quarta-feira, 15 de maio de 2013

Responsabilidade Civil dos Danos Ecológicos – Causalidade e Imputação


1.Dano Ecológico
            Antes de analisarmos o instituto propriamente dito, temos de entender o que são, de facto, danos ecológicos.
            Entende-se por Danos Ecológicos[1] como sendo aqueles que lesam o ambiente, ao contrário dos Danos Ambientais que são aqueles que são provocados às pessoas e aos bens pelas perturbações ambientais. Nos danos ecológicos, supostamente, o ambiente tem uma influência directa com o objecto do dano, implicando dois níveis do dano: a noção ampla de dano ecológico, a qual abarca os bens jurídico-ecológicos (património natural) e os bens culturais (património construído), e a noção restrita, a de Dano Ecológico Puro[2].
            No entanto, a definição não é unânime: o prof. Menezes Leitão entende como sendo danos ambientais aqueles em que se verifica a lesão de bens jurídicos concretos, através de uma ou várias emissões, e os danos ecológicos as lesões intensas causadas ao sistema ecológico natural, sem que tenham sido violados direitos individuais[3]. Daqui resulta a ideia de que nos danos ecológicos, estando em causa o interesse global da defesa do ambiente, será difícil de intervir o direito privado, já para não falar da questão da imputabilidade e do nexo de causalidade. A solução seria baseada no princípio do poluidor pagador. Outro problema diz respeito ao nexo de causalidade, cuja doutrina mais recente adoptou a teoria do escopo da norma violada.
            Nas sociedades actuais, é impossível pensar numa “Poluição ao Nível Zero”, pois isso levaria ao neutralizar o crescimento económico. Todavia, deve ser tido em conta um nível de poluição reduzido até ao nível social e ecologicamente aceitável. Há que impedir a perda da capacidade funcional do bem natural protegido pelo sistema jus-ambiental!
            Para melhorar a regulamentação da restauração natural atendendo à sua especificidade, a LBA baseia-se, exclusivamente, na responsabilidade civil para o dano ecológico puro em virtude da alteração do objecto clássico, também é importante notar que a LAP alarga a legitimidade englobando os cidadãos e as entidades colectivas na defesa do bem jurídico ambiental.
Como o prof. ML nos diz[4], tendo em conta que os “bens do ambiente” são insusceptíveis de apropriação individual o regime da responsabilidade civil não se lhe poderá aplicar na medida em que não viola questões de direito privado. No entanto, a constatação de que se trata, tal como outros bens, de algo finito e com limitação de fruição, o ambiente foi considerado como um bem jurídico à luz da CRP, e com isso, todas as envolventes necessárias foram trazidas, como por exemplo, o reconhecimento de um novo tipo de dano, o ecológico. É aqui que entra o regime da responsabilidade civil. Além do mais, as lesões ao ambiente, pressupõem quase sempre uma lesão ao Homem.
2.Responsabilidade Civil
            O artigo 483.º CC estabelece um princípio genérico da responsabilidade subjectiva com fundamento em três feitos: a verificação de uma acção danosa a qual se apresenta como um ilícito jurídico, a ocorrência de um dano efectivo, e a verificação de um nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano verificado. A responsabilidade Civil, nos seus termos gerais, tem, então, como pressupostos: acto voluntário, facto ilícito, culpa do agente, prejuízo, nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo.
Está aqui presente a ideia de uma função reparatória e penalizadora, com o intuito de deixar o lesado na situação mais próxima possível da que se encontrava quando a lesão sobreveio e onerando patrimonialmente o lesante[5].
            Vale também aqui o princípio da preferência pela reconstituição natural, previsto no artigo 562.º. No entanto, nesta questão ambiental, o conceito deverá ser mais amplo, abrangendo igualmente a prevenção e a cessação da actividade danosa. Existe, assim, uma obrigação de corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos dai resultantes e os custos da cessação da acção poluente[6]. Mas nos dias de hoje, devido à constante poluição, e às inúmeras actividades industrializadoras, e outras tantas, é difícil verificar quem, ou o quê, que é verdadeiramente responsável, isto é, a quem está imputado a culpa e a actividade danosa.
            Mas, para isso, temos o artigo 493.º CC que consagra a responsabilidade objectiva, e que tem como fundamento a justiça distributiva (se alguém desenvolve uma actividade perigosa para a sociedade e dela tira benefícios, então é justo que seja ele a suportar os danos que causar, mesmo sem culpa).
