quinta-feira, 16 de maio de 2013

A POLUIÇÃO SONORA – O DIREITO DE COMBATE AO RUÍDO


            A poluição sonora é hoje em dia um dos problemas mais preocupantes que se vive no planeta Terra, sendo também considerado um problema social.
            Mas afinal o que é a poluição sonora? Importa aprofundar esta questão ao máximo.
            O ruído ou poluição sonora é um estímulo sonoro que não só não tem qualquer conteúdo informado para quem o sofre como lhe é desagradável ou até mesmo, o traumatiza. O ruído é um dos principais factores de degradação da qualidade de vida no meio urbano, dada a sua especial exposição, frequência e intensidade. Por isso, representa um elemento importante a considerar no contexto da saúde ambiental e ocupacional das populações.
            Uma outra definição é a de que a poluição sonora se refere ao efeito danoso provocado por sons em determinado volume que supera os níveis considerados normais para os seres humanos. Diferentemente de outras fontes de poluição, a poluição sonora não deixa qualquer resíduo, possui um menor raio de acção, não é transportada através de fontes naturais e é percebida apenas por num sentido – a audição. Talvez por isto ainda haja muitos que subestimam os seus efeitos, ainda que ela possa trazer graves danos à saúde humana e de outros animais e obviamente, à saúde ambiental.
A poluição sonora é considerada uma das formas mais recentes de poluição porque está fortemente relacionada a grande concentração de pessoas, indústrias, veículos, meios de comunicação e outos ruídos integrantes dos grandes centros urbanos.
Geralmente estes sons são sons que se tornam insuportáveis, passando a ser considerados como ruído perturbador. Tudo isto se prende muito com a evolução da sociedade em que vivemos, as empresas têm aumentado, as construções também têm aumentado, entre muitos outros tipos de desenvolvimento. Assim, a poluição sonora faz-se sentir com mais intensidade nas grandes cidades, onde se encontra a maior intensidade populacional.
Mas sucede que, pelo facto de a poluição sonora ser um tipo de poluição que é impossível constatar através da visão, passa muitas vezes despercebida ou então as pessoas acabam por se acostumar a ela.
Com esta breve introdução ficou claro que há muito a dizer acerca do que é a poluição sonora, dos problemas ou consequências que advêm tanto para a saúde humana como para a saúde ambiental, que medidas de prevenção existem para a combater, que legislação existe actualmente em Portugal e o que diz a jurisprudência acerca deste assunto. Com o a seguir exposto procura responder-se a todas estas questões. 
 

OS FACTOS

A poluição sonora, nos países altamente industrializados, com um enorme volume de tráfego, é considerada como uma das maiores fontes da perda da qualidade de vida das sociedades.
Não se podem subestimar as consequências que um nível de poluição sonora consideravelmente e continuamente elevado traz para a saúde do ser humano e do meio ambiente. Já ficou comprovada a existência de valores mais elevados de tensão arterial em habitantes que residem em vias com um tráfego mais intenso. Tal facto fica explicitado quando existe uma comparação entre as perturbações causadas pela poluição sonora no local de trabalho e no local da residência.
Existem muitos estudos, nomeadamente da OCDE, assim como de outros organismos da União Europeia, que constatam quantos milhões de habitantes dos países membros da OCDE e da União Europeia se encontram expostos a um ruído elevado prejudicial à sua saúde. Os vários estudos foram realizados em distintas cidades europeias com grande tráfego rodoviário e foi possível obter alguns resultados bem ilustrativos daquilo a que as pessoas se encontram sujeitas - um número significativo de cidadãos sente-se gravemente afectado.
Há inúmeras fontes de ruído - que cada vez mais vão aumentando em virtude do aumento do volume de tráfego dos vários meios de transporte. São fontes de ruído o tráfego rodoviário – ligeiro e de mercadorias -, aéreo, marítimo, ferroviário, obras de construção civil, entre outras.
É pertinente distinguir os dois elementos que compõem o universo sonoro – em que consiste o som e em que consiste o ruído. O som é produzido por qualquer alteração de pressão no ar, daí estarmos sempre ou quase sempre em contacto directo ou indirecto com o som. O som pode ser produzido pelo ambiente que nos rodeia ou por nós próprios. O ruído é, em termos genéricos, um som indesejável, incomodativo, um som que constitui um obstáculo à concentração e comunicação. Este é um dos maiores problemas ambientais que o mundo atravessa e que, tal como já foi aqui dito, se deve à proliferação de indústrias e estabelecimentos comerciais, de actividades de lazer ruidosas e ao enorme tráfego que se faz sentir nas grandes cidades, principalmente.
Por isto, e porque o homem é um ser capaz de gerar e controlar sons e ruídos a níveis altos e perturbadores, tornou-se também imperativa a regulamentação das suas emissões. Assim, o ruído e a decorrente poluição sonora são hoje objecto de especial atenção por parte do legislador – conforme adiante se explanará.
A unidade de medida da intensidade do som é o Decibel (dB). A escala que se segue consiste numa escala logarítmica em que se considera a unidade (1dB) como o valor correspondente ao som mais baixo que o ouvido humano consegue detectar. Por isso, 10 dB correspondem, a um som 10 vezes mais intenso que 1 dB, 20 dB são 100 vezes mais intenso, 30 dB são 1000 vezes mais intenso, 40 dB são 10000 mais intenso e assim sucessivamente.


