Cabe, desde logo, nesta fase
inicial da análise, ter em conta que a preocupação em matéria ambiental
decorre, desde logo, do artigo 66º da Lei Fundamental. A Constituição da República
Portuguesa (doravante CRP) não define, em concreto, o que se entenderá por
“ambiente”, não executa uma distinção intrínseca entre este conceito e o
conceito de “qualidade de vida”, igualmente plasmado na epígrafe do art.º.
supra citado. Desta feita, recorrendo aos ensinamentos de Gomes Canotilho e
Vital Moreira, é aferível que, por “ambiente” devemos entender um conceito
“simultaneamente estrutural, funcional e unitário”. Prosseguem os Autores com
as distinções; trata-se de um conceito unitário em virtude de “a Constituição
apontar (em consonância com diplomas internacionais) uma visão unitária, que
abarca um conjunto de sistemas ecológicos, físicos, químicos e biológicos e de
factores económicos, sociais e culturais”. Trata-se, igualmente, de uma concepção
“estrutural-funcional”, na medida em que “os sistemas físico, químicos e
biológicos e os factores económicos, sociais e culturais, além de serem
interactivos entre si, produzem efeitos, directa ou indirectamente, sobre
unidades existenciais vivas e sobre a qualidade de vida do homem.” Cabe, nesta
medida, proceder, então, a uma célere distinção entre os conceitos de
“ambiente” e “qualidade de vida”, dado que, “embora a concepção antropocêntrica
de ambiente aponte para a qualidade de vida, este conceito não se identifica
com o de ambiente”. Construindo uma tese sedeada em pilares de uma teleologia
antropocêntrica, a Constituição estabelece, “acertadamente, a articulação entre
ambiente e qualidade de vida: o ambiente é um valor em si na medida em que
também o é para a manutenção da existência e alargamento da felicidade dos
seres humanos”. Fica assim, esclarecida a diferença intrínseca dos conceitos em
tratamento, mas a sua indubitável e fulcral interacção, no sentido de que um
(qualidade de vida) será inviável sem o outro (ambiente).
É esta “compreensão antropocêntrica de
ambiente que justifica a consagração do direito do ambiente como um direito
constitucional fundamental”. Como bem salientam os Professores Gomes Canotilho
e Vital Moreira, o direito ao ambiente é, desde logo, na sua génese, um “direito negativo, ou seja, um direito à
abstenção, por parte do Estado e de terceiros, de acções ambientalmente
nocivas”. “E, nesta dimensão negativa”,
prosseguem os Autores, “o direito ao ambiente impõe proibições ou deveres de abstenção,
pelo que é, seguramente, um dos “direitos fundamentais de natureza análoga” aos
“direitos, liberdades e garantias” a que se refere o art.º. 17º, sendo-lhe,
portanto, aplicável o respectivo regime constitucional específico dos “direitos,
liberdades e garantias””. Do que se trata, em suma, é de preservar e conservar
o ambiente, para que cada indivíduo possa dele fruir, inviabilizando
“atentados” de terceiros.
Por outro lado, surge também uma dimensão
positiva do direito ao ambiente, que na prática abrange o direito a que o
ambiente seja “garantido e defendido”,
como nos indica o nº2 do artigo 66º da CRP e correspondentes alíneas. O que se
anseia é potenciar uma acção estatal que converge para a defesa ambiental e
para o controlo de acções potencialmente danosas, às quais devem ser impostas
as correspondentes “sanções políticas, legislativas, administrativas e
penais.”. Desta feita, este sentido positivo
do direito ambiental “implica para o
Estado a obrigação de determinadas prestações, cujo incumprimento configura,
entre outras coisas, situações de omissão inconstitucional, desencadeadoras do
mecanismo de controlo da constitucionalidade por omissão (cfr. Art. 283º).
Nesta vertente, defendem os Autores que está em causa um genuíno “direito
social”, conferindo ao direito do ambiente uma “dupla vertente” que permite que
seja beneficiário da “dupla natureza ímplicita na generalidade (…) dos direitos
sociais, simultaneamente direitos a serem
realizados e direitos a não serem
perturbados”. Contudo, diferem de outros direito sociais, cujo intuito será
“criar ou realizar o que ainda não existe ou não se tem (segurança social,
serviços de saúde…)”, o direito ao ambiente visa, por sua vez, “garantir o que
ainda existe e recuperar o que por acção do Estado ou de terceiros, deixou de
existir ou se degradou”, daí que se encontrem elencadas nas alíneas do nº2 do
art. 66º as incumbências do Estado em matéria ambiental. Além de que a
relevância destas incumbências é realçada pela inclusão da defesa do ambiente
entre as tarefas fundamentais do Estado,
art. 9º, alínea e).
Neste sentido, é conveniente apreender que a
defesa do ambiente pode, inclusivamente, “justificar restrições a outros direito constitucionalmente protegidos”.
Atendamos ao exemplo paradigmático do direito de propriedade que, sendo um
direito real que integra todas as prorrogativas que se podem ter sobre uma
coisa, é descrito pelo art. 1305º Código Civil como a susceptibilidade de “o
proprietário gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e
disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.
Ora o direito de propriedade está, logicamente, sujeito a “medidas planeadoras
de protecção do ambiente (planos de ordenamento territorial, desenvolvimento de
reservas e parques, classificação e protecção de paisagens e sítios)”. Neste
sentido, tomando como exemplo a liberdade de construção, que amiúde se
considera inerente ao direito de propriedade (embora o tema seja controvertido
na Doutrina), os Professores configuram esse direito como uma “liberdade de
construção potencial”, em virtude de ter de obedecer e respeitar um “quadro de
normas jurídicas, nas quais se incluem as normas de protecção do ambiente”.