            No entanto, temos que concordar que este regime geral diz respeito à prestação, à indemnização pessoal ou patrimonial, mas o bem jurídico em si, o qual é a base da Dano Ecológico Puro. Daí o legislador ter, em relação ao DE Puro, consagrado este regime específico na LBA e na LAP.
            O prof. Menezes Leitão diz-nos que este regime traz-nos alguns problemas, no que diz respeito à determinação dos seus pressupostos, nomeadamente: o de como estabelecer o nexo de causalidade entre um acto que prejudica o ambiente, em relação a danos surgidos a centenas de quilómetros de distância; e o de como resolver o problema da pluralidade de responsáveis pelo dano, como avaliar o valor da indemnização, como determinar os titulares da mesma, entre outros. É de referir que a melhor tutela a nível ambiental é a sua prevenção; além do mais, o facto de haver uma indemnização poderá fazer com que os lesantes ambientais apenas se limitem a distribuir o valor pelos produtos, sendo o consumidor a pagá-la[7]. No entanto, o artigo 52.º/3 da CRP permite aos particulares, através de acção popular, a reclamação da competente indemnização, sendo directamente aplicável segundo o 18.º da Carta Fundamental, apesar de ser concretizada através de legislação ordinária.
3.Lei de Bases do Ambiente
            Tentou resolver o problema ao instituir a responsabilidade objectiva, ou pelo risco, no seu artigo 41.º (obrigação de indemnizar independentemente de culpa, desde que cause um dano significativo, ou seja, quando fruste as utilidades que era objecto de tutela jurídica). Aqui o objecto é antes os bens ambientais, tendo consagrado, nos artigos 41.º e 42.º uma cláusula geral ampla. No entanto, limita-se a certos bens ambientais, os delineados no artigo 8.º, ex vi, artigo 6.º, da mesma lei (a titulo exemplificativo).
            Esta lei trouxe o reconhecimento do dano ecológico, admitindo-se a ressarcibilidade de danos de natureza social ou colectiva, tendo esta lei, portanto, um perfil funcional característico.
            No entanto, continua a ser sujeita a algumas críticas[8]: o artigo 41.º/2 parece ser uma espécie de travão à concessão de indemnização com base em critérios judiciais de avaliação do dano ecológico, assim como a sua articulação deficiente com o artigo 493.º/2 do CC, devido à presunção de culpa.
            Associando este facto ao artigo 52.º/3 da CRP e aos artigos 41.º/2 e 45.º/2 da LBA, concluímos que, ao haver infracção ambiental, estamos perante um ilícito ambiental e, como tal, ainda existe reparação dos danos ecológicos puros.
4.Lei da Acção Popular (Lei 83/95, de 31 de Agosto)
            Procura assegurar a tutela jurisdicional dos ditos interesses difusos, os quais correspondem aos interesses comuns a todos os membros de uma comunidade e categoria, não susceptíveis de apropriação individual, sendo subjectivamente indeterminados.
A CRP consagra três princípios de política ambiental: o da prevenção, da participação colectiva (52.º/3 CRP) e o da cooperação e do equilíbrio.
O prof. Vasco Pereira da Silva entende que, em relação a este preceito constitucional, estamos perante uma espécie de “mistura explosiva” a dois níveis: “confusão entre a tutela objectiva da legalidade e do interesse público, que é realizada pela acção popular, e a tutela jurídico-subjectiva, para a defesa de direitos ou interesses próprios, que é realizada pelo direito de acção dos titulares de direitos subjectivos; e verifica-se a associação da problemática da responsabilidade civil à matéria da acção popular, o que não parece ser boa solução, posto que a duas figuras são distintas[9].
            Assim, juntamente com os artigos 22.º (Responsabilidade Civil Subjectiva) e 23.º da LAP, há uma tendência para configurar a indemnização de danos ao ambiente integrando os dois tipos de interesses ambientais que recaem sobre o bem ambiente, ou seja, os interesses ambientais públicos e os interesses ambientais colectivos particulares. Esta questão é controversa na doutrina, havendo quem defenda, ao invés que, são tutelados os interesses difusos (os que correspondem àqueles interesses comuns a todos os membros da comunidade e categoria)[10], sendo os interesses colectivos particulares, interesses subjectivamente indeterminados, onde o titular não pode ser individualmente considerado. Afinal, segundo o artigo 22.º é possível uma indemnização global. O que releva é o dano que se repercute de forma igual nos membros da comunidade. Pelo contrário, há quem defenda, então, a primeira posição, de que estão em causa interesses individuais através do prejuízo ambiental, pertencentes a uma categoria abstracta de pessoas, directamente tutelados por normas ambientais.