ORIGEM DO SOM
INTENSIDADE DO SOM (dB)
Aragem nas folhas de uma árvore
10
Conversa numa sala de estar
60
Escritório comercial
65
Rua movimentada
80
Tráfego urbano em hora de ponta
90
Cortador de relva
90
Martelo pneumático
100
Buzina de carro
110
Concerto de rock
120
Avião a baixa altitude
130
Fogos-de-artifício
140
 

            Sabendo que o ouvido pode sofrer lesões a partir dos 85 dB e que 120 dB corresponde ao limiar da dor, verificamos que qualquer habitante de uma cidade média ou grande dimensão está diariamente exposto a agressões múltiplas com consequências que poderão ser irreversíveis.
            Os efeitos nefastos não dependem apenas do tipo de ruído e da sua intensidade, dependem também da sua duração e das características da própria pessoa sujeita à poluição sonora.
            Tecnicamente, não só o ruído como qualquer som, quer tenha significado, quer tenha mensagem ou não, possui uma determinável quantidade de energia que pode ser proveniente de processos ou actividades e que se propaga no ambiente em forma de ondas, desde a fonte produtora até ao ouvido do receptor a uma determinada velocidade – variando a sua intensidade e pressão na dependência da distância e do meio físico que estiver em causa.
 

AS CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE HUMANA E AMBIETAL ADVENIENTES DA POLUIÇÃO SONORA

As consequências maiores da poluição sonora consistem na diminuição da qualidade de vida e da qualidade habitacional – levando, por sua vez, a repercussões ao nível da saúde. Pessoas que ficam muito tempo expostas as grandes ruídos e sons desagradáveis e degradantes são vitimadas por sérios problemas de saúde como perda de audição, interferência na comunicação e no sono, dores de cabeça e no corpo, distúrbios sexuais associados ao stress, dificuldade na execução de tarefas, interferência na aprendizagem, efeitos fisiológicos como hipertensão, taquicardia, arritmia, ou simplesmente desassossego. Ficam, assim, de certa forma afectados os sistemas nervoso e cardiovascular.
Para além dos efeitos nefastos na saúde, directa ou indirectamente, a poluição sonora pode também trazer efeitos sócio culturais, estéticos e económicos, assim como afectar de forma adversa as gerações futuras.
 

MODOS DE PREVENÇÃO

            A prevenção e controlo da produção da poluição sonora estão a cargo das diversas entidades públicas em diferentes níveis e com recurso a instrumentos jurídicos variados. Estas intervenções não são dependentes uma da outra, mas a falta da acção de uma delas favorece a produção de poluição sonora. O Estado pode intervir através do poder legislativo ou do poder administrativo, nomeadamente através de leis quanto ao poder legislativo e através de regulamentos, contratos ou actos administrativos quanto ao exercício do poder administrativo.
            As principais medidas de prevenção dos efeitos da poluição sonora se configura, num primeiro momento – a curto prazo, na imediata redução do ruído e demais sons poluentes na própria fonte emissora do ruído. Pode reduzir-se o modo de exposição, neutralizando o risco dessa mesma exposição com protecção adequada (em geral, com o uso de protectores auriculares), ou evitar a ida ou estada em locais públicos com sons muito elevados e intensos. A longo prazo, a prevenção passa pela educação das populações a fim de todos terem consciência dos danos causados na vida numa sociedade onde o barulho é gerado de forma indiscriminada.
            Este é um problema reversível, em certa medida, através destas e de outras medidas de prevenção – é possível evitá-lo.
 

