sexta-feira, 10 de maio de 2013

Direito do Ambiente na Constituição e seus princípios: o poluidor pagador


Cabe, desde logo, nesta fase inicial da análise, ter em conta que a preocupação em matéria ambiental decorre, desde logo, do artigo 66º da Lei Fundamental. A Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) não define, em concreto, o que se entenderá por “ambiente”, não executa uma distinção intrínseca entre este conceito e o conceito de “qualidade de vida”, igualmente plasmado na epígrafe do art.º. supra citado. Desta feita, recorrendo aos ensinamentos de Gomes Canotilho e Vital Moreira, é aferível que, por “ambiente” devemos entender um conceito “simultaneamente estrutural, funcional e unitário”. Prosseguem os Autores com as distinções; trata-se de um conceito unitário em virtude de “a Constituição apontar (em consonância com diplomas internacionais) uma visão unitária, que abarca um conjunto de sistemas ecológicos, físicos, químicos e biológicos e de factores económicos, sociais e culturais”. Trata-se, igualmente, de uma concepção “estrutural-funcional”, na medida em que “os sistemas físico, químicos e biológicos e os factores económicos, sociais e culturais, além de serem interactivos entre si, produzem efeitos, directa ou indirectamente, sobre unidades existenciais vivas e sobre a qualidade de vida do homem.” Cabe, nesta medida, proceder, então, a uma célere distinção entre os conceitos de “ambiente” e “qualidade de vida”, dado que, “embora a concepção antropocêntrica de ambiente aponte para a qualidade de vida, este conceito não se identifica com o de ambiente”. Construindo uma tese sedeada em pilares de uma teleologia antropocêntrica, a Constituição estabelece, “acertadamente, a articulação entre ambiente e qualidade de vida: o ambiente é um valor em si na medida em que também o é para a manutenção da existência e alargamento da felicidade dos seres humanos”. Fica assim, esclarecida a diferença intrínseca dos conceitos em tratamento, mas a sua indubitável e fulcral interacção, no sentido de que um (qualidade de vida) será inviável sem o outro (ambiente).

 É esta “compreensão antropocêntrica de ambiente que justifica a consagração do direito do ambiente como um direito constitucional fundamental”. Como bem salientam os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito ao ambiente é, desde logo, na sua génese, um “direito negativo, ou seja, um direito à abstenção, por parte do Estado e de terceiros, de acções ambientalmente nocivas”. “E, nesta dimensão negativa”, prosseguem os Autores, “o direito ao ambiente impõe proibições ou deveres de abstenção, pelo que é, seguramente, um dos “direitos fundamentais de natureza análoga” aos “direitos, liberdades e garantias” a que se refere o art.º. 17º, sendo-lhe, portanto, aplicável o respectivo regime constitucional específico dos “direitos, liberdades e garantias””. Do que se trata, em suma, é de preservar e conservar o ambiente, para que cada indivíduo possa dele fruir, inviabilizando “atentados” de terceiros.
 Por outro lado, surge também uma dimensão positiva do direito ao ambiente, que na prática abrange o direito a que o ambiente seja “garantido e defendido”, como nos indica o nº2 do artigo 66º da CRP e correspondentes alíneas. O que se anseia é potenciar uma acção estatal que converge para a defesa ambiental e para o controlo de acções potencialmente danosas, às quais devem ser impostas as correspondentes “sanções políticas, legislativas, administrativas e penais.”. Desta feita, este sentido positivo do direito ambiental  “implica para o Estado a obrigação de determinadas prestações, cujo incumprimento configura, entre outras coisas, situações de omissão inconstitucional, desencadeadoras do mecanismo de controlo da constitucionalidade por omissão (cfr. Art. 283º). Nesta vertente, defendem os Autores que está em causa um genuíno “direito social”, conferindo ao direito do ambiente uma “dupla vertente” que permite que seja beneficiário da “dupla natureza ímplicita na generalidade (…) dos direitos sociais, simultaneamente direitos a serem realizados e direitos a não serem perturbados”. Contudo, diferem de outros direito sociais, cujo intuito será “criar ou realizar o que ainda não existe ou não se tem (segurança social, serviços de saúde…)”, o direito ao ambiente visa, por sua vez, “garantir o que ainda existe e recuperar o que por acção do Estado ou de terceiros, deixou de existir ou se degradou”, daí que se encontrem elencadas nas alíneas do nº2 do art. 66º as incumbências do Estado em matéria ambiental. Além de que a relevância destas incumbências é realçada pela inclusão da defesa do ambiente entre as tarefas fundamentais do Estado, art. 9º, alínea e).
 Neste sentido, é conveniente apreender que a defesa do ambiente pode, inclusivamente, “justificar restrições a outros direito constitucionalmente protegidos”. Atendamos ao exemplo paradigmático do direito de propriedade que, sendo um direito real que integra todas as prorrogativas que se podem ter sobre uma coisa, é descrito pelo art. 1305º Código Civil como a susceptibilidade de “o proprietário gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”. Ora o direito de propriedade está, logicamente, sujeito a “medidas planeadoras de protecção do ambiente (planos de ordenamento territorial, desenvolvimento de reservas e parques, classificação e protecção de paisagens e sítios)”. Neste sentido, tomando como exemplo a liberdade de construção, que amiúde se considera inerente ao direito de propriedade (embora o tema seja controvertido na Doutrina), os Professores configuram esse direito como uma “liberdade de construção potencial”, em virtude de ter de obedecer e respeitar um “quadro de normas jurídicas, nas quais se incluem as normas de protecção do ambiente”.
 É importante, por sua vez, salientar que a Constituição não se basta na consagração do direito ao ambiente como direito fundamental, aprofunda essa concepção através da imposição de um dever de defesa do ambiente, patente no nº 1, in fine do art.66º CRP. Daqui sobressai novamente a natureza do direito do ambiente enquanto “direito negativo”, na medida em que, “tratando-se de um direito imediatamente operativo nas relações entre particulares” (ou, de forma menos artificial, directamente vinculativa dos particulares), emerge desta situação o dever imediato e inabalável de “respeitar aquele direito” e de “não atentar contra o ambiente”. Mas este dever de defesa não se esgota aqui, é “mais vasto do que isso, podendo traduzir-se legalmente em deveres de abstenção ou de acção, eventualmente tutelados pela via penal”. Assim sendo, e para concluir a matéria relativa ao dever de defesa do ambiente, não é de somenos apontar a tripartição levada a cabo por Gomes Canotilho e Vital Moreira, que elencam este dever em três pilares essenciais:
1º- “Obrigação de não atentar contra o ambiente”, que se consubstancia na simples ideia de não poluir, de não degradação;
2º- “Obrigações positivas de diversa ordem”, que vão desde a obrigação de tratamento de resíduos ou efluentes domésticos e industriais até à instalação de equipamentos pró-ambientais;
3º- “O dever de impedir os atentados de outrem ao ambiente, incluindo pelo exercício da Acção Popular, prevista no art. 52º, nº 2 e 3, em favor do direito do ambiente”.

