sexta-feira, 17 de maio de 2013


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Direito do Ambiente










Os princípios da prevenção e da precaução no Direito Ambiental Brasileiro e Português



Aluna: Luciana de Almeida Gomez
Numero de aluno: 23903
(ALUNA ERASMUS)






Lisboa, 17 de maio de 2013.
1. Introdução

            O presente trabalho procura dissertar sobre os princípios da prevenção e precaução sob a ótica do direito português e do direito brasileiro, relacionando-os com princípios da economia, como a livre iniciativa privada.
            Pretende-se verificar o significado de tais princípios ambientais e dissertar sobre a reflexão na economia quando são aplicados.
            Para tanto, serão elucidados casos práticos e reais do direito brasileiro, apontando-se a sabedoria de diversas jurisprudências dos Tribunais do país, bem como a elucidação de normas e princípios que norteiam o Ordenamento Jurídico do Brasil.


















2. O direito ambiental no Brasil

O direito à vida foi sempre resguardado como direito fundamental nas Constituições do Brasil. Na Constituição de 1988, atual carta vigente no país, elucida-se a dignidade da pessoa humana, que aparece no diploma como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º) e virou princípio, sendo feita a introdução do direito à sadia qualidade de vida.
O conceito de dignidade está relacionado, entre outras ideias, à construção de uma sociedade política ecologicamente democrática e de direito. Ao se falar na saúde dos indivíduos, não nos referimos apenas à ausência de doenças, mas também ao estado da natureza como um todo – água, solo, ar, flora, fauna, etc. –, pois os elementos da natureza devem estar livres de impurezas para que os seres humanos utilizem deles de maneira plena e sem manifestarem posteriormente incômodos ou problemas de saúde. Ou seja, o meio ambiente deve estar em estado de sanidade para que sirva plenamente ao indivíduo.
            O direito ambiental brasileiro é um ramo de conhecimento jurídico ainda muito recente. Por conseguinte, abarca diversos ramos distintos do direito (direito administrativo, direito civil, direito constitucional, etc.), podendo-se considerá-lo interdisciplinar.
            Assim, quando deparamo-nos com um determinado problema ambiental, faz-se necessária a reunião de normas de diversos ramos do direito para se alcançar uma boa solução.
            Certo é que o país possui consciência sobre a necessidade de preservação ambiental e considera fundamental o direito ao meio ambiente equilibrado. Por esta razão, vem reunindo políticas e atos no intuito de tutelar o ambiente, garantindo um espaço saudável a futuras gerações, realizando amplo processo de reciclagem ao longo de todo o país, exigindo-se o cumprimento de determinadas condutas antes de uma pessoa – física ou jurídica. – realizar um empreendimento, etc.
            Inclusive, a ideia da prevenção encontra-se nessa linha de raciocínio: havendo uma conduta que possa vir a representar risco ao meio ambiente, essa conduta deve ser evitada.
            Tal como em Portugal, o Estado brasileiro tem o dever de proteger o meio ambiente. Afinal, dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil o seguinte:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
            Trata-se de uma competência comum entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios brasileiros, tal a importância em se preservar um ambiente limpo, saudável e direcionado a preservar a natureza como um todo.
            Visando tutelar o meio ambiente de maneira mais eficaz, a Constituição de 1988 dispôs, em seu art. 129, II que é função institucional do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.
            Sendo o Ministério Público uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, tem-se que o meio ambiente ganha muito ao ter tal instituição na defesa dos direitos ambientais,  uma vez que é uma instituição bem preparada e de notórias e louváveis práticas jurídicas.
            Apontemos a ementa de um julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação Civil Pública. Recurso contra decisão que deferiu liminar requerida pelo Ministério Público, para determinar a suspensão de licenciamento ambiental. Obras referentes a construção de desvio férreo. Empreendimento a ser realizado em área de preservação permanente, localizada no Parque Estadual da Serra do Mar. Aparentemente adequada a realização de Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Insuficiência do mero Relatório Ambiental Preliminar (RAP). Fundado receio de dano irreparável, em razão da significativa degradação ambiental. Ocupação de área de proteção especial. Cautela necessária. Aplicação dos princípios da prevenção e da precaução ambiental. RECURSO DESPROVIDO. (TJSP, AI 3009176320118260000, publicado em 18/06/2012).

