TRIBUNAL
ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA
Processo N.º 13
Exmo. Sr.
Juiz de Direito
Do Tribunal
Administrativo de Círculo de Lisboa,
A Sociedade Lislixo, S.A., NIPC 123 123
123, com sede na Rua Patrocínio, Nº 111, 2715-311, Lisboa,
Em coligação
com,
A Associação Ambientalista Verdetotal, NIPC
987 987 987, com sede na Rua Monte Olivete, Nº 35, 1200-278, Lisboa,
Na acção
administrativa comum movida contra,
O Município de Lisboa, Paços do Concelho
– Praça do Município, 1149 – 014, Lisboa,
Vem deduzir RÉPLICA, o que faz nos termos do Art.
502º, nº 1 do Código de Processo Civil, ex
vi do Art. 42º, nº 1 do Código de Procedimento dos Tribunais
Administrativos, e com os seguintes fundamentos:
I-
DA EXCEPÇÃO
a) Da impugnação do contrato de concessão
1º
Nos
articulados 4.º a 6.º da douta contestação vem o Réu impugnar o contrato
apresentado pelo autor na petição inicial;
2º
Com
fundamento numa invalidade verificada por a entidade pública não ser o primeiro
outorgante no contrato;
3º
Não
existindo base legal que fundamente este facto ou ainda menos que o comine com
uma sanção jurídica que permita a alteração ao contrato, não percebe o Autor
como uma mera irregularidade poderia dar lugar à invalidação do contrato.
4º
Ademais,
mesmo que se considerasse o contrato inválido por força da colocação do
outorgante público em segundo lugar, tal nunca poderia fundamentar uma
regularização em que houvesse lugar à inserção de uma nova cláusula contratual;
5º
Cláusula
esta que é a única que apoia o pedido reconvencional deduzido pelo Réu;
6º
Desta
forma, o contrato efectivamente celebrado pelas partes é o contrato que consta
como anexo da petição inicial com a correcção de o outorgante público aparecer
como primeiro outorgante e não o contrato com a nova cláusula que o Réu, em
plena litigância de má-fé, lhe quis inserir;
b)
Da veracidade das tabelas invocadas pelo A.
7º
No
artigo 10.º da douta contestação, o Réu impugna a veracidade das tabelas
anexadas à petição inicial que comprovam a diminuição da quantidade de resíduos
recolhidos e dos lucros da sociedade Lislixo, S.A.;
8º
Afirmando
num tom claramente irónico que “até um leigo em computadores conseguia fazer
uma tabela do género”;
9º
Na
verdade, estas tabelas foram efectuadas por leigos em computadores mas especialistas
em contabilidade, com os quais a sociedade Lislixo, S.A. colabora [doc. Anexo 1];
c)
Da localização das imagens apresentadas
pelo A.
10º
Vem
igualmente, numa continuada atitude de litigância de má-fé, no articulado 16.º
da douta contestação, o Réu afirmar que não se percebe se as imagens
apresentadas são da cidade de Lisboa e não da Região Autónoma dos Açores;
11º
As
fotos apresentadas pelo Autor são aquelas em que se verifica uma maior
acumulação de resíduos;
12º
No entanto,
vem o Autor apresentar novas fotografias a juízo, as quais são tiradas
indubitavelmente, na cidade de Lisboa [doc.
Anexo 2];
d) Do carácter
unitário da retribuição da Concessionária
13º
O R. invoca,
no articulado 12º da sua contestação, que a retribuição pelo serviço
concessionado é fixa, nos termos da cláusula 19º do contrato de concessão.
14º
Ora, sendo
que esta cláusula foi adicionada pelo R. numa suposta regularização (a que
aludimos supra) e a qual não consideramos
válida, não pode esta ser atendida para efeitos de determinação da remuneração.
15º
Acresce que,
sendo que o objecto do contrato passa pela gestão dos resíduos pela entidade
concessionária, cabe a esta determinar a forma como esta gestão será feita.
16º
Deste modo,
apesar de não estar contratualmente estipulado o modo de gestão dos resíduos, a
mesma é feita com o tratamento dos resíduos e posterior venda dos resíduos
tratados.
17º
É destas vendas
que advêm os principais lucros do A..