            Afinal de contas, o modo de indemnização do dano ecológico puro não visa a justa compensação da vítima, mas a prevenção do dano ecológico e a reintegração dos bens ambientais lesados.
            O artigo 24.º consagra a responsabilidade objectiva.
5.Regime Jurídico da Responsabilidade por Danos Ambientais
            Este deve ter sido o avanço mais progressivo em relação a esta matéria. Aprovado o DL 147/2008, alterado pelo DL 245/2009, e mais recentemente pelo DL 29-A/2011, veio desenvolver os artigos 41.º e 48.º da LBA e o 198.º a) e c) da CRP. Além do mais, a função da prevenção teve aqui o seu apogeu.
            Devido às dificuldades de harmonizar os regimes existentes neste matéria até então, o RPRDE veio unificar o sistema, num regime autónomo e específico, mais adequado para o interesse difuso.
            Veio em primeiro lugar contribuir para uma definição de Dano Ecológico (artigo 1.º e 2.º + Anexo V do diploma).
            Apresenta um regime de responsabilidade subjectiva (artigo 8.º) e objectiva (artigo 7.º), com novas regras, diferentes das habituais regras gerais, e administrativa, para reparar os danos causados ao ambiente perante toda a colectividade. Em ambas as situações é necessária a prova do nexo de causalidade, pressupostos mais difícil de preencher, ao qual o artigo 5.º do diploma não determina qualquer tipo de presunção legal de causalidade; no entanto, o prof. Menezes Leitão entende que é possível estabelecer tal presunção.
            O artigo 10.º trouxe alguma polémica: Menezes Leitão entende que a questão poderá funcionar como um efectivo travão aos pedidos de indemnização pelos danos causados ao ambiente por parte dos cidadãos; por outro lado, Carla Amado Gomes entende que reparar um dano ecológico puro não passa pela utilização do instituto da responsabilidade civil[11].
            Este regime aposta mais na intervenção administrativa, pela prevenção e reparação de danos ambientais (artigos 11.º e ss.).
            Assim, a imputação visa o dano ambiental e a ameaça iminente, permitindo a prioridade das obrigações administrativas.
            Outra grande novidade é o interesse protegido, contido no anexo V do diploma.
6.Imputação e Nexo de Causalidade[12]
            Temos presente, em termos ambientais, o princípio da responsabilidade objectiva, tal como já foi supra referido, na medida em que, ao contrário da regra geral contida no CC, a LBA prevê uma responsabilidade pelo risco, independentemente de culpa, assim como na LAP[13].
            No entanto, esta “espécie” de responsabilidade, traz alguns problemas de definição, como por exemplo: identificação das actividades objectivamente perigosas, identificação do círculo de responsáveis, prova do nexo de causalidade, causas de exclusão de responsabilidade, limites da obrigação de indemnização, delimitação da eficácia temporal e especial da situação de responsabilidade, entre outros[14].
            Nesta matéria é muito importante o acesso à informação sobre as circunstâncias em que o dano ocorreu para possibilitar a fundamentação de pretensões indemnizatórias, tendo de aplicar, aqui, as regras gerais do CPTA e do CPC, na medida em que o legislador nada disse sobre este aspecto[15].
            Sobre este ponto, não existe nenhuma norma relativa ao mesmo. Uma das soluções defendidas poderá ser a consagrada no artigo 562.º do CC, que refere uma fórmula de um duplo juízo: um juízo empírico, mediante o qual se elege determinado facto como conditio sine qua non[16] do dano considerado; e um juízo de imputação normativa, exigindo ainda que tal condição se revele em abstracto como causa adequada a produzir tal dano.
            Contudo, ainda assim, há muitas situações, muitos problemas, sem solução próxima, na medida em que é difícil averiguar todos os factos e circunstâncias[17]. Já para não falar do problema da causalidade adequada, que leva a muitas outras posições doutrinais[18].
            Existe, por outro lado, a Teoria do Fim, ou Escopo, da Norma, nos termos da qual devem ser imputados ao agente os danos por este causados que correspondam à “frustração das utilidades que a norma visava conferir ao sujeito através do direito subjectivo ou da norma de protecção”[19]. Temos como palavras-chave desta teoria a ilicitude do facto e/ou o “desvalor da acção”
            Pode-se, no entanto, aplicar estas duas teorias, cumulativamente, não sendo necessário averiguar as vantagens e desvantagens de cada uma delas, desde que com cautela no caso concreto[20].
