O Problema da Concretização do
Princípio do Desenvolvimento Sustentável
A concepção
de "desenvolvimento" tem vindo a alterar-se ao longo da segunda metade
do século XX pois anteriormente o meio ambiente era tido como uma fonte de recursos,
disponível para ser sobre-explorada de modo a que os desejos ditos consumistas
de parte da sociedade se satisfizessem. Para este cenário muito contribuiu o
crescimento económico, o incremento da actividade industrial. Surge então neste
contexto a necessidade de implementação de políticas e actividades de
desenvolvimento económico, tomando sempre em consideração os efeitos que tais
políticas poderão ter sobre a conservação da natureza. Procura-se a melhoria do
bem-estar de toda a população com uma participação significativa no
desenvolvimento e na distribuição dos benefícios que dele advêm.
O Princípio
do Desenvolvimento Sustentável surge exactamente no seguimento desta ideia,
através da Declaração de Estocolmo de 1972 e da Carta da Natureza de 1982. Sendo
o seu alcance primordialmente económico, procuravam a conciliação entre o meio
ambiente e o desenvolvimento sócio-económico. É também enfatizada a importância
da solidariedade internacional no sentido de que seja possível a obtenção de
recursos para ajudar os países em desenvolvimento a cumprir os seus
compromissos. Exige-se um esforço comum de todos os governos para a preservação
e melhoria do meio ambiente, de forma a beneficiar as gerações presentes e
futuras. A Declaração de Estocolmo foi a primeira a estabelecer a relação entre
protecção ambiental, desenvolvimento e promoção dos direitos humanos,
defendendo que a solução dos problemas humanos e ambientais deveria passar pela
cooperação solidária de forma a concretizar o direito a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
A concepção
de solidariedade enquanto paradigma do desenvolvimento sustentável foi
confirmada pela Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de
1992, devendo aquela orientar as relações entre Estados, bem como entre a
sociedade civil e os Governos. Esta parceria entre Estados tem necessariamente
que se basear no respeito, na colaboração, na ajuda mútua, na confiança, na
eficiência.
É inegável
a ideia de que a degradação ambiental é uma ameaça ao futuro da humanidade pelo
que o Princípio do Desenvolvimento Sustentável tem necessariamente que ser um
princípio directivo e orientador da comunidade internacional. Torna-se então
essencial estabelecer uma exigência de ponderação das consequências para o meio
ambiente de decisões jurídicas de natureza económica tomadas pelos poderes
públicos – será necessário invalidar aqueles actos que acarretem custos
ambientais incomparavelmente superiores face aos benefícios económicos que daí
advierem pois são cenários deste estilo que põem em causa a sustentabilidade
dessa mesma medida de desenvolvimento. Neste sentido, o princípio
constitucional do desenvolvimento sustentável passa pela obrigação da
fundamentação ecológica das decisões que se relacionem com o desenvolvimento
económico, estabelecendo a necessidade de ponderar tanto os benefícios como os
prejuízos que delas sobrevenham.
De
entre os pilares que sustentam a concepção de desenvolvimento sustentável, pode
destacar-se a integração da dimensão ecológica e social nas políticas de
desenvolvimento económico, evitando políticas que poderiam vir a ser
desastrosas do ponto de vista ambiental, bem como a satisfação das necessidades
sociais e económicas das gerações presentes tendo sempre em consideração a
capacidade das gerações futuras de satisfazer as suas próprias aspirações, a
designada equidade ou solidariedade intergeracional. Na base deste último pilar
está a ideia de que a geração presente tem o dever de preservar a qualidade do
planeta, bem como o de conservar a diversidade de opções de recursos
naturalista culturais para as gerações futuras. Creio que é esta a ideia
fulcral a reter: o desenvolvimento sustentável equivale ao desenvolvimento que
satisfaz as necessidades do presente sem que se comprometam as capacidades das
futuras gerações de satisfazerem as suas próprias necessidades. As pessoas
necessitam de pautar as suas atitudes tendo sempre em mente o objectivo de
poupar o meio ambiente para as futuras gerações. É em torno desta ideia que
pretendo desenvolver a minha opinião. O
direito ao desenvolvimento e a protecção do meio ambiente são elementos que
podem caminhar juntos, que podem satisfazer as necessidades do presente sem pôr
em causa o meio ambiente para as gerações futuras.
O direito à
conservação e ao desenvolvimento da cultura é um dos Direitos Humanos que
deverão ser realizados integralmente de forma a que seja atingida a
dignificação do homem. Ora, o desenvolvimento sustentável busca exactamente
essa dignificação, essa realização integral. Importa, porém, ressalvar que na
base de cada sociedade está um conjunto de valores diferenciados e é mediante
estes valores que o Homem expressa qual o significado a dar à sua existência e
ao seu desenvolvimento. A agregação da dimensão cultural à concepção de
desenvolvimento sustentável tem como consequência o tratamento das necessidades
do Homem tendo em conta o contexto social e cultural em que se insere mas a
ideia base será sempre a de aprovisionar todos os grupos humanos com meios para
alimentar, manter e desenvolver continuamente as suas culturas e a realidade é
que esta poderia inclusivamente ser vista como uma forma de atenuar os
conflitos interculturais que podem resultar da promoção da diversidade
cultural.