            Inclusive, o Ministério Público, quando da propositura das ações civis públicas, muito vem demandando os governos brasileiros, colocando-os no pólo passivo da ação toda vez que constatada determinada irregularidade e risco ao meio ambiente.
Há que se mencionar, entretanto, que a instituição, que muito embora tenha o monopólio da ação penal pública (art.129, I), não pretendeu monopolizar a ação civil pública ambiental, já que a legitimidade para tais ações não impede a atuação de terceiros (art. 129, §1º).
            Assim, tem-se que, muito embora o direito ambiental seja um ramo de saber jurídico consideravelmente novo, muito já se tem construído na defesa do ambiente, com políticas e ações concretas.























3. O direito ambiental português

            Parte da Constituição de Portugal destina-se a tutelar o meio ambiente, começando por considerar o ambiente um direito fundamental, nos termos do art. 66º, que assim dispõe:
Artigo 66.º
Ambiente e qualidade de vida
 1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.
2. Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos:
a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão;
b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem;
c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico;
d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações;
e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico e da protecção das zonas históricas;
f) Promover a integração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial;
g) Promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente;
h) Assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida.

            Sendo tratado como direito fundamental, incontroversa sua importância. Nesse norte, há um limite à revisão constitucional, de modo que o legislador ordinário fica obrigado a emitir normas para realizar os princípios constitucionais ambientais, restando a Administração Pública vinculada a tais princípios.
            Além disso, o referido diploma legal considera o ambiente como tarefa fundamental do Estado (art. 9º, “d”). Portanto, deve este providenciar políticas e normas para que a manutenção de um ambiente ecologicamente equilibrado, aplicando-se sanções aos infratores.
            Obviamente, tal tarefa não fica reservada ao Estado, cabendo a toda a sociedade a participação em prol do equilíbrio e sanidade do meio ambiente, agindo de forma sustentável e tutelando-o para a presente e as próximas gerações.
            Ainda no âmbito do direito ambiental português, há que se apontar a divergência quanto à natureza jurídica do meio ambiente no campo da doutrina, posto que parcela desta considera-o bem público e uma outra, privado.
A concepção de meio ambiente como um bem privado diz respeito, entre outros, no fato de um particular poder propor ações toda vez que os serviços públicos não forem executados com satisfação e vierem a lesioná-lo de alguma forma, por exemplo.
Sendo o ambiente ecologicamente equilibrado um direito fundamental e, logo, indisponível, e sendo ainda direito de todos, pactuo da ideia de ser um bem público.















4. Conceito de Princípio da Prevenção e Princípio da Precaução no direito português

            Entre os princípios que norteiam o direito ambiental português, chama-se à atenção para o Princípio da Prevenção e do da Precaução.
            É feita no Ordenamento português a distinção entre Princípio da Prevenção e Princípio da Precaução, distinção esta que pode ser bem visualizada pela lição do prof. Vasco Pereira da Silva, que diz que o primeiro “implica capacidade de antecipação de situações potencialmente perigosas (…) de modo a permitir a adopção dos meios mais adequados para afastar a sua verificação, ou, pelo menos, minorar as suas consequências”, enquanto que o segundo busca “afastar eventuais riscos futuros, mesmo que ainda não inteiramente determináveis, de acordo com uma lógica mediatista (…)”.
            Tem-se, pois que na Prevenção, conhece-se o risco ambiental e procura-se evitá-lo de alguma forma. O objetivo é prevenir, evitar lesões ambientais. Justamente por ser conhecido o risco, a pessoa que vier a executar determinada conduta que venha causar danos ao meio ambiente, está sujeita a sanções. Já na Precaução, o risco é desconhecido.
            Muito se discute sobre a autonomização do princípio da precaução. Muitos autores, entretanto, defendem a ideia de um só princípio – o prof. Vasco Pereira da Silva, por exemplo. –, defendendo a construção de uma noção ampla de prevenção para facilitar a aplicação prática deste princípio e, logo, alcançar resultados práticos mais úteis e eficazes.
            Verificaremos, a seguir, que tais princípios são da mesma forma utilizados no Ordenamento Jurídico brasileiro, com a sutil diferença em que, na prática, os Tribunais e a maior parte da doutrina utilizam a prevenção e a precaução com o mesmo sentido.
            Em todo lugar, percebe-se a preocupação com a coletividade, afinal “todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender” (art. 66º/1 da Constituição).