            Por tudo isto, há quem defenda outras doutrinas relativas ao preenchimento do pressuposto da imputação da responsabilidade civil por danos ecológicos.
            Por exemplo, Perestrelo de Oliveira defende a imputação com recurso à ideia de risco, a “conexão de risco”. Abrogando a causalidade naturalística das concepções atrás referidas, esta autora entente que deve-se ter em conta dois requisitos: “deve ser valorativamente adequado, deve cumprir a finalidade de selecção dos danos a atribuir ao agente, limitando a respectiva responsabilidade, sem o que se abriria injustificada excepção na regra casum sentit dominus e se poria em causa a própria função de fundamento e fronteira da responsabilidade que atribuímos ao nexo de causalidade” (…) e “deve ser juridicamente operativo, deve funcionar como efectivo instrumento jurídico útil na tarefa de identificação do nexo de causalidade no caso concreto”[21]. Contudo, também não resolve a questão na íntegra.
            A autora defende que se deve partir do conceito de risco como forma de flexibilizar os critérios de determinação do nexo causal. Desta forma, o dano é imputável ao agente quando a conduta deste cria ou aumenta um risco não permitido ou previsto na fattispecie legal, sendo o resultado ou evento danoso concretização desse risco[22].
            Nesta linha, na doutrina portuguesa, há quem entenda, na questão da responsabilidade ambiental, que se deve ter em conta outros factores, na medida em que, relativamente à responsabilidade “geral”, esses pressupostos não se podem aplicar aqui de igual forma. Desta forma, poder-se-á ter em conta: o grau de risco e de perigo da actividade lesiva, a normalidade ou anormalidade da acção lesiva, a possibilidade de prova científica do percurso causal, o cumprimento, ou não, de deveres de protecção[23].
            Importa, agora, ter em conta o problema da prova do nexo causal, devendo o juiz considerar provado se estiver convicto da sua verificação, e, para isso, basta a mera probabilidade ou depende de uma certeza absoluta? Perestrelo de Oliveira entende que é de legitimidade duvidosa, insuficiente e desnecessária a “mera justificação”, na medida em que põe em causa a lógica interna do sistema probatório português, que só admite excepções nos casos previstos na lei. Isto porque a convicção que se exige é em relação à criação do risco, porque as regras da probabilidade revelam-se para a formação da convicção do juiz sobre a realidade, e porque uma atenuação da medida da prova não é solução necessária devido à relevância que a prova indiciária pode assumir. Assim, basta um grau de prova geral, possível, ou provável[24].
            Em relação ao ónus da prova, entende a mesma que se exige ao lesado a prova da criação ou aumento do risco pela instalação, e feita essa demonstração, o juiz deve presumir a materialização do risco[25].
            Em relação a esta matéria temos o artigo 5.º do RPRDE, já anteriormente referido, que determina que “A apreciação da prova do nexo de causalidade assenta num critério de verosimilhança e de probabilidade de o facto danoso ser apto a produzir a lesão verificada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e considerando, em especial, o grau de risco e de perigo e a normalidade da acção lesiva, a possibilidade de prova científica do percurso causal e o cumprimento, ou não, de deveres de protecção”. Podemos, então, verificar que vai de encontro àquilo que tem vindo a ser defendido na doutrina[26]. Deve-se, então, apenas provar a verosimilhança da situação, atendendo ás circunstâncias do caso concreto (apesar de a norma nada dizer em relação às circunstâncias relevantes, já para não falar da difícil prova de alguma delas, por impossibilidades eventuais), tendo em conta o risco em concreto; se é frequente o risco, a actividade danosa, e o cumprimento, ou não de deveres de protecção.
            O prof. Vasco Pereira da Silva defende a solução que passa pelo estabelecimento de “presunções de causalidade”, segundo a qual, “sempre que uma empresa estiver, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, em condições de provocar os danos verificados, presume-se que tais danos foram por ela causados[27]. Tal facto atribui amplos poderes de decisão ao juiz. O mesmo autor defende a aplicação de um único regime a todas as situações de responsabilidade civil ambiental, independentemente do agente, do lesado, ou do tipo de lesão.
            Em relação às “presunções de causalidade”, já supra referimos que o Prof Menezes Leitão entende que, apesar do artigo 5.º não dar a entender isso, será possível estabelecê-las.