A concepção
de desenvolvimento sustentável já alcançou o status de Princípio de Direito Internacional contemporâneo, que
obriga os Estados a interpretar e aplicar as normas internacionais que
prosseguem o desenvolvimento económico, os direitos humanos, a conservação do
meio ambiente e a promoção da diversidade cultural de modo a que se harmonizem,
a que coexistam pacificamente. Muitos tratados e instrumentos internacionais,
bem como decisões jurisprudenciais, têm suportado, directa ou indirectamente, o
conceito de desenvolvimento sustentável e o princípio de que os Estados possuem
a responsabilidade de assegurar o uso sustentável dos recursos naturais.
A
comunidade internacional considera serem quatro os pilares que integram o Princípio
do Desenvolvimento Sustentável:
- A
necessidade de preservação dos recursos naturais para as futuras gerações –
princípio da equidade intergeracional;
- O
objectivo de explorar os recursos naturais de forma sustentável, racional,
prudente, sensata e apropriada – princípio do uso sustentável;
- O uso
equitativo dos recursos naturais, tomando naturalmente em consideração as
necessidades de todos os Estados – princípio do uso equitativo;
- A
necessidade de assegurar que considerações ambientais sejam integradas na
economia e noutros projectos ou planos de desenvolvimento – princípio da
integração.
Acresce ainda que a observância do Princípio
do Desenvolvimento Sustentável depende da avaliação prévia dos potenciais
impactos presentes e futuros, locais e transfronteiriços de determinadas
políticas e medidas legislativas de natureza económica, social, cultural e
ambiental.
A Constituição da República
Portuguesa (doravante CRP) tratou das questões ambientais numa vertente
objectiva e numa vertente subjectiva. Se na primeira estão em causa tarefas que
competem ao Estado desempenhar (artigo 9º/d) e e)), na segunda está-se perante
a caracterização do direito ao ambiente e qualidade de vida enquanto Direito Fundamental
(artigo 66º). Neste sentido, a Administração encontra-se vinculada pelas normas
e princípios constitucionais em matéria ambiental (devido ao princípio da
legalidade), particularmente quando estamos perante normas que atribuem poderes
discricionários à Administração, onde assumem carácter de vinculações
directamente aplicáveis e fornecedoras de critérios de decisão. De referir
ainda que os próprios tribunais devem também concretizar as normas e os
princípios em matéria de ambiente, bem como garantir a tutela plena e efectiva
dos valores aqui subjacentes.
O Princípio do Desenvolvimento Sustentável
encontra-se expressamente consagrado no artigo 66.º, número 2 da CRP mas a
juridicidade deste princípio tem sido questionada. Entre outros autores,
destaca-se CARLA AMADO GOMES, que o considera como uma simples equação de ponderação circunstanciada e
conjuntural do interesse de preservação ambiental e dos interesses de
desenvolvimento económico; (a) solidariedade
intergeracional (está) prenhe de
simbolismo e intenção ética, mas destituída (no estado actual) de condiçoes de
operacionalização e desrazoável radicalismo”. Prevê o referido artigo:
“Artigo 66.º
2.
Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável,
incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e
participação de cidadãos:
(…)
d)
Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua
capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio
da solidariedade entre as gerações.”
Entramos
com esta questão no cerne do nosso tema.
Com
o devido respeito, não creio que a situação deva ser vista de um prisma tão
austero. Indiscutivelmente poderá questionar-se se a elaboração de normas de
protecção ao meio ambiente será eficaz perante os interesses socioeconómicos
que pautam a vivência da nossa sociedade e, neste sentido, teremos de admitir
que será sempre necessária uma transformação social, uma sólida consciência
social em relação ao direito ao meio ambiente saudável e produtivo. É
exactamente por este motivo, por esta necessidade, que o progresso na
implementação dos objectivos do desenvolvimento sustentável tem sido lento, tem
ocorrido ainda mais morosamente do que seria expectável. A ideia do
desenvolvimento sustentável recebe apoio quase a uma escala global mas na sua
implementação parece ainda subsistir um problema.
O
Princípio do Desenvolvimento Sustentável deve ser entendido como inerente aos
direitos humanos e, assim sendo, não deve ser visto apenas como um factor a ter
em consideração aquando da tomada de decisões políticas ou económicas. Ao
preservar o meio ambiente está-se também a concretizar o direito à vida pois
viver num ambiente salubre é imperativamente sinónimo de bem-estar social. É
deste modo crucial que os Estados actuem em conjunto, valorizando e poupando o
meio ambiente para que se concretize o Princípio da Solidariedade de que falei.
Os Tratados que foram já celebrados
entre Estados e organizações internacionais demonstram uma regulamentação
razoável formada por regras e princípios que procuram assegurar o
desenvolvimento sustentável em todos os Estados. Embora insuficiente, este
facto é revelador de alguma consciencialização uma vez que, para todos os efeitos,
não se trata de uma realidade abstracta. No entanto, é de facto inegável que
falta a devida implementação destas regras e princípios e para que a mesma seja
possível é imperativa uma mudança de paradigma na sociedade actual, uma
efectiva concretização do Princípio da Solidariedade. Apenas um real despertar
de consciência será capaz de alterar a situação em que vivemos.
O Princípio da Solidariedade não
está isolado no sistema normativo, actua juntamente com outros valores da ordem
jurídica. Procura dar destaque à justiça social, tanto distributiva como
correctiva, e tem como objectivo a igual dignidade social, garantindo uma
existência humana saudável para todos os membros da sociedade. Como já referi,
está necessariamente ligado ao conceito de desenvolvimento sustentável no
sentido em que a ideia de um património comum da humanidade se relaciona
directamente com a questão ambiental: a importância dos bens ambientais é
apreciada tendo em conta a comunidade como um todo