5. Os Princípios da Prevenção e Precaução no Brasil
           
No Brasil, a distinção entre prevenção e precaução ainda não é taxada, imprimindo geralmente os Tribunais e os doutrinadores o mesmo significado para ambos os termos.
            Ainda que a diferenciação entre as duas expressões não seja, a princípio, importante no Ordenamento brasileiro, há quem faça a distinção de ambas, senão vejamos o que leciona o prof. Machado:
“No princípio da prevenção previne-se porque se sabe quais as conseqüências de se iniciar determinado ato, prosseguir com ele ou suprimi-lo. O nexo causal é cientificamente comprovado, é certo, decorre muitas vezes até da lógica.

No princípio da precaução previne-se porque não se pode saber quais as conseqüências que determinado ato, ou empreendimento, ou aplicação científica causarão ao meio ambiente no espaço e/ou no tempo, quais os reflexos ou conseqüências. Há incerteza científica não dirimida”

Como se vê, há enorme semelhança com o direito português.

Os princípios do direito ambiental, adotados pela Constituição pátria, tiveram forte influência da doutrina alemã. Aponta o doutrinador Correia:

Seguindo de perto a doutrina alemã, poderemos dizer que o direito do ambiente é caracterizado por três princípios fundamentais: o princípio da prevenção (vorsorge prinzip), o princípio do poluidor-pagador ou princípio da responsabilização (verursacher prinzip) e o princípio da cooperação ou da participação (koopegrotions prinzip). Estes três princípios estão condensados, ao lado de outros, no código 3º da Lei de Bases do Ambiente e estão presentes em várias disposições. (apud MUKAI, 1998, p. 35).

No presente trabalho procura-se dar destaque ao princípio da precaução, que é o maior orientador das políticas ambientais, vez que se este busca evitar riscos e a ocorrência de danos ambientais, podendo fazer a maior diferença para a sociedade. Todavia, a aplicação do mencionado princípio pressupõe a aplicação do princípio do poluidor-pagador, pois há que se considerar que os danos ambientais verificados devem ter seus autores identificados, a fim de responsabilizá-los pelos seus atos.

A doutrina brasileira pacifica que o princípio da precaução se constitui no principal orientador das políticas ambientais, além de ser alicerce para a estruturação do direito ambiental. Afinal, prevenir a degradação do meio ambiente é preocupação constante de todos que buscam melhor qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.

O princípio da precaução está pautado na ideia de que, representando uma atividade ameaças de lesões ao meio ambiente ou à saúde humana, medidas de precaução devem ser logo tomadas, ainda que relações de causa e efeito não sejam plenamente estabelecidas cientificamente.

Registre-se que no direito positivo brasileiro, o princípio da precaução tem seu fundamento na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938, de 31/08/1981), que proclama a necessidade de haver um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a utilização, de forma racional, dos recursos naturais, inserindo também a avaliação do impacto ambiental.

