sexta-feira, 17 de maio de 2013








DOS RESÍDUOS: in dúbio pro Ambiente

















Sumário

I.                    Invasão Ténica ou Técnica Invasiva?
II.                  Direito do Ambiente. Direito ao Ambiente
III.                Bem Jurídico Ambiente
IV.                Conceito de resíduo (natureza jurídica)
V.                  O Lixo é de quem o produz, mas os resíduos são nossos
VI.                Princípios Fundamentais do Direito dos Resíduos
VII.              Gestão de Resíduos
VIII Em especial, o caso da co-onceneração






Sérgio Santos
Aluno 18411







Se a reflexão histórica detecta coerências e permite encontrar um sentido para o mundo em que vivemos, relativizando o presente, a análise prospectiva dá conta da incerteza da evolução e consciencializa o desconhecimento dos múltiplos amanhãs, ao mesmo tempo que igualmente contribui para relativizar o presente[1]











I.                    Invasão Técnica ou Técnica Invasiva?


 Apesar de não conviverem de forma são, o Direito e a Ciência devem formar uma imprescindível aliança entre a busca da verdade e a procura da justiça social. A busca e a construção do justo não se podem bastar, em especial na prossecução da protecção do ambiente e da sustentabilidade da sociedade humana, de um saber que ainda que aprofundado se foca nas relações desenvolvidas entre indivíduos. Na verdade, hoje mais que nunca, assumem nesta matéria um importantíssimo destaque as tecnologias decalcadas do mundo das Ciências naturais e experimentais na decisão política. Esta última não deve dissociar a vontade humana de uma decisão de cariz técnico, já que é o saber (teórico e pericial) que deve sempre e necessariamente presidir à escolha, sob pena de esta assumir as vestes de um mero arbítrio. Certo é, ainda assim que tanto o direito como a ciência devem estar conscientes da natureza circunscrita do seu saber, bem como da impossibilidade de abarcar todos os fenómenos resultantes das relações entre Homem e Homem e Homem e natureza.

Vivemos numa sociedade em constante mutação, com especial destaque para as diversas inovações tecnológicas e novas descobertas no mundo da técnica, parecendo que estas últimas são o fundamento de todas as decisões, como observa Tiago Antunes[2]. A técnica invadiu todos os domínios da vida humana, desde as empresas, à Administração, passando mesmo pelas relações entre cidadãos. Segundo Vasco Pereira da Silva, “outra manifestação do recuo da administração autoritária é a que decorre da tecnicização da actividade administrativa. A utilização de meios técnicos por parte da Administração pública constitui um fenómeno importante e em plena expansão, sendo cada vez mais fequentes os sectores regulados, por natureza, por normas técnicas”[3]. Como não podia deixar de ser, o Direito não está imune a este fenómeno, verificando-se um cresecente imiscuir da técnica e seus saberes especializados nas normas jurídicas. Naturalmente que esta aproximação que temos vindo a frisar entre a Ciência

(técnica) e o Direito é naturalmente mais visível em determinados ramos do Direito, com especial destaque para o Direito do Ambiente. Este último tem a particularidade de na sua “previsão” e construção apelar a conhecimentos de cariz extra-jurídico. Baluarte desta realidade será, nomeadamente, o regime das MTD (Melhores Técnicas Disponíveis).

