1.Dano
Ecológico
Antes
de analisarmos o instituto propriamente dito, temos de entender o que são, de
facto, danos ecológicos.
Entende-se
por Danos Ecológicos[1] como
sendo aqueles que lesam o ambiente, ao contrário dos Danos Ambientais que são
aqueles que são provocados às pessoas e aos bens pelas perturbações ambientais.
Nos danos ecológicos, supostamente, o ambiente tem uma influência directa com o
objecto do dano, implicando dois níveis do dano: a noção ampla de dano
ecológico, a qual abarca os bens jurídico-ecológicos (património natural) e os
bens culturais (património construído), e a noção restrita, a de Dano Ecológico
Puro[2].
No entanto, a definição não é unânime: o
prof. Menezes Leitão entende como sendo danos ambientais aqueles em que se
verifica a lesão de bens jurídicos concretos, através de uma ou várias
emissões, e os danos ecológicos as lesões intensas causadas ao sistema
ecológico natural, sem que tenham sido violados direitos individuais[3]. Daqui
resulta a ideia de que nos danos ecológicos, estando em causa o interesse
global da defesa do ambiente, será difícil de intervir o direito privado, já
para não falar da questão da imputabilidade e do nexo de causalidade. A solução
seria baseada no princípio do poluidor pagador. Outro problema diz respeito ao
nexo de causalidade, cuja doutrina mais recente adoptou a teoria do escopo da
norma violada.
Nas
sociedades actuais, é
impossível pensar numa “Poluição ao Nível Zero”, pois isso levaria ao
neutralizar o crescimento económico. Todavia, deve ser tido em conta um nível
de poluição reduzido até ao nível social e ecologicamente aceitável. Há que
impedir a perda da capacidade funcional do bem natural protegido pelo sistema
jus-ambiental!
Para melhorar a regulamentação da
restauração natural atendendo à sua especificidade, a LBA baseia-se,
exclusivamente, na responsabilidade civil para o dano ecológico puro em virtude
da alteração do objecto
clássico, também é importante notar que a LAP alarga a legitimidade englobando
os cidadãos e as entidades colectivas na defesa do bem jurídico ambiental.
Como o
prof. ML nos diz[4],
tendo em conta que os “bens do ambiente” são insusceptíveis de apropriação individual o regime da
responsabilidade civil não se lhe poderá aplicar na medida em que não viola
questões de direito privado. No entanto, a constatação de que se trata, tal
como outros bens, de algo finito e com limitação de fruição, o ambiente foi
considerado como um bem jurídico à luz da CRP, e com isso, todas as envolventes
necessárias foram trazidas, como por exemplo, o reconhecimento de um novo tipo
de dano, o ecológico. É aqui que entra o regime da responsabilidade
civil. Além do mais, as lesões ao ambiente, pressupõem quase sempre uma lesão
ao Homem.
2.Responsabilidade Civil
O
artigo 483.º CC estabelece um princípio genérico da responsabilidade subjectiva
com fundamento em três feitos: a verificação de uma acção danosa a qual se
apresenta como um ilícito jurídico, a ocorrência de um dano efectivo, e a
verificação de um nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano
verificado. A responsabilidade Civil, nos seus termos gerais, tem, então, como
pressupostos: acto voluntário, facto ilícito, culpa do agente, prejuízo, nexo
de causalidade entre o facto e o prejuízo.
Está aqui
presente a ideia de uma função reparatória e penalizadora, com o intuito de
deixar o lesado na situação mais próxima possível da que se encontrava quando a
lesão sobreveio e onerando patrimonialmente o lesante[5].
Vale
também aqui o princípio da preferência pela reconstituição natural, previsto no
artigo 562.º. No entanto, nesta questão ambiental, o conceito deverá ser mais
amplo, abrangendo igualmente a prevenção e a cessação da actividade danosa.
Existe, assim, uma obrigação de corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os
encargos dai resultantes e os custos da cessação da acção poluente[6]. Mas nos
dias de hoje, devido à constante poluição, e às inúmeras actividades
industrializadoras, e outras tantas, é difícil verificar quem, ou o quê, que é verdadeiramente responsável,
isto é, a quem está imputado a culpa e a actividade danosa.
Mas,
para isso, temos o artigo 493.º CC que consagra a responsabilidade objectiva, e
que tem como fundamento a justiça distributiva (se alguém desenvolve uma
actividade perigosa para a sociedade e dela tira benefícios, então é justo que
seja ele a suportar os danos que causar, mesmo sem culpa).
