sexta-feira, 17 de maio de 2013

A avaliação do impacto ambiental na jurisprudência


A avaliação do impacto ambiental na jurisprudência


O que é o ambiente?
Para responder à questão suscitada é necessário ter em atenção o Decreto-Lei nº11/87 de 7 de Abril, isto é, a Lei de Bases do Ambiente, onde se define as bases da politica ambiental em Portugal de acordo com o disposto nos artigos 6º e 99º da CRP. Estão subjacentes a essa Lei os princípios específicos da prevenção, do equilíbrio, da participação, da unidade de gestão e de acção, da cooperação internacional, da procura do nível mais adequado da acção, da recuperação e da responsabilização, todos eles definidos no seu artigo 3º. No seu artigo 2º podemos ler e passo a citar na integra 1 - Todos os cidadãos têm direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, incumbindo ao Estado, por meio de organismos próprios e por apelo a iniciativas populares e comunitárias, promover a melhoria da qualidade de vida, quer individual, quer colectiva. 2 - A política de ambiente tem por fim optimizar e garantir a continuidade de utilização dos recursos naturais, qualitativa e quantitativamente, como pressuposto básico de um desenvolvimento auto-sustentado”.  Como podemos ver estes são os princípios através dos quais se baseia a politica ambiental, mas e qual é a definição de ambiente?
A definição é-nos dada pela Lei de Bases do Ambiente no seu artigo 5º/2, a) onde se lê: “ambiente é o conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações, e dos factores económicos, sociais e culturais com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do homem”.
Uma vez definido o que é o ambiente, cabe agora referir um mecanismo através do qual também se preserva o ambiente ou por outras palavras, tem como finalidade preservar o ambiente, é a chamada Avaliação do Impacto Ambiental.

Avaliação do Impacto Ambiental (AIA): considerações gerais

A AIA é nas palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva um procedimento administrativo especial que se destina a verificar as consequências ecológicas de um determinado projecto, através da ponderação das respectivas vantagens e inconvenientes que determinado projecto pode fazer repercutir no meio ambiente. Trata-se então de um meio jurídico ao serviço da realização dos fins ambientais e em particular do principio da prevenção. Uma vez que através dele se pode evitar possíveis lesões do meio ambiente ao se apreciar as repercussões ambientais, tanto presentes como futuras, de um projecto num momento prévio, ou seja, projectos para os quais a situação de referência da área de implementação ainda não sofreu impactes porque ainda não foi construído ou não está em funcionamento.
Através da AIA consegue-se dar realização aos princípios do desenvolvimento sustentável, visto que introduz um factor ambiental que obriga à analise e à contraposição dos benefícios económicos com os prejuízos ecológicos de um determinado projecto, permitindo assim apreciar a sustentabilidade ambiental de uma actividade que pode ser relevante para o desenvolvimento económico, e do aproveitamento racional dos recursos disponíveis, porque obriga à utilização de critérios de eficiência ambiental, de forma a optimizar a utilização dos recursos disponíveis, na avaliação da actividade projectada.
Assim sendo, a decisão de impacto ambiental é então um acto administrativo que produz efeitos jurídicos individuais e concretos nos termos do artigo 120º Código de Procedimento Administrativo podendo-se recorrer da decisão caso lese direitos dos particulares, por aplicação do artigo 268º/4 CRP.

Antecedentes

A preocupação com questões ligadas ao ambiente surgiu no início da década de 70 devido ao registo de vários acidentes ambientais. Como resposta, ainda no decorrer dessa década, procurou-se regulamentar essa questão de modo a que se corrigisse os danos causados ao ambiente.
Desde então assistiu-se a uma importante evolução dos estudos do impacto ambiental com o objectivo de se prevenir ou minimizar os danos que pudessem ocorrer no ambiente, e a 27 de Junho de 1985 surge a Directiva 85/337/CEE relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos no ambiente, independentemente da sua natureza. Nos termos da presente Directiva a avaliação ambiental de projectos consiste na avaliação sistemática dos efeitos previsíveis do projecto no ambiente, nomeadamente no homem, fauna, flora, solo, água, atmosfera, paisagem, factores climáticos, atendendo à interacção entre os mesmos, e ainda no património cultural, como se lê no artigo 3º da Directiva supra referida.