Foi aliás, com base nestes lucros que foi celebrado o contrato de
concessão.
18º
Relembramos,
aliás, que inerente ao próprio conceito de concessão está a assumpção de risco
pelas partes. Sem a variabibilidade da remuneração esta alia estaria em causa, e descaracterizaria-se a concessão.
e) Do conceito
de exclusividade
19º
Face às
considerações do R. no ponto 13º da
Contestação cumpre relembrar as afirmações da A. na Petição Inicial.
20º
Assim, no
ponto 19 da referida Petição, temos que: “Tais
perdas colocam a empresa numa situação bastante débil, uma vez que a sua
situação económico-financeira depende única e exclusivamente do contrato
celebrado com o Município de Lisboa, o seu único “cliente””.
21º
A A. refere
assim que o Município de Lisboa se assume como seu único cliente, não em função
do conceito de contrato de exclusividade entre com o mesmo celebrado, mas em
função da actividade exercida pela A., a qual não é objecto de elevada procura
na área de Lisboa (compreensivelmente…), onde a desenvolve.
22º
Não foi, por
isso, por referência ao contrato em
regime de exclusividade celebrado com o Município que a A. fez tais afirmações,
até porque deste decorre , tão-somente, “a
obrigação para o concedente de não consentir a mais ninguém o exercício da
actividade que haja objecto da concessão” (Vd., a este propósito, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol. II, 10ª edição, 1980, p.
1121)
f) Da legitimidade do Município para estar em juízo
23º
O R. alegam nos
articulados 23º a 26º da contestação que o Município de Lisboa só será parte
legítima no respectivo processo por força do nº 2 do artigo 10º do CPTA. Ora,
como decerto é do conhecimento do R., a regra do nº2 do art. 10º vem
concretizar a regra geral no nº1, não fundamentando um critério autónomo
de aferição da legitimidade.
24º
A A.
limitou-se, sim, a enunciar os factos (a situação de o Município ser o seu
único cliente), como elemento argumentativo para a causalidade entre os furtos
ocorridos e a débil situação financeira da Sociedade.
g)
Do incumprimento contratual e da reconvenção
25º
O R., nos
pontos 43º a 49º da Contestação, afirma que a A. incumpriu os seus deveres
contratuais, visto que “era
obrigação da concessionária adoptar as medidas necessárias, no âmbito da
concessão, que colocassem termo à situação fáctica descrita” (ponto 44º).
26º
Como
referido supra, o contrato que regula
a relação contratual entre a A. e o Município não é o alegado pelo R., não
existindo nenhum dever contratual que o imponha à A.
27º
Mais, os
deveres de fiscalização por parte do Município derivam da lei, como referido na
Petição Inicial apresentada pela A. neste Tribunal (cfr. pontos 47º a 62º),
sendo desnecessária a sua previsão no contrato.
28º
Nem se
percebe o apelo à citação de PEDRO GONÇALVES, “A entidade pública
contratante não pode exigir prestações contratuais desproporcionadas ou que não
tenham uma relação directa com o objecto do contrato (Cfr. Pedro Gonçalves apud
Carla Amado Gomes, Risco e Modificação do Acto Autorizativo Concretizador de
Deveres de Protecção do Ambiente, FDUL, 2006, p. 774)”, visto que esta, a ter
alguma relevância, seria a favor da argumentação da A..
29º
Na verdade,
o R. exige uma prestação contratualmente desproporcionada, que nem sequer está prevista no contrato e não tem nenhuma relação
com o seu objecto.
30º
Desta forma,
os deveres de fiscalização da actividade continuam a pertencer ao Município.
31º
Nesta
medida, não consideramos procedente o pedido de indemnização formulado pelo R.
(ponto 55º da Contestação), visto que não impendem sobre a A. quaisquers
deveres contratuais que possam ser violados, logo a mesma não pode ser
responsabilizada pela sua violação.
32º
De seguida
(pontos 50º a 56º), o R. afirma que perdeu o interesse na prestação, visto que:
1) há omissão de deveres contratuais; 2) a não recolha por parte da A. dos
resíduos conforme o estipulado cria perigos para o ambiente; 3) a renumeração
é, agora, manifestamente desproporcionada, tendo o Município resolvido o
contrato com base no art. 333º/1, alínea a) do CCP. Vejamos com atenção estes
argumentos.