O advento do risco de causar lesões de carácter irreversível no Ambiente (situações em que não se afigura como possível tornar a situação  indemne), obriga a Administração a antecipar o momento preventivo e a lançar mão de instrumentos de composição do acto administrativo genericamente estranhos ao Direito, como são cláusulas de cariz eminentemente físico e técnico.[4] Regras sobre a qualidade das águas, licenciamento industrial, controlo integrado da poluição, leis do ruído, entre outras, têm um indiscutível cunho técnico. As “tricas” que historicamente existem, como oportunamente referimos em momento anterior, entre o Direito e a Ciência começam lentamente a desvanecer e a converterem-se numa progressivamente mais saudável aliança. Na verdade, O Direito do Ambiente é certamente o domínio onde o Direito mais assume uma papel diplomático neste mesmo sentido, por várias ordens de razões: em primeiro lugar, trata-se de uma matéria pouco trabalhada. Urge deste modo que os juristas se adaptem á invasão da técnica, problematizando e estudando o fenómeno de mãos dadas com esta. Em segundo lugar, tratando-se de uma tónica fulcral do Direito do Ambiente, é natural que seja a Doutrina jus-ambientalista a debruçar-se sobre o efeito da Técnica no Direito, aprofundando as suas causas, a sua evolução e acima de tudo estudando as ondas que esta poderá fazer repercutir nos cânones instalados no mundo jurídico. Em último lugar, o entendimento tradicional da discricionariedade técnica em Direito Administrativo colheria óbvios benefícios em acompanhar de perto as inovações técnicas.




II.                  Direito do Ambiente. Direito ao Ambiente

O amor à natureza, a simbiótica convivência com esta e mesmo a depêndencia desta é um facto transversal à existência humana, datando dos primórdios da humanidade. Precisamente por isto, é perfeitamente defensável que a preocupação com a protecção da Natureza não é necessariamente um fenómeno tão recente quanto possa o leitor julgar. No entanto, esta preocupação só muito recentemente adquiriu uma dimensão colectiva, transformando-se num ónus da comunidade e mesmo num desconforto perante a degradação crescente do ambiente, o desaparecimento dos recursos naturais e, especialmente, a ameaça que paira sobre o futuro da Terra, da sua flora e fauna. Assim, a consciência social obriga a que, nos dias de hoje, exista não só um  Direito ao Ambiente, como um Direito do Ambiente.

O Direito do Ambiente nasce numa altura de grande turbulência internacional, considerando o fim dos regimes autoritários na Europa de Leste, a reunificação alemã,

a Guerra do Golfo, entre outros. Uma série de acontecimentos que para além do seu cariz histórico marcaram o último terço do século vinte pois tiveram o condão de redesenhar os horizontes geopolíticos, forçando a novos passos que precisaram de ser dados no tocante às relações internacionais. Esta convulsão política e social forçou o Homem a re-avaliar em certa medida a sua ideia de sociedade, interdependência e relação com o Ambiente[5].

A própria economia teve forçosamente que se consciencializar que uma política de desenvolviemento deve necessariamente assumir um modelo sustentável, não podendo deixar de somar os factores em causa, de onde não se podem deixar de destacar as facturas que se forçou a Natureza a assumir. Só um bom conheciemento das interacções entre a economia e a natureza (ponderando nomeadamente limites colocados à produção ou extracção) e o meio ambiente pode garantir um desenvolvimento sustentável e uma economia devidamente alicerçada.


O núcleo do Direito do Ambiente, e onde se expressa a sua “intervenção ecológica”, divide-se entre garantir direitos subjectivos das pessoas relativamente ao meio-ambiente, como a tutela objectiva de bens ambientais, como bem observa Vasco Pereira da Silva[6]. Ainda segundo o mesmo autor, a subjectivação da defesa do ambiente (no sentido de indivudualização da titulariedade dos direitos subjectivos), através da consagração de Direito fundamental ao ambiente será o melhor caminho na senda de uma protecção adequada do ambiente, numa lógica de protecção de agressões provindas quer de entidades públicas, quer de entidades privadas, na esfera individual constitucionalmente protegida.

Julgamos ser de elevada utilidade que, antes de nos centramos no cerne deste estudo, se faça uma abordagem às especificidades do Direito do Ambiente, munindo assim o leitor das ferramentas conceptuais necessárias à melhor compreensão do seu alcance. Deste modo, e sob pena de descurar alguns ramos específicos do Direito do Ambiente, diga-se que este se configura como um Direito (Administrativo) de cariz público. Nas palavras de Carla Amado Gomes, o Direito do Ambiente “ enquanto de Direito estabelece os modelos de aproveitamento dos bens ambientais naturais, prevenindo lesões graves, regulando as formas de reparação de danos significativos, reprimindo os infractores e incentivando todos os cidadãos e empresas a adoptar condutas ambientalmente amigas”.