            O RPRDE veio, de certa forma, resolver a questão: remete para o FIA (Fundo de Intervenção Ambiental), a suportação dos custos da reparação de danos ecológicos cujo responsável não seja precisamente identificável (23.º/1 e 19.º/4 do RPRDE). Por outro lado, estando o nexo de causalidade estabelecido (por recurso à Teoria da Causalidade Adequada – artigo 5.º do diploma), e havendo pluralidade de operadores, respondem solidariamente e, perante a impossibilidade de individualização do grau de culpa, em partes iguais (4.º do diploma)[28].
7.Concurso de Imputações
            Também nesta matéria não existe nenhuma regra que resolva a situação, podendo nós, então, recorrer ao artigo 73.º/4 do DL 268/98, de 1 de Agosto, onde se estabelece o regime da responsabilidade solidária[29].
            Existem várias situações: a de causalidade cumulativa, “quando o dano resulta da conjugação das condutas separadamente levadas a cabo por vários agentes, sendo certo que sem o contributo de um o dano não se produziria”; causalidade aditiva, “quando o dano já se produziria independentemente do contributo do agente mas este cooperou efectivamente para o dano”; e causalidade alternativa, “quando várias instalações estão em condições de ter causado o dano, sabe-se que uma ou várias dessas instalações o causaram, mas não se sabe exactamente qual ou quais”[30].
8.Responsabilidade da Administração?
Está aqui em causa a análise das situações em que uma determinada entidade administrativa autoriza, através de acto jurídico-público, e no uso de funções administrativas (como por exemplo, uma licença), uma entidade privada a praticar certa e determinada actividade, mas essa mesma actividade vem a lesar direitos de terceiros. Será essa actividade lícita, devido ao acto autorizativo?! Afinal quem deve ser responsável pelos danos?! Nem sempre o nexo de causalidade entre lesão e entidade privado dá lugar a responsabilidade. Estamos aqui perante vários tipos de efeitos: vinculativo, conformador e legalizador.
Mas será que o acto autorizativo tem a força necessária para justificar as lesões dos terceiros ou poder-se-á considerar ilícita tal situação? A esta questão Gomes Canotilho enuncia o efeito justificador dos actos autorizativos, tendo por base a unidade da ordem jurídica, ou seja, em todos os ramos do direito se terá a mesma noção de ilicitude tendo como objectivo evitar contradições normativas[31].
O facto de ser um acto autorizativo, não significa que tenha de haver um sacrifício sem qualquer indemnização. Mas quem deve pagar a mesma? À primeira vista, devíamos de referir o Estado na medida em que foi a entidade que permitiu o desenvolvimento da actividade, através de um acto administrativo. No entanto, a partir do artigo 41.º da Lei de Bases do Ambiente refere-se ao agente, e por isso, deduz-se que tenha sido aquele que praticou o acto.
Por outro lado, Sendim entende que a responsabilidade por actos lícitos da Administração determina a imputação do dano ao agente que retira a vantagem económica da poluição, através de uma pretensão jurídico-privada, de acordo com o 41.º/5 da LBA, não transferindo para o Estado, e muito menos para os cidadãos, o dever de indemnização. Os danos causados decorreram de um procedimento administrativo, exigindo-se que a possibilidade de restrição do bem ambiente seja permitida por lei, no procedimento autorizativo os danos tenham sido ponderados de modo proporcional, e a restrição não afecte o núcleo essencial do direito fundamental em causa, o ambiente[32].
E quando há autorizações ilegais? Trata-se de situações de nulidade, e portanto, o acto não é eficaz. Para que haja efeito justificativo e preclusivo, tem de haver validade do acto para que seja eficaz. Exemplo desta situação encontra-se em penal, pois se o acto advier de um crime, será, consequentemente nulo[33].
O prof. Vasco Pereira da Silva diz que não faz sentido distinguir, neste aspecto, actos de gestão pública de actos de gestão privada, pelo que devem ter todos o mesmo tratamento[34].
O RPRDE tem um capitulo que diz respeito à responsabilidade da administração. No entanto, há quem entenda a “denominação” como  descabida[35].
9.A Indemnização
            Um dos pontos relevantes diz respeito à restauração natural, consagrada no artigo 48.º da LBA, aferindo-se pela reintegração do estado-dever afectado, isto é, pela recuperação da capacidade funcional ecológica e da capacidade de aproveitamento humano do bem natural determinado pelo sistema jurídico[36]. Pode assumir duas formas: a restauração ecológica e a compensação ecológica.
Semelhante ao regime geral, a LBA, no artigo agora citado, traça uma hierarquia de soluções: restauração in natura, com reposição do estado anterior à infracção ou equivalente; ressarcimento pecuniário, quando não for possível a restauração natural, em montante a definir em lei especial[37].