33º
Na execução
dos contratos administrativos não só estão em causa meros interesses privados,
mas também o interesse público. Mesmo quando a Administração Pública escolhe a
forma de contrato administrativo para actuar, não deixa de existir uma
prossecução do interesse público: um “interesse
público contratualizado”.
34º
Deste modo,
a lógica do pacto não pode ser incondicional, i.e., não pode haver uma absoluta paridade das partes, sendo por
isso imperativa a manutenção de certos poderes de autoridade pelo contraente
público.
35º
Justifica-se,
portanto, que a Administração possa adoptar actos administrativos na fase de
execução do contrato (os chamados actos administrativos contratuais), pois “a actuação por acto administrativo deve
existir (e estar legalmente prevista) para assegurar a permanente e eficaz
disponibilidade administrativa do interesse público contratualizado (…)” (RODRIGO
ESTEVES DE OLIVEIRA, “O acto administrativo contratual”, CJA, 63, 2007, p. 16-17).
36º
A resolução
consubstancia “uma forma de extinção da relação contratual, por
declaração unilateral de um dos contraentes, baseada num fundamento ocorrido
posteriormente à celebração do contrato” (MENEZES LEITÃO, Direito
das Obrigações, II, 7ª edição, 2010, pp. 104-105).
37º
Nos termos
do artigo 307º/2-d) do Código dos Contratos Públicos (adiante: CCP) a resolução
unilateral é feita pela adopção, por parte da Administração, do respectivo acto
administrativo.
38º
Este acto
administrativo contratual carece (na linha do que sucede no regime da resolução
no direito civil), portanto, de fundamento legal ou contratual. No que concerne
à lei, vem o CCP, nos artigos 302º/e) e 307º/2-d) admitir tal possibilidade,
ainda que limitada a três fundamentos: situações de incumprimento, de alteração
das circunstâncias ou de interesse público (333º a 335º CCP).
39º
Em primeiro
lugar, o R. alega, tão-só, a existência
de um acto administrativo de resolução do contrato, sem fornecer qualquer prova
do mesmo (cfr. ponto 56º da Contestação).
40º
Em segundo
lugar, parece-nos que o R. não está a par do regime dos vários tipos de
resolução de contratos administrativos. De facto, o R. invoca a favor da
resolução sancionatória que “a forma de remuneração estabelecida ficar agora
injustificada e manifestamente desproporcionada, havendo razões
económico-financeiras e de interesse público que desaconselham a manutenção do
contrato dado a inexistência, nos termos acordados, da contraprestação
contratualizada” (ponto 53º).
41º
Ora, o facto
da renumeração ser desproporcional à contraprestação nunca poderia justificar
uma resolução sancionatória, mas apenas uma resolução por alteração das circunstâncias,
visto que o desiquilíbrio contratual não pode ter como pressuposto a violação
de deveres contratuais.
42º
Mas, mesmo
que o R. alegasse a resolução por alteração das circunstâncias, o argumento não
procederia, visto que o equilíbrio
contratual se mantém desde o início do contrato. Um incumprimento do
contrato (o qual não se verifica, in casu)
não é fundamento que ponha em causa o equilíbrio contratual, o que apenas
sucederia por força de um facto externo às partes.
43º
A favor disto, vejam-se as considerações tecidas por CARLA AMADO
GOMES: “A alteração das circunstâncias (…) deriva de uma causa objectiva, externa às partes, imprevisível, que
torna a manutenção da relação contratual insustentável
nos termos inicialmente previstos devido à excessiva onerosidade que provoca para o adjudicatário” (“A conformação da relação contratual no Código dos Contratos
Públicos”, 2008, p. 16).
44º
Ademais, são
invocadas “razões de interesse público” como fundamento da resolução
sancionatória, as quais poderão justificar uma resolução por interesse público,
mas nunca a resolução que o R. alega ter
realizado.
