domingo, 12 de maio de 2013

PARECER do Ministério Público


 Ao abrigo do arts. 219º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e 85º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante, CPTA), vem o Ministério Público pronunciar-se sobre o mérito da presente causa:
Tendo em conta que estamos perante uma situação de execução de um contrato administrativo, i.e., um contrato cujo regime substantivo se encontra regulado por normas de direito administrativo, a alínea f), do n.º 1 do art.º 4.º encontra-se preenchida. Competente, também, nos termos da alínea l), do mesmo art.º 4.º/1 do ETAF, na medida em que estamos perante a apreciação de “actividades proibidas por normas de direito administrativo, que imponham à Administração o dever de prevenir e reprimir a respectiva violação” (MÁRIO AROSO ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2010, p. 173). Quanto à competência territorial, a mesma verifica-se, nos termos dos arts. 16º e 19º CPTA, por ser o tribunal em questão o do lugar do cumprimento do contrato, e o da residência habitual dos Autores, respectivamente. A «Sociedade Lislixo, S.A.» é parte legítima, nos termos do art. 9º, nº 1 CPTA, por ser parte na relação material controvertida, nomeadamente por haver celebrado um contrato de concessão de serviços públicos com o Município de Lisboa, nos termos do art. 407º nº2 do Código dos Contratos Públicos, doravante CCP.
A «Associação Ambientalista “Verdetotal” é parte legítima nos termos do art. 9º, nº 2 CPTA, do art. 52º nº 3 da CRP e do art. 2º nº1 e 3º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, que rege o Direito de Participação Procedimental e Acção Popular. O Município de Lisboa é competente em matéria de gestão de resíduos urbanos e promoção do ambiente e saúde pública, segundo o consagrado nos arts. 13º, nº 1, alínea l), e 26º, nº 1, alínea c), da Lei nº 159/99, de 14 de Setembro, pelo que se considera parte legítima, nos termos do art. 10º, nº 1 CPTA, por ser parte na relação material controvertida.
A Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e de Resíduos, I.P.(doravante ERSAR, I.P.), é competente em matéria de regulação das entidades gestoras de resíduos sólidos urbanos, cabendo-lhe também a promoção de uma política sustentável neste sector, e ainda a promoção do ambiente,  nos termos do art. 5º, nº 1, alínea c) e nº 2, alínea a), b), d) e j) do Decreto-Lei nº 277/2009, de 2 de Outubro, que aprova a orgânica da respectiva entidade, tendo assim legitimidade passiva nos termos do art. 10º, nº 1 CPTA, por ser parte na relação material controvertida.
A Inspecção Geral do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), possui competência para decidir em questões de contra-ordenações ambientais, nos termos do art.2º, nº2, do Decreto-Lei nº 23/2012, de 1 de Fevereiro, que aprova a sua lei orgânica. Ora, atenta a regra do art. 10º, nº2, do CPTA, estando em causa a acção ou omissão de uma entidade pública, “deve ser demandada a pessoa colectiva de direito público ou , no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”. Neste caso, considera-se parte legítima o Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (doravante MAMAOT), no qual se integra a IGAMAOT, nos termos do art. 1º do Decreto-Lei referido.
A coligação é admissível, entre os vários Autores contra os vários Réus.
A Sociedade Lislixo, S.A. celebrou, no dia três de Dezembro de dois mil e nove, com o Município de Lisboa, um contrato de concessão de serviços em regime de exclusividade. Em 2012, reportaram-se várias situações de desaparecimento de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) que se encontravam nos ecopontos da Sociedade Lislixo, S.A. . Verificou-se que estes desaparecimentos se deviam à recolha dos RSU por parte de sujeitos privados desconhecidos, que se antecipavam à passagem das viaturas de recolha da Sociedade Lislixo, S.A., a qual ocorre diariamente, entre as 23h e as 5h. Como consequência desta situação, resultaram perdas significativas nos proventos económicos da Sociedade Lislixo, S.A. De facto, o contrato celebrado entre a Sociedade Lislixo, S.A. e o Município de Lisboa qualifica-se como um contrato administrativo de concessão de serviço público, tendo o concessionário o direito à exclusividade do serviço público, i.e., só a ele é permitido juridicamente o exercício daquela actividade na área definida (vd. art. 415º, alínea a) do CCP).
Relevantíssimo é o disposto no DL nº 178/2006, onde se lê que cabe ao Município, entre outros, a fiscalização do cumprimento dos contratos cujo objecto seja gestão de resíduos (art. 66º).
A ERSAR, I.P., foi criada pelo Decreto-Lei nº 277/2009. A sua actuação passa pela “regulação dos sectores dos serviços de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos e o exercício de funções de autoridade competente para a coordenação e fiscalização da água para consumo humano” (artigo 3º). Neste sentido, a ERSAR não  se pode abster de promover as respectivas acções de fiscalização, sob pena de adoptar uma actividade administrativa contra legem.  Quanto ao MAMAOT, competem-lhe, entre outras, as atribuições referidas no artigo 2.º, nº 2 a), f), g), h), e i) do DL 23/2012 e no artigo 11º nº2 f) do DL 7/2012, de 17 de Janeiro. Neste sentido, impõe-se que adopte as medidas que previnam ou eliminem situações de perigo grave para a saúde, segurança das pessoas, dos bens e do ambiente.
Tem o Ministério Público a convicção de que o interesse público não pode nunca ser visto como que de uma mera soma dos interesses dos particulares se tratasse, ainda que na sua essência não deva ser diferente do interesse da colectividade. Uma vez definido pela lei o interesse público, e consequentemente atribuídas à Administração as prerrogativas de que se pode fazer valer, deve o primeiro constituir motivo determinante de qualquer acto da Administração ao abrigo dos poderes que lhe são constitucionalmente conferidos.
Diga-se a título final que não se percebe porque os autores não pedem uma qualquer indemnização. Atendendo aos elementos acima descritos e referidos,  o Ministério Público entende que os réus devem ser condenados à adopção de comportamentos, designadamente, de acções de fiscalização e prevenção das violações das normas regulamentares que acima se mencionam, bem como da violação do direito à exclusividade conferido à Sociedade Lislixo, S.A..

Os Procuradores do Ministério Público:
Diogo Giroto
Sérgio Santos
Jorge Almeida

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