No entanto, temos que concordar que
este regime geral diz respeito à prestação, à indemnização pessoal ou
patrimonial, mas o bem jurídico em si, o qual é a base da Dano Ecológico Puro.
Daí o legislador ter, em relação ao DE Puro, consagrado este regime específico
na LBA e na LAP.
O
prof. Menezes Leitão diz-nos que este regime traz-nos alguns problemas, no que
diz respeito à determinação dos seus pressupostos, nomeadamente: o de como
estabelecer o nexo de causalidade entre um acto que prejudica o ambiente, em
relação a danos surgidos a centenas de quilómetros de distância; e o de como
resolver o problema da pluralidade de responsáveis pelo dano, como avaliar o
valor da indemnização, como determinar os titulares da mesma, entre outros. É de referir que a melhor tutela a
nível ambiental é a sua prevenção; além do mais, o facto de haver uma
indemnização poderá fazer com que os lesantes ambientais apenas se limitem a
distribuir o valor pelos produtos, sendo o consumidor a pagá-la[7]. No
entanto, o artigo 52.º/3 da CRP permite aos particulares, através de acção
popular, a reclamação da competente indemnização, sendo directamente aplicável segundo o 18.º da Carta
Fundamental, apesar de ser concretizada através de legislação ordinária.
3.Lei de Bases do Ambiente
Tentou
resolver o problema ao instituir a responsabilidade objectiva, ou pelo risco,
no seu artigo 41.º (obrigação de indemnizar independentemente de culpa, desde que
cause um dano significativo, ou seja, quando fruste as utilidades que era
objecto de tutela jurídica). Aqui o
objecto é antes os bens ambientais, tendo consagrado, nos artigos 41.º e 42.º
uma cláusula geral ampla. No entanto, limita-se a certos bens ambientais, os
delineados no artigo 8.º, ex vi,
artigo 6.º, da mesma lei (a titulo exemplificativo).
Esta
lei trouxe o reconhecimento do dano ecológico, admitindo-se a ressarcibilidade
de danos de natureza social ou colectiva, tendo esta lei, portanto, um perfil
funcional característico.
No
entanto, continua a ser sujeita a algumas críticas[8]: o
artigo 41.º/2 parece ser uma espécie de travão à concessão de indemnização com
base em critérios judiciais de avaliação do dano ecológico, assim como a sua
articulação deficiente com o artigo 493.º/2 do CC, devido à presunção de culpa.
Associando
este facto ao artigo 52.º/3 da CRP e aos artigos 41.º/2 e 45.º/2 da LBA,
concluímos que, ao haver infracção ambiental, estamos perante um ilícito
ambiental e, como tal, ainda existe reparação dos danos ecológicos puros.
4.Lei da Acção Popular (Lei 83/95, de 31 de Agosto)
Procura
assegurar a tutela jurisdicional dos ditos interesses difusos, os quais
correspondem aos interesses comuns a todos os membros de uma comunidade e
categoria, não susceptíveis de
apropriação individual, sendo subjectivamente indeterminados.
A CRP
consagra três princípios de política ambiental: o da prevenção, da participação
colectiva (52.º/3 CRP) e o da cooperação e do equilíbrio.
O prof.
Vasco Pereira da Silva entende que, em relação a este preceito constitucional,
estamos perante uma espécie de “mistura explosiva” a dois níveis: “confusão entre a tutela objectiva da
legalidade e do interesse público, que é realizada pela acção popular, e a
tutela jurídico-subjectiva, para a defesa de direitos ou interesses próprios,
que é realizada pelo direito de acção dos titulares de direitos subjectivos; e
verifica-se a associação da problemática da responsabilidade civil à matéria da
acção popular, o que não parece ser boa solução, posto que a duas figuras são
distintas”[9].
Assim,
juntamente com os artigos 22.º (Responsabilidade Civil Subjectiva) e 23.º da
LAP, há uma tendência para configurar a indemnização de danos ao ambiente
integrando os dois tipos de interesses ambientais que recaem sobre o bem
ambiente, ou seja, os interesses ambientais públicos e os interesses ambientais
colectivos particulares. Esta questão é controversa na doutrina, havendo quem
defenda, ao invés que, são tutelados os interesses difusos (os que correspondem
àqueles interesses comuns a todos os membros da comunidade e categoria)[10], sendo
os interesses colectivos particulares, interesses subjectivamente
indeterminados, onde o titular não pode ser individualmente considerado.