É importante, por sua vez, salientar que a
Constituição não se basta na consagração do direito ao ambiente como direito
fundamental, aprofunda essa concepção através da imposição de um dever de defesa do ambiente, patente no
nº 1, in fine do art.66º CRP. Daqui
sobressai novamente a natureza do direito do ambiente enquanto “direito
negativo”, na medida em que, “tratando-se de um direito imediatamente operativo
nas relações entre particulares” (ou, de forma menos artificial, directamente
vinculativa dos particulares), emerge desta situação o dever imediato e
inabalável de “respeitar aquele direito” e de “não atentar contra o ambiente”.
Mas este dever de defesa não se esgota aqui, é “mais vasto do que isso, podendo
traduzir-se legalmente em deveres de abstenção ou de acção, eventualmente
tutelados pela via penal”. Assim sendo, e para concluir a matéria relativa ao dever de defesa do ambiente, não é de
somenos apontar a tripartição levada a cabo por Gomes Canotilho e Vital
Moreira, que elencam este dever em três pilares essenciais:
1º- “Obrigação de não atentar contra o ambiente”, que se consubstancia na simples ideia de não poluir, de não degradação;
1º- “Obrigação de não atentar contra o ambiente”, que se consubstancia na simples ideia de não poluir, de não degradação;
2º- “Obrigações positivas de diversa ordem”, que vão desde a obrigação
de tratamento de resíduos ou efluentes domésticos e industriais até à
instalação de equipamentos pró-ambientais;
3º- “O dever de impedir os atentados de outrem ao
ambiente, incluindo pelo exercício da Acção
Popular, prevista no art. 52º, nº 2 e 3, em favor do direito do ambiente”.
Desenvolvida a temática
do direito ambiental enquanto direito fundamental constitucionalmente
garantido, torna-se imperioso apreciar a irrefutável e fulcral relevância que
merece o tratamento dos princípios no direito ambiental.
Salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira
que, da articulação do nº 2 do art. 66º com outros preceitos constitucionais,
nomeadamente os artigos 9º/e), 81º/a), j) e l), 90º e 93º-1/d), emergem os
princípios fundamentais, os pilares de uma política ambiental.
Elencam os Autores o princípio
da prevenção, segundo o qual “ os responsáveis por comportamentos (activos
ou omissivos) susceptíveis de originar incidências ambientais devem evitar
sobretudo a criação de poluições e perturbações na origem, e não apenas
combater posteriormente os seus efeitos (…)”, tal como advém da concepção
proveniente da “sabedoria popular”, será mais adequado e racional prevenir a
degradação ambiental do que remediá-la numa fase posterior, até porque, amiúde,
a situação torna-se irreversível. Neste sentido, confrontar estas noções com o
nº 2, alíneas a), c) e d) do art. 66º CRP.
Ora, o mesmo artigo, no corpo do seu nº 2 enuncia um novo
princípio, o da participação colectiva, que se consubstancia na ideia
de que uma boa execução de uma política ambiental deve contar com “o envolvimento
e participação dos cidadãos”. O princípio
da cooperação surge na sequência destes esforços, procurando uma acção
concertada com outros países e organizações internacionais, como patenteia o
art. 81º, alínea l) CRP.
O princípio que se segue parece um pouco subvalorizado, mas, na
minha óptica, é de extrema relevância: trata-se do princípio do equilíbrio. Referem os Professores que este princípio
se traduz na “criação de meios do ambiente adequados para assegurar a
integração das políticas de desenvolvimento económico, social e cultural, e de
protecção da Natureza”, como se afere à luz dos artigos 66º nº 2, alíneas b) e
d), em consonância com os artigos 81º alínea l) e 90º CRP, na busca de um
“desenvolvimento harmónico, integrado e auto-sustentado”. Esta afigura-se como
uma das bases da questão: a criação de um equilíbrio, visto que é de evitar a
todo o custo os perigos inerentes de um ambientalismo fundamentalista e
radical, não permitindo, porém, que por antítese, se continue a viabilizar
tamanho nível de degradação, que poria em causa outro dos princípios ambientais
basilares: o princípio da solidariedade
entre gerações, referenciado pelo nº 2,
alínea d), in fine do art. 66º CRP. Esta concepção converge para uma ideia de justiça intergeracional, inerente ao
direito à herança natural e cultual que deve ser transmitida às futuras
gerações, que lhes permitam “continuar a dispor e a usufruir das possibilidades
de vida e da respectiva conformação inerentes a essa biodiversidade e recursos”,
ou seja, está implícita uma responsabilidade para com as futuras gerações, que
abarca uma “responsabilidade a longo prazo”, na medida em que tem de existir a
consciencialização de que a escassez de meios e recursos não podem representar
encargos abusivos para as gerações vindouras. Ensina Arthur Schopenhauer, em “ A arte de insultar” que “o
motor principal e fundamental no homem (…) é o egoísmo. “Tudo para mim e nada para
os outros é o seu lema”. O egoísmo é gigantesco: ele rege o mundo”. É esta ideia que se pretende refutar. Nesta senda
de respeito e solidariedade intergeracional, afigura-se de extrema relevância
prática concretizar o exposto num feliz exemplo trazido até nós pela Professora
Maria da Glória Dias Garcia, que recorre a um anúncio da célebre marca de
relógios Patek Philippe, em que pode
ler-se:
“Ninguém é verdadeiramente proprietário de um Patek Philippe.
Limita-se a conservá-lo para a geracão seguinte”. A Autora manuseia com
maestria esta pura acção de marketing de um produto, de forma a explicitar o
que se deve entender por solidariedade intergeracional. A proposta que é feita
é, tão simplesmente, um jogo de palavras, apenas trocando “Patek Philippe” pela
palavra “Terra”, ou seja, “Ninguém é verdadeiramente proprietário da Terra.
Limita-se a conservá-la para a geração seguinte”.