            Por outro lado, temos a indemnização pecuniária, sugerida nos artigos 48.º/3 e 41.º da LBA[38], com três objectivos fundamentais: a possibilidade de análise da proporcionalidade das medidas de restauração natural, permitir a compensação dos usos humanos afectados durante o período de execução da restauração natural, e, permitir a compensação dos danos ecológicos quando a restauração natural se revele impossível ou desproporcional[39]. Quando não for possível a determinação exacta, o tribunal poderá recorrer ao critério da equidade.
            Carla Amado Gomes, entende que, com a instituição do RPRDE, resulta a aparente abolição da compensação pecuniária e a introdução de uma nova técnica de compensação, por recuperação de componentes ambientais equivalentes[40].
            Em relação ao procedimento, comporta as seguintes fases: avaliação do dano, identificação das alternativas de indemnização possíveis, e escolha da alternativa adequada.
            Há ainda a referir novamente, neste aspecto, a possibilidade do cidadão, particular ser titular do direito de indemnização, consagrada no artigo 52.º/3 da CRP, através de uma acção popular.
10.Conclusão
            Conclui-se desta forma que, em relação à Responsabilidade Civil dos Danos Ecológicos, tem progredido ao longo dos tempos. No entanto, ainda há muito para melhorar.
            Em relação à Imputabilidade e ao Nexo de Causalidade da mesma, estes são os aspectos mais controversos e mais difíceis de definir. Provavelmente, nunca irá ter uma solução sólida e definitiva. Afinal, quando se tem a certeza que um determinado dano ecológico foi causado por “A” ou por ”B”, ou se teve origem naquela ou noutra actividade?! Quando se tem a certeza que um dano ocorrido na Europa, não poderá ter tido origem, por exemplo, nos Estados Unidos da América?! O ambiente já inter-ligado, e o ecossistema funciona num todo!
            É verdade que quando se trata da acção humana, algo ou alguém deverá ser responsabilizado. Mas também é verdade que,  neste aspecto, é muito difícil saber quem é o responsável. Quando se trata de situações ditas “normais”, um contrato, ou u acidente, por exemplo, quem é responsabilizado é, naturalmente, quem faltou ao cumprimento ou quem teve um acto que não deveria ter, e tendo em conta, que ocorreu entre aquele X de pessoas, é fácil averiguar quem teve “culpa no cartório”, como se costuma dizer.
            Mas nas questões ambientais, tudo se torna mais difícil e complexo, afinal, estamos perante interesses difusos, que diz respeito a toda uma comunidade, e, como tal, também é difícil saber de onde veio a acção culposa!
            Penso que muito se progrediu, mas também acho que pouco mais longe se irá. Espero que o contrário aconteça, mas será difícil, a não ser que haja algum tipo de “reforma” nos procedimentos de autorização das actividades, a nível global, o que lá está, é extremamente difícil.
            Os progressos foram positivos e levaram ao melhoramento deste regime.  

BIBLIOGRAFIA
Ø  ARAUJO, Mário José de, Dano Ecológico no Contencioso Administrativo Portugues, LUSIADA, Revista da Ciencia e da Cultura – I Congresso Internacional do Direito do Ambiente da Universidade Lusiada – Porto – Dano Ecológico e Formas Possiveis da sua reparação e repressão
Ø  CANOTILHO, José Gomes, Actos Autorizativos Juridico-Públicos e responsabilidade por Danos Ambientais
Ø  GOMES, Carla Amado, A Responsabilidade Civil por Dano Ecológico – reflexões preliminares sobre o novo regime instituído pelo DL 147/2008, de 29 de Julho, Revista O Direito, n.º 141 (2009)
Ø  GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, Lisboa, Outubro 2012
Ø  GONÇALVES, Pedro, Os meios de tutela perante os danos ambientais provocados no exercício da função administrativa, LUSIADA, Revista da Ciencia e da Cultura – I Congresso Internacional do Direito do Ambiente da Universidade Lusiada – Porto – Dano Ecológico e Formas Possiveis da sua reparação e repressão
Ø  JUCOVSKY, Vera Lúcia, Estado-Ambiente e Danos Ecológicos, Tese de Mestrado 1998 (Cota: T-2350)
Ø  LEITÃO, Luis Menezes, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos
Ø  MAN, Sok Wa, Teoria da Responsabilidade Civil por Dano Ecológico puro. Funcionamento da restauração ambiental na Responsabilidade Civil e a evolução do regime, tese de Mestrado (Cota: T-6758)
Ø  OLIVEIRA, Ana Perestrelo de, Causalidade e Imputação na Responsabilidade Civil Ambiental, Almedina, Lisboa, 2007
