quinta-feira, 16 de maio de 2013

Reunião dos AA (Adaptação Ambiental)





Neste texto iremos analisar os contratos de adaptação ambiental, no âmbito do Direito do Ambiente, assim como o impacto que estes têm no mesmo. Assim sendo, o primeiro passo lógico será o de saber a base legal que define os princípios orientadores destes tipos de contratos. A partir deste ponto, poderemos depois discutir as especificidades que advêm dos mesmos.
A primeira alusão que a nossa legislação faz aos contratos de adaptação ambiental reside no artigo 35º, nº 2 da Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87 de 7 de Abril, doravante designada de LBA), que nos diz que “O Governo poderá celebrar contratos-programa com vista a reduzir gradualmente a carga poluente das actividades poluidoras”. O nº 3 do mesmo preceito vem depois afirmar que “Os contratos-programa só serão celebrados desde que da continuação da laboração nessas actividades não decorram riscos significativos para o homemou o ambiente”.
É perceptível verificar a ratio da norma, ou seja, qual o objectivo real que a mesma se propõe a obter. De facto, o que aqui temos mais não é do que dar às entidades poluidoras um certo prazo de adaptação para que as mesmas consigam visar os seus objectivos sem por em causa os imperativos normativos em vigor. Por outras palavras, o que aqui temos é uma aproximação não demasiada abrupta do Governo, no sentido em que este diz às empresas poluidoras algo como “podem continuar a exercer a vossa actividade, mas não nestes moldes. Assim sendo vamos dar-vos algum tempo para que se possam adaptar às nossas medidas”. Como defende CASTRO RANGEL, o propósito da LBA passa mesmo por prever os instrumentos adequados para que possa ser garantida a preservação ou manutenção da ordem pública ecológica, ou seja, que os níveis de poluição se mantêm dentro dos limites estabelecidos pela lei.
MARK KIRKBY neste ponto parece discordar do argumento supramencionado, defendido pelo douto Professor. O primeiro sustenta que se a ratio legis do artigo 35º, nº 2 da LBA se prendesse com uma norma habilitante que permite à Administração, por via contratual, a afastar temporariamente as normas ambientais imperativas, então tal situação traduzir-se-ia numa violação do artigo 112º, nº 6 da Constituição da República Portuguesa (doravante designada de CRP). Para MARK KIRKBY, o que temos realmente neste preceito legal é uma actuação administrativa de fomento por parte da Administração, no sentido em que esta última procura incitar os particulares a desenvolverem ou a orientarem a sua actividade privada para objectivos de interesse público.
A meu ver, parece-me que o artigo 35º, nº 2 da LBA reflecte um pouco das duas posições. Se é verdade que existe um certo fomento para a realização de actividades que vão de encontro às necessidades de interesse público, é também verdade que parece haver aqui um ligeiro desvio aos imperativos normativos durante um determinado lapso temporal. Se partimos do pressuposto que uma norma impõe um certo limite, mas que temos igualmente um artigo que permite a entidades que desrespeitem esse limite, durante um certo período, para se poderem adaptar a essa mesma norma, então creio que a posição de CASTRO RANGEL faz também ela sentido. 
A segunda alusão aos contratos de adaptação ambiental está presente no Decreto-Lei nº 74/90, de 7 de Março. Seguindo um pouco a lógica do que já vimos acerca da LBA, a relação dos contratos de adaptação ambiental com o DL nº 74/90 reside na possibilidade dada às empresas para que tivessem um prazo para se adaptarem à legislação ambiental vigente, no que toca às normas de qualidade da água.
Para tal, temos o artigo 40º, nº 3 do DL nº 74/90, consagrado o mesmo que “A aplicação das normas de descarga de águas residuais terá o seu início: a) Para as unidades que se instalem após a entrada em vigor deste diploma, na data da sua entrada em funcionamento; b) Para as unidades já existentes, o director-geral da Qualidade do Ambiente fixará, por despacho, o prazo de adaptação para o correspondente sector de actividade, ouvindo obrigatoriamente a Direcção-Geral da Indústria e ou os departamentos ministeriais com atribuições na área respectiva”.
Parece-me que a mesma lógica do LBA está também aqui presente, no sentido em que tanto temos uma fomentação por parte da Administração para as actividades de relevante interesse público, como temos uma derrogação temporal dada às empresas já existentes. É também aqui oferecido um dilatamento temporal para que estas se possam adaptar às novas medidas impostas.