Afinal, segundo o artigo 22.º é possível uma indemnização global. O que releva
é o dano que se repercute de forma igual nos membros da comunidade. Pelo contrário, há quem defenda,
então, a primeira posição, de que estão em causa interesses individuais através
do prejuízo ambiental, pertencentes a uma categoria abstracta
de pessoas, directamente tutelados por normas ambientais.
Afinal
de contas, o modo de indemnização do dano ecológico puro não visa a justa
compensação da vítima, mas a
prevenção do dano ecológico e a reintegração dos bens ambientais lesados.
O
artigo 24.º consagra a responsabilidade objectiva.
5.Regime Jurídico da Responsabilidade por Danos Ambientais
Este
deve ter sido o avanço mais progressivo em relação a esta matéria. Aprovado o
DL 147/2008, alterado pelo DL 245/2009, e mais recentemente pelo DL 29-A/2011,
veio desenvolver os artigos 41.º e 48.º da LBA e o 198.º a) e c) da CRP. Além
do mais, a função da prevenção teve aqui o seu apogeu.
Devido
às dificuldades de harmonizar os regimes existentes neste matéria até então, o
RPRDE veio unificar o sistema, num regime autónomo e específico, mais adequado
para o interesse difuso.
Veio
em primeiro lugar contribuir para uma definição de Dano Ecológico (artigo 1.º e
2.º + Anexo V do diploma).
Apresenta
um regime de responsabilidade subjectiva (artigo 8.º) e objectiva (artigo 7.º),
com novas regras, diferentes das habituais regras gerais, e administrativa,
para reparar os danos causados ao ambiente perante toda a colectividade. Em ambas as situações é necessária a
prova do nexo de causalidade, pressupostos mais difícil de preencher, ao qual o
artigo 5.º do diploma não determina qualquer tipo de presunção legal de
causalidade; no entanto, o prof. Menezes Leitão entende que é possível estabelecer tal presunção.
O
artigo 10.º trouxe alguma polémica: Menezes Leitão entende que a questão poderá
funcionar como um efectivo travão aos pedidos de indemnização pelos danos
causados ao ambiente por parte dos cidadãos; por outro lado, Carla Amado Gomes
entende que reparar um dano ecológico puro não passa pela utilização do
instituto da responsabilidade civil[11].
Este
regime aposta mais na intervenção administrativa, pela prevenção e reparação de
danos ambientais (artigos 11.º e ss.).
Assim,
a imputação visa o dano ambiental e a ameaça iminente, permitindo a prioridade
das obrigações administrativas.
Outra
grande novidade é o interesse protegido, contido no anexo V do diploma.
6.Imputação e Nexo de Causalidade[12]
Temos
presente, em termos ambientais, o princípio da responsabilidade objectiva, tal
como já foi supra referido, na medida
em que, ao contrário da regra geral contida no CC, a LBA prevê uma
responsabilidade pelo risco, independentemente de culpa, assim como na LAP[13].
No
entanto, esta “espécie” de responsabilidade, traz alguns problemas de
definição, como por exemplo: identificação das actividades objectivamente
perigosas, identificação do círculo de responsáveis, prova do nexo de
causalidade, causas de exclusão de responsabilidade, limites da obrigação de
indemnização, delimitação da eficácia temporal e especial da situação de
responsabilidade, entre outros[14].
Nesta
matéria é muito importante o acesso à informação sobre as circunstâncias em que
o dano ocorreu para possibilitar a fundamentação de pretensões indemnizatórias,
tendo de aplicar, aqui, as regras gerais do CPTA e do CPC, na medida em que o
legislador nada disse sobre este aspecto[15].
Sobre
este ponto, não existe nenhuma norma relativa ao mesmo. Uma das soluções
defendidas poderá ser a consagrada no artigo 562.º do CC, que refere uma
fórmula de um duplo juízo: um juízo empírico, mediante o qual se elege determinado facto como conditio sine qua non[16] do dano
considerado; e um juízo de imputação normativa, exigindo ainda que tal condição
se revele em abstracto como causa adequada a produzir tal dano.
Contudo,
ainda assim, há muitas situações,
muitos problemas, sem solução próxima, na medida em que é difícil averiguar
todos os factos e circunstâncias[17]. Já para não falar do problema da
causalidade adequada, que leva a muitas outras posições doutrinais[18].