  Desenvolvida a temática do direito ambiental enquanto direito fundamental constitucionalmente garantido, torna-se imperioso apreciar a irrefutável e fulcral relevância que merece o tratamento dos princípios no direito ambiental.
   Salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira que, da articulação do nº 2 do art. 66º com outros preceitos constitucionais, nomeadamente os artigos 9º/e), 81º/a), j) e l), 90º e 93º-1/d), emergem os princípios fundamentais, os pilares de uma política ambiental.
Elencam os Autores o princípio da prevenção, segundo o qual “ os responsáveis por comportamentos (activos ou omissivos) susceptíveis de originar incidências ambientais devem evitar sobretudo a criação de poluições e perturbações na origem, e não apenas combater posteriormente os seus efeitos (…)”, tal como advém da concepção proveniente da “sabedoria popular”, será mais adequado e racional prevenir a degradação ambiental do que remediá-la numa fase posterior, até porque, amiúde, a situação torna-se irreversível. Neste sentido, confrontar estas noções com o nº 2, alíneas a), c) e d) do art. 66º CRP.
Ora, o mesmo artigo, no corpo do seu nº 2 enuncia um novo princípio, o da participação colectiva, que se consubstancia na ideia de que uma boa execução de uma política ambiental deve contar com “o envolvimento e participação dos cidadãos”. O princípio da cooperação surge na sequência destes esforços, procurando uma acção concertada com outros países e organizações internacionais, como patenteia o art. 81º, alínea l) CRP.

O princípio que se segue parece um pouco subvalorizado, mas, na minha óptica, é de extrema relevância: trata-se do princípio do equilíbrio. Referem os Professores que este princípio se traduz na “criação de meios do ambiente adequados para assegurar a integração das políticas de desenvolvimento económico, social e cultural, e de protecção da Natureza”, como se afere à luz dos artigos 66º nº 2, alíneas b) e d), em consonância com os artigos 81º alínea l) e 90º CRP, na busca de um “desenvolvimento harmónico, integrado e auto-sustentado”. Esta afigura-se como uma das bases da questão: a criação de um equilíbrio, visto que é de evitar a todo o custo os perigos inerentes de um ambientalismo fundamentalista e radical, não permitindo, porém, que por antítese, se continue a viabilizar tamanho nível de degradação, que poria em causa outro dos princípios ambientais basilares: o princípio da solidariedade entre gerações, referenciado pelo nº 2, alínea d), in fine do art. 66º CRP. Esta concepção converge para uma ideia de justiça intergeracional, inerente ao direito à herança natural e cultual que deve ser transmitida às futuras gerações, que lhes permitam “continuar a dispor e a usufruir das possibilidades de vida e da respectiva conformação inerentes a essa biodiversidade e recursos”, ou seja, está implícita uma responsabilidade para com as futuras gerações, que abarca uma “responsabilidade a longo prazo”, na medida em que tem de existir a consciencialização de que a escassez de meios e recursos não podem representar encargos abusivos para as gerações vindouras. Ensina Arthur Schopenhauer, em “ A arte de insultar” que o motor principal e fundamental no homem (…) é o egoísmo. “Tudo para mim e nada para os outros é o seu lema”. O egoísmo é gigantesco: ele rege o mundo”. É esta ideia que se pretende refutar. Nesta senda de respeito e solidariedade intergeracional, afigura-se de extrema relevância prática concretizar o exposto num feliz exemplo trazido até nós pela Professora Maria da Glória Dias Garcia, que recorre a um anúncio da célebre marca de relógios Patek Philippe, em que pode ler-se:
“Ninguém é verdadeiramente proprietário de um Patek Philippe. Limita-se a conservá-lo para a geracão seguinte”. A Autora manuseia com maestria esta pura acção de marketing de um produto, de forma a explicitar o que se deve entender por solidariedade intergeracional. A proposta que é feita é, tão simplesmente, um jogo de palavras, apenas trocando “Patek Philippe” pela palavra “Terra”, ou seja, “Ninguém é verdadeiramente proprietário da Terra. Limita-se a conservá-la para a geração seguinte”.
A ideia que está inerente é, tão-só, a de que “esse dever está estreitamente ligado a um valor geracional, que, por isso de ser geracional, ultrapassa o tempo de vida de quem o cumpre (...). Esse dever é o dever de cuidado, o dever de conservar” a Terra, cientes de que está em causa o “sustentáculo da vida do Homem”, com o objectivo de a “transmitir”, ao “novo possuidor”, isto é, à geração que se segue, num estado que propicie uma vida adequada, ou pelo menos, não inferior à geração que “passa o testemunho”.