Relativamente a este preceito, MARK KIRKBY vem defender que o ratio da norma não se destina a derrogar as normas de polícia ambiental que a própria norma vem a estipular. Destina-se antes a determinar uma entrada em vigor diferida e faseada para os vários destinatários das novas normas de descarga. À semelhança dos argumentos já antes utilizados, o autor vem dizer que a celebração dos contratos de adaptação ambiental realizados no âmbito do disposto no artigo 40º, nº 3 do DL nº 74º/90, não implicaria uma derrogação de normas legais imperativas, pois as normas de descarga em questão não entravam em vigor sem ser no termo de execução do próprio contrato. De acordo com MARK KIRKBY, estaríamos uma vez mais na presença de uma violação do artigo 112º, nº 6 da CRP.
Atentando novamente ao artigo 40º, nº 3 do DL nº 74/90, custa-me, com todo o respeito, assimilar a posição do autor. Observando a alínea b) do artigo em discussão, retiramos que para as unidades já existentes, as normas de descarga de águas residuais terão um prazo de adaptação para serem respeitadas. Pelo contrário, a alínea a) do mesmo artigo especifica claramente que as normas valem imediatamente para as unidades que iniciem a sua actividade após a entrada em vigor do diploma. Quer isto dizer que existe uma certa derrogação da própria norma relativamente às unidades já existentes. Por outras palavras, elas terão um determinado lapso temporal para se adaptarem e sujeitarem a sua actividade aos limites impostos pelo diploma, que passará a ser-lhes aplicado após o prazo estipulado pelo director-geral da Qualidade do Ambiente.
Em terceiro lugar, temos a referência do artigo 17º do Decreto-Lei nº 352/90, de 9 de Novembro, relativo ao sistema de protecção e controlo da qualidade do ar. Temos aqui uma situação semelhante ao artigo 40º, nº 3 do DL nº 74/90. Postula o artigo 17º, nº 1 do DL nº 352/90 que “Os valores limites de emissão constantes da portaria referida no n.º 1 do artigo 5.º aplicam-se a todas as novas instalações, ficando as instalações existentes, à excepção das abrangidas nos n.os 2 a 4, sujeitas a estes valores cinco anos após a publicação do presente diploma”. Acrescenta depois o nº 4 do mesmo artigo que “Para os sectores industriais ou empresas que venham a estabelecer, nos dois primeiros anos de vigência deste decreto-lei, contratos-programa com a Administração para redução de emissões, o período de adaptação das instalações existentes aos limites de emissão constantes da portaria referida no n.º 1 do artigo 5.º pode ser excepcionalmente prorrogado até um máximo de 10 anos, desde que até ao fim do período inicial de cinco anos haja uma redução efectiva e mensurável das emissões poluentes e que estas não excedam em mais de 50% os valores limites”.
A meu ver, temos uma vez mais a situação em que a um novo preceito normativo, o diploma em questão oferece às entidades que já estavam sujeitas a determinadas normas um período de adaptação para que estas possam acompanhar a evolução normativa imposta pelo mesmo. Assim, neste caso específico, temos um lapso temporal de cinco anos para que haja uma adaptação relativamente às novas exigências da norma. Como diz MARK KIRKBY, a norma estabelece um prazo de cinco anos às disposições da portaria referida no artigo 5º, nº 1 do DL 352/90, atribuindo competência aos ministros para prorrogarem o prazo por via contratual.
Finalmente, em quarto lugar, temos os novos contratos de adaptação ambiental, previstos no artigo 78º do Decreto-Lei nº 236/98, de 1 de Fevereiro. Como afirma o seu artigo 1º, este Decreto-Lei “estabelece normas, critérios e objectivos de qualidade com a finalidade de proteger o meio aquático e melhorar a qualidade das águas em função dos seus principais usos”. Por seu lado, o artigo 78º do referido Decreto-Lei vem falar-nos especificamente dos contratos de adaptação ambiental, tal como a sua epígrafe indica.
Deste modo, estabelece o artigo 78º, nº 1 do DL nº 236/98 que “Com vista à adaptação à legislação ambiental em vigor, nomeadamente às disposições do capítulo V, das instalações industriais e agro-alimentares em funcionamento à data da entrada em vigor do presente diploma e à redução da poluição causada pela descarga de águas residuais no meio aquático e no solo, poderão ser celebrados, entre as associações representativas dos sectores, por um lado, e os MA e ministério responsável pelo sector de actividade económica, por outro, contratos de adaptação ambiental”.
Relativamente ao preceito legal mencionado supra temos duas ideias defendidas por MARK KIRKBY, com as quais concordo plenamente. Em primeiro lugar, é neste Decreto-Lei que vemos pela primeira vez uma alusão afincada à figura dos contratos ambientais. Nunca antes a legislação portuguesa tinha tido um artigo que se predispusesse a regular globalmente este tipo de contratos. Em segundo lugar, diz também o autor que é agora esperado que este marco conduza a uma proliferação de vários contratos administrativos de matéria ambiental no nosso país, em especial dos contratos de adaptação ambiental.