Existe,
por outro lado, a Teoria do Fim, ou Escopo, da Norma, nos termos da qual devem
ser imputados ao agente os danos por este causados que correspondam à
“frustração das utilidades que a norma visava conferir ao sujeito através do
direito subjectivo ou da norma de protecção”[19]. Temos
como palavras-chave desta teoria a ilicitude do facto e/ou o “desvalor da
acção”
Pode-se, no entanto, aplicar estas
duas teorias, cumulativamente, não sendo necessário averiguar as vantagens e
desvantagens de cada uma delas, desde que com cautela no caso concreto[20].
Por
tudo isto, há quem defenda outras doutrinas relativas ao preenchimento do pressuposto
da imputação da responsabilidade civil por danos ecológicos.
Por
exemplo, Perestrelo de Oliveira defende a imputação com recurso à ideia de
risco, a “conexão de risco”. Abrogando a causalidade naturalística das
concepções atrás referidas, esta autora entente que deve-se ter em conta dois
requisitos: “deve ser valorativamente adequado, deve cumprir a finalidade de
selecção dos danos a atribuir ao agente, limitando a respectiva
responsabilidade, sem o que se abriria injustificada excepção na regra casum sentit dominus e se poria em causa
a própria função de fundamento e fronteira da responsabilidade que atribuímos
ao nexo de causalidade” (…) e “deve ser juridicamente operativo, deve funcionar
como efectivo instrumento jurídico útil na tarefa de identificação do nexo de
causalidade no caso concreto”[21].
Contudo, também não resolve a questão na íntegra.
A
autora defende que se deve partir do conceito de risco como forma de
flexibilizar os critérios de determinação do nexo causal. Desta forma, o dano é
imputável ao agente quando a conduta deste cria ou aumenta um risco não
permitido ou previsto na fattispecie legal, sendo o resultado ou evento danoso concretização
desse risco[22].
Nesta
linha, na doutrina portuguesa, há quem entenda, na questão da responsabilidade
ambiental, que se deve ter em conta outros factores, na medida em que,
relativamente à responsabilidade “geral”, esses pressupostos não se podem aplicar
aqui de igual forma. Desta forma, poder-se-á ter em conta: o grau de risco e de
perigo da actividade lesiva, a normalidade ou anormalidade da acção lesiva, a
possibilidade de prova científica do percurso causal, o cumprimento, ou não, de
deveres de protecção[23].
Importa,
agora, ter em conta o problema da prova do nexo causal, devendo o juiz
considerar provado se estiver convicto da sua verificação, e, para isso, basta
a mera probabilidade ou depende de uma certeza absoluta? Perestrelo de Oliveira
entende que é de legitimidade duvidosa, insuficiente e desnecessária a “mera
justificação”, na medida em que põe em causa a lógica interna do sistema
probatório português, que só admite excepções nos casos previstos na lei. Isto
porque a convicção que se exige é em relação à criação do risco, porque as
regras da probabilidade revelam-se para a formação da convicção do juiz sobre a
realidade, e porque uma atenuação da medida da prova não é solução necessária
devido à relevância que a prova indiciária pode assumir. Assim, basta um grau
de prova geral, possível, ou provável[24].
Em
relação ao ónus da prova, entende a mesma que se exige ao lesado a prova da
criação ou aumento do risco pela instalação, e feita essa demonstração, o juiz
deve presumir a materialização do risco[25].
Em
relação a esta matéria temos o artigo 5.º do RPRDE, já anteriormente referido,
que determina que “A apreciação da prova do nexo de
causalidade assenta num critério de verosimilhança e de probabilidade de o
facto danoso ser apto a produzir a lesão verificada, tendo em conta as
circunstâncias do caso concreto e considerando, em especial, o grau de risco e
de perigo e a normalidade da acção lesiva, a possibilidade de prova científica
do percurso causal e o cumprimento, ou não, de deveres de protecção”. Podemos, então, verificar que vai de
encontro àquilo que tem vindo a ser defendido na doutrina[26].
Deve-se, então, apenas provar a verosimilhança da situação, atendendo ás
circunstâncias do caso concreto (apesar de a norma nada dizer em relação às
circunstâncias relevantes, já para não falar da difícil prova de alguma delas,
por impossibilidades eventuais), tendo em conta o risco em concreto; se é
frequente o risco, a actividade danosa, e o cumprimento, ou não de deveres de
protecção.
O
prof. Vasco Pereira da Silva defende a solução que passa pelo estabelecimento
de “presunções de causalidade”, segundo a qual, “sempre que uma empresa estiver, de acordo com as circunstâncias do caso
concreto, em condições de provocar os danos verificados, presume-se que tais
danos foram por ela causados”[27]. Tal
facto atribui amplos poderes de decisão ao juiz. O mesmo autor defende a
aplicação de um único regime a todas as situações de responsabilidade civil
ambiental, independentemente do agente, do lesado, ou do tipo de lesão.