Em conclusão, os Autores referem ainda o princípio da informação, o que se compreende, surgindo como uma espécie de corolário do já enunciado princípio da participação colectiva, uma vez que a consagração deste último será inviável caso não seja assegurada uma “publicidade crítica em torno das questões ambientais”, que possibilitará um “exercício do direito e dever de participação de forma ciente e consciente”.
Não se encontra, contudo, esgotado o âmbito dos princípios de direito ambiental, bem pelo contrário. A Professora Maria Alexandra Aragão vem complementar e incrementar estas noções, trazendo à colação outros princípios, talvez os mais relevantes. A Autora reforça a ideia já enunciada quanto ao princípio da prevenção, acrescentando aos já mencionados, os princípios da correcção na fonte (que acaba por estar interligado ao princípio da prevenção), o princípio da integração, o princípio da responsabilização e, sobretudo, os princípios do desenvolvimento sustentável e do poluidor pagador, sendo, estes últimos, os únicos a figurar expressamente na Directiva Europeia enquanto Princípios, embora não se possa mitigar que “também as ideias de prevenção e correcção na fonte perpassam todo o regime, aflorando especialmente nos artigos 5º (sobre acções de prevenção) e 8º (sobre custos de reparação e prevenção)”.

Cabe desenvolvê-los: O princípio da integração, “fundamenta o surgimento do próprio regime de responsabilidade ambiental e explica que as preocupações ambientais tenham consequências directas sobre as condições de desenvolvimento das actividades económicas”. A formulação europeia do princípio encontra-se no actual artigo 11º (anterior artigo 6º do Tratado que instituía a Comunidade Europeia - TCE) do Tratado sobre o funcionamento da União: “As exigências em matéria de protecção do ambiente devem ser integradas na definição e execução das políticas e acções da União, em especial com o objectivo de promover um desenvolvimento sustentável.” Por sua vez, quanto ao princípio da responsabilização, a Autora refere que o mesmo emerge de uma “remissão para a Lei de Bases do Ambiente”. Na Lei de Bases, a responsabilização surge definida como o princípio que “aponta para a assunção pelos agentes das consequências, para terceiros, da sua acção, directa ou indirecta, sobre os recursos naturais” (artigo 3º h)). Ou seja, nesta acepção, o princípio da responsabilização somente legitima “actuações a posteriori”, isto é, “depois de os danos ambientais terem ocorrido, e não actuações preventivas” que procurem ser um garante ambiental que inviabilize, previamente, quaisquer consequências nefastas, que são aquelas principalmente visadas pelo novo sistema de responsabilidade ambiental. Está em causa uma protecção meramente reactiva. Trata-se, por isso, de uma “formulação mais próxima do clássico regime de responsabilidade civil, do que do princípio do poluidor pagador” (que, dada a sua relevância, será aflorado infra). Por outro lado, a definição legal do princípio da responsabilização “peca por ser excessivamente antropocêntrica, abrangendo apenas os danos causados ao Homem através do ambiente e não os danos causados ao ambiente em sí mesmo”. Assim, defende a Autora que, a “única forma de contornar esta crítica seria alargar o conceito de terceiros, a ponto de abranger também espécies animais e vegetais (fauna e flora), o que talvez seja algo excessivo”, opinião com a qual tendo a concordar. Ora, urge compreender a “inserção do princípio da responsabilização no diploma nacional de transposição da Directiva europeia”, que, na opinião da Autora, “só não é criticável, porque o legislador nacional resolveu incluir, no mesmo diploma legal, regras relativas a responsabilidade civil ambiental, (objectiva e subjectiva) no capítulo II, ao lado da chamada “responsabilidade administrativa”, no capítulo III. Assim, o capítulo II (artigos 7º a 10º) trata de responsabilidade civil, sendo fundado no princípio da responsabilização; ao passo que os capitulos III, IV e V (artigos 11º a 37º), que consistem na transposição da Directiva de 2004, seriam especialmente fundados nos princípios da prevenção, da correcção na fonte, da integração, e, sobretudo, nos princípios do desenvolvimento sustentável e do poluidor pagador”.
Está, desta feita, dado o mote para proceder à fundamentação destes dois princípios nucleares do direito ambiental. No que concerne ao desenvolvimento sustentável, (positivamente plasmado como princípio estruturante do direito comunitário, no art. 6º do TCE), o que se busca não extravasa a ideia básica que a uma “recondução à indispensabilidade de conformação de acções humanas ambientalmente relevantes de forma a garantir os fundamentos da vida para as futuras gerações”, CRP Anotada, Vol.I, pág. 849. Assim se comprova o acolhimento constitucional desta noção de “desenvolvimento sustentável” e, por essa via, a imposição como ”tarefa do Estado e dos cidadãos a promoção do aproveitamento racional dos recursos naturais (…)”, salvaguardando sempre a sua “capacidade de renovação e estabilidade biológica”. Esta concepção é, contudo, mais complexa do que aparenta à vista desarmada, na medida em que a sua “densificação (…) não é isenta de dificuldades”, já que se apresenta no seu caminho uma duplicidade que deve ser previamente esclarecida. É fundamental compreender em que sentido aponta a concepção de desenvolvimento sustentável, pois, se por um lado for inerente à ideia de “cooperação reforçada entre os Estados no sentido de protecção do ambiente, da preservação de recursos naturais, da utilização de energias renováveis, e limitação da emissão de gases com efeito de estufa, etc.”, por outro, pode advir a exigência de que, para alcançar as metas propostas pelo ideal de desenvolvimento sustentável seja imperiosa a viabilização de “acções específicas quanto ao desenvolvimento de países ainda carecidos de infra-estruturas básicas nos planos económico e social”. É facilmente inteligível que, neste segundo contexto mencionado, o princípio do desenvolvimento sustentável “não se limitaria a ser um conceito restrito ao âmbito de políticas ambientais”, uma vez que compreenderia, também, uma importante vertente económica, social e cultural”. Em suma, se atendermos ao conceito no seu sentido “puro”, estará em causa a primeira dimensão de desenvolvimento sustentável, mais simplista, baseada no compromisso de âmbito exclusivamente ambiental; por sua vez, a segunda dimensão apresentada extravasa este âmbito “meramente” ambiental, dando-lhe uma abrangência superior, uma concepção mais ampla e complexa. Mas deve ter-se em consideração que mesmo “um conceito expandido de desenvolvimento sustentável não é incompatível com uma densificação normativa no campo do Estado constitucional ecológico, de forma a tornar transparente a articulação entre desenvolvimento justo e duradouro e solidariedade com as futuras gerações”.
Tempo agora de reflectir sobre aquele que, nos ensinamentos de Maria Alexandra Aragão, é considerado “o” princípio fundamental em matéria de regime de responsabilidade ambiental, o princípio do poluidor pagador, pois “de todos os princípios ambientais que, têm ligação directa ou indirecta à responsabilidade ambiental, é o princípio do poluidor pagador que é considerado como o princípio inspirador deste regime”.
Relembrando a temática já abordada supra, cabe fundamentar a distinção entre a acção “meramente reactiva” do princípio da responsabilização, assente num regime de responsabilidade civil clássico, e o cariz mais abrangente do princípio do poluidor pagador. Para esse efeito, é útil recorrer a Michel G. Faure e Julien Hay, defensores de que “a responsabilidade ambiental europeia dá cumprimento ao princípio do poluidor pagador (…), pois o objectivo não é tanto compensar as ofensas ao ambiente, mas incitar os operadores de actividades perigosas a minimizar os riscos de danos ambientais”.
Em sentido convergente, Anna Karamat preconiza que o “regime da responsabilidade ambiental estabelecido no âmbito da Directiva se distingue dos regimes de responsabilidade tradicionais, já que a directiva não identifica nem as vítimas a indemnizar, nem um Tribunal (pelo menos num primeiro momento) e não cobre os danos tradicionais (danos às pessoas, aos bens e perdas económicas).” Daí falar-se em “responsabilidade administrativa”.