Assim, o que temos aqui é uma tentativa do legislador em oferecer uma base palpável ao regime dos contratos de adaptação ambiental, num artigo que contém 11 números e que se presta a dar-nos os fundamentos essenciais que fundamentem os mesmos, algo que ainda não tinha sucedido.
No seguimento do nº 1 do artigo 78º do DL nº 236/98, já mencionado acima, é relevante agora aludir ao nº3 do mesmo artigo, que nos identifica o objecto dos contratos de adaptação ambiental. Diz o nº 3 que “O objecto destes contratos é a concessão de um prazo e a fixação de um calendário, a cumprir pelas empresas aderentes e, eventualmente, a definição das normas de descarga que, nos termos do artigo 65º, deverão ser tomadas em conta pela entidade licenciadora, aquando da atribuição ou da renovação das licenças de descarga, na fixação das normas de descarga a respeitar pelas instalações das empresas aderentes sendo que, no caso da renovação de licenças, a aplicação das disposições do presente artigo não poderá dar lugar à fixação de condições menos exigentes do que as que constam das licenças em vigor”.
Tendo em conta os números 1 e 3 do artigo 78º do DL nº 236/98, MARK KIRKBY volta a lançar algumas críticas ao que nos é apresentado relativamente à evolução lógica do conceito de contratos de adaptação ambiental.
Primeiramente, o autor retira de ambos os preceitos legais que o legislador ensaiou a construção de uma base contratualista que permite às empresas aderentes, durante o período de adaptação, ficarem isentas do cumprimento de quaisquer normas ambientais imperativas que estejam em vigor. MARK KIRKBY alude à letra de lei do artigo 78º, nº 1 e 3 do DL nº 236/98, assim como ao próprio nº 6 do mesmo, consagrando este que “O Ministério do Ambiente aceitará o plano de adaptação à legislação ambiental e o calendário nele estabelecido como referência para a fiscalização da actividade das instalações das empresas aderentes no que respeita ao cumprimento das suas obrigações ambientais”.
Mais uma vez, MARK KIRKBY envereda pelo argumento de que tal medida implicaria uma violação do princípio da tipicidade das formas de lei.
O segundo argumento do autor é relativo ao advérbio “nomeadamente”, presente no nº 1 do artigo 78º do DL 236/98. É neste ponto defendida a ideia de que o advérbio em questão apenas pode indicar que não estando perante um preceito taxativo, mas meramente exemplificativo, então quando o nº 1 estatui “nomeadamente às disposições do capítulo V”, isso significa que todas as outra normas, para além das do capítulo V, serão necessariamente normas constantes do próprio diploma (e respectivos anexos), e não as normas de outros diplomas legais. Vendo que as novas normas entram plenamente em vigor após o prazo de vacatio legis (prazo mínimo supletivo de 5 dias, havendo falta de previsão expressa), então haverá uma inconstitucionalidade material, por violação do artigo 112º, nº 6 da CRP, pois a norma habilita a Administração, por via contratual, a suspender os efeitos das normas que ela própria veio a consagrar.
Novamente com o devido respeito pelo autor, não consigo compreender o alcance dos seus argumentos. Não se trata, a meu ver, do alcance normativo dos preceitos em causa, mas sim a sua ratio, o objectivo com que os mesmos foram criados. O núcleo da questão está a ser analisado pelo prisma errado. Não está em causa uma norma que derrogue a eficácia da lei, está antes em causa uma norma que oferece um período de adaptação para que determinadas entidades possam vir a cumprir a lei. Se todos os preceitos normativos que de um modo directo ou indirecto fazem uma alusão aos contratos de adaptação fossem inconstitucionais, não estaríamos também assim numa situação de inconstitucionalidade?
Como já foi dito, perfilho a opinião de que os contratos de adaptação ambiental contêm em si mesmo um carácter de fomento para a prática de actividades que vão de encontro às necessidades colectivas de interesse público. Assim sendo, se o artigo 112º, nº 6 da CRP impedisse a eficácia deste tipo de contratos, não estaríamos por outro lado a conceber medidas que fossem igualmente contra a Constituição? O que dizer então, a título exemplificativo, dos artigos 9º, alínea d), 18º, nº 1, ou 86º, nº 1 da CRP? Já para não falar do próprio princípio da confiança. Não faria sentido, de todo, que depois de o Estado licenciar ou autorizar um determinado comportamento de um particular, o primeiro não permitir que o segundo se adaptasse a uma necessária mudança de regime. Creio que se assim não fosse, o crescimento económico, ao invés de ser fomentado estaria a ser atrofiado. Repito que para mim faz todo o sentido que haja um período de adaptação, onde os limites impostos por uma norma não sejam imperativos durante um certo prazo, de modo a que uma entidade particular, agindo sempre por boa fé, possa acompanhar as novas medidas impostas.