Em
relação às “presunções de causalidade”, já supra
referimos que o Prof Menezes Leitão entende que, apesar do artigo 5.º não dar a
entender isso, será possível estabelecê-las.
O RPRDE veio, de certa forma,
resolver a questão: remete para o FIA (Fundo de Intervenção Ambiental), a
suportação dos custos da reparação de danos ecológicos cujo responsável não seja
precisamente identificável (23.º/1 e 19.º/4 do RPRDE). Por outro lado, estando
o nexo de causalidade estabelecido (por recurso à Teoria da Causalidade
Adequada – artigo 5.º do diploma), e havendo pluralidade de operadores, respondem
solidariamente e, perante a impossibilidade de individualização do grau de
culpa, em partes iguais (4.º do diploma)[28].
7.Concurso de Imputações
Também
nesta matéria não existe nenhuma regra que resolva a situação, podendo nós,
então, recorrer ao artigo 73.º/4 do DL 268/98, de 1 de Agosto, onde se
estabelece o regime da responsabilidade solidária[29].
Existem
várias situações: a de causalidade cumulativa, “quando o dano resulta da
conjugação das condutas separadamente levadas a cabo por vários agentes, sendo
certo que sem o contributo de um o dano não se produziria”; causalidade
aditiva, “quando o dano já se produziria independentemente do contributo do
agente mas este cooperou efectivamente para o dano”; e causalidade alternativa,
“quando várias instalações estão em condições de ter causado o dano, sabe-se
que uma ou várias dessas instalações o causaram, mas não se sabe exactamente
qual ou quais”[30].
8.Responsabilidade da Administração?
Está aqui em causa a análise das
situações em que uma determinada entidade administrativa autoriza, através de acto
jurídico-público, e no uso de funções administrativas (como por exemplo, uma
licença), uma entidade privada a praticar certa e determinada actividade, mas
essa mesma actividade vem a lesar direitos de terceiros. Será essa actividade
lícita, devido ao acto autorizativo?! Afinal quem deve ser responsável pelos
danos?! Nem sempre o nexo de causalidade entre lesão e entidade privado dá
lugar a responsabilidade. Estamos aqui perante vários tipos de efeitos:
vinculativo, conformador e legalizador.
Mas será
que o acto autorizativo tem a força necessária para justificar as lesões dos
terceiros ou poder-se-á considerar ilícita tal situação? A esta questão Gomes
Canotilho enuncia o efeito justificador dos actos autorizativos, tendo por base
a unidade da ordem jurídica, ou seja, em todos os ramos do direito se terá a
mesma noção de ilicitude tendo como objectivo evitar contradições normativas[31].
O facto de
ser um acto autorizativo, não significa que tenha de haver um sacrifício sem
qualquer indemnização. Mas quem deve pagar a mesma? À primeira vista, devíamos
de referir o Estado na medida em que foi a entidade que permitiu o
desenvolvimento da actividade, através de um acto administrativo. No entanto, a
partir do artigo 41.º da Lei de Bases do Ambiente refere-se ao agente, e por
isso, deduz-se que tenha sido aquele que praticou o acto.
Por outro
lado, Sendim entende que a responsabilidade por actos lícitos da Administração
determina a imputação do dano ao agente que retira a vantagem económica da
poluição, através de uma pretensão jurídico-privada, de acordo com o 41.º/5 da
LBA, não transferindo para o Estado, e muito menos para os cidadãos, o dever de
indemnização. Os danos causados decorreram de um procedimento administrativo,
exigindo-se que a possibilidade de restrição do bem ambiente seja permitida por
lei, no procedimento autorizativo os danos tenham sido ponderados de modo
proporcional, e a restrição não afecte o núcleo essencial do direito
fundamental em causa, o ambiente[32].
E quando há
autorizações ilegais? Trata-se de situações de nulidade, e portanto, o acto não
é eficaz. Para que haja efeito justificativo e preclusivo, tem de haver
validade do acto para que seja eficaz. Exemplo desta situação encontra-se em
penal, pois se o acto advier de um crime, será, consequentemente nulo[33].
O prof.
Vasco Pereira da Silva diz que não faz sentido distinguir, neste aspecto, actos
de gestão pública de actos de gestão privada, pelo que devem ter todos o mesmo
tratamento[34].
O RPRDE tem
um capitulo que diz
respeito à responsabilidade da administração. No entanto, há quem entenda a
“denominação” como descabida[35].