QUE LEGISLAÇÃO EXISTE ACTUALMENTE EM VIGOR EM PORTUGAL?

         Como forma de garantir a efectividade do direito à saúde dos cidadãos e o direito à saúde do ambiente, o ruído e a sua emissão são objecto de diversa legislação. Tal legislação concretiza-se sobretudo pela negativa, ou seja, no direito de os particulares não verem a sua esfera jurídica afectada.
·        Em primeiro lugar importa analisar o Decreto-Lei 292/2000, de 14 de Novembro, já actualizado pelo Decreto-Lei 9/2007, de 17 de Janeiro. O Decreto-Lei em questão aprova o Regulamento Geral do Ruído – onde se estabelece o regime geral de prevenção e controlo da poluição sonora, visando a salvaguarda da saúde humana e o bem-estar das populações (art. 1º). Aplica-se às actividades ruidosas permanentes e temporárias assim como a outras fontes de ruído que pode ser susceptível de causar incómodo (art. 2º). Algumas das suas disposições dizem respeito ao planeamento municipal (art. 6º e ss) e da regulação da produção do ruído no que diz respeito à instalação de actividades ruidosas permanentes, infra-estruturas de transportes e ruído de vizinhança (art. 11º e ss). Não podemos esquecer que há outros regimes aplicáveis de carácter técnico, vide o art. 31º do Decreto-Lei.
            Este Regulamento vem estipular, entre outras disposições: a proibição de descolagens e aterragens dos aviões nos aeroportos nacionais a partir de uma dada hora, ficando estas condicionadas entre as 24 e as 6 horas, devendo também os aeroportos implementar medidas para a minimização do ruído (art. 2º/1, e) e 20º; os alarmes contra roubo dos automóveis têm se ter um sistema de controlo de modo a não funcionarem mais de 20 minutos, caso contrário podem ser removidos da via pública (art. 2º/1 g) e 23º); entre muitas outras medidas.
            Portanto, o exercício de actividades ruidosas de carácter temporário ou definitivo nas proximidades de edifícios de habitação (entre as 20h e as 8h nos dias úteis e nos dias feriados, sábados e domingos, há uma proibição total de actividades ruidosas), escolas (durante o horário de funcionamento), hospitais ou similares. Mas pode ser concedida uma licença especial de ruído, mas só mesmo em casos devidamente justificados, pelo Município ou Governo Civil.
            Este diploma estabelece assim, três tipos de zonas de prevenção contra o ruído:
                        Zonas Sensíveis são as zonas próximo das escolas, hospitais, zonas de recreio, onde o ruído só pode ir até aos 55 dB de dia e aos 45 dB durante a noite (art.3º, x));
                        Zonas Mistas – onde o ruído pode ir até aos 55 dB de noite e 65 dB de dia (art. 3º, v)).
                        Zonas Urbanas Consolidadas – a zona sensível ou mista com ocupação estável em termos de edificação (art. 3º, z)).
            As zonas sensíveis ou mistas já existentes sujeitas a níveis de ruído superiores aos agora estabelecidos devem ser objecto de planos de redução de ruído que serão de responsabilidade dos Municípios podendo estes planos ser executados de forma faseada. A classificação de zonas como zonas sensíveis implica a proibição de instalação e de exercício de actividades ruidosas de carácter permanente, sendo legítima a adopção de medidas específicas de restrições de trânsito.
            A consequência da violação dos limites do presente Regulamento constitui contra-ordenação ambiental – artigo 28º/1 e 2 consoante se trate de uma contra-ordenação leve ou grande.
·        Em segundo lugar, existe o Decreto-Lei 129/2002, de 11 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei 96/2008, de 9 de Junho. Aprova o Regulamento dos Requisitos Acústicos dos Edifícios. Está em causa a regulação da vertente do conforto acústico no âmbito do regime da edificação e tudo o que contribua para a melhoria dada qualidade do ambiente acústico e para o bem-estar e saúde das populações. As normas em presença aplicam-se a edifícios habitacionais e mistos, edifícios comerciais, industriais e de serviços, escolares, hospitalares, desportivos e de transporte, entre outros.