 É facilmente aferível o destaque atribuido ao princípio do poluidor pagador no âmbito da Directiva comunitária, transformando-o no “eixo central, em torno do qual gira toda a responsabilidade ambiental”. Basta recorrer ao seu prêambulo e verifica-se esta concepção exposta: “o princípio fundamental da presente Directiva deve portanto ser o da responsabilização financeira do operador, cuja actividade tenha causado danos ambientais ou a ameaça iminente de tais danos, a fim de induzir os operadores a tomarem medidas e a desenvolverem práticas por forma a reduzir os riscos de danos ambientais”. Está, evidentemente, em causa uma alusão directa ao princípio do poluidor pagador.
Esta posição forte e solidificada que o princípio do poluidor pagador granjeia na dimensão comunitária não “faz escola” entre nós. A Autora refere que no direito português da responsabilidade ambiental, “a atitude perante o princípio do poluidor pagador é algo contraditória”, pois, “por um lado, este é o único princípio que surge citado simultaneamente no preâmbulo e no texto legal, deixando antever uma especial importância na conformação do regime da responsabilidade”, não obstante de, “por outro lado, o princípio parece não ser assumido com a mesma convicção com que surge ao nível europeu, na medida em que só é mencionado através de remissão para a Directiva”, no artigo 1º do Decreto-Lei nº 147/2008, de 29 de Julho, que transpõe a Directiva. Apesar desta relevância aparentemente mais mitigada do princípio do poluidor pagador, este “não deixa de ser a última ratio que motiva o regime legal de responsabilidade ambiental mesmo em Portugal”. De modo a comprovar esta orientação, a Autora prossegue o raciocínio, indicando que “as considerações preâmbulares do Decreto-lei nº 147/2008, são de inspiração puramente economicista, recorrendo a um linguajar típico da economia ambiental, na defesa da aplicação de instrumentos económicos à protecção ambiental, com o objectivo de “obter uma alocação economicamente mais racional dos recursos” e por crer que este sistema gerará “necessariamente menores custos administrativos para o Estado e para o particular””.
Abordando a substância, o princípio em si, afirma Henri Smets, que "ao longo dos últimos vinte anos, o princípio do poluidor pagador evoluiu muito, a ponto de se tornar um princípio jurídico universalmente reconhecido".
Mas, mesmo ciente do consenso gerado em torno do princípio, não se pode deixar de constatar que, amiúde, o seu “substracto apresenta um cariz mais formal do que substancial” e as grandes “dúvidas sobre o seu conteúdo normativo acentuam-se quando é utilizado em contextos muito variados, dificultando significativamente a apreensão do seu núcleo duro”. Essas dúvidas são encabeçadas, nomeadamente, pelo Professor Vasco Pereira da Silva, que preconiza uma interpretação mais restritiva do princípio enquanto “corolário necessário da norma do artigo 66º, nº 2 h) da Constituição”, que impõe ao Estado a tarefa de “assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com ambiente e qualidade de vida”. Nesta medida, o Professor Regente procura analisar a execução do princípio, essencialmente, “através de instrumentos financeiros como impostos (directos ou indirectos), taxas, políticas de preços e benefícios fiscais” (Verde Cor de Direito, Almedina, Coimbra, 2003, p.74 e 74).