45º
De facto, a
invocação de MENEZES CORDEIRO a favor da sua posição não pode ser aceite, visto
que quando refere que “a sujeição a um
interesse público opera como justificação para que uma das partes possa,
unilateralmente, introduzir modificações no contrato” (Cfr. MENEZES
CORDEIRO, “Contratos públicos: subsídios para a dogmática administrativa com
exemplo no princípio do equilíbrio financeiro”, in O Direito, 2, 2007, pp. 47-48), o A. refere-se à modificação do
contrato e não à sua resolução, e, além disso, afirma-o considerando como fundamento
dessa modificação o interesse público e não a violação de deveres contratuais.
46º
Contudo, mesmo a resolução por interesse público não seria, in casu, admissível. O fundamento da possibilidade de
resolução por interesse público passa pela necessidade de “evitar males
maiores do que os já produzidos pela dificuldade ou impossibilidade de
cumprimento do pactuado” (MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, I, 10ª edição, 1980, pp.
637-638).
47º
O
interesse público, «há-de, em primeiro lugar, tratar-se naturalmente de
casos imperiosos, seja pela dimensão dos eventos, seja pela importância do
interesse público envolvido, não podendo servir como tal nem o comportamento do
contratante particular, nem as desvantagens económicas (para a Administração)
do contrato». (PEDRO GONÇALVES, O
Contrato Administrativo, 2003, p. 133).
48º
Esta
passagem de PEDRO GONÇALVES demonstra bem que não poderia existir fundamento
para a resolução por interesse público, visto que o R. alega que o “hipotético
interesse público” deriva da falta do cumprimento dos deveres contratuais por
parte da A., deveres estes que são inexistentes!
49º
No que
concerne à resolução por incumprimento, é preciso realçar que “incumbe ao co-contratante a exacta e pontual
execução das prestações contratuais” (art. 288º CCP).
50º
Em
princípio, “(…) a resolução fundada em
incumprimento do contrato pressupõe um incumprimento definitivo, o qual, em
regra, só se alcança após a notificação do co-contratante para cumprir”.
(PEDRO GONÇALVES, Cumprimento e Incumprimento do Contrato Administrativo,
Estudos de Contratação Pública, I, 2008, p. 608-609).
51º
Mas, para
além da regra geral, é verdade que se pode alcançar o incumprimento definitivo
sem a respectiva interpelação, nomeadamente quando o credor perde o interesse
na prestação ou quando esta se torna impossível, sendo este o fundamento
invocado pelo R. para a respectiva resolução.
52º
No caso
concreto, é impossível sustentar a perda de interesse na prestação por parte do
R.. Para que tal sucedesse, seria necessário que a prestação não mais
satisfizesse o interesse do credor, i.e.,
que este já não retirasse nenhuma utilidade da mesma.
53º
Assim, fica
por demonstrar que o R. deixou de necessitar da prestação da A.. De facto, o
alegado incumprimento contratual não é fundamento bastante, in casu, para sustentar uma perda de
interesse por parte do credor, visto que este continuará a necessitar sempre de
uma entidade que exerça a actividade de gestão de resíduos.
54º
Desta forma,
não procede a argumentação relativa à perda do interesse na prestação.
h) Do perito
55º
No que
concerne ao argumento deduzido no articulado 54º da sua contestação, pensamos
que o mesmo só pode ser expressão de um grande equívoco por parte do R.. De
facto, não vemos como tal conclusão possa advir da interpretação do artigo 390º
do Código das Sociedades Comerciais.
56º
De qualquer
forma, não encontramos qualquer base legal que fundamente a posição arguida
nesse articulado, pelo que a mesma não pode proceder.
57º
II – DO PEDIDO:
1) Considera-se
improcedente
o pedido de indemnização formulado pelo R., pelos fundamentos acima indicados
(pontos 25 a 31);
2) Assim
também, temos por improcedente a argumentação deduzida em favor da resolução do
contrato em causa, dado que a mesma não existe (pontos 32 a 53).
P.
D.
Lisboa,
14 de Maio de 2013
O
Advogado.
Daniel
Bogalheiro
Diana
Nunes
Inês
Mateus
Isabel
Ferreira
João
Maltez
Marisa
Silva
Miguel
Vieira
Luís
Aragão
Patrícia
Domingos
Vera
Martins
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