III.                Bem Jurídico “Ambiente”

A compreensão do âmbito do Direito do Ambiente, e das fundações a partir das quais este se erige importa que se defina o quid que sob a sua alçada se coloca. Saber o que se vai tutelar, e como, depende de uma opção ideológica que reside em saber se o que se pretende é salvaguardar a Natureza, enquanto bem para o Homem, ou
 enquanto bem em si mesma. Nascem desta dicotomia as concepções antopocentricas e ecocentricas. A concepção antropocêntrica parte da convicção de que os bens naturais são fontes de utilidade para a vida humana, afectos à satisfacção e ao bem estar do Homem. Pelo contrário, a concepção ecocêntrica tende a acentuar a natureza elle meme, merecedora de tutela independentemente da sua capacidade para satisfazer necessidades antrópicas, já que os bens e recursos naturais gozam de uma dignidade própria e autónoma.

O legislador português optou, ao que tudo indica, e partindo da letra do 5º/2/a) da LBA (Lei de Bases do Ambiente) por uma concepção ampla. Assim sendo, coloca de forma paritária as águas, a flora, a fauna, a atmosfera. Toma-se o ambiente como uma realidade constituída pelo conjunto de recursos naturais e pela interacção destes com a actuação humana.




IV Conceito de resíduo (Natureza jurídica)


Como nota Gomes Canotilho, “o jurista de ambiente deve confessar a sua humildade e reconhecer que sem o amparo de outros ramos do Direito não é possível edificar um corpus teórico suficientemente autónomo para abarcar todas as multidimensionalidades dos problemas ambientais”[7].


Numa perspectiva dogmática, avançar com o regime consagrado pelo legislador português e mesmo europeu aos resíduos, sem tratar da sua natureza jurídica, do objecto sobre o qual este regime incide, equivale a amputar uma parte significativa da sua disciplina. Apoiamo-nos numa concepção Neo-Kantiana do Direito que demonstra sem lugar a reservas que o Direito nem sempre molda o seu conteúdo em função de uma relação jurídica. Existe uma miríade de realidades que devem ser (e são) reguladas pelo Direito mas cuja origem não provém de uma facutalidade relacional. O conceito de situação jurídica, invocado a este propósito, demonstra-se bem mais compreensivo e tecnicamente mais ajustado.

Pela sua natureza, julgamos estar em condições de afirmar que o lixo, ainda que possa, como julgamos já ter tido oportunidade de demonstrar, assumir diferentes formas, quantidades ou origens é uma porção delimitada da realidade. Enquadra-se, tudo o indica, no conceito Jurídico que coisa: tem existência objectiva e não faz parte da pessoa humana, sendo exterior a esta última[8].

Dúvidas não restam certamente que o Direito do Ambiente se contrói nas vestes de Direito Administrativo. Ainda assim, e como é nossa convicção de que o lixo, à falta de melhor opinião se trata de uma coisa, recorramos à tradição civilista[9] numa tentativa da sua classificação. È tautológico definir coisa como tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas. Esta definição, por ser de tal modo genérica, permite acentuar o carácter objectivo das coisas mas alargando excessivamente o seu alcance. O 202º do código Civil, no computo geral , vem restringir coisa a tudo aquilo que, não sendo pessoa, tenha utilidade, individualidade e seja susceptível de apropriação. Prossigamos à análise de cada um destes itens, para que em momento posterior os possamos enquadrar no âmago deste nosso estudo.

·          A utilidade não é uma característica específica das coisas, decorrendo da noção de bem[10]. Assim sendo, deve o intérprete-aplicador do Direito subsumir a “coisa jurídica” ao que puder ser considerado “bem jurídico”: algo que seja idóneo como um meio lícito para a realização de fins ou objectivos também eles lícitos.