9.A Indemnização
Um
dos pontos relevantes diz respeito à restauração natural, consagrada no artigo
48.º da LBA, aferindo-se pela reintegração do estado-dever afectado, isto é,
pela recuperação da capacidade funcional ecológica e da capacidade de
aproveitamento humano do bem natural determinado pelo sistema jurídico[36]. Pode
assumir duas formas: a restauração ecológica e a compensação ecológica.
Semelhante
ao regime geral, a LBA, no artigo agora citado, traça uma hierarquia de
soluções: restauração in natura, com
reposição do estado anterior à infracção ou equivalente; ressarcimento
pecuniário, quando não for possível a restauração natural, em montante a
definir em lei especial[37].
Por
outro lado, temos a indemnização pecuniária, sugerida nos artigos 48.º/3 e 41.º
da LBA[38], com
três objectivos fundamentais: a possibilidade de análise da proporcionalidade
das medidas de restauração natural, permitir a compensação dos usos humanos
afectados durante o período de execução da restauração natural, e, permitir a
compensação dos danos ecológicos quando a restauração natural se revele
impossível ou desproporcional[39]. Quando
não for possível a determinação exacta, o tribunal poderá recorrer ao critério
da equidade.
Carla
Amado Gomes, entende que, com a instituição do RPRDE, resulta a aparente
abolição da compensação pecuniária e a introdução de uma nova técnica de
compensação, por recuperação de componentes ambientais equivalentes[40].
Em
relação ao procedimento, comporta as seguintes fases: avaliação do dano,
identificação das alternativas de indemnização possíveis, e escolha da
alternativa adequada.
Há
ainda a referir novamente, neste aspecto, a possibilidade do cidadão, particular ser titular do direito
de indemnização, consagrada no artigo 52.º/3 da CRP, através de uma acção
popular.
10.Conclusão
Conclui-se
desta forma que, em relação à Responsabilidade Civil dos Danos Ecológicos, tem
progredido ao longo dos tempos. No entanto, ainda há muito para melhorar.
Em
relação à Imputabilidade e ao Nexo de Causalidade da mesma, estes são os
aspectos mais controversos e mais difíceis de definir. Provavelmente, nunca irá
ter uma solução sólida e definitiva. Afinal, quando se tem a certeza que um
determinado dano ecológico foi causado por “A” ou por ”B”, ou se teve origem
naquela ou noutra actividade?! Quando se tem a certeza que um dano ocorrido na
Europa, não poderá ter tido origem, por exemplo, nos Estados Unidos da
América?! O ambiente já inter-ligado, e o ecossistema funciona num todo!
É
verdade que quando se trata da acção humana, algo ou alguém deverá ser
responsabilizado. Mas também é verdade que,
neste aspecto, é muito difícil saber quem é o responsável. Quando se
trata de situações ditas “normais”, um contrato, ou u acidente, por exemplo, quem é responsabilizado
é, naturalmente, quem faltou ao cumprimento ou quem teve um acto que não
deveria ter, e tendo em conta, que ocorreu entre aquele X de pessoas, é fácil
averiguar quem teve “culpa no cartório”, como se costuma dizer.
Mas
nas questões ambientais, tudo se torna mais difícil e complexo, afinal, estamos
perante interesses difusos, que diz respeito a toda uma comunidade, e, como
tal, também é difícil saber de onde veio a acção culposa!
Penso
que muito se progrediu, mas também acho que pouco mais longe se irá. Espero que
o contrário aconteça, mas será difícil, a não ser que haja algum tipo de
“reforma” nos procedimentos de autorização das actividades, a nível global, o
que lá está, é extremamente difícil.
Os
progressos foram positivos e levaram ao melhoramento deste regime.
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Contencioso Administrativo Portugues, LUSIADA, Revista da Ciencia e da
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Dano Ecológico – reflexões preliminares sobre o novo regime instituído pelo DL
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Ø SENDIM,
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por Danos Ecológicos, Coimbra Editora, 1998
Ø SILVA,
Vasco Pereira da, Verde, Cor de Direito –
Lições de Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra, Janeiro de 2005
[1] Nesta
definição são usados vários critérios, sendo o mais recorrente, o objecto do
dano; uns entendem que se trata de dano ecológico quando existisse uma agressão
aos elementos naturais e às suas relações reciprocas; outros, seria o
insusceptivel de valor monetário por consistir em violação de interesses de
protecção da natureza. In “Dano Ecológico
no contencioso administrativo português”, Mario Jose de Araujo. Há até quem
não faça qualquer tipo de distinção entre dano ecológico e dano ambiental,
sendo os dois conceitos a mesma situação: todo e qualquer prejuízo que um
comportamento de uma pessoa ou de uma organização provoque num bem da natureza
(ar, água, luz, solo, flora e fauna), sendo
que considera o critério de imputação culposa IRRELEVANTE tanto no conceito
como na efectivação da responsabilidade do lesante, para questões de
indemnização. In “Os meios de tutela
perante os danos ambientais provocados no exercício da função administrativa”, Pedro
Gonçalves
[2] In “Teoria da RC por DE Puro”, Sok Wa
Man, página 8 e ss.