A ideia que está inerente é, tão-só, a de que “esse dever está estreitamente
ligado a um valor geracional, que, por isso de ser geracional, ultrapassa o
tempo de vida de quem o cumpre (...). Esse dever é o dever de cuidado, o dever
de conservar” a Terra, cientes de que está em causa o “sustentáculo da vida do
Homem”, com o objectivo de a “transmitir”, ao “novo possuidor”, isto é, à
geração que se segue, num estado que propicie uma vida adequada, ou pelo menos,
não inferior à geração que “passa o testemunho”.
Em conclusão, os Autores referem ainda o princípio da informação, o que se compreende, surgindo como uma
espécie de corolário do já enunciado princípio da participação colectiva, uma
vez que a consagração deste último será inviável caso não seja assegurada uma “publicidade
crítica em torno das questões ambientais”, que possibilitará um “exercício do
direito e dever de participação de forma ciente e consciente”.
Não se encontra, contudo, esgotado o âmbito dos princípios de
direito ambiental, bem pelo contrário. A Professora Maria Alexandra Aragão vem
complementar e incrementar estas noções, trazendo à colação outros princípios,
talvez os mais relevantes. A Autora reforça a ideia já enunciada quanto ao princípio da prevenção, acrescentando aos
já mencionados, os princípios da
correcção na fonte (que acaba por
estar interligado ao princípio da prevenção), o princípio da integração, o princípio
da responsabilização e, sobretudo, os princípios
do desenvolvimento sustentável e do poluidor
pagador, sendo, estes últimos, os únicos a figurar expressamente na
Directiva Europeia enquanto Princípios,
embora não se possa mitigar que “também as ideias de prevenção e correcção
na fonte perpassam todo o regime, aflorando especialmente nos artigos 5º
(sobre acções de prevenção) e 8º (sobre custos de reparação e prevenção)”.
Cabe desenvolvê-los: O princípio
da integração, “fundamenta o surgimento do próprio regime de
responsabilidade ambiental e explica que as preocupações ambientais tenham
consequências directas sobre as condições de desenvolvimento das actividades
económicas”. A formulação
europeia do princípio encontra-se no actual artigo 11º (anterior artigo 6º do
Tratado que instituía a Comunidade Europeia - TCE) do Tratado sobre o
funcionamento da União: “As exigências em matéria de protecção do ambiente
devem ser integradas na definição e execução das políticas e acções da União,
em especial com o objectivo de promover um desenvolvimento sustentável.” Por
sua vez, quanto ao princípio da
responsabilização, a Autora refere que o mesmo emerge de uma “remissão para a Lei de Bases do
Ambiente”. Na Lei de Bases, a responsabilização surge definida como o princípio
que “aponta para a assunção pelos agentes das consequências, para terceiros, da
sua acção, directa ou indirecta, sobre os recursos naturais” (artigo 3º h)). Ou
seja, nesta acepção, o princípio da responsabilização somente legitima “actuações
a posteriori”, isto é, “depois de os danos ambientais terem ocorrido, e
não actuações preventivas” que procurem ser um garante ambiental que
inviabilize, previamente, quaisquer consequências nefastas, que são aquelas
principalmente visadas pelo novo sistema de responsabilidade ambiental. Está em
causa uma protecção meramente reactiva. Trata-se, por isso, de uma “formulação
mais próxima do clássico regime de responsabilidade civil, do que do princípio
do poluidor pagador” (que, dada a sua relevância, será aflorado infra). Por outro lado, a definição
legal do princípio da responsabilização “peca por ser excessivamente antropocêntrica,
abrangendo apenas os danos causados ao Homem através do ambiente e não os danos
causados ao ambiente em sí mesmo”. Assim, defende a Autora que, a “única forma
de contornar esta crítica seria alargar o conceito de terceiros,
a ponto de abranger também espécies animais e vegetais (fauna e flora), o que
talvez seja algo excessivo”, opinião com a qual tendo a concordar. Ora, urge
compreender a “inserção do princípio da responsabilização no diploma nacional
de transposição da Directiva europeia”, que, na opinião da Autora, “só não é criticável,
porque o legislador nacional resolveu incluir, no mesmo diploma legal, regras
relativas a responsabilidade civil ambiental, (objectiva e subjectiva) no capítulo
II, ao lado da chamada “responsabilidade administrativa”, no capítulo III.
Assim, o capítulo II (artigos 7º a 10º) trata de responsabilidade civil, sendo
fundado no princípio da responsabilização; ao passo que os capitulos III, IV e
V (artigos 11º a 37º), que consistem na transposição da Directiva de 2004,
seriam especialmente fundados nos princípios da prevenção, da correcção na
fonte, da integração, e, sobretudo, nos princípios do desenvolvimento
sustentável e do poluidor pagador”.