·          A individualidade não deve ser auscultada sob um ponto de vista de naturalidade. Caso assim se fosse, todas as coisas seriam fisicamente divisíveis. Não nos esqueçamos, a este propósito, de que as coisas jurídicas são, por natureza, afectas à satisfacção de necessidades, pelo que a individualidade deve ser aferida consoante a possibilidade de a coisa ser individualmente útil, não tanto no domínio da física, mas antes no domínio sócio-jurídico.


·          A susceptibilidade de apropriação, por fim, surge embrionariamente ligada à possibilidade de a coisa ser pessoalmente apropriável e utilizável para a realização de fins concretos.

Antes do “casamento” que urge fazer entre o regime civilista e o Direito do Ambiente, cabe ainda aclarar mais uns poucos aspectos relativos ao primeiro. Logo à partida, trazemos à colação a distinção operada entre coisas corpóreas e coisas não corpóreas. Coisas corpóreas (como é o caso, não nos restam dúvidas dos resíduos) são aquelas que se revelam aos sentidos, sendo portanto sensorialmente constatáveis e apreensíveis, são as res qui tangi possunt. As coisas incorpóreas, por outro lado, são aquelas que têm uma existência de carácter meramente social, não existindo no mundo físico. Incluem-se neste lote e a título de exemplo, as patentes, as marcas ou os bens intelectuais.

Posta esta breve e quase “tendenciosa” exposição da natureza das coisas, deve o leitor começar a desvendar qual o caminho que temos vindo a trilhar. Efectivamente, foi nossa intenção que tal sucedesse.




IV.                Lixo é de quem o produz, os Resíduos são nossos

O “lixo”, trata-se de uma coisa, ainda que tenha, está bom de ver, inúmeras particularidades. Do que anteriormente exposemos destacam-se logo à partida a “susceptibilidade de apropriação” e a “utilidade”. Numa definição provinda da Técnica, resíduos definem-se como “coisa” absolutamente inservível, inútil, sem valor econômico. No mundo do Direito, e como adiante melhor desenvolveremos, os resíduos são tidos como uma realidade de natureza diversa, já que a obrigação ou intenção que o seu detentor tem de se desfazer da substância ou objecto em causa, não se preclude sem demais a possibilidade de os resíduos ser tidos como algo reaproveitável e de determinado “valor económico”.

 A natureza jurídica dos resíduos, enquanto res,  pode ser colocada numa de três categorias distintas – res nullius, res privada e res publica – de onde resultarão três diversos regimes de tratamento.

Os resíduos, se tidos como res nullius serão “coisa de ninguém”, a ninguém pertencendo nem podendo pertencendo, já que a apropriação se encontra absolutamente exorbitante à res nullius.

Vestindo as vestes de res privada, os resíduos poderiam ser objecto de verdadeira posse e mesmo propriedade. Deste modo, as responsabilidade sobre a sua manutenção e destruição recairiam sem demais sobre o seu proprietário, ainda que possivelmente com especias deveres de zelo face à perigosidade associada ao objecto da sua propriedade.

Finalmente, e enquanto res publica, a propriedade sobre os resíduos não pertence de modo algum a um particular, pertencendo em exclusivo ao Estado. Qualquer coisa, afecta ou não ao comércio, frutífera ou não frutífera, fungível ou não fungível sairia fora da esfera jurídica do particular no momento em que este toma a decisão (ou cumpre a obrigação) de dela se desfazer. No acto de “deitar fora” operaria imediatamente a transferência da propriedade sobre dada realidade fáctica.