            Antes da realização de um empreendimento, deve-se observar não só as normas ditadas pela lei e as exigências colocadas pela Administração Pública, mas também o princípio do desenvolvimento sustentável, harmonizando o crescimento econômico à preservação ambiental e à equidade social.
Ora, os benefícios com qualquer empreendimento não devem se limitar a ponderar os impactos em relação à geração presente, mas devem também preocupar-se com as gerações futuras. Trata-se do princípio da equidade intergeracional, que dispõe que “As presentes gerações não podem deixar para as futuras gerações uma herança de déficits ambientais ou do estoque de recursos e benefícios inferiores aos que receberam das gerações passadas.” (SAMPAIO et al, 2003, p.53).
Nesse norte, deve-se atentar à prevenção dos danos ambientais (princípio da prevenção), evitando a concretização do dano quando há certeza científica sobre o impacto da atividade.
Elucidemos jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça brasileiro, em que determinada pessoa jurídica buscava construir estradas de rodagem cujo potencial degradante era reconhecido:
PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. Em matéria de meio ambiente, vigora o princípio da precaução. A ampliação de uma avenida litorânea pode causar grave lesão ao meio ambiente, sendo recomendável a suspensão do procedimento de licenciamento ambiental até que sejam dirimidas as dúvidas acerca do possível impacto da obra. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg na SLS 1524 MA 2012/0029011-3, publicação em 18/05/2012).
            São diversos os julgados que protegem o meio ambiente sob o fundamento do princípio da precaução, em casos dos mais variados, vejamos a ementa de jurisprudências de Tribunais diversos do país:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. DIREITO AO MEIO AMBIENTE SAUDÁVEL GARANTIDO PELOS ARTIGOS 170 E 225 DACONSTITUIÇÃO FEDERAL. APLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PRECAUÇÃO E PREVENÇÃO. 1. O direito ao meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado está previsto nos artigos 170 e 225 da Constituição de 1988. Questão que envolve a conservação do meio ambiente e de áreas de preservação permanente. 2. Relatório de Fiscalização do IBAMA relatando que o local da construção objeto de autuação está localizado na área de preservação permanente, além de ser uma área de estudos antropológicos em vias de se tornar sítio arqueológico. 3. Edificação difere da média das edificações em que residem os moradores locais (ribeirinhos), devido ao padrão de construção (casa de alvenaria com 60 metros quadrados). 4. Deve-se levar em conta o princípio da precaução, basilar do direito ambiental, segundo o qual "a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental" (adotado no ideário da Conferência da Terra - ECO 92, ratificado pelo Congresso Nacional via Decreto Legislativo 1, de 3/2/1994). 5. Aplicação do princípio da prevenção no tocante à proibição de construção civil em área de preservação permanente sem autorização ambiental, o qual prevalece sobre o da reparação integral, que se aplica apenas quando for impossível prevenir o dano ambiental. 8. Não é razoável sacrificar o meio ambiente, principalmente em se tratando apenas de edificação de lazer e turismo. 9. Agravo de instrumento provido. (Tribunal Regional Federal da 3ª Região -TRF-3, AI 19791 MS 0019791-47.2011.4.03.0000, julgamento em 12/11/2012).

MANDADO DE SEGURANÇA. Pedido de autorização para a continuidade da atividade da empresa, até final julgamento do mandamus. IMPOSSIBILIDADE. Risco de lesão grave ou de difícil reparação em desfavor do meio ambiente. Atividade desenvolvida possui índice de risco ambiental superior ao autorizado por lei ao local.Aplicação dos princípios da precaução e prevenção. NEGADO PROVIMENTO ao agravo, cassado o efeito suspensivo concedido nesta instância. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP, AG 1083385420128260000 , publicação em 23/10/2012).