Está, desta feita, dado o mote para proceder à fundamentação
destes dois princípios nucleares do direito ambiental. No que concerne ao desenvolvimento sustentável,
(positivamente plasmado como princípio estruturante do direito comunitário, no
art. 6º do TCE), o que se busca não extravasa a ideia básica que a uma
“recondução à indispensabilidade de conformação de acções humanas
ambientalmente relevantes de forma a garantir os fundamentos da vida para as
futuras gerações”, CRP Anotada, Vol.I, pág. 849. Assim se comprova o
acolhimento constitucional desta noção de “desenvolvimento sustentável” e, por
essa via, a imposição como ”tarefa do Estado e dos cidadãos a promoção do
aproveitamento racional dos recursos naturais (…)”, salvaguardando sempre a sua
“capacidade de renovação e estabilidade biológica”. Esta concepção é, contudo,
mais complexa do que aparenta à vista desarmada, na medida em que a sua
“densificação (…) não é isenta de dificuldades”, já que se apresenta no seu
caminho uma duplicidade que deve ser previamente esclarecida. É fundamental
compreender em que sentido aponta a concepção de desenvolvimento sustentável,
pois, se por um lado for inerente à ideia de “cooperação reforçada entre os
Estados no sentido de protecção do ambiente, da preservação de recursos
naturais, da utilização de energias renováveis, e limitação da emissão de gases
com efeito de estufa, etc.”, por outro, pode advir a exigência de que, para
alcançar as metas propostas pelo ideal de desenvolvimento sustentável seja
imperiosa a viabilização de “acções específicas quanto ao desenvolvimento de
países ainda carecidos de infra-estruturas básicas nos planos económico e
social”. É facilmente inteligível que, neste segundo contexto mencionado, o
princípio do desenvolvimento sustentável “não se limitaria a ser um conceito
restrito ao âmbito de políticas ambientais”, uma vez que compreenderia, também,
uma importante vertente económica, social e cultural”. Em suma, se atendermos
ao conceito no seu sentido “puro”, estará em causa a primeira dimensão de
desenvolvimento sustentável, mais simplista, baseada no compromisso de âmbito
exclusivamente ambiental; por sua vez, a segunda dimensão apresentada extravasa
este âmbito “meramente” ambiental, dando-lhe uma abrangência superior, uma
concepção mais ampla e complexa. Mas deve ter-se em consideração que mesmo “um
conceito expandido de desenvolvimento sustentável não é incompatível com uma
densificação normativa no campo do Estado constitucional ecológico, de forma a
tornar transparente a articulação entre desenvolvimento justo e duradouro e
solidariedade com as futuras gerações”.
Tempo agora de reflectir sobre aquele que, nos ensinamentos de Maria
Alexandra Aragão, é considerado “o” princípio fundamental em matéria de regime
de responsabilidade ambiental, o princípio
do poluidor pagador, pois “de todos os princípios ambientais que, têm
ligação directa ou indirecta à responsabilidade ambiental, é o princípio do
poluidor pagador que é considerado como o princípio inspirador deste
regime”.
Relembrando a temática já abordada supra, cabe fundamentar a distinção entre a acção “meramente
reactiva” do princípio da responsabilização, assente num regime de
responsabilidade civil clássico, e o cariz mais abrangente do princípio do
poluidor pagador. Para esse efeito, é útil recorrer a Michel G. Faure e Julien
Hay, defensores de que “a responsabilidade ambiental europeia dá cumprimento ao
princípio do poluidor pagador (…),
pois o objectivo não é tanto compensar as ofensas ao ambiente, mas incitar os
operadores de actividades perigosas a minimizar os riscos de danos ambientais”.
Em sentido convergente, Anna Karamat preconiza que o “regime da
responsabilidade ambiental estabelecido no âmbito da Directiva se distingue dos
regimes de responsabilidade tradicionais, já que a directiva não identifica nem
as vítimas a indemnizar, nem um Tribunal (pelo menos num primeiro
momento) e não cobre os danos tradicionais (danos às pessoas, aos bens e perdas
económicas).” Daí falar-se em “responsabilidade administrativa”.
É facilmente aferível o
destaque atribuido ao princípio do poluidor pagador no âmbito da Directiva
comunitária, transformando-o no “eixo central, em torno do qual gira toda a
responsabilidade ambiental”. Basta recorrer ao seu prêambulo e verifica-se esta
concepção exposta: “o princípio fundamental da presente Directiva deve portanto
ser o da responsabilização financeira do operador, cuja actividade tenha causado
danos ambientais ou a ameaça iminente de tais danos, a fim de induzir os
operadores a tomarem medidas e a desenvolverem práticas por forma a reduzir os
riscos de danos ambientais”. Está, evidentemente, em causa uma alusão directa
ao princípio do poluidor pagador.
Esta posição forte e solidificada que o princípio do poluidor
pagador granjeia na dimensão comunitária não “faz escola” entre nós. A Autora
refere que no direito português da responsabilidade ambiental, “a atitude
perante o princípio do poluidor pagador é algo contraditória”, pois, “por um
lado, este é o único princípio que surge citado simultaneamente no preâmbulo e
no texto legal, deixando antever uma especial importância na conformação do
regime da responsabilidade”, não obstante de, “por outro lado, o princípio
parece não ser assumido com a mesma convicção com que surge ao nível europeu,
na medida em que só é mencionado através de remissão para a Directiva”, no
artigo 1º do Decreto-Lei nº 147/2008, de 29 de Julho, que transpõe a Directiva.
Apesar desta relevância aparentemente mais mitigada do princípio do poluidor
pagador, este “não deixa de ser a última ratio que motiva o regime legal
de responsabilidade ambiental mesmo em Portugal”. De modo a comprovar esta
orientação, a Autora prossegue o raciocínio, indicando que “as considerações preâmbulares
do Decreto-lei nº 147/2008, são de inspiração puramente economicista,
recorrendo a um linguajar típico da economia ambiental, na defesa da
aplicação de instrumentos económicos à protecção ambiental, com o objectivo de
“obter uma alocação economicamente mais racional dos recursos” e por crer que
este sistema gerará “necessariamente menores custos administrativos para o
Estado e para o particular””.
Abordando a substância, o princípio em si, afirma Henri Smets,
que "ao longo dos últimos vinte anos, o princípio do poluidor pagador
evoluiu muito, a ponto de se tornar um princípio jurídico universalmente
reconhecido".
Mas, mesmo ciente do consenso gerado em torno do princípio, não
se pode deixar de constatar que, amiúde, o seu “substracto apresenta um cariz
mais formal do que substancial” e as grandes “dúvidas sobre o seu conteúdo
normativo acentuam-se quando é utilizado em contextos muito variados,
dificultando significativamente a apreensão do seu núcleo duro”. Essas
dúvidas são encabeçadas, nomeadamente, pelo Professor Vasco Pereira da Silva, que preconiza uma interpretação mais
restritiva do princípio enquanto “corolário necessário da norma do artigo 66º,
nº 2 h) da Constituição”, que impõe ao Estado a tarefa de “assegurar que a política
fiscal compatibilize desenvolvimento com ambiente e qualidade de vida”. Nesta
medida, o Professor Regente procura analisar a execução do princípio, essencialmente,
“através de instrumentos financeiros como impostos (directos ou indirectos),
taxas, políticas de preços e benefícios fiscais” (Verde Cor de Direito, Almedina, Coimbra, 2003, p.74 e 74).