Resíduos são substâncias, produtos ou objectos, que ficaram incapazes de utilização para os fins para que forma produzidos. Nesta primeira aproximação incluem-se naturalmente os restos de um processo de produção, transformação ou utilização, assim como outros que, ainda que de origem natural, sofreram uma transformação por via de actuação antrópica, desintegrando-os do seu estado natural. Na verdade, o próprio conceito de resíduo importa que por mais variada que seja a sua proveniência, forma ou mesmo perigosidade, este esteja associado à actividade humana. De um modo geral e não nos socorrendo ainda da legislação em vigor no tocante a esta matéria, podemos classificar os resíduos quanto à sua origem em domésticos, industriais, hospitalares, agrículas, etc. Numa outra perspectiva, ordenando-os quanto à sua natureza fisicoquímica podemos considerar existirem nomeadamente os seguintes: metais, vidros, papel, têxteis, vegetais, pilhas, plásticos, dejectos, etc.




Qualquer que seja o tipo de classificação que se considere, certo é que existem resíduos que , como adiante veremos, apesar de nocivos para o meio ambiente mais que não seja pela sua acumulação e deficiente tratamento são de carácter não perigoso. Outros existem, no entanto que são nocivos para o Homem e os restantes seres vivos, pelo seu carácter tóxico, corrosivo, radioactivo ou explosivo. Note-se que neste particular fazemos uso de um critério de relação entre os resíduos e os seres vivos e não como a natureza genericamente considerada (onde para além da flora e da fauna se incluem naturalmente também os recursos naturais, as águas, a atmosfera, etc)

Convém referir que ao contrário do que é genericamente considerado, nem só a actividade industrial produz resíduos classificados como perigosos. Na verdade, há resíduos perigosos de proveniência doméstica, urbana e hospitalar, entre outras. Comum a todos eles não deixa de ser o facto de requererem um tratamento específico, cuja responsabilidade de eliminação dos riscos associados não pode de forma alguma ser assumido por quem os produz.

Com o objectivo de garantir uma gestão de recursos que reduz ao mínimo os seus efeitos no ambiente e na saúde pública, a estratégia da União Europeia para uma correcta gestão de resíduos tem obedecido a uma hierarquia de princípios , proposta pela primeira vez pela OCDE[11]. i) redução da produção e da nocividade dos resíduos; ii) reutilização, iii) reciclagem, iv) valorização; v) destruição e colocação em aterro. Para mais, a união pretende ainda que todos os seues Estados-Membros se torne auto-suficiente e respeite um princípio de proximidade em matéria de eliminação de resíduos, a que se junta um regime de livre circulação no interior da União Europeia de resíduos para efeitos de valorização e reciclagem destes.

Já o abordámos no início desta nossa exposição, mas julgamos que nunca é demais voltar a frisá-lo: a ecologia e a “saúde” do nosso meio ambiente são uma preocupação da humanidade, como  é dever desta, considerada no seu todo, a sua tutela. Este verdadeiro “Espaço Shengen” de resíduos no sei da União europeia é a perfeita expressão dos nossos considerandos. Apesar de a tutela do Ambiente poder lucrar com a sua individualização enquanto direito subjectivo, só um esforço concertado de vários sujeitos terá o condão de o fazer respeitar e exercer. Determinados Estados-Membros poderão não ter condições materiais ou técnicas para valorar e reciclar determinado conjunto de resíduos, devido nomeadamente á natureza destes. Tal facto não os faz desonerar da obrigação de o fazerem, já que o interesse comum, da humanidade, se sobrepõe. Considere-se nomeadamente o caso hipotético de que Portugal não dispõe de recursos para reciclar determinado metal, enquanto que o mesmo não se passa vamos supor que na Grécia. Deste modo, nada obsta a que os resíduos mesmo que tenham sido produzidos em Portugal, transitem em espaço europeu para a Grécia, onde serão valorados e reciclados.