AÇÃO ORDINÁRIA - LEI MUNICIPAL - PROIBIÇÃO DE LANÇAMENTO DE AGROTÓXICOS E DEFENSIVOS AGRÍCOLAS ATRAVÉS DE AERONAVES EM LAVOURAS SITUADAS NA ÁREA TERRITORIAL DO MUNICÍPIO DE LUZ - NORMA DE INTERESSE LOCAL DE PROTEÇÃO À SAÚDE E AO MEIO AMBIENTE - POSSIBILIDADE DE LEGISLAÇÃO SUPLETIVA DO MUNICÍPIO - PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO - APLICAÇÃO COMBINADA DOS ARTS. 170, V e VI, 186, II, E 225 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO ART. 1228 DO C. CIVIL. - Nos termos do art. 225, da Constituição Federal, todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. - Em matéria de meio ambiente, as decisões judiciais devem privilegiar os princípios da precaução e da prevenção com o objetivo de evitarem-se os danos, visto que, ao contrário de outras áreas, a indenização ''a posteriori'' é quase impraticável. - O princípio da precaução está associado, constitucionalmente, aos conceitos fundamentais de equilíbrio ecológico e desenvolvimento sustentável; o primeiro significa a interação do homem com a natureza, sem danificar-lhe os elementos essenciais. O segundo conecta-se à preservação dos recursos naturais para as gerações futuras. - Os princípios da prevenção (sabe-se, com certeza, que o agrotóxico produz males e envenena a terra e as espécies locais) e o da precaução (não se sabe exatamente qual o mal causado, mas a questão é de tal forma duvidosa que impõe a cautela - ou: a falta de certeza científica sobre os males que podem advir) determinam que a demonstração da inexistência de prejuízo, em tema de meio ambiente, é do poluidor; o ônus da prova é invertido. - A lei municipal que proíbe o lançamento, por aeronaves, de agrotóxicos e defensivos agrícolas nas lavouras cultivadas em imóveis rurais situados na área territorial do Município de Luz não afronta regra de competência estabelecida na Constituição Federal. A referida lei, além de estar relacionada ao interesse local (art. 30, I, CF), integra o sistema de proteção à saúde e ao meio ambiente, sobre a qual o Município detém competência legislativa supletiva (art. 30, II, c/c arts. 24, VI, CF). - A municipalidade não pode abolir as exigências federais ou estaduais em matéria de meio ambiente e a Constituição apenas autoriza o poder público municipal a impor exigências adicionais sempre que haja interesse local, sem nunca, entretanto, agir legalmente para ""abrandar"" as primeiras, inclusive porque o comando constitucional de proteção da fauna e da flora locais age de forma direta, sem a condição até mesmo da intermediação de leis infraconstitucionais. - O ente da federação que tem autorização constitucional para exercitar proteção, pode, evidentemente, legislar, pois o princípio da legalidade impõe que o exercício da fiscalização só se possa exercitar alicerçado em leis e comandos legislativos de diversos graus e espécies. - Por outro lado, o art. 170 da Constituição (que estabelece a ''ideologia constitucional do desenvolvimento econômico''), prevê o princípio da livre concorrência (inciso V), mas institui também a defesa do meio ambiente (inciso VI), devendo ambos, mediante técnicas de hermenêutica - ponderação, inclusive -, ser utilizados na construção de um desenvolvimento sustentável. Não existe aplicação isolada de princípios, nem a ordem matemática dos incisos estabelece qualquer tipo de preferência. - O art. 186 da Carta Magna, a seu turno, e especificamente quanto à política agrícola, enfatiza que ''a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente.'' Assim também estabelece, no plano infraconstitucional, o art. 1.228, par.1º, do C. Civil. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – TJMG, Ap Cível/Reex Necessário 1.0388.09.024901-1/001, publicado em 16/03/2013).
            Como se disse, muito tem se pensado em prol de um meio ambiente equilibrado e saudável, sendo de grande valia à coletividade.

















6. A interferência das políticas e normas ambientais na economia

            Se por um lado vivenciamos a tutela ao meio ambiente e ganhamos no sentido de sua preservação, inclusive para gerações futuras, por outro, temos que a economia acaba por suportar alguns prejuízos financeiros e princípios econômicas muitas vezes restam sucumbidos.
            Afinal, vivemos em um contexto de livre iniciativa econômica, possuindo as pessoas – físicas e jurídicas. – o direito de promover seus empreendimentos no sentido de agregar lucros e desenvolver determinada atividade econômica em âmbitos diversos e com liberdade.
            Tais atividades, entretanto, não são de todo livres, posto que devem observar antes de sua efetiva realização uma série de normas e requisitos estabelecidos pela lei e pela Administração Pública.
            A Constituição da República Federativa do Brasil expõe, em seu art. 170, o seguinte:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
            A ordem econômica, muito embora se baseie na livre iniciativa, ou seja, na liberdade que as partes tem de iniciar e continuar um negócio, considera direitos de cunho social, sendo vedada a qualquer pessoa o desenvolvimento de atividade que vá agredir bens coletivos, como é o caso do meio ambiente.
            Assim, a ordem econômica deve observar os princípios básicos de defesa do meio ambiente, reunindo instrumentos e políticas que vão proteger a natureza do local do empreendimento.
            É o caso, por exemplo, das Áreas de Preservação Permanente (APP), que, conforme dita o Código Florestal Brasileiro, é toda área enquadrada nos artigos 2º e 3º da Lei nº 4.771, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
Importa registrar que a supressão – seja total ou parcial. – de vegetação em área de preservação permanente requer prévia autorização do Poder Executivo Federal, e só pode ser autorizada em caso de necessidade, objetivando a execução de obras ou atividades de interesse social e quando não houver alternativa técnica ao empreendimento proposto.
A título de exemplo, apontemos a lide existente no processo de nº 0001605-46.2013.8.13.0241, que tramita na Comarca de Esmeraldas, no estado de Minas Gerais no Brasil.