O que se procura, então, com este princípio basilar
de responsabilidade ambiental? A resposta é clara, visto que, como já se
depreendeu, está em causa um “sistema completo cujo objectivo é fazer os
poluidores pagar, em conformidade com regras de justiça e eficácia, evitando
distorções de mercado”.
Com efeito, não é de somenos questionar se será a solução
adequada, dada a dificuldade frequente de conseguir delinear de forma eficaz “o
poluidor”, ou seja, aquele que detém a susceptibilidade de ser
responsabilizado. Contudo, se o objectivo do regime legal fosse “apenas
prevenir a ocorrência de danos ambientais, minimizá-los e repará-los quando não
pudessem ser evitados, as medidas preventivas ou reparatórias poderiam ser
desenvolvidas pelo Estado (ou por quem tivesse capacidade técnica e científica
para tomar medidas para evitar ou minimizar os danos, mas a cargo do Estado) e
não, forçosamente, pelo poluidor”. Mas não foi essa a via que motivou a Directiva,
uma vez que “deliberadamente puseram-se as medidas de prevenção e de reparação
prioritariamente a cargo do poluidor, apesar das eventuais dificuldades em
identificar o operador-poluidor em tempo útil e apesar do risco de o
operador-poluidor não ter intenção ou competência para levar a cabo as medidas
necessarias”.
Neste sentido, parece de acolher e sufragar a concordância que a
Professora Maria Alexandra Aragão enuncia, relativamente à quadripartição de
funções enumerada por Nicolas de Sadeleer. Este autor, em abstracto, “imputa ao
princípio do poluidor pagador quatro funções (as quais, em concreto, se podem
revelar complementares ou mutuamente exclusivas): a função de integração económica,
função redistributiva, função preventiva e função curativa”. É que tanto a Directiva
como a Lei Nacional são claras a este propósito: “a autoridade competente deve
exigir que as medidas de reparação sejam tomadas pelo operador. Se o operador
não cumprir as obrigações previstas (…), não puder ser identificado ou não for
obrigado a suportar os custos ao abrigo da presente Directiva, pode ser a própria
autoridade competente a tomar essas medidas, como último recurso”.
Ou seja, a ideia nuclear é a seguinte: “independentemente
de saber qual a intervenção mais expedita ou mais eficaz, há uma preferência,
que se pode explicar por razões de equidade, por fazer o poluidor suportar
directamente as medidas preventivas ou reparatórias”. Esta filosofia patente no
princípio do poluidor pagador acaba por “corresponder ao regime mais justo” e
também, a maior parte das vezes, “ao regime mais eficaz do ponto de vista
ambiental”. Não deixa, contudo, de ser uma questão controvertida na Doutrina,
já que, como salienta a Autora, alguns dos “defensores mais ortodoxos
do princípio do poluidor pagador, particularmente Jean Philippe Barde e Emilio
Gerelli (na obra Économie et Politique de l'Environnement, Presses
Universitaires de France, L'Economiste, 1975), defendiam que eram ilegítimos
quaisquerjuízos éticos de valor sobre as consequências práticas da aplicação do
princípio do poluidor pagador, pois ele não visava a realização da justiça, mas
apenas a protecção economicamente eficaz do ambiente”. Nesta senda, “negavam
que ele fosse um princípio de equidade, afirmando-o apenas como princípio de
eficácia económica”. Partilho da opinião defendida pela Professora, na medida
em que, não olvidando que o princípio teve a sua génese num contexto económico,
é inegável que esta posição puramente economicista está, por certo,
ultrapassada, provado que está o conteúdo e substracto equitativo e de busca de
justiça inerente a este princípio. Parece pouco razoável limitar o âmbito deste
conceito basilar de responsabilidade ambiental a uma análise tão restritiva.
É chegada a altura de compreender uma importante questão. Já
definido o conceito, cabe analisar a forma como é imputado o princípio, de
forma a apurar a responsabilidade ambiental que lhe é inerente. Para tal, a
sistemática prosseguida por Alexandra Aragão, afigura-se como a mais
conveniente para explicitar que existem, essencialmente, três questões
prementes:
- Quem é o poluidor?
- O que paga o poluidor?
- Como paga o poluidor?
Desta feita, para delimitar quem é o poluidor, isto é, qual o
agente que deve pagar/reparar o dano, aludir-se-à à Recomendação do Conselho nº
75/436, de 3 de Março, relativa à “imputação dos custos e à intervenção dos
poderes públicos em matéria de ambiente”, na qual, o conceito de poluidor surge
como “aquele que degrada directa ou indirectamente o ambiente ou cria condições
que levam à sua degradação”.
É de salientar que tanto na Directiva como na Lei Nacional, o poluidor
é apenas “identificado como o “operador” de uma “actividade ocupacional”(isto
é, “qualquer actividade desenvolvida no âmbito de uma actividade económica, de
um negócio ou de uma empresa, independentemente do seu carácter privado ou
público, lucrativo ou não”.
