Neste texto iremos analisar os contratos de
adaptação ambiental, no âmbito do Direito do Ambiente, assim como o impacto que
estes têm no mesmo. Assim sendo, o primeiro passo lógico será o de saber a base
legal que define os princípios orientadores destes tipos de contratos. A partir
deste ponto, poderemos depois discutir as especificidades que advêm dos mesmos.
A primeira alusão que a nossa legislação faz
aos contratos de adaptação ambiental reside no artigo 35º, nº 2 da Lei de Bases
do Ambiente (Lei nº 11/87 de 7 de Abril, doravante designada de LBA), que nos
diz que “O Governo poderá celebrar
contratos-programa com vista a reduzir gradualmente a carga poluente das
actividades poluidoras”. O nº 3 do mesmo preceito vem depois afirmar que “Os contratos-programa só serão celebrados
desde que da continuação da laboração nessas actividades não decorram riscos
significativos para o homemou o ambiente”.
É perceptível verificar a ratio da norma, ou seja, qual o
objectivo real que a mesma se propõe a obter. De facto, o que aqui temos mais
não é do que dar às entidades poluidoras um certo prazo de adaptação para que
as mesmas consigam visar os seus objectivos sem por em causa os imperativos
normativos em vigor. Por outras palavras, o que aqui temos é uma aproximação
não demasiada abrupta do Governo, no sentido em que este diz às empresas
poluidoras algo como “podem continuar a exercer a vossa actividade, mas não
nestes moldes. Assim sendo vamos dar-vos algum tempo para que se possam adaptar
às nossas medidas”. Como defende CASTRO RANGEL, o propósito da LBA passa mesmo
por prever os instrumentos adequados para que possa ser garantida a preservação
ou manutenção da ordem pública ecológica, ou seja, que os níveis de poluição se
mantêm dentro dos limites estabelecidos pela lei.
MARK KIRKBY neste ponto parece discordar do
argumento supramencionado, defendido pelo douto Professor. O primeiro sustenta
que se a ratio legis do artigo 35º,
nº 2 da LBA se prendesse com uma norma habilitante que permite à Administração,
por via contratual, a afastar temporariamente as normas ambientais imperativas,
então tal situação traduzir-se-ia numa violação do artigo 112º, nº 6 da
Constituição da República Portuguesa (doravante designada de CRP). Para MARK
KIRKBY, o que temos realmente neste preceito legal é uma actuação
administrativa de fomento por parte da Administração, no sentido em que esta
última procura incitar os particulares a desenvolverem ou a orientarem a sua
actividade privada para objectivos de interesse público.
A meu ver, parece-me que o artigo 35º, nº 2
da LBA reflecte um pouco das duas posições. Se é verdade que existe um certo
fomento para a realização de actividades que vão de encontro às necessidades de
interesse público, é também verdade que parece haver aqui um ligeiro desvio aos
imperativos normativos durante um determinado lapso temporal. Se partimos do
pressuposto que uma norma impõe um certo limite, mas que temos igualmente um
artigo que permite a entidades que desrespeitem esse limite, durante um certo
período, para se poderem adaptar a essa mesma norma, então creio que a posição
de CASTRO RANGEL faz também ela sentido.
A segunda alusão aos contratos de adaptação
ambiental está presente no Decreto-Lei nº 74/90, de 7 de Março. Seguindo um
pouco a lógica do que já vimos acerca da LBA, a relação dos contratos de
adaptação ambiental com o DL nº 74/90 reside na possibilidade dada às empresas
para que tivessem um prazo para se adaptarem à legislação ambiental vigente, no
que toca às normas de qualidade da água.
Para tal, temos o artigo 40º, nº 3 do DL nº
74/90, consagrado o mesmo que “A
aplicação das normas de descarga de águas residuais terá o seu início: a) Para
as unidades que se instalem após a entrada em vigor deste diploma, na data da sua
entrada em funcionamento; b) Para as unidades já existentes, o director-geral
da Qualidade do Ambiente fixará, por despacho, o prazo de adaptação para o
correspondente sector de actividade, ouvindo obrigatoriamente a Direcção-Geral
da Indústria e ou os departamentos ministeriais com atribuições na área
respectiva”.
Parece-me que a mesma lógica do LBA está
também aqui presente, no sentido em que tanto temos uma fomentação por parte da
Administração para as actividades de relevante interesse público, como temos
uma derrogação temporal dada às empresas já existentes. É também aqui oferecido
um dilatamento temporal para que estas se possam adaptar às novas medidas
impostas.
