procedeu-se a este alargamento, uma vez que caberão dentro do conceito de dano
ecológico todos os danos causados à água, ao solo, e às espécies de habitats
protegidos pelo ordenamento nacional, cujo âmbito é mais alargado do que o
conferido pela Rede Natura 2000, constando estas espécies e habitats do
Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho.
[15]
ANTUNES, Henrique Sousa, ob. cit., pp. 652.
[16] Neste
sentido, LEITÃO, Luís Menezes; «A tutela...», texto datado e que, sendo
anterior ao DL n.º 178/2008, terá que ser interpretado a essa luz.
[17] GOMES,
Carla Amado; «Direito…», pp. 192 a 194.
[18] Neste
sentido, vide GOMES, Carla Amado, «A
responsabilidade…», pp. 160.
[19] LEITÃO,
Luís Menezes; «A tutela…».
[20] OLIVEIRA, Ana Perestrelo; Causalidade e imputação na responsabilidade civil ambiental;
Almedina, 2007, pp. 70.
[21] Neste sentido, vide,
SENDIM, José de Sousa Cunhal; Responsabilidade
civil por danos ecológicos – Da
reparação do dano através de restauração natural; Coimbra Editora, 1998,
pp. 135.
[22] Neste
sentido, vide GOMES, Carla Amado, «A
responsabilidade…», pp. 158 e 159.
[23] GOMES,
Carla Amado; «Direito…», pp. 246 e 247.
[24] LEITÃO,
Luís Menezes; «A tutela…».
[25]
CORDEIRO, António Menezes; ob. cit., pp. 389.
[26]
ANTUNES, Henrique Sousa; ob. cit., pp. 661.
[27] Neste sentido, vide,
OLIVEIRA, Ana Perestrelo; ob. cit., pp. 52.
[28]
CARVALHO, Américo Taipa de; Direito Penal
– Parte Geral, Questões Fundamentais, Teoria Geral do Crime, 2ª Edição,
Coimbra Editora, 2008, pp. 301 e 302.
[29] OLIVEIRA, Ana Perestrelo; Causalidade e imputação na responsabilidade civil ambiental;
Almedina, 2007, pp. 65.
[30] SENDIM, José de Sousa Cunhal; Responsabilidade civil por danos ecológicos, Almedina, 2002, pp.
45.
[31] ANA PERESTRELO alude igualmente aos perigos da aceitação
de um critério puramente estatístico, pois a estatística é sempre falaciosa e o
que se procura é saber se um determinado facto pode ter causado determinado
dano, e não se estatisticamente esse facto pode causar esse dano. Assim, OLIVEIRA,
Ana Perestrelo; ob. cit., pp. 65.
[32] SILVA,
Vasco Pereira da; Verde Cor de Direito –
Lições de Direito do Ambiente; Almedina, 2002.
[33] Neste
sentido, vide, OLIVEIRA, Ana
Perestrelo; ob. cit.; 72 e ss.
[34] GOMES,
Carla Amado; «Direito…», pp. 246 a 247.
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Diana Salvado Nunes, Aluna Nº 19580
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