V.                  Princípios Fundamentais do direito dos Resíduos


O conceito legal de resíduo consagrado no Direito Português resultou de uma transposição quase que ipsis verbis do Direito Europeu, mais concretamente da Directiva quadro dos resíduos. Conforme decalcado no artigo 3º.u) da Lei dos Resíduos, um resíduo è “qualquer substância ou objecto de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer, nomeadamente os identificados na Lista Europeia de Resíduos”.
Esta Lista Europeia de Resíduos  foi aprovada pela Decisão Da Comissão Europeia n. 2000/532/CE, de 3 de Maio, tendo sido alterada pelas Decisões da Comissão n.º 2001/118/CE, de 16 de Janeiro, n.º 2001/119/CE, de 22 de janeiro e n.º 2001/573/CE, do Conselho de 23 de Julho. Trata-se de uma lista harmonizada de mais de quinhentas categorias e subcategorias de resíduos, através da qual é atribuído um número de código a cada tipo de objecto ou substância. O alcance da LER é limitado por esta mesma, ao considerar que “a inclusão de uma determinada matéria na lista não significa que essa matéria constitua um resíduo em todas as situações”. Na verdade, a matéria só será um resíduo quando preencher os requisitos da definição legal. No seguimento do que anteriormente tivemos oportunidade de afirmar, um resíduo só se transforma em tal, a partir do momento em que o seu detentor tenha a intenção de se desfazer dele e o faça.

Para melhor perceber os aspectos particulares do regime jurídico em causa, seguiremos com a apresentação dos princípios estruturantes deste Direito.

·          Princípio da Precaução: Não cabe nesta obra expor o conteúdo deste princípio à luz do Direito do Ambiente, mas antes do Direito dos resíduos. Logicamente que em matéria de gestão de resíduos, estamos perante uma operação que envolve riscos para a saúde pública, especialmente no caso de resíduos radioactivos, cujos níveis de risco ultrapassam os de qualquer outra espécie de resíduo. A Lei dos Resíduos prevê a possibilidade de serem decretadas medidas cautelares, em caso de emergência ou perigo grave para a saúde pública ou para o ambiente, no seu artigo 72º, de onde se depreende que não se cinge ao tratamento de resíduos excepcionalmente perigosos. Daqui[12] se retira a natureza precaucional do Direito dos Resíduos, ao permitir a adopção de medidas antecipatórias e, nomeadamente a suspensão da operação, antes da existência de provas de cariz científico que concretamente indiquem a existência de danos ambientais.

·          Princípio da Prevenção: no âmbito do Direito dos Resíduos, o princípio da prevenção assume duas feições, sendo elas a prevenção de resíduos e a prevenção de danos por estes causados[13]. No tocante à prevenção de resíduos, a regulação estadual surge no sentido de aprovar mecanismos que incentivem a produção o mais limpa possível, prolongando no tempo o uso e o tempo de vida efectivo dos produtos, importando assim uma minimização de resíduos, quer qualitativa, quer quantitativa. Quanto à prevenção de danos, esta passa pelo controlo das operações de gestão, sendo estas alvo de uma regulamentação tanto metódica quanto precisa, visando acautelar danos para a saúde pública e para o Ambiente

·          Princípio do Poluidor Pagador: o princípio do poluidor pagador tem reflexos tanto na gestão profissional como na gestão não profissional dos resíduos. Alexandra Aragão[14] afirma que o princípio da responsabilidade presente no artigo 5º mais não é do que o principio do poluidor pagador. O que a lei prevê não é, verdade seja dita, nem a sanção de crimes ou contra-ordenações ambientais ligadas aos resíduos, nem a reparação de eventuais danos ambientais provocados pelos resíduos, pelo que não se trata de responsabilidade em sentido próprio. Tudo aponta, deste modo, que o que o legislador quis indicar foi que a gestão de resíduos deve ficar a cargo de um operador económico definido. O responsável pelos resíduos é que deve suportar economicamente os seus custos sociais e ambientais. A responsabilidade pela gestão dos resíduos caberá em primeira instância ao seu produtor.

·          Princípio do Planeamento: uma gestão de resíduos devidamente antecipada por estratégias de gestão e mesmo metas a longo prazo sairá com certeza reforçada na sua eficácia, assim como irá muito provalemente de encontro aos objectivos traçados. A previsibilidade do processo garante uma correta gestão dos resíduos.