Mais concretamente, o “operador”
é "qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou privada, que execute
ou controle a actividade profissional ou, quando a legislação nacional assim o
preveja, a quem tenha sido delegado um poder económico decisivo sobre o
funcionamento técnico dessa actividade, incluindo o detentor de uma licença ou
autorização para o efeito ou a pessoa que registe ou notifique essa
actividade”. É esta a concepção legislativa de “poluidor”. Trata-se, assim, de
um conceito de tal forma abrangente que parece estar “de acordo tanto com a
definição europeia, como com o conceito doutrinal de poluidor: o poluidor-que-deve-pagar
é quem tiver uma posição de controlo sobre a poluição”. Posta nestes termos
a questão é quase La Palissiana, dada
a sua simplicidade, o que, na prática, não corresponde à realidade, até porque,
o “âmbito de aplicação, aparentemente lato, da Directiva e da Lei é,
aparentemente, limitado por uma enumeração taxativa (no anexo III da Lei e da
Directiva) das actividades ocupacionais abrangidas”. Este elenco
tem, como efeito, “obrigar os Estados e criar para os operadores-poluidores o
dever de prevenir e remediar danos ambientais, nos termos previstos”. Contudo,
o rol das “actividades que constam do anexo III da Directiva é vasto, mas não fechado”,
logo, “não impede os Estado de irem mais longe, se assim, o entenderem, nos
termos do artigo 16º da Directiva, que plasma: “A presente Directiva não impede
os Estados-Membros de manterem ou adoptarem disposições mais estritas em
relação à prevenção e à reparação de danos ambientais, incluindo a identificação
de outras actividades a sujeitar aos requisitos de prevenção e reparação da
presente Directiva e à identificação de outros responsáveis””. Foi essa a
postura adoptada pelo Estado português, ao “adicionar ao regime europeu de responsabilidade
administrativa ambiental, regras sobre responsabilidade civil ambiental
objectiva e subjectiva”.
Como exemplo de caso de
responsabilidade puramente subjectiva, pode salientar-se “os
operadores-poluidores de outras actividades ocupacionais diferentes das
mencionadas no anexo III”, uma vez que “eles estão abrangidos por um dever de
agir com zelo e diligência, na medida em que tal seja necessário para evitar
danos aos habitats e às espécies da fauna e da flora selvagens”.
Cabe agora analisar uma das situações mais complexas sobre esta
matéria de imputação, a questão da responsabilidade plural. Como proceder
quando não se trate apenas de um poluidor singular mas antes de vários
poluidores ou, na terminologia adoptada, “vários operadores potencialmente
responsáveis”? Importa encontrar e desenvolver “critérios justos e eficazes de
imputação de custos”.
Na já referida Recomendação de 1975, era deixado ao arbítrio do
legislador nacional a escolha dos meios, sobretudo de acordo “com critérios de
eficácia ambiental e económica”: “se a determinação do poluidor se revelar
impossível ou muito difícil de concretizar” e por conseguinte, arbitrária, “e
no caso da poluição do ambiente ser o resultado, quer da conjugação simultânea
de várias causas — poluição cumulativa
- quer da sucessão de várias dessas causas — cadeias de poluidores - os custos da luta antipoluição
devem ser imputados aos pontos — por exemplo da cadeia de poluidores ou da poluição
cumulativa - e por meios legislativos ou administrativos que ofereçam a melhor
solução nos planos administrativo e económico, e que contribuam da maneira mais
eficaz, para a melhoria do ambiente”.
Por sua vez, a nível nacional, no supra mencionado Decreto-Lei nº 147/2008, estão, igualmente,
previstas situações de resposta no que concerne à responsabilidade plural,
nomeadamente: a responsabilidade de pessoas colectivas (artigo 3º, nº 1); a
responsabilidade de grupos sociais (artigo 3º, nº 2); a responsabilidade de várias
pessoas singulares (artigo 4º) e a responsabilidade de terceiros (artigo 20º,
nº 2).
Assim se confere que a Lei Nacional concretizou as indicações da
Recomendação de 1975, adoptando uma via que, defende a Autora, “é a expressão
perfeita do princípio do poluidor pagador, enquanto regra de socialização dos
danos: a responsabilidade solidária, com eventual direito de regresso”. Em
consonância com o que foi exposto, creio que esta parece ser a solução mais
virtuosa, dado “ser simultaneamente a mais justa e a mais eficaz”.
Desenvolvida a primeira questão, cabe analisar a querela
seguinte, intrinsecamente menos complexa, que será a de perceber o que deve
pagar o poluidor. A Recomendação de 1975 já respondia, igualmente, a estas
dúvidas que ensombravam o panorama comunitário e nacional, afirmando que “(…)
tanto as Comunidades Europeias a nível comunitário, como os Estados-membros nas
suas legislações nacionais, em matéria de protecção do ambiente devem aplicar o
princípio do poluidor-pagador, de acordo com o qual as pessoas singulares ou
colectivas, de direito privado ou público, responsáveis por uma poluição, devem pagar as despesas das medidas
necessárias para evitar essa poluição ou para a reduzir, a fim de respeitar as normas e as medidas
equivalentes”,
permitindo, deste modo, “atingir os objectivos de qualidade ou, quando tais
objectivos não existam, a fim de respeitar as normas e as medidas equivalentes
fixadas pelos poderes públicos”.
Esta mesma matéria obtém resposta actualmente na Directiva, que
responsabiliza o operador, indicando que o mesmo tem em sí inerente o dever de “pagar
os custos de prevenção e de reparação dos danos”, mas não só, pois afirma ainda
que “também se justifica que os operadores custeiem a avaliação dos danos
ambientais ou, consoante o caso, da avaliação da sua ameaça iminente”. Refere
Catherine Thibierge que mais não será do que construir uma espécie de
“responsabilidade do futuro”, ou de “evitar um enriquecimento sem
causa do poluidor, se preferirmos citar Jean Duren”. Pessoalmente, nutro
mais simpatia pela concepção de Jean Duren.
Fulcral parece, no entanto,
a ideia que nos é trazida por Karl-Heinrich Hansmeyer, apologista de que “o que
poluidor deve pagar por força do princípio do poluidor pagador é o custo da
prevenção (avoidance cost) e não o custo do dano (damage cost)”.