·        Em terceiro lugar o Decreto-Lei 146/2006, de 31 de Julho que traspõe para a ordem jurídica interna portuguesa a Directiva 2002/49/CE do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu de 25 de Junho. A Directiva em questão é relativa à avaliação e gestão do ruído ambiente. É aplicável ao ruído ambiente a que os seres humanos estão sujeitos em diversas zonas. Inclui normas que determinam a elaboração de mapas estratégicos de ruído relativos à exposição ao ruído ambiente exterior, a prestação de informação ao público sobre o ruído ambiente, os seus efeito e a aprovação de planos de acção baseados nos mapas estratégicos. O objectivo maior é a prevenção e diminuição do ruído ambiente sempre que seja possível e quando os níveis de ruído são já preocupantes. 

·        Em quarto lugar, o Decreto-lei 221/2006, de 8 de Novembro que traspõem também para a ordem jurídica a Directiva 2005/88/CE do Parlamento e do Conselho, de 14 de Dezembro, que altera a Directiva 2000/14/CE, do Parlamento e do Conselho Europeu, de 8 de Maio. A Directiva em questão estabelece regras a aplicar em matéria de emissões sonoras de equipamento para a utilização no exterior de procedimentos de avaliação de conformidade, de regras de marcação do equip0amento, de documentação técnica, de recolha de dados sobre emissões sonoras para o ambiente, com vista a contribuir para a protecção da saúde e bem-estar das pessoas, bem como para o funcionamento harmonioso do mercado desse equipamento.

·        Em quinto lugar, é também possível encontrar disposições acerca da poluição sonora na Lei de Bases do AmbienteLei 11/87, de 07 de Abril, já alterada pelo Decreto-Lei 224-A/96, de 26 de Novembro e pela Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro. A disposição mais sonante é o art. 22º da presente Lei.



JURISPRUDENCIA ACERCA DESTE TEMA

         As decisões da jurisprudência têm sido de que a produção ou emissão de ruídos, geradora de poluição sonora, lesiva de direitos individuais e colectivos pode ser encarada de três formas distintas: em primeiro lugar a do direito do ambiente, enquanto causa de evidente poluição ambiental, sendo este um direito que se encontra no texto constitucional, art. 66º CRP – que garante a todos os cidadãos um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado – e é também densificado em leia avulsas orientadas para a protecção dos interesses colectivos ou difusos; em segundo lugar existe uma clássica visão da tutela do direito de propriedade do direito propriedades no domínio das relações jurídicas reais de vizinhança, permitindo ao proprietário de um prédio opor-se a emissões provenientes de prédios vizinhos, que importem um prejuízo substancial para os ditos proprietários; por último, em terceiro lugar a poluição sonora pode ainda colidir com os direitos fundamentais de personalidade consagrados, tais como o direito à integridade física e moral e ao livre desenvolvimento da personalidade (art. 25º e 26º/1 CRP e art. 70º CCIVIL)
 

CONCLUSÃO

            Em suma, a poluição sonora pode ser definida como a emissão de ruídos que vão para além dos níveis permitidos, de forma contínua e com o passar do tempo, causando prejuízos ao bem-estar da sociedade e mais precisamente à saúde humana e ambiental.
            Já em 1910, Robert Koch alertou: “Um dia a Humanidade terá que lutar contra a poluição sonora, tal como tem que combater a cólera e a peste”. Ora, com estas palavras, o Mundo tomou consciência de que a poluição sonora iria tomar proporções gravíssimas no que diz respeito à afectação da qualidade de vida das sociedades modernas. E assim foi, a poluição sonora é um flagelo dos nossos dias e a solução passa pela tomada de consciência de que a prevenção é muito importante e pela imposição de limites em casos mais extremos.
            Importa também dizer que toda esta legislação limita e define até onde o direito do particular a não ver a sua esfera afectada pode ir, concretizando o grau de subjectividade na percepção do som me na avaliação do incómodo que pode provocar a poluição sonora.
            É importante estar atento a esta problemática, uma vez que a violação dos limites impostos pelo Regulamento Geral do Ruído constitui contra-ordenação leve ou grave, como já atrás ficou dito.
            Por isso é de relevante interesse a evolução legislativa que tem ocorrido em Portugal.



BIBLIOGRAFIA 

Silva, Vasco Pereira da, “Verde Cor de Direito”, Lições de Direito do Ambiente, 2002;
Condesso, Fernando dos Reis, “Direito do Ambiente”, Editora Almedina, 2001;
Gomes, Carla Amado, “Textos Diversos, Subsídios para a Compreensão do Direito do Ruído”;


MAFALDA INÊS MELO TRINDADE

Sem comentários:

Enviar um comentário