O que se procura, então, com este princípio basilar de responsabilidade ambiental? A resposta é clara, visto que, como já se depreendeu, está em causa um “sistema completo cujo objectivo é fazer os poluidores pagar, em conformidade com regras de justiça e eficácia, evitando distorções de mercado”.

Com efeito, não é de somenos questionar se será a solução adequada, dada a dificuldade frequente de conseguir delinear de forma eficaz “o poluidor”, ou seja, aquele que detém a susceptibilidade de ser responsabilizado. Contudo, se o objectivo do regime legal fosse “apenas prevenir a ocorrência de danos ambientais, minimizá-los e repará-los quando não pudessem ser evitados, as medidas preventivas ou reparatórias poderiam ser desenvolvidas pelo Estado (ou por quem tivesse capacidade técnica e científica para tomar medidas para evitar ou minimizar os danos, mas a cargo do Estado) e não, forçosamente, pelo poluidor”. Mas não foi essa a via que motivou a Directiva, uma vez que “deliberadamente puseram-se as medidas de prevenção e de reparação prioritariamente a cargo do poluidor, apesar das eventuais dificuldades em identificar o operador-poluidor em tempo útil e apesar do risco de o operador-poluidor não ter intenção ou competência para levar a cabo as medidas necessarias”.
Neste sentido, parece de acolher e sufragar a concordância que a Professora Maria Alexandra Aragão enuncia, relativamente à quadripartição de funções enumerada por Nicolas de Sadeleer. Este autor, em abstracto, “imputa ao princípio do poluidor pagador quatro funções (as quais, em concreto, se podem revelar complementares ou mutuamente exclusivas): a função de integração económica, função redistributiva, função preventiva e função curativa”. É que tanto a Directiva como a Lei Nacional são claras a este propósito: “a autoridade competente deve exigir que as medidas de reparação sejam tomadas pelo operador. Se o operador não cumprir as obrigações previstas (…), não puder ser identificado ou não for obrigado a suportar os custos ao abrigo da presente Directiva, pode ser a própria autoridade competente a tomar essas medidas, como último recurso”.

Ou seja, a ideia nuclear é a seguinte: “independentemente de saber qual a intervenção mais expedita ou mais eficaz, há uma preferência, que se pode explicar por razões de equidade, por fazer o poluidor suportar directamente as medidas preventivas ou reparatórias”. Esta filosofia patente no princípio do poluidor pagador acaba por “corresponder ao regime mais justo” e também, a maior parte das vezes, “ao regime mais eficaz do ponto de vista ambiental”. Não deixa, contudo, de ser uma questão controvertida na Doutrina, já que, como salienta a Autora, alguns dos “defensores mais ortodoxos do princípio do poluidor pagador, particularmente Jean Philippe Barde e Emilio Gerelli (na obra Économie et Politique de l'Environnement, Presses Universitaires de France, L'Economiste, 1975), defendiam que eram ilegítimos quaisquerjuízos éticos de valor sobre as consequências práticas da aplicação do princípio do poluidor pagador, pois ele não visava a realização da justiça, mas apenas a protecção economicamente eficaz do ambiente”. Nesta senda, “negavam que ele fosse um princípio de equidade, afirmando-o apenas como princípio de eficácia económica”. Partilho da opinião defendida pela Professora, na medida em que, não olvidando que o princípio teve a sua génese num contexto económico, é inegável que esta posição puramente economicista está, por certo, ultrapassada, provado que está o conteúdo e substracto equitativo e de busca de justiça inerente a este princípio. Parece pouco razoável limitar o âmbito deste conceito basilar de responsabilidade ambiental a uma análise tão restritiva.
É chegada a altura de compreender uma importante questão. Já definido o conceito, cabe analisar a forma como é imputado o princípio, de forma a apurar a responsabilidade ambiental que lhe é inerente. Para tal, a sistemática prosseguida por Alexandra Aragão, afigura-se como a mais conveniente para explicitar que existem, essencialmente, três questões prementes:
- Quem é o poluidor?
- O que paga o poluidor?
- Como paga o poluidor?

Desta feita, para delimitar quem é o poluidor, isto é, qual o agente que deve pagar/reparar o dano, aludir-se-à à Recomendação do Conselho nº 75/436, de 3 de Março, relativa à “imputação dos custos e à intervenção dos poderes públicos em matéria de ambiente”, na qual, o conceito de poluidor surge como “aquele que degrada directa ou indirectamente o ambiente ou cria condições que levam à sua degradação”.