Relativamente a este preceito, MARK KIRKBY
vem defender que o ratio da norma não
se destina a derrogar as normas de polícia ambiental que a própria norma vem a
estipular. Destina-se antes a determinar uma entrada em vigor diferida e
faseada para os vários destinatários das novas normas de descarga. À semelhança
dos argumentos já antes utilizados, o autor vem dizer que a celebração dos
contratos de adaptação ambiental realizados no âmbito do disposto no artigo
40º, nº 3 do DL nº 74º/90, não implicaria uma derrogação de normas legais
imperativas, pois as normas de descarga em questão não entravam em vigor sem
ser no termo de execução do próprio contrato. De acordo com MARK KIRKBY,
estaríamos uma vez mais na presença de uma violação do artigo 112º, nº 6 da
CRP.
Atentando novamente ao artigo 40º, nº 3 do DL
nº 74/90, custa-me, com todo o respeito, assimilar a posição do autor. Observando
a alínea b) do artigo em discussão,
retiramos que para as unidades já existentes, as normas de descarga de águas
residuais terão um prazo de adaptação para serem respeitadas. Pelo contrário, a
alínea a) do mesmo artigo especifica
claramente que as normas valem imediatamente para as unidades que iniciem a sua
actividade após a entrada em vigor do diploma. Quer isto dizer que existe uma
certa derrogação da própria norma relativamente às unidades já existentes. Por
outras palavras, elas terão um determinado lapso temporal para se adaptarem e
sujeitarem a sua actividade aos limites impostos pelo diploma, que passará a
ser-lhes aplicado após o prazo
estipulado pelo director-geral da Qualidade do Ambiente.
Em terceiro lugar, temos a referência do
artigo 17º do Decreto-Lei nº 352/90, de 9 de Novembro, relativo ao sistema de
protecção e controlo da qualidade do ar. Temos aqui uma situação semelhante ao
artigo 40º, nº 3 do DL nº 74/90. Postula o artigo 17º, nº 1 do DL nº 352/90 que
“Os valores limites de emissão constantes
da portaria referida no n.º 1 do artigo 5.º aplicam-se a todas as novas
instalações, ficando as instalações existentes, à excepção das abrangidas nos
n.os 2 a 4, sujeitas a estes valores cinco anos após a publicação do presente
diploma”. Acrescenta depois o nº 4 do mesmo artigo que “Para os sectores industriais ou empresas que venham a estabelecer, nos
dois primeiros anos de vigência deste decreto-lei, contratos-programa com a
Administração para redução de emissões, o período de adaptação das instalações
existentes aos limites de emissão constantes da portaria referida no n.º 1 do
artigo 5.º pode ser excepcionalmente prorrogado até um máximo de 10 anos, desde
que até ao fim do período inicial de cinco anos haja uma redução efectiva e
mensurável das emissões poluentes e que estas não excedam em mais de 50% os
valores limites”.
A meu ver, temos uma vez mais a situação em
que a um novo preceito normativo, o diploma em questão oferece às entidades que
já estavam sujeitas a determinadas normas um período de adaptação para que
estas possam acompanhar a evolução normativa imposta pelo mesmo. Assim, neste
caso específico, temos um lapso temporal de cinco anos para que haja uma
adaptação relativamente às novas exigências da norma. Como diz MARK KIRKBY, a
norma estabelece um prazo de cinco anos às disposições da portaria referida no
artigo 5º, nº 1 do DL 352/90, atribuindo competência aos ministros para
prorrogarem o prazo por via contratual.
Finalmente, em quarto lugar, temos os novos
contratos de adaptação ambiental, previstos no artigo 78º do Decreto-Lei nº
236/98, de 1 de Fevereiro. Como afirma o seu artigo 1º, este Decreto-Lei “estabelece normas, critérios e objectivos de
qualidade com a finalidade de proteger o meio aquático e melhorar a qualidade
das águas em função dos seus principais usos”. Por seu lado, o artigo 78º
do referido Decreto-Lei vem falar-nos especificamente dos contratos de
adaptação ambiental, tal como a sua epígrafe indica.
Deste modo, estabelece o artigo 78º, nº 1 do
DL nº 236/98 que “Com vista à adaptação à
legislação ambiental em vigor, nomeadamente às disposições do capítulo V, das
instalações industriais e agro-alimentares em funcionamento à data da entrada
em vigor do presente diploma e à redução da poluição causada pela descarga de
águas residuais no meio aquático e no solo, poderão ser celebrados, entre as
associações representativas dos sectores, por um lado, e os MA e ministério
responsável pelo sector de actividade económica, por outro, contratos de
adaptação ambiental”.
Relativamente ao preceito legal mencionado supra temos duas ideias defendidas por
MARK KIRKBY, com as quais concordo plenamente. Em primeiro lugar, é neste
Decreto-Lei que vemos pela primeira vez uma alusão afincada à figura dos
contratos ambientais. Nunca antes a legislação portuguesa tinha tido um artigo
que se predispusesse a regular globalmente este tipo de contratos. Em segundo
lugar, diz também o autor que é agora esperado que este marco conduza a uma proliferação
de vários contratos administrativos de matéria ambiental no nosso país, em
especial dos contratos de adaptação ambiental.