[3] In “A Responsbailidade Civil por Danos
Causados ao Ambiente”, Menezes Leitão, página 386
[4] In “A Responsbailidade Civil por Danos
Causados ao Ambiente”, Menezes Leitão, página 381 e ss.
[5] In “Introdução ao Direito do Ambiente”, Carla
Amado Gomes, página 183
[6] Todas
estas ideias devem partir do Principio do Poluidor Pagador, in “Teoria da RC por DE Puro”, Sok Wa
Man, página 15
[7] In “responsabilidade Civil por Danos
Ecológicos”, Menezes Leitão, página 384
[8] In “Responsabilidade Civil por Danos
Ecológicos”, Menezes Leitão, página 391
[9] In “Verde, Cor de Direito – Lições de
Direito do Ambiente”, Vasco pereira da Silva, página 270
[10] In “Teoria da RC por DE Puro”, Sok Wa
Man, página 19.
[11] In “Responsabilidade Civil dos Danos
Ecológicos”, Menezes Leitão, página 398
[12] “A relação de Causalidade no domínio
ambiental é igualmente de difícil verificação. E isto não apenas porque só
muito raramente é possível identificar uma única causa geradora de um dano
ambiental. Verificando-se antes, em regra, um “concurso” de causas; mas também
porque os factos causadores da lesão ambiental tanto podem agir isoladamente,
como conjugados, ou até em colisão com outros factos; para além de poderem
ainda depender de circunstancias “externas”, como as condições metereológicas
do momento, ou a propagação através das àguas”, in “Verde, Cor de Direito –
Lições de Direito do Ambiente”, Vasco Pereira da Silva, página 261
[13] O mesmo
acontece no artigo 10.º do DL n.º 348/89, de 21 de Outubro. In “Responsabilidade Civil por Danos
Ecológicos”, José Sousa Sendim, Cadernos CED UA, página 43
[14] “Pode
mesmo dizer-se que, ao contrário da imputação de danos com base na culpa, a
responsabilidade fundada no risco não
deve ser ancorada num principio geral de imputação, pressupondo antes a
construção de um filtro complexo,
afinado e preciso, o qual, sem por em
perigo a protecção da confiança, permita a protecção adequada da integridade de
determinados bens jurídicos”, In
“Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos”, José Sousa Sendim, Cadernos
CED UA, página 43 e 44
[15] In “Responsabilidade Civil por Danos
Ecológicos”, José Sousa Sendim, Cadernos CED UA, página 46
[16] “Segundo este critério uma acção seria
considerada causa de um resultado sempre que, se não tivesse sido praticada
aquela, este, o resultado, não se teria verificado. (…)” (…) No entanto, esta teoria apresenta inúmeras criticas:
nada acrescenta à investigação para comprovar o nexo causal, sendo inútil,
leva-nos a induzir em erro, e leva a um alargamento
excessivo do circulo de imputação do resultado à acção e, portanto, da
atribuição do resultado ao agente (..) “é na realidade uma teoria de imputação”. In “Causalidade e imputação na Responsabilidade Civil Ambiental”, Ana
Perestrelo de Oliveira, páginas 53 e ss.
[17] Exemplo
disto é o caracter indirecto e complexo do percurso causal, a incerteza
cientifica sobre a causa e a existência de fenómenos de causalidade circular e
de concorrência de causas.