É de salientar que tanto na Directiva como na Lei Nacional, o poluidor é apenas “identificado como o “operador” de uma “actividade ocupacional”(isto é, “qualquer actividade desenvolvida no âmbito de uma actividade económica, de um negócio ou de uma empresa, independentemente do seu carácter privado ou público, lucrativo ou não”.
 Mais concretamente, o “operador” é "qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou privada, que execute ou controle a actividade profissional ou, quando a legislação nacional assim o preveja, a quem tenha sido delegado um poder económico decisivo sobre o funcionamento técnico dessa actividade, incluindo o detentor de uma licença ou autorização para o efeito ou a pessoa que registe ou notifique essa actividade”. É esta a concepção legislativa de “poluidor”. Trata-se, assim, de um conceito de tal forma abrangente que parece estar “de acordo tanto com a definição europeia, como com o conceito doutrinal de poluidor: o poluidor-que-deve-pagar é quem tiver uma posição de controlo sobre a poluição”. Posta nestes termos a questão é quase La Palissiana, dada a sua simplicidade, o que, na prática, não corresponde à realidade, até porque, o “âmbito de aplicação, aparentemente lato, da Directiva e da Lei é, aparentemente, limitado por uma enumeração taxativa (no anexo III da Lei e da
Directiva) das actividades ocupacionais abrangidas”. Este elenco tem, como efeito, “obrigar os Estados e criar para os operadores-poluidores o dever de prevenir e remediar danos ambientais, nos termos previstos”. Contudo, o rol das “actividades que constam do anexo III da Directiva é vasto, mas não fechado”, logo, “não impede os Estado de irem mais longe, se assim, o entenderem, nos termos do artigo 16º da Directiva, que plasma: “A presente Directiva não impede os Estados-Membros de manterem ou adoptarem disposições mais estritas em relação à prevenção e à reparação de danos ambientais, incluindo a identificação de outras actividades a sujeitar aos requisitos de prevenção e reparação da presente Directiva e à identificação de outros responsáveis””. Foi essa a postura adoptada pelo Estado português, ao “adicionar ao regime europeu de responsabilidade administrativa ambiental, regras sobre responsabilidade civil ambiental objectiva e subjectiva”.
 Como exemplo de caso de responsabilidade puramente subjectiva, pode salientar-se “os operadores-poluidores de outras actividades ocupacionais diferentes das mencionadas no anexo III”, uma vez que “eles estão abrangidos por um dever de agir com zelo e diligência, na medida em que tal seja necessário para evitar danos aos habitats e às espécies da fauna e da flora selvagens”.
Cabe agora analisar uma das situações mais complexas sobre esta matéria de imputação, a questão da responsabilidade plural. Como proceder quando não se trate apenas de um poluidor singular mas antes de vários poluidores ou, na terminologia adoptada, “vários operadores potencialmente responsáveis”? Importa encontrar e desenvolver “critérios justos e eficazes de imputação de custos”.

Na já referida Recomendação de 1975, era deixado ao arbítrio do legislador nacional a escolha dos meios, sobretudo de acordo “com critérios de eficácia ambiental e económica”: “se a determinação do poluidor se revelar impossível ou muito difícil de concretizar” e por conseguinte, arbitrária, “e no caso da poluição do ambiente ser o resultado, quer da conjugação simultânea de várias causas — poluição cumulativa - quer da sucessão de várias dessas causas — cadeias de poluidores - os custos da luta antipoluição devem ser imputados aos pontos — por exemplo da cadeia de poluidores ou da poluição cumulativa - e por meios legislativos ou administrativos que ofereçam a melhor solução nos planos administrativo e económico, e que contribuam da maneira mais eficaz, para a melhoria do ambiente”.
Por sua vez, a nível nacional, no supra mencionado Decreto-Lei nº 147/2008, estão, igualmente, previstas situações de resposta no que concerne à responsabilidade plural, nomeadamente: a responsabilidade de pessoas colectivas (artigo 3º, nº 1); a responsabilidade de grupos sociais (artigo 3º, nº 2); a responsabilidade de várias pessoas singulares (artigo 4º) e a responsabilidade de terceiros (artigo 20º, nº 2).
Assim se confere que a Lei Nacional concretizou as indicações da Recomendação de 1975, adoptando uma via que, defende a Autora, “é a expressão perfeita do princípio do poluidor pagador, enquanto regra de socialização dos danos: a responsabilidade solidária, com eventual direito de regresso”. Em consonância com o que foi exposto, creio que esta parece ser a solução mais virtuosa, dado “ser simultaneamente a mais justa e a mais eficaz”.

Desenvolvida a primeira questão, cabe analisar a querela seguinte, intrinsecamente menos complexa, que será a de perceber o que deve pagar o poluidor. A Recomendação de 1975 já respondia, igualmente, a estas dúvidas que ensombravam o panorama comunitário e nacional, afirmando que “(…) tanto as Comunidades Europeias a nível comunitário, como os Estados-membros nas suas legislações nacionais, em matéria de protecção do ambiente devem aplicar o princípio do poluidor-pagador, de acordo com o qual as pessoas singulares ou colectivas, de direito privado ou público, responsáveis por uma poluição, devem pagar as despesas das medidas necessárias para evitar essa poluição ou para a reduzir, a fim de respeitar as normas e as medidas equivalentes, permitindo, deste modo, “atingir os objectivos de qualidade ou, quando tais objectivos não existam, a fim de respeitar as normas e as medidas equivalentes fixadas pelos poderes públicos”.
Esta mesma matéria obtém resposta actualmente na Directiva, que responsabiliza o operador, indicando que o mesmo tem em sí inerente o dever de “pagar os custos de prevenção e de reparação dos danos”, mas não só, pois afirma ainda que “também se justifica que os operadores custeiem a avaliação dos danos ambientais ou, consoante o caso, da avaliação da sua ameaça iminente”. Refere Catherine Thibierge que mais não será do que construir uma espécie de “responsabilidade do futuro”, ou de “evitar um enriquecimento sem causa do poluidor, se preferirmos citar Jean Duren”. Pessoalmente, nutro mais simpatia pela concepção de Jean Duren.
 Fulcral parece, no entanto, a ideia que nos é trazida por Karl-Heinrich Hansmeyer, apologista de que “o que poluidor deve pagar por força do princípio do poluidor pagador é o custo da prevenção (avoidance cost) e não o custo do dano (damage cost)”.