Após o surgimento dos resíduos, que na sequência de actos de produção, que na sequência de actos de consumo, dá-se início à sua gestão, configurando esta o conjunto de operações necessárias para a destruição ou acondicionamento dos resíduos. Na maioria dos casos, o produtor não disporá de uma instalação própria e devidamente licenciada para eliminação e valorização dos resíduos. Assim, não tendo o produtor essa capacidade de gestão, ou no limite não ter interesse em desenvolvê-la, essa gestão é legalmente transferida para um terceiro.


VI.                Gestão de Resíduos

Analisando as operações de gestão previstas na lei, é possível separá-las em duas macro-categorias. As operações de gestão intermédia e as operações de gestão finais. As operações intermédias são a armazenagem, a recolha, o transporte, a triagem e o tratamento. Já as operações de gestão final reconduzem-se à valorização dos resíduos ou à eliminação destes. Vejamos cada uma das situações enunciadas separadamente.

Gestão Intermédia

·          Triagem: consiste em separar os resíduos mediante processos manuais ou mecânicos, sem alteração das suas características, com vista à valorização ou a outras operações de gestão.

·          Transporte: o transporte de resíduos em território nacional varia consuante o grau de perigosidade dos resíduos, consoante o meio de transporte e consoante o tipo de resíduo em causa.

Gestão Final

·          Deposição em aterro: trata-se da solução mais corrente em Portugal, regulada pelo Decreto-Lei n. 183/2009, de 10 de Agosto. Os aterros são instalações de deposição permanente ou por tempo indeterminado dos resíduos, sendo que os seus efeitos far-se-ão sentir nas águas, solos e atmosfera, ás quais se junta a oneração do solo nacional.

·          Inceneração: o regime da inceneração é algo paradoxal na medida em que faz depender da natureza dos resíduos a incinerar a “actuação” de um verdadeiro controlo. Oscila entre os mais apertados controlos ambientais existentes no ordenamento jurídico português e o estar praticamente isenta de qualquer tipo de controlo. Se se trataqr de inceneração de resíduos perigosos, a instalação em causa pode, nomeadamente cair no âmbito de um processo de avaliação de impacto ambiental. Se, pelo contrário, se tratar de operações de inceneração de biomassa (florestais ou agrículas) não é necessário qualquer tipo de licenciamento. A inceneração abrange processos iminentemente térmicos, como serão a combustão a pirólise ou a gaseificação.




VII.              Em Especial, o caso da co-inceneração


Para que o leitor possa mais facilmente visualizar as questões que nesta modalidade de tratamento de resíduos se colocam principiaremos por descrever sumariamente o processo.

Contrariamente ao que acontece com a queima numa incineradora própria para a queima de resíduos (vulgarmente designada de incineradora dedicada), a co-inceneração numa cimenteira é um processo bastante semelhante ao processo genérico de produção de cimento. O mesmo é dizer que a descriçãoi do funcionamento normal de um forno de cimento espelha quase na totalidade o modo de operação de um processo de co-inceneração numa cimenteira.

O cimento é uma material existente na forma de pó fino, que tem origem na mistura de clinquer com outras substâncias, nomeadamente o gesso ou escórias siliciosas. As proporções de uma e outra rocha variam consoante o tipo de cimento que o seu “produtor” procure obter, já que as mesmas fazem variar as características fisícas e as propriedades de aplicação do cimento. O cimento dito “normal” é formado por aproximadamente 96% de clinquer e 45 de gesso. O primeiro, principal parte constituinte do cimento, é produzido mediante um processo de transformação térmica, a elevada temperatura e em fornos apropriados. Nestes mesmos fornos leva-se a cabo uma mistura de uma mescla de rochas que contêm aproximadamente 80% de carbonato de cálcio, 15% de dióxido de silício, 3% de óxido de alumínio e quantidades virtualmente irrisórias de ferro e enxofre.

Existem dois tipos principais de instalações de produção de clinquer. Por via húmida e por via seca. Enquanto que nas unidades de via húmida, a matéria-prima é moída juntamente com água, os fornos por via seca não usam água para moer a matéria-prima.