Assim, o que temos aqui é uma tentativa do
legislador em oferecer uma base palpável ao regime dos contratos de adaptação
ambiental, num artigo que contém 11 números e que se presta a dar-nos os
fundamentos essenciais que fundamentem os mesmos, algo que ainda não tinha
sucedido.
No seguimento do nº 1 do artigo 78º do DL nº
236/98, já mencionado acima, é relevante agora aludir ao nº3 do mesmo artigo,
que nos identifica o objecto dos contratos de adaptação ambiental. Diz o nº 3
que “O objecto destes contratos é a
concessão de um prazo e a fixação de um calendário, a cumprir pelas empresas
aderentes e, eventualmente, a definição das normas de descarga que, nos termos
do artigo 65º, deverão ser tomadas em conta pela entidade licenciadora, aquando
da atribuição ou da renovação das licenças de descarga, na fixação das normas
de descarga a respeitar pelas instalações das empresas aderentes sendo que, no
caso da renovação de licenças, a aplicação das disposições do presente artigo
não poderá dar lugar à fixação de condições menos exigentes do que as que
constam das licenças em vigor”.
Tendo em conta os números 1 e 3 do artigo 78º
do DL nº 236/98, MARK KIRKBY volta a lançar algumas críticas ao que nos é
apresentado relativamente à evolução lógica do conceito de contratos de
adaptação ambiental.
Primeiramente, o autor retira de ambos os
preceitos legais que o legislador ensaiou a construção de uma base
contratualista que permite às empresas aderentes, durante o período de
adaptação, ficarem isentas do cumprimento de quaisquer normas ambientais imperativas
que estejam em vigor. MARK KIRKBY alude à letra de lei do artigo 78º, nº 1 e 3
do DL nº 236/98, assim como ao próprio nº 6 do mesmo, consagrando este que “O Ministério do Ambiente aceitará o plano de
adaptação à legislação ambiental e o calendário nele estabelecido como
referência para a fiscalização da actividade das instalações das empresas
aderentes no que respeita ao cumprimento das suas obrigações ambientais”.
Mais uma vez, MARK KIRKBY envereda pelo
argumento de que tal medida implicaria uma violação do princípio da tipicidade
das formas de lei.
O segundo argumento do autor é relativo ao
advérbio “nomeadamente”, presente no nº 1 do artigo 78º do DL 236/98. É neste
ponto defendida a ideia de que o advérbio em questão apenas pode indicar que não
estando perante um preceito taxativo, mas meramente exemplificativo, então
quando o nº 1 estatui “nomeadamente às
disposições do capítulo V”, isso significa que todas as outra normas, para
além das do capítulo V, serão necessariamente normas constantes do próprio
diploma (e respectivos anexos), e não as normas de outros diplomas legais.
Vendo que as novas normas entram plenamente em vigor após o prazo de vacatio legis (prazo mínimo supletivo de
5 dias, havendo falta de previsão expressa), então haverá uma
inconstitucionalidade material, por violação do artigo 112º, nº 6 da CRP, pois
a norma habilita a Administração, por via contratual, a suspender os efeitos
das normas que ela própria veio a consagrar.
Novamente com o devido respeito pelo autor,
não consigo compreender o alcance dos seus argumentos. Não se trata, a meu ver,
do alcance normativo dos preceitos em causa, mas sim a sua ratio, o objectivo com que os mesmos foram criados. O núcleo da
questão está a ser analisado pelo prisma errado. Não está em causa uma norma
que derrogue a eficácia da lei, está antes em causa uma norma que oferece um
período de adaptação para que determinadas entidades possam vir a cumprir a
lei. Se todos os preceitos normativos que de um modo directo ou indirecto fazem
uma alusão aos contratos de adaptação fossem inconstitucionais, não estaríamos
também assim numa situação de inconstitucionalidade?
Como já foi dito, perfilho a opinião de que
os contratos de adaptação ambiental contêm em si mesmo um carácter de fomento
para a prática de actividades que vão de encontro às necessidades colectivas de
interesse público. Assim sendo, se o artigo 112º, nº 6 da CRP impedisse a
eficácia deste tipo de contratos, não estaríamos por outro lado a conceber
medidas que fossem igualmente contra a Constituição? O que dizer então, a
título exemplificativo, dos artigos 9º, alínea d), 18º, nº 1, ou 86º, nº 1 da CRP? Já para não falar do próprio
princípio da confiança. Não faria sentido, de todo, que depois de o Estado
licenciar ou autorizar um determinado comportamento de um particular, o
primeiro não permitir que o segundo se adaptasse a uma necessária mudança de
regime. Creio que se assim não fosse, o crescimento económico, ao invés de ser
fomentado estaria a ser atrofiado. Repito que para mim faz todo o sentido que
haja um período de adaptação, onde os limites impostos por uma norma não sejam
imperativos durante um certo prazo, de modo a que uma entidade particular,
agindo sempre por boa fé, possa acompanhar as novas medidas impostas.