Nesta senda, cumpre aprofundar conceitos: assim, por “medidas de prevenção” devem ser entendidas “quaisquer medidas adoptadas em resposta a um acontecimento, acto ou omissão que tenha causado uma ameaça iminente de danos ambientais, destinadas a prevenir ou minimizar ao máximo esses danos” e, por sua vez, as “medidas de reparação” como aquelas que exigem “qualquer acção, ou conjunto de acções, incluindo medidas de carácter provisório, com o objectivo de reparar, reabilitar ou substituir os recursos naturais e os serviços danificados ou fornecer uma alternativa equivalente a esses recursos ou serviços, tal como previsto no anexo V do presente Decreto-lei, do qual faz parte integrante”.

No que concerne à relação entre ambos os conceitos, prevenção e reparação, rege, naturalmente, a regra da subsidiariedade: “primeiro devem ser adoptadas medidas de prevenção e só depois, se nao for possível ou suficiente, as de reparação”. É uma constatação lógica e facilmente inteligível, resumível num simples jargão português que me permito utilizar: “Casa arrombada, trancas à porta”, no sentido de que só se não for possível evitar o “arrombamento” é que a medida mais gravosa, “as trancas à porta” devem ser accionadas. Assim se simplifica esta relação de subsidiariadade.

 Ainda no respeitante à prevenção, é possível verficar a existência de dois “graus” distintos. Esta distinção decorre, de forma pacífica do “presente artigo 14º da Lei Nacional”: numa primeira acepção, a prevenção primária e, numa segunda vertente, a prevenção secundária. A primeira baseia-se na “adopção de medidas destinadas a evitar a ocorrência do dano”, enquanto que, por sua vez, a segunda vertente está direccionada para a “adopção de medidas destinadas a não agravar mais um dano entretanto verificado”. As medidas de prevenção primária emergem de uma “ameaça iminente” de danos e destinam-se a “evitar todo o dano”. Por seu turno, as medidas de prevenção secundária são frequentemente denominadas “medidas de minimização”, pois “seguem-se à ocorrência de um dano e destinam-se a evitar o agravamento dos danos entretanto ocorridos”.

No que concerne à reparação, a Lei procede a “uma distinção similar, entre reparação primária, complementar e compensatória” existindo entre elas “uma relação hierárquica, atendendo à prioridade relativa”. Torna-se, deste modo, imperioso definir conceitos, para melhor situar e contextualizar a matéria exposta. Assim, por “reparação primária” deve ser entendida “qualquer medida de reparação que restitui os recursos naturais e/ou serviços danificados ao estado inicial, ou os aproxima desse estado”, (como decorre do Anexo V, nº 1 a) do Decreto-Lei nº 147/2008). Depreende-se então que o objectivo da reparação primária é, tão-só, “restituir os recursos naturais e/ou serviços danificados ao estado inicial, ou aproxima-los desse estado” (Anexo V, 1.1.1. do Decreto-Lei citado supra). Cumpre desenvolver outro conceito, o de “reparação complementar” que se consubstancia em “qualquer medida de reparação tomada em relação aos recursos naturais e/ou serviços para compensar pelo facto de a reparação primária não resultar no pleno restabelecimento dos recursos naturais e ou serviços danificados”, (como se afere pelo Anexo V, nº 1 b)). O propósito da reparação complementar cifra-se em “proporcionar um nível de recursos naturais e/ou serviços, incluindo, quando apropriado, num sítio alternativo, similar ao que teria sido proporcionado se o sítio danificado tivesse regressado ao seu estado inicial. Sempre que seja possível e adequado, o sítio alternativo deve estar geograficamente relacionado com o sítio danificado, tendo em conta os interesses da população afectada”, (Anexo V, 1.1.2.). Para finalizar, uma pequena ilação sobre o que se entende por “reparação compensatória”. Trata-se de “qualquer acção destinada a compensar perdas transitórias de recursos naturais e ou de serviços verificadas a partir da data de ocorrência dos danos até à reparação primária ter atingido plenamente os seus efeitos”, como bem salienta o Anexo V, nº 1 c). Neste sentido, “devem ser realizadas acções de reparação compensatória para compensar a perda provisória de recursos naturais e serviços enquanto se aguarda a recuperação (...). Essa compensação consiste em melhorias suplementares dos habitats naturais e espécies protegidos ou da água, quer no sítio danificado quer num sítio alternativo”. Desta forma, nunca consistirá numa mera “compensação financeira para os membros do público”, como figura claramente no Anexo V, 1.1.3.
A vertente agora exposta exige uma clarificação, de modo a inviabilizar uma contextualização incorrecta do que este princípio do poluidor pagador pretende transmitir. É fulcral reter que o facto de “este aspecto do regime comportar uma dimensão de intervenção a posteriori não significa que o princípio do poluidor pagador seja uma compra do direito a poluir”. O que se procura é fazer com que “o pagamento imposto ao poluidor tenha efeitos dissuasores. O poluidor paga para que a poluição não aconteça ou, pelo menos… não aconteça novamente”. Por isso se “excluem do âmbito da responsabilidade os danos resultantes de acção de terceiros, as actuações legais e as actuações consideradas como seguras”, pois “em relação a quaisquer destes danos não há prevenção nem efeito dissuasor possível”.

Para concluir a resposta à questão “o que paga o poluidor?”, deve ter-se presente que “o operador-poluidor não paga os custos necessários para evitar ou reparar todos os danos causados ao ambiente, mas apenas aqueles danos eleitos pelo legislador como relevantes para serem abrangidos pelo regime em causa”. Isto é, o legislador elenca quais os danos susceptíveis de reparação.