No ordenamento jurídico português, a primeira referência à avaliação ambiental apareceu na Lei de Bases do Ambiente (Lei nº11/87 de 7 de Abril), vejamos por exemplo o artigo 27º/1, g), que refere a “avaliação previa do impacto provocado por obras, pela construção de infra-estruturas, introdução de novas actividades tecnológicas, e de produtos susceptíveis de afectarem o ambiente e a paisagem”. Uma outra referencia à avaliação ambiental está no artigo 30º onde se determina que os projectos que podem afectar o ambiente têm de ser acompanhados de um estudo de impacto ambiental e no artigo 31º onde se estabelece o conteúdo desse estudo.
Lê-se ainda no nº2 do artigo 30º que “serão regulamentadas por lei as condições em que será efectuado o estudo do impacto ambiental”. Ora, isso só foi possível com a transposição da Directiva 85/337/CEE através do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, alterado depois pelo Decreto-Lei nº 278/97, de 8 de Outubro.
Posteriormente, o Decreto-Lei nº 69/2000, de 3 de Maio, veio revogar toda a legislação anterior, aprovando o novo regime jurídico de AIA, que transpôs para a ordem jurídica interna o conteúdo da Directiva nº 85/337/CEE, com as alterações introduzidas pela Directiva nº 97/11/CE, do Conselho, de 3 de Março de 1997.
Hoje, o regime jurídico da AIA consta do Decreto-Lei nº 69/2000 com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 197/2005, de 8 de Novembro, que transpôs parcialmente para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2003/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio.

As dificuldades na determinação do âmbito de aplicação do AIA

O artigo 1º/4 da AIA (Decreto-lei 69/2000 com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei 197/2005), acolhe o sentido dado pelo Tribunal de Justiça através da sua jurisprudência quanto aos projectos elencados no anexo II da Directiva 85/337/CEE. A margem de apreciação dos Estados-Membros para especificarem os projectos enumerados no anexo II da Directiva (supra referida) e fixarem os critérios a ter em conta, decorre da obrigação de submeter a um estudo os projectos que possam ter um “impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização” (v. artigo 2º/1 da Directiva). Assim o Tribunal fez notar em alguns dos seus acórdãos que os Estados-Membros não podem excluir global e definitivamente da obrigação de avaliação uma ou várias categorias de projectos abrangidas pelo referido anexo II.
Os Estados ficam assim obrigados a consagrar um mecanismo de verificação que tenha em conta os critérios relevantes enunciados no anexo III da Directiva (i. e. anexo V para o qual remete o referido artigo 1º/4 da AIA).
Perante as dificuldades na determinação do âmbito de aplicação da AIA o STA (Supremo Tribunal Administrativo) no acórdão sobre o caso “Túnel do Marquês” - onde estava em causa a construção de um túnel numa das principais artérias da cidade de Lisboa, tendo sido intentada uma providencia cautelar, ao abrigo da legitimidade popular, com vista a suspender as obras de construção do túnel. Uma das questões do processo era saber se o projecto que não tinha sido sujeito a AIA estava, ou não, incluído nos anexos I e II do AIA - vem dizer que a enumeração contida nos anexos I e II da AIA é taxativa, mas que o sistema consagra no diploma um sistema de natureza “aberta”, e não “fechada” uma vez que há possibilidade de sujeitar a AIA um projecto não incluído nos anexos, mediante decisão administrativa nesse sentido.
Pode-se então dizer que o regime português seque a lógica da Directiva 85/337/CEE, ao prever que a sujeição à AIA deverá ser determinada pela recondução do projecto a um dos anexos, definindo deste modo um núcleo fechado dos projectos inequivocamente sujeitos a AIA, contribuindo para uma segurança jurídica, mas ao mesmo tempo é dotado de “válvulas de escape”, que permitem a sua aplicação a projectos não incluídos nos anexos, através da análise casuística a efectuar pela entidade administrativa competente, tendo sempre presente os critérios previamente fixados no referido anexo V do AIA (vide, artigo 1º/4 e 5 da AIA).