[18] No
direito estrangeiro, nesta questão, têm defendido presunções legais ilidíveis
de causalidade, atenuação da exigência de prova, adopção da causalidade
probabilística. In “Responsabilidade
Civil por Danos Ecológicos”, José Sousa Sendim, Cadernos CED UA, página 45
[19] In “Causalidade e imputação na
Responsabilidade Civil Ambiental”, Ana Perestrelo de Oliveira, página 59
[20] “Escreve Sinde Monteiro que “os critérios são intimamente aparentados e conduzirão na
esmagadora maioria dos casos a conclusões idênticas: se o evento danoso se
verifica fora de toda a probabilidade, quase sempre se não conta entre os que a
norma de conduta violada queria prevenir e, ao invés, se os danos caem fora do
fim de protecção, ficam não raro fora dos limites da adequação.”” In
“Causalidade e imputação na Responsabilidade Civil Ambiental”, Ana Perestrelo
de Oliveira, página 62
[21] In “Causalidade e imputação na
Responsabilidade Civil Ambiental”, Ana Perestrelo de Oliveira, página 67 e
68
[22] “(..) noção a outro propósito avançada por Menezes
Cordeiro, segundo a qual o risco é uma “eventualidade danosa potencial”, isto
é, a susceptibilidade de ocorrência do dano”. In “Causalidade e imputação na Responsabilidade Civil Ambiental”, Ana
Perestrelo de Oliveira, página 75
[23] In “Responsabilidade Civil por Danos
Ecológicos”, José Sousa Sendim, Cadernos CED UA, página 45
[24] In “Causalidade e imputação na
Responsabilidade Civil Ambiental”, Ana Perestrelo de Oliveira, página 85 e
ss.
[25] In “Causalidade e imputação na
Responsabilidade Civil Ambiental”, Ana Perestrelo de Oliveira, página 95
[26] Por
exemplo, In “Responsbailidade Civil por
Danos Ecológicos, Da reparação do Dano através da restauração natural”,
página 129
[27] In “Verde, Cor de Direito – Lições de
Direito do Ambiente”, Vasco Pereira da Silva, página 261
[28] No
entanto, a FIA proíbe a atribuição de quantias pecuniárias a “membros do
publico” e o legislador criou posteriormente mais dois fundos de protecção de
componentes ambientais cuja articulação com o FIA é importante de resolver, são
dois problemas que este regime pode levantar. Em relação ao primerio, a autora
entende que o objectivo é frisar a proibição de locupletamento de denunciantes
de danos ecológicos, à custa da reparação destes, a qual deve promover-se a
favor da colectividade; em relação ao segundo, deve-se atentar nas suas fontes
de receita para aferir se há ou não sobreposição. In “Introdução ao Direito do Ambiente”, Carla Amado Gomes, página
194
[29]
Qualquer dos agentes responde perante o lesado pela totalidade do dano sofrido,
sme prejuízo do correlativo direito de regresso que possam exercer
reciprocamente. In
“Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos”, José Sousa Sendim, Cadernos
CED UA, página 46
[30] In “Causalidade e imputação na
Responsabilidade Civil Ambiental”, Ana Perestrelo de Oliveira, páginas 102
e 103
[31] In “Actos Autorizativos Juridico-Públicos e
responsabilidade por Danos Ambientais”, de Gomes Canotilho.
[32] In “Responsabilidade Civil por Danos
Ecológicos”, José Sousa Sendim, Cadernos CED UA, página 47
[33] In “Actos Autorizativos Juridico-Públicos e
responsabilidade por Danos Ambientais”, de Gomes Canotilho. Vera Lucia
Jucovsky vai de encontro com a mesma ideia, em Estado-Ambiente e Danos Ecológicos”.
[34] In “Verde, Cor de Direito
– Lições de Direito do Ambiente”, Vasco Pereira da Silva, página 255
[35] Carla
Amado Gomes entende que a Administralao é o garante do cumprimento da tarefa
partilhada de protecção do ambiente, quer directa, quer subsidiariamente. In “Introdução ao Direito do Ambiente”, Carla
Amado Gomes, página 189
[36]
Pressupõe a recuperação do estado de equilíbrio dinâmico do sistema ecológico
afectado, ou seja, da sua capacidade de auto-regeneração e de auto-regulação. In “Responsabilidade Civil por Danos
Ecológicos”, José Sousa Sendim, Cadernos CED UA, página 51
[37] In “Introdução ao Direito do Ambiente”, Carla
Amado Gomes, página 183
[38] A
doutrina não é unanime neste aspecto: há quem considere que o regime da
responsabilidade objectiva carece de regulamentação, e por outro lado, caso do
prof. Vasco pereira da Silva, há quem entenda que sim, que o lesado tem direito
a uma indemnização nestes termos. In “Verde,
Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”, Vasco pereira da Silva,
página 266
[39] In “Responsabilidade Civil por Danos
Ecológicos”, José Sousa Sendim, Cadernos CED UA, página 52
[40] In
“Introdução ao Direito do Ambiente”, Carla Amado Gomes, página 183
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