Nesta senda, cumpre aprofundar conceitos: assim, por “medidas de
prevenção” devem ser entendidas “quaisquer medidas adoptadas em resposta a um
acontecimento, acto ou omissão que tenha causado uma ameaça iminente de danos
ambientais, destinadas a prevenir ou minimizar ao máximo esses danos” e, por
sua vez, as “medidas de reparação” como aquelas que exigem “qualquer acção, ou
conjunto de acções, incluindo medidas de carácter provisório, com o objectivo
de reparar, reabilitar ou substituir os recursos naturais e os serviços
danificados ou fornecer uma alternativa equivalente a esses recursos ou serviços,
tal como previsto no anexo V do presente Decreto-lei, do qual faz parte
integrante”.
No que concerne à relação entre ambos os conceitos, prevenção e
reparação, rege, naturalmente, a regra da subsidiariedade: “primeiro devem ser
adoptadas medidas de prevenção e só depois, se nao for possível ou suficiente,
as de reparação”. É uma constatação lógica e facilmente inteligível, resumível
num simples jargão português que me permito utilizar: “Casa arrombada, trancas
à porta”, no sentido de que só se não for possível evitar o “arrombamento” é
que a medida mais gravosa, “as trancas à porta” devem ser accionadas. Assim se
simplifica esta relação de subsidiariadade.
Ainda no respeitante à
prevenção, é possível verficar a existência de dois “graus” distintos. Esta
distinção decorre, de forma pacífica do “presente artigo 14º da Lei Nacional”: numa
primeira acepção, a prevenção primária e, numa segunda vertente, a prevenção
secundária. A primeira baseia-se na “adopção de medidas destinadas a evitar a
ocorrência do dano”, enquanto que, por sua vez, a segunda vertente está
direccionada para a “adopção de medidas destinadas a não agravar mais um dano
entretanto verificado”. As medidas de prevenção primária emergem de uma “ameaça
iminente” de danos e destinam-se a “evitar todo o dano”. Por seu turno, as
medidas de prevenção secundária são frequentemente denominadas “medidas de
minimização”, pois “seguem-se à ocorrência de um dano e destinam-se a evitar o
agravamento dos danos entretanto ocorridos”.
No que concerne à reparação, a Lei procede a “uma distinção
similar, entre reparação primária, complementar e compensatória” existindo
entre elas “uma relação hierárquica, atendendo à prioridade relativa”.
Torna-se, deste modo, imperioso definir conceitos, para melhor situar e
contextualizar a matéria exposta. Assim, por “reparação primária” deve ser
entendida “qualquer medida de reparação que restitui os recursos naturais e/ou
serviços danificados ao estado inicial, ou os aproxima desse estado”, (como
decorre do Anexo V, nº 1 a) do Decreto-Lei nº 147/2008). Depreende-se então que
o objectivo da reparação primária é, tão-só, “restituir os recursos naturais e/ou
serviços danificados ao estado inicial, ou aproxima-los desse estado” (Anexo V,
1.1.1. do Decreto-Lei citado supra). Cumpre desenvolver outro conceito, o de
“reparação complementar” que se consubstancia em “qualquer medida de reparação
tomada em relação aos recursos naturais e/ou serviços para compensar pelo facto
de a reparação primária não resultar no pleno restabelecimento dos recursos
naturais e ou serviços danificados”, (como se afere pelo Anexo V, nº 1 b)). O
propósito da reparação complementar cifra-se em “proporcionar um nível de
recursos naturais e/ou serviços, incluindo, quando apropriado, num sítio
alternativo, similar ao que teria sido proporcionado se o sítio danificado
tivesse regressado ao seu estado inicial. Sempre que seja possível e adequado,
o sítio alternativo deve estar geograficamente relacionado com o sítio
danificado, tendo em conta os interesses da população afectada”, (Anexo V,
1.1.2.). Para finalizar, uma pequena ilação sobre o que se entende por “reparação compensatória”. Trata-se de “qualquer acção destinada
a compensar perdas transitórias de recursos naturais e ou de serviços
verificadas a partir da data de ocorrência dos danos até à reparação primária
ter atingido plenamente os seus efeitos”, como bem salienta o Anexo V, nº 1 c).
Neste sentido, “devem ser realizadas acções de reparação compensatória para
compensar a perda provisória de recursos naturais e serviços enquanto se
aguarda a recuperação (...). Essa compensação consiste em melhorias
suplementares dos habitats naturais e
espécies protegidos ou da água, quer no sítio danificado quer num sítio
alternativo”. Desta forma, nunca consistirá numa mera “compensação financeira
para os membros do público”, como figura claramente no Anexo V, 1.1.3.
A vertente agora exposta exige uma clarificação, de modo a
inviabilizar uma contextualização incorrecta do que este princípio do poluidor
pagador pretende transmitir. É fulcral reter que o facto de “este aspecto do regime
comportar uma dimensão de intervenção a posteriori não significa que o
princípio do poluidor pagador seja uma compra do direito a poluir”.
O que se procura é fazer com que “o pagamento imposto ao poluidor tenha efeitos
dissuasores. O poluidor paga para que a poluição não aconteça ou, pelo menos…
não aconteça novamente”. Por isso se “excluem do âmbito da responsabilidade os
danos resultantes de acção de terceiros, as actuações legais e as actuações
consideradas como seguras”, pois “em relação a quaisquer destes danos não há
prevenção nem efeito dissuasor possível”.
Para concluir a resposta à questão “o que paga o poluidor?”, deve
ter-se presente que “o operador-poluidor não paga os custos necessários para
evitar ou reparar todos os danos causados ao ambiente, mas apenas
aqueles danos eleitos pelo legislador como relevantes para serem abrangidos
pelo regime em causa”. Isto é, o legislador elenca quais os danos susceptíveis
de reparação.