A impugnação judicial da Declaração de Impacto Ambiental (DIA)

Este é um dos problemas discutidos com mais frequência nos tribunais administrativos.
Na jurisprudência o seu tratamento tem sido diverso devido às próprias alterações que o regime da AIA tem sofrido.
Na vigência do Decreto-Lei nº 186/90 o STA entendeu que não era contenciosamente recorrível o despacho que homologava o parecer da comissão da avaliação do impacto ambiental. O STA defendeu que se tratava de um acto interno que não definia a situação jurídica do administrado, tratava-se de um parecer que não vinculava a entidade que tinha que autorizar o projecto.
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 69/2000 a situação alterou-se, uma vez que se consagrou o carácter vinculativo da DIA, ou seja, a DIA desfavorável determina o indeferimento do pedido de licenciamento ou de autorização e as condições impostas numa DIA favorável têm de ser respeitadas sob pena de nulidade do acto praticado (artigo 20º do Decreto-Lei referido supra).
O novo regime levou a que a jurisprudência aceitasse a impugnação contenciosa do acto da DIA, por se tratar de um acto com eficácia externa que define a posição dos particulares e da Administração quanto à matéria de inserção ambiental do projecto.
Em 2004 todas as dúvidas que ainda pudessem subsistir, desapareceram com a reforma do contencioso administrativo que, alterou o conceito de acto administrativo impugnável. Nos termos do artigo 51º/1 do CPTA são impugnáveis todos os actos administrativos com eficácia externa, ora isto significa que, a DIA sendo um acto com eficácia externa é susceptível de ser impugnado contenciosamente à luz do preceito em causa.
Apesar de a lei portuguesa ir além do que está previsto nas Directivas, uma vez que estabelece o carácter vinculativo da DIA, esta revela alguma incoerência ao prever no artigo 19º da AIA o diferimento tácito do pedido de AIA, neste artigo pode ler-se que a DIA é favorável se nada for comunicado à entidade licenciadora ou competente para a autorização nos prazos nele previstos. O problema ainda não foi colocado aos tribunais, mas a doutrina já se pronunciou dizendo que é um paradoxo prever o deferimento em caso de silêncio da entidade competente para a decisão de AIA num regime em que a decisão  negativa é sempre vinculativa. E mais, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça um sistema de autorizações tacitas é incompatível com as exigências da Directiva 85/337/CEE (vide, acórdão Comissão/Bélgica, C-230/00).
Sendo deste modo inquestionável a possibilidade de impugnar judicialmente a DIA, através de uma acção administrativa especial e de paralelamente ser possível intentar uma providencia cautelar destinada a assegurar a utilidade da decisão a proferir no processo principal, é contudo, necessário não esquecer que esta decisão apenas põe termo ao procedimento de avaliação de impacto ambiental e que este constitui um subprocedimento relativamente ao procedimento de autorização ou licenciamento do projecto em causa. Isto quer dizer que a DIA produz efeitos limitados levando a que a impugnação da DIA não seja suficiente para acautelar os interesses ambientais em causa.
Veja-se o chamado caso “Alqueva” decidido pelo Tribunal Central Administrativo Sul: a associação ambiental pretendia obstar ao corte de uma extensão de árvores (azinheiras) através da suspensão da eficácia do acto de DIA, acto. No processo constatou-se que já tinha sido pedida a autorização para o abate junto da entidade competente e concluiu-se pela improcedência do pedido cautelar, com fundamento no facto de o efeito pretendido – evitar o abate – não ser susceptível de ser pretendido pela suspensão da DIA, mas sim pela impugnação judicial do eventual futuro acto de autorização de abate das azinheiras.

Conclusão

Podemos ver que os tribunais ainda não estão suficientemente sensibilizados para as questões ambientais.
Mas segundo um relatório da própria Comissão, o procedimento do AIA tem contribuído para melhorar a concepção dos projectos e a incorporação de considerações de ordem ambiental no processo de tomada de decisões.



Bibliografia

- Silva, Vasco Pereira da "Verde cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente";
- Gomes, Carla Amado "A avaliação do impacto ambiental: breve panorâmica do quadro normativo comunitário e apontamentos de jurisprudência";
- Mealha, Esperança "Avaliação do Impacto Ambiental: notas de jurisprudência";
- Legislação referida ao longo do trabalho.




Vânia Ferreira
18448


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