Depois de elaborada e discutida a base legal
que fundamenta os contratos de adaptação ambiental, cabe agora concluir qual
será a natureza jurídica dos mesmos, de modo a obtermos um panorama geral desta
figura.
Nas palavras de VASCO PEREIRA DA SILVA, será
necessário estabelecer “…se a fonte de
validade e de eficácia de determinadas figuras é o consenso das partes, ou a
manifestação de vontade unilateral da Administração, independentemente de se
saber se as autoridades administrativas e os particulares se puseram ou não
previamente de acordo acerca do seu conteúdo…”. Por outras palavras, cabe
decidir se estamos, ou não perante um contrato. Diz-nos MARK KIRKBY,
relativamente a esta questão, que para que se possa considerar a existência de
um contrato é essencial que a vontade do particular seja qualificada de modo a que
a relação jurídica do contrato ambiental surja da indispensável conjugação das
vontades das partes, e não uma mera vontade unilateral da Administração.
Existe um aspecto importante que a meu ver
dissipa todas as dúvidas, aspecto esse assente numa possibilidade de conduta
das associações sectoriais. De facto, estas podem, em nome das empresas do
respectivo sector, propor e negociar com a Administração o conteúdo concreto do
plano de adaptação, ou, se quisermos, do contrato em questão. Assim, é certo que
para que o contrato seja celebrado, é estritamente necessário que haja uma
conjugação de vontade das partes, de modo a que a Administração não possa
simplesmente impor a sua vontade.
MARK KIRKBY faz notar que independentemente
desse panorama, as empresas poderão encontrar-se à partida de mãos atadas, no
sentido em que se não acatarem as cláusulas que permitam a celebração do
contrato, então ficariam imediatamente sujeitas às novas medidas das normas,
sem direito a um período de adaptação e igualmente sujeitas aos poderes
sancionatórios da Administração. De qualquer modo, é indiscutível que existe
uma comunicação entre as partes, tal como existe uma conjugação de vontades,
seja esta relativamente forçada ou não. A verdade é que as partes negoceiam as
cláusulas do contrato e que estas, uma vez produzidas, são reciprocamente
vinculativas. Em conclusão, tendo em conta o supramencionado e o facto de as
partes serem uma entidade particular e a própria Administração, os contratos de
adaptação ambiental serão contratos administrativos.
Assim sendo, e aproximando-nos do fim deste
texto, cabe concluir que os contratos de adaptação ambiental são uma realidade
que veio evoluindo e que veio para ficar. É certo que o seu crescimento e
aperfeiçoamento foram paulatinos, na medida em que não tivemos um regime
concreto ate ao surgimento do DL nº 236/98, com o seu artigo 78º. É também
certo que a discussão em torno constitucionalidade destes mesmos contratos não
é um ponto assente. Contudo, devemos fazer a ressalva de que o mais importante
está a ser garantido: um fomento saudável da economia e dos objectivos de
interesse público. Ao invés de obrigar as entidades privadas a mudar
radicalmente os seus intuitos, o Estado permite que as mesmas o possam fazer a
um ritmo são, perseverando a sua saúde económica e financeira. Se assim não
fosse, creio que seriam nitidamente menos as empresas a elaborar contratos
públicos, pois o seu chão correria sempre um risco de desabamento. O que os
contratos de adaptação ambiental oferecem é uma cama elástica por baixo do
chão, proporcionando uma maior confiança e garantias a todo o panorama
existente em torno da Administração e das suas relações com entidades
privadas.
BIBLIOGRAFIA:
- KIRKBY, MARK
BOBELA-MOTA – Os Contratos de Adaptação
Ambiental : A Concentração Entre a Administração Pública e os
Particulares na Aplicação de Normas de Polícia Administrativa, Lisboa : AAFDL, 2001;
- SILVA, DUARTE SILVA
BERNARDO RODRIGUES – Os Contratos de
Adaptação Ambiental, Lisboa: FDL, 2001;
- SILVA, VASCO PEREIRA
DA – Verde Cor de Direito: Lições
de Direito do Ambiente, Coimbra : Almedina, 2002;
- SILVA, VASCO PEREIRA
DA – Em Busca do Acto
Administrativo Perdido, Coimbra : Almedina, 1996
Miguel Vieira,
Nº 16792
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