Foi, contudo, “opção do legislador europeu responsabilizar,
embora apenas a título subjectivo (mediante prova da actuação culposa ou
negligente), todos os operadores-poluidores que desenvolvam outras actividades
económicas, diferentes das descritas no Anexo III, se os danos eminentes ou
efectivos forem susceptíveis de afectar os habitats ou as espécies
selvagens da fauna ou da flora”. Assim se retira a especial relevância
atribuída à conservação da natureza e da biodiversidade no plano comunitário,
sendo considerada como um verdadeiro “património comum europeu”. E é este
factor que “justifica a responsabilização dos operadores-poluidores de quaisquer
actividades ocupacionais, mesmo aquelas aparentemente mais inócuas, desde
que o operador-poluidor tenha agido com culpa ou, pelo menos, negligência”.
Convém, contudo,
explicitar onde incide a susceptibilidade de responsabilização pelo dano, isto
é, compreender que, “com ou sem culpa ou negligência, tanto a Directiva como a
Lei Nacional só abrangem os danos causados ao ambiente em sí mesmo e não ao
Homem, através do ambiente”. A lei engloba, portanto, “apenas os danos que
denomina «danos ambientais» mas (…) alguma doutrina, prefere denominar danos
ecológicos”, reservando, desta forma, a designação de “danos ambientais apenas
para os danos sociais resultantes da poluição e degradação ambiental (como a
existência de desalojados ambientais, ou refugiados do clima ou patologias
humanas causadas por exposição a substâncias perigosas ou contaminantes)”. Não
obstante esta situação, não seria racional que o regime legal, apesar de
abranger apenas “os danos causados aos recursos naturais”, não tomasse em consideração
“certos danos humanos, pelo menos enquanto critério de relevância dos danos ecológicos”.
Como naturalmente se entende, “os danos aos recursos naturais que possam vir a afectar
a saúde humana” são obrigatoriamente considerados como muito significativos, de
acordo com os critérios legais propostos pelo Anexo I da Directiva.
Por fim, cumpre saber, afinal, como paga o poluidor?
Alexandra Aragão recorre, novamente, à inspiração da
Recomendação nº 75/436 para salientar que “o poluidor pode pagar de várias
maneiras: na aplicação do princípio do poluidor-pagador, os principais
instrumentos à disposição dos poderes públicos para evitar a poluição são as
normas e as taxas”. Prosseguindo com a ideia de que as “taxas são mesmo os
instrumentos jurídicos escolhidos para exemplificar a aplicação do princípio do
poluidor pagador, na própria Recomendação”, que indica: “a taxa tem por
objectivo incitar o poluidor a tomar por si próprio, pelo menor custo, as
medidas necessárias para reduzir a poluição de que é autor (função de
incentivo) e/ou fazer com que suporte a sua quota-parte das despesas das
medidas colectivas, como por exemplo, as despesas de depuração (função de
redistribuição). A taxa deve ser imposta segundo o grau de poluição emitido,
com base num procedimento administrativo adequado”.
Conclusão
Fica, deste modo, explicitada a especial relevância dos princípios
no direito ambiental, principalmente no que concerne ao princípio nuclear do poluidor pagador. A sua necessidade de
os realçar resulta da busca de proporcionar “coerência e racionalidade
a um vastíssimo conjunto de normas ambientais”, e de poder “garantir a estabilidade
a um sistema que não pára de evoluir e de se expandir a velocidades
vertiginosas”, procurando, ainda, “flexibilizar e tornar juridicamente
inteligível um direito algo rígido, composto por normas ambientais
caracterizadas pelo seu pendor fortemente técnico, por vezes de difícil
apreensão pelos menos habituados a encontrar uma tamanha densidade científica e
técnica nas leis”.
Desta forma, somos impelidos a concordar com a
alusão final da Autora, motivada pelas preocupações supra expressas, ansiando que “as dúvidas suscitadas pela
interpretação da lei da responsabilidade ambiental não originem um novo tipo de
poluição”, que denomina de “poluição normativa”. Prossegue, afirmando que “a poluição
normativa é a poluição ambiental que resulta do facto de os destinatários das leis
de protecção ambiental (sejam os poluidores seja a administração) terem dificuldades
em interpretá-las e aplicá-las”, quer por “não serem claros nem os deveres nem
as sanções decorrentes do incumprimento deles” ou por “não ser mesmo
possível cumprir algumas das obrigações legais”. Desta forma, estaria aberta
uma via para a “descrença na capacidade do sistema legal instituído para
controlar situações complexas como a poluição difusa, a pluricausalidade ou os
riscos de desenvolvimento”, que podem
conduzir a “um indesejável relaxamento das preocupações preventivas que
o princípio do poluidor pagador, através da Lei, pretende incitar e, portanto,
a mais poluição”.
Assim, fica o apelo à Doutrina, que deve assumir “o
importante papel de prestar os esclarecimentos necessários a evitar a
ocorrência de “poluição normativa” em virtude das dúvidas interpretativas
suscitadas pelas novas regras de responsabilidade ambiental”.
Depreende-se, pelo exposto ao longo de toda a
análise, que a responsabilidade ambiental é um importante mecanismo de
protecção ambiental, “um novo instrumento jurídico que contribui para, com
justiça e eficácia, prevenir os danos ambientais de origem antropogénica”, isto
é, decorrentes da actividade humana.
Laura Falcão
Aluna nº19474
Bibliografia
- Actas
do Colóquio, “A Responsabilidade Civil por dano ambiental”, Faculdade de
Direito de Lisboa, 18,19 e 20 de Novembro de 2009. Organização de Carla
Amado Gomes e Tiago Antunes
- Constituição
da República Portuguesa Anotada
- “Verde
cor do Direito”, Prof. Vasco Pereira da Silva
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