Tanto numa como noutra modalidade, o processo requer a utilização de elevadíssima energia térmica que, como adiante veremos, originam problemas de emissão de gases poluentes. Uma unidade de produção de cimento origina um conjunto de efluentes para o ambiente de natureza ao que tudo indica bem menos nociva do que se possa pensar.

Os processos de co-inceneração e de inceneração dedicada são os únicos que, de modo generalizado, são utilizados à escala global para a destruição térmica de resíduos industriais perigosos. A existência dos dois tipos de solução é uma demonstração ao que tudo indica cabal de que nenhuma das duas alternativas tem sobre a outra vantagens claras.









[1] MARIA GARCIA, in “ O lugar do Direito na protecção do ambiente”, Almedina 2007
[2] Cfr “o Direito e a Ciência”, AAFDl 2009, pág 13
[3] Vasco Pereira da Silva, “Em busca do Acto Administrativo Perdido”
[4] Carla Amado Gomes desenvolve este mesmo tema, referindo-se nomeadamente á origem anglo-saxónica das MTDs e considerando, com apoio no artigo 2º/I) do DL 173/08, de 26 de Agosto, que estas traduzem “o compromisso entre o imperativo de antecipação de riscos e a necessidade de manter um determinado nível de crescimento económico, sobretudo no plano do desenvolvimento industrial. “Direito Administrativo do Ambiente”.
[5] “Raras são as formas de produzir inocentes face ao ambiente e, por conseguinte, face ao Homem”, Cf. Michel Bachelet,  Ingerência ecológica – Direito ambiental em questão, Instituto Piaget 1995
[6] VASCO PEREIRA DA SILVA, in “Verde, cor de Direito”, Almedina 2002
[7] J.J. Gomes Canotilho, “Jurisdização da ecologia ou ecologização do Direito”, in RJUA, 1995, n.º4
[8] José Alberto Vieira, “Direitos Reais”, Coimbra 2008
[9] J.J. Gomes Canotilho considera, a propósito da Responsabilidade por Danos Ambientais que o Direito civil se trata como que de um refúgio do Direito do ambiente, assumindo um carácter subsidiário nas construção do regime da responsabilidade. Afirma o Professor “constituiria , a nosso ver um erro graves desprezar as potencialidades da tutela civilística do Ambiente. Mesmo perante textos como o do nosso código Civil, proprietisticamente centrado e industrialisticamente sensibilizado (…) é possível bater nos enunciados semânticos (…) e descobrir neles inusitadas virtualidades ecológicas”, in “Actos Autorizativos Jurídico-Públicos e Responsabilidade por Danos Ambientais”, Boletim da Universidade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXIX, 1993
[10] “As necessidades, as apetências e os fins prosseguidos pelas pessoas carecem de meios para poderem ser satisfeitos, realizados ou alcançados. Os bens são os meios, são tudo aquilo que não seja pessoa e que tiver uma utilidade, isto é, que for apto a satisfazer uma necessidade, a realizar uma apetência ou a alcançar um fim”, Pedro Pais Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, Almedina 2007
[11] Sebastião Formosinho et al, in “Parecer Relativo ao Tratamento de Resíduos Industriais Perigosos”, Principia 2000
[12] Artigo 72º da Lei dos Resíduos: “Medidas cautelares: 1- Os membros do Governo responsáveis pelas áreas do ambiente e da saúde podem, por despacho e em caso de emergência ou perigo grave para a saúde pública ou para o ambiente, adoptar medidas cautelares adequadas, nomeadamente a suspensão de qualquer operação de gestão de resíduos. 2- As medidas cautelares caducam se não for tomada uma decisão definitiva sobre a situação jurídica em causa no prazo de seis meses, prorrogável uma única vez por igual período”
[13] Estas duas acepções são abordadas conjuntamente no artigo 6º da Lei dos resíduos
[14] “Direito Administrativo dos Resíduos”, Almedina 2007

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