No citado caso, a parte Autora, atuante no âmbito de loteamento de imóveis, objetivando lotear dois determinados imóveis, requereu junto ao Instituto Estadual de Florestas – IEF (órgão ambiental competente para avaliar reservas legais no Estado de Minas Gerais) o registro das reservas legais dos imóveis, para que posteriormente fosse realizado a devida averbação junto ao cartório de registro de imóveis competente.
Ficou estabelecido pelo instituto competente que na área em tema seriam preservados 20% de sua totalidade (reserva legal), uma vez existente a preocupação com a preservação e proteção do meio ambiente.
Assim, a empresa autora protocolizou junto ao Cartório de Registros de Imóveis de Esmeraldas pedido de averbação de reserva florestal em 20% com permuta de reservas em ambos os imóveis.
O objetivo da averbação era cumprir as exigências a fim de atender termo firmado junto ao Ministério Público de Esmeraldas/MG e futuro empreendimento no local. Qual não foi a surpresa da Autora quando o Oficial Registrador do Cartório de Registros de Imóveis da Comarca de Esmeraldas/MG devolveu o pedido de averbação com negatória, aplicando, inclusive, um ônus real na matrícula de um dos imóveis. O cartorário alegava, em sua defesa, o fato de a área a ser loteada se tratar de vegetação mata atlântica e ter que ser integralmente preservada (APP), elucidando o princípio da precaução.
Nesse caso, a empresa loteadora restou veementemente sucumbida, uma vez que por meses teve sua equipe e seu empreendimento paralisados, percebendo enormes prejuízos financeiros por mera questão política por parte do oficial cartorário, que não podia recursar-se à averbação quando as exigências ambientais pela Administração Pública já haviam sido atendidas pela empresa.
É certo que, havendo risco para o meio ambiente quando da realização de um empreendimento, este risco deve ser evitado para que degradações ambientais não ocorram. Todavia, se um empreendimento cumpriu todas as exigências impostas pelo Poder Público, a empresa empreendedora não pode ver-se sucumbida por questões meramente políticas, sob pena de ofender os princípios da legalidade, da razoabilidade e da segurança jurídica.
Se por um lado haveria desmatamento de um determinado espaço territorial, por outra haveria a preservação de uma determinada parcela da vegetação e a realização de políticas de compensação, como a plantação de árvores novas.  Sem falar que o empreendimento cumpriria com sua função social, uma vez que geraria empregos quando da realização da obra, utilizaria um espaço antes inutilizado pela sociedade e os lotes dali resultantes serviriam futuramente para moradia da população ou mesmo abertura de novos negócios, que gerariam novos empregos, etc. Ou seja, o loteamento a ser realizado seria de enorme importância à sociedade.
Um país precisa de uma economia sólida para que consiga realizar suas políticas sociais, ou seja, para que consiga investir na educação, na saúde, na cultura, etc.
Portanto, empreendimentos não devem ser obstaculizados por banalizações de direitos ambientais, sendo certo que estes devem ser sempre observados, mas com ponderação, razoabilidade e proporcionalidade.
O ideal, obviamente, é que haja um equilíbrio entre a economia e o meio ambiente, de modo que seja possível o desenvolvimento econômico sem que seja degradado o ambiente.
Isso se consegue com políticas sustentáveis, com a realização de reciclagem – que, no Brasil, é notória. –, com o aproveitamento de recursos, utilização de energias renováveis, etc.
Em momento algum defende-se a ideia de que determinada empresa proceda à poluição do meio ambiente para que realize um empreendimento e bombeie a economia. O que se defende é a ideia de que os princípios da economia não podem ser esquecidos, afinal a Constituição da República, lei maior do país, defende a livre iniciativa econômica, uma vez que a ordem econômica tem por fim assegurar aos cidadãos uma existência digna (princípio da dignidade da pessoa humana). Uma boa economia é indispensável ao bem-estar da nação.
É o caso da empresa loteadora do processo acima citado, que tomou todas as medidas necessárias antes da realização do negócio, visando a preservação do meio ambiente e possuindo anuência dos órgãos públicos competentes.
Por questões políticas e por banalização do princípio da precaução, o Oficial Registrador negou-se a averbar as reservas legais, prejudicando a loteadora e, consequentemente, toda a sociedade, visto que o empreendimento seria de grande valia a esta, já que geraria empregos e tornaria útil um espaço antes esquecido.
Certo também que as decisões judiciais devem privilegiar o princípio da precaução, evitando lesões ao meio ambiente, mas não de forma desponderada.
O que se defende é o equilíbrio entre os direitos, de modo que a economia consiga se desenvolver sem que prejudique o meio ambiente.