Depois de elaborada e discutida a base legal que fundamenta os contratos de adaptação ambiental, cabe agora concluir qual será a natureza jurídica dos mesmos, de modo a obtermos um panorama geral desta figura.
Nas palavras de VASCO PEREIRA DA SILVA, será necessário estabelecer “…se a fonte de validade e de eficácia de determinadas figuras é o consenso das partes, ou a manifestação de vontade unilateral da Administração, independentemente de se saber se as autoridades administrativas e os particulares se puseram ou não previamente de acordo acerca do seu conteúdo…”. Por outras palavras, cabe decidir se estamos, ou não perante um contrato. Diz-nos MARK KIRKBY, relativamente a esta questão, que para que se possa considerar a existência de um contrato é essencial que a vontade do particular seja qualificada de modo a que a relação jurídica do contrato ambiental surja da indispensável conjugação das vontades das partes, e não uma mera vontade unilateral da Administração.
Existe um aspecto importante que a meu ver dissipa todas as dúvidas, aspecto esse assente numa possibilidade de conduta das associações sectoriais. De facto, estas podem, em nome das empresas do respectivo sector, propor e negociar com a Administração o conteúdo concreto do plano de adaptação, ou, se quisermos, do contrato em questão. Assim, é certo que para que o contrato seja celebrado, é estritamente necessário que haja uma conjugação de vontade das partes, de modo a que a Administração não possa simplesmente impor a sua vontade.
MARK KIRKBY faz notar que independentemente desse panorama, as empresas poderão encontrar-se à partida de mãos atadas, no sentido em que se não acatarem as cláusulas que permitam a celebração do contrato, então ficariam imediatamente sujeitas às novas medidas das normas, sem direito a um período de adaptação e igualmente sujeitas aos poderes sancionatórios da Administração. De qualquer modo, é indiscutível que existe uma comunicação entre as partes, tal como existe uma conjugação de vontades, seja esta relativamente forçada ou não. A verdade é que as partes negoceiam as cláusulas do contrato e que estas, uma vez produzidas, são reciprocamente vinculativas. Em conclusão, tendo em conta o supramencionado e o facto de as partes serem uma entidade particular e a própria Administração, os contratos de adaptação ambiental serão contratos administrativos.
Assim sendo, e aproximando-nos do fim deste texto, cabe concluir que os contratos de adaptação ambiental são uma realidade que veio evoluindo e que veio para ficar. É certo que o seu crescimento e aperfeiçoamento foram paulatinos, na medida em que não tivemos um regime concreto ate ao surgimento do DL nº 236/98, com o seu artigo 78º. É também certo que a discussão em torno constitucionalidade destes mesmos contratos não é um ponto assente. Contudo, devemos fazer a ressalva de que o mais importante está a ser garantido: um fomento saudável da economia e dos objectivos de interesse público. Ao invés de obrigar as entidades privadas a mudar radicalmente os seus intuitos, o Estado permite que as mesmas o possam fazer a um ritmo são, perseverando a sua saúde económica e financeira. Se assim não fosse, creio que seriam nitidamente menos as empresas a elaborar contratos públicos, pois o seu chão correria sempre um risco de desabamento. O que os contratos de adaptação ambiental oferecem é uma cama elástica por baixo do chão, proporcionando uma maior confiança e garantias a todo o panorama existente em torno da Administração e das suas relações com entidades privadas.  



BIBLIOGRAFIA:

- KIRKBY, MARK BOBELA-MOTA – Os Contratos de Adaptação Ambiental : A Concentração Entre a Administração Pública e os Particulares na Aplicação de Normas de Polícia Administrativa,  Lisboa : AAFDL, 2001;

- SILVA, DUARTE SILVA BERNARDO RODRIGUES – Os Contratos de Adaptação Ambiental, Lisboa: FDL, 2001; 

- SILVA, VASCO PEREIRA DA – Verde Cor de Direito: Lições de Direito do Ambiente, Coimbra : Almedina, 2002;

- SILVA, VASCO PEREIRA DA – Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Coimbra : Almedina, 1996


Miguel Vieira,
Nº 16792

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