Ø  SENDIM, José Sousa Cunha, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos, Cadernos CED UA, Almedina, junho 2002
Ø  SENDIM, José Sousa Cunha, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos, Coimbra Editora, 1998
Ø  SILVA, Vasco Pereira da, Verde, Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra, Janeiro de 2005


[1] Nesta definição são usados vários critérios, sendo o mais recorrente, o objecto do dano; uns entendem que se trata de dano ecológico quando existisse uma agressão aos elementos naturais e às suas relações reciprocas; outros, seria o insusceptivel de valor monetário por consistir em violação de interesses de protecção da natureza. In “Dano Ecológico no contencioso administrativo português”, Mario Jose de Araujo. Há até quem não faça qualquer tipo de distinção entre dano ecológico e dano ambiental, sendo os dois conceitos a mesma situação: todo e qualquer prejuízo que um comportamento de uma pessoa ou de uma organização provoque num bem da natureza (ar, água, luz, solo, flora e fauna), sendo que considera o critério de imputação culposa IRRELEVANTE tanto no conceito como na efectivação da responsabilidade do lesante, para questões de indemnização. In “Os meios de tutela perante os danos ambientais provocados no exercício da função administrativa”, Pedro Gonçalves
[2] In “Teoria da RC por DE Puro”, Sok Wa Man, página 8 e ss.
[3] In “A Responsbailidade Civil por Danos Causados ao Ambiente”, Menezes Leitão, página 386
[4] In “A Responsbailidade Civil por Danos Causados ao Ambiente”, Menezes Leitão, página 381 e ss.
[5] In “Introdução ao Direito do Ambiente”, Carla Amado Gomes, página 183
[6] Todas estas ideias devem partir do Principio do Poluidor Pagador, in “Teoria da RC por DE Puro”, Sok Wa Man, página 15
[7] In “responsabilidade Civil por Danos Ecológicos”, Menezes Leitão, página 384
[8] In “Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos”, Menezes Leitão, página 391
[9] In “Verde, Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”, Vasco pereira da Silva, página 270
[10] In “Teoria da RC por DE Puro”, Sok Wa Man, página 19.
[11] In “Responsabilidade Civil dos Danos Ecológicos”, Menezes Leitão, página 398
[12]A relação de Causalidade no domínio ambiental é igualmente de difícil verificação. E isto não apenas porque só muito raramente é possível identificar uma única causa geradora de um dano ambiental. Verificando-se antes, em regra, um “concurso” de causas; mas também porque os factos causadores da lesão ambiental tanto podem agir isoladamente, como conjugados, ou até em colisão com outros factos; para além de poderem ainda depender de circunstancias “externas”, como as condições metereológicas do momento, ou a propagação através das àguas”, in “Verde, Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”, Vasco Pereira da Silva, página 261
[13] O mesmo acontece no artigo 10.º do DL n.º 348/89, de 21 de Outubro. In “Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos”, José Sousa Sendim, Cadernos CED UA, página 43
[14] “Pode mesmo dizer-se que, ao contrário da imputação de danos com base na culpa, a responsabilidade fundada no risco não deve ser ancorada num principio geral de imputação, pressupondo antes a construção de um filtro complexo, afinado e preciso, o qual, sem por em perigo a protecção da confiança, permita a protecção adequada da integridade de determinados bens jurídicos”, In “Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos”, José Sousa Sendim, Cadernos CED UA, página 43 e 44
[15] In “Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos”, José Sousa Sendim, Cadernos CED UA, página 46
[16]Segundo este critério uma acção seria considerada causa de um resultado sempre que, se não tivesse sido praticada aquela, este, o resultado, não se teria verificado. (…)” (…) No entanto, esta teoria apresenta inúmeras criticas: nada acrescenta à investigação para comprovar o nexo causal, sendo inútil, leva-nos a induzir em erro, e leva a um alargamento excessivo do circulo de imputação do resultado à acção e, portanto, da atribuição do resultado ao agente (..) “é na realidade uma teoria de imputação”. In “Causalidade e imputação na Responsabilidade Civil Ambiental”, Ana Perestrelo de Oliveira, páginas 53 e ss.
[17] Exemplo disto é o caracter indirecto e complexo do percurso causal, a incerteza cientifica sobre a causa e a existência de fenómenos de causalidade circular e de concorrência de causas.