7. Conclusão

            O direito do ambiente, embora ramo jurídico novo e interdisplinar, muito já tem consolidado em matéria que se debruça sobre a proteção de um ambiente saudável para que usufruam dele com plenitude as presentes e futuras gerações.
            Entre os princípios que norteiam o direito ambiental, o da Precaução ganha maior importância.
            No Ordenamento Jurídico brasileiro, a Magna Carta arrola o direito ao meio ambiente como fundamental, embora não elencado no art. 5º do diploma, que trata dos direitos fundamentais humanos. O diploma dispõe que todos tem direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo um bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida e ao bem-estar da pessoa, impondo-se ao Poder Público e à toda a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
 Nesse norte, as decisões judiciais devem privilegiar os princípios da precaução e da prevenção com o objetivo de evitarem-se os danos ambientais.
Entretanto, a aplicação de tal princípio, bem como outras fontes de direito relativas ao meio ambiente, não podem vir a prejudicar a economia, pois esta é indispensável ao desenvolvimento do país, seja pela possibilidade de realização de boas políticas públicas na sociedade, seja pela confiança que desperta perante outras nações.
Além disso, a economia tem normas e princípios próprios que não podem deixar de ser observados, sob pena de ofensa ao princípio da segurança jurídica, além do fato de a Constituição brasileira dissertar no sentido de que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos uma existência digna, através da livre iniciativa e do trabalho humano.
            Por fim, verificou-se que os Ordenamentos de Portugal e do Brasil são demasiado próximos, tendo muito em comum no que tange ao direito do ambiente.
            Ambos elevam o princípio da prevenção/precaução no sentido de evitar danos ambientais para que as gerações usufruam de um meio ecologicamente equilibrado.
            Em ambos os países, a proteção ambiental é dever do Estado, não eximindo, obviamente, a responsabilidade dos cidadãos em contribuir para a manutenção de um meio ambiente saudável. Pode-se dizer, pois, que um ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos e dever do Estado e do povo.
            Muito se tem a discutir sobre o tema, mas percebe-se que houve um grande avanço no último século em relação ao comportamento do Estado, das grandes empresas e dos cidadãos para com o ambiente, exigindo-se de cada um deles a observância de uma série de normas e princípios em prol do equilíbrio e da sanidade do ambiente, que afinal é direito fundamental e deve ser tutelado com o maior afinco.
























8. Bibliografia

Constituição da República Portuguesa

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001.

MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12ª edição, Revista atualizada e ampliada, 2004.

SAMPAIO, Rômulo Silveira da Rocha. Direito Ambiental. 2003.

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