Foi, contudo, “opção do legislador europeu responsabilizar, embora apenas a título subjectivo (mediante prova da actuação culposa ou negligente), todos os operadores-poluidores que desenvolvam outras actividades económicas, diferentes das descritas no Anexo III, se os danos eminentes ou efectivos forem susceptíveis de afectar os habitats ou as espécies selvagens da fauna ou da flora”. Assim se retira a especial relevância atribuída à conservação da natureza e da biodiversidade no plano comunitário, sendo considerada como um verdadeiro “património comum europeu”. E é este factor que “justifica a responsabilização dos operadores-poluidores de quaisquer actividades ocupacionais, mesmo aquelas aparentemente mais inócuas, desde que o operador-poluidor tenha agido com culpa ou, pelo menos, negligência”.

 Convém, contudo, explicitar onde incide a susceptibilidade de responsabilização pelo dano, isto é, compreender que, “com ou sem culpa ou negligência, tanto a Directiva como a Lei Nacional só abrangem os danos causados ao ambiente em sí mesmo e não ao Homem, através do ambiente”. A lei engloba, portanto, “apenas os danos que denomina «danos ambientais» mas (…) alguma doutrina, prefere denominar danos ecológicos”, reservando, desta forma, a designação de “danos ambientais apenas para os danos sociais resultantes da poluição e degradação ambiental (como a existência de desalojados ambientais, ou refugiados do clima ou patologias humanas causadas por exposição a substâncias perigosas ou contaminantes)”. Não obstante esta situação, não seria racional que o regime legal, apesar de abranger apenas “os danos causados aos recursos naturais”, não tomasse em consideração “certos danos humanos, pelo menos enquanto critério de relevância dos danos ecológicos”. Como naturalmente se entende, “os danos aos recursos naturais que possam vir a afectar a saúde humana” são obrigatoriamente considerados como muito significativos, de acordo com os critérios legais propostos pelo Anexo I da Directiva.

Por fim, cumpre saber, afinal, como paga o poluidor?
Alexandra Aragão recorre, novamente, à inspiração da Recomendação nº 75/436 para salientar que “o poluidor pode pagar de várias maneiras: na aplicação do princípio do poluidor-pagador, os principais instrumentos à disposição dos poderes públicos para evitar a poluição são as normas e as taxas”. Prosseguindo com a ideia de que as “taxas são mesmo os instrumentos jurídicos escolhidos para exemplificar a aplicação do princípio do poluidor pagador, na própria Recomendação”, que indica: “a taxa tem por objectivo incitar o poluidor a tomar por si próprio, pelo menor custo, as medidas necessárias para reduzir a poluição de que é autor (função de incentivo) e/ou fazer com que suporte a sua quota-parte das despesas das medidas colectivas, como por exemplo, as despesas de depuração (função de redistribuição). A taxa deve ser imposta segundo o grau de poluição emitido, com base num procedimento administrativo adequado”.


Conclusão

Fica, deste modo, explicitada a especial relevância dos princípios no direito ambiental, principalmente no que concerne ao princípio nuclear do poluidor pagador. A sua necessidade de os realçar resulta da busca de proporcionar “coerência e racionalidade a um vastíssimo conjunto de normas ambientais”, e de poder “garantir a estabilidade a um sistema que não pára de evoluir e de se expandir a velocidades vertiginosas”, procurando, ainda, “flexibilizar e tornar juridicamente inteligível um direito algo rígido, composto por normas ambientais caracterizadas pelo seu pendor fortemente técnico, por vezes de difícil apreensão pelos menos habituados a encontrar uma tamanha densidade científica e técnica nas leis”.

Desta forma, somos impelidos a concordar com a alusão final da Autora, motivada pelas preocupações supra expressas, ansiando que “as dúvidas suscitadas pela interpretação da lei da responsabilidade ambiental não originem um novo tipo de poluição”, que denomina de “poluição normativa”. Prossegue, afirmando que “a poluição normativa é a poluição ambiental que resulta do facto de os destinatários das leis de protecção ambiental (sejam os poluidores seja a administração) terem dificuldades em interpretá-las e aplicá-las”, quer por “não serem claros nem os deveres nem as sanções decorrentes do incumprimento deles” ou por “não ser mesmo possível cumprir algumas das obrigações legais”. Desta forma, estaria aberta uma via para a “descrença na capacidade do sistema legal instituído para controlar situações complexas como a poluição difusa, a pluricausalidade ou os riscos de desenvolvimento”, que podem conduzir a “um indesejável relaxamento das preocupações preventivas que o princípio do poluidor pagador, através da Lei, pretende incitar e, portanto, a mais poluição”.
Assim, fica o apelo à Doutrina, que deve assumir “o importante papel de prestar os esclarecimentos necessários a evitar a ocorrência de “poluição normativa” em virtude das dúvidas interpretativas suscitadas pelas novas regras de responsabilidade ambiental”.

Depreende-se, pelo exposto ao longo de toda a análise, que a responsabilidade ambiental é um importante mecanismo de protecção ambiental, “um novo instrumento jurídico que contribui para, com justiça e eficácia, prevenir os danos ambientais de origem antropogénica”, isto é, decorrentes da actividade humana.

 Laura Falcão
Aluna nº19474


Bibliografia


  • Actas do Colóquio, “A Responsabilidade Civil por dano ambiental”, Faculdade de Direito de Lisboa, 18,19 e 20 de Novembro de 2009. Organização de Carla Amado Gomes e Tiago Antunes
  • Constituição da República Portuguesa Anotada
  • “Verde cor do Direito”, Prof. Vasco Pereira da Silva

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