[18] No direito estrangeiro, nesta questão, têm defendido presunções legais ilidíveis de causalidade, atenuação da exigência de prova, adopção da causalidade probabilística. In “Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos”, José Sousa Sendim, Cadernos CED UA, página 45
[19] In “Causalidade e imputação na Responsabilidade Civil Ambiental”, Ana Perestrelo de Oliveira, página 59
[20]Escreve Sinde Monteiro que “os critérios são intimamente aparentados e conduzirão na esmagadora maioria dos casos a conclusões idênticas: se o evento danoso se verifica fora de toda a probabilidade, quase sempre se não conta entre os que a norma de conduta violada queria prevenir e, ao invés, se os danos caem fora do fim de protecção, ficam não raro fora dos limites da adequação.”” In “Causalidade e imputação na Responsabilidade Civil Ambiental”, Ana Perestrelo de Oliveira, página 62
[21] In “Causalidade e imputação na Responsabilidade Civil Ambiental”, Ana Perestrelo de Oliveira, página 67 e 68
[22] “(..) noção a outro propósito avançada por Menezes Cordeiro, segundo a qual o risco é uma “eventualidade danosa potencial”, isto é, a susceptibilidade de ocorrência do dano”. In “Causalidade e imputação na Responsabilidade Civil Ambiental”, Ana Perestrelo de Oliveira, página 75
[23] In “Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos”, José Sousa Sendim, Cadernos CED UA, página 45
[24] In “Causalidade e imputação na Responsabilidade Civil Ambiental”, Ana Perestrelo de Oliveira, página 85 e ss.
[25] In “Causalidade e imputação na Responsabilidade Civil Ambiental”, Ana Perestrelo de Oliveira, página 95
[26] Por exemplo, In “Responsbailidade Civil por Danos Ecológicos, Da reparação do Dano através da restauração natural”, página 129
[27] In “Verde, Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”, Vasco Pereira da Silva, página 261
[28] No entanto, a FIA proíbe a atribuição de quantias pecuniárias a “membros do publico” e o legislador criou posteriormente mais dois fundos de protecção de componentes ambientais cuja articulação com o FIA é importante de resolver, são dois problemas que este regime pode levantar. Em relação ao primerio, a autora entende que o objectivo é frisar a proibição de locupletamento de denunciantes de danos ecológicos, à custa da reparação destes, a qual deve promover-se a favor da colectividade; em relação ao segundo, deve-se atentar nas suas fontes de receita para aferir se há ou não sobreposição. In “Introdução ao Direito do Ambiente”, Carla Amado Gomes, página 194
[29] Qualquer dos agentes responde perante o lesado pela totalidade do dano sofrido, sme prejuízo do correlativo direito de regresso que possam exercer reciprocamente. In “Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos”, José Sousa Sendim, Cadernos CED UA, página 46
[30] In “Causalidade e imputação na Responsabilidade Civil Ambiental”, Ana Perestrelo de Oliveira, páginas 102 e 103
[31] In “Actos Autorizativos Juridico-Públicos e responsabilidade por Danos Ambientais”, de Gomes Canotilho.
[32] In “Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos”, José Sousa Sendim, Cadernos CED UA, página 47
[33] In “Actos Autorizativos Juridico-Públicos e responsabilidade por Danos Ambientais”, de Gomes Canotilho. Vera Lucia Jucovsky vai de encontro com a mesma ideia, em Estado-Ambiente e Danos Ecológicos”.
[34] In “Verde, Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”, Vasco Pereira da Silva, página 255
[35] Carla Amado Gomes entende que a Administralao é o garante do cumprimento da tarefa partilhada de protecção do ambiente, quer directa, quer subsidiariamente. In “Introdução ao Direito do Ambiente”, Carla Amado Gomes, página 189
[36] Pressupõe a recuperação do estado de equilíbrio dinâmico do sistema ecológico afectado, ou seja, da sua capacidade de auto-regeneração e de auto-regulação. In “Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos”, José Sousa Sendim, Cadernos CED UA, página 51
[37] In “Introdução ao Direito do Ambiente”, Carla Amado Gomes, página 183
[38] A doutrina não é unanime neste aspecto: há quem considere que o regime da responsabilidade objectiva carece de regulamentação, e por outro lado, caso do prof. Vasco pereira da Silva, há quem entenda que sim, que o lesado tem direito a uma indemnização nestes termos. In “Verde, Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”, Vasco pereira da Silva, página 266
[39] In “Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos”, José Sousa Sendim, Cadernos CED UA, página 52
[40]  In “Introdução ao Direito do Ambiente”, Carla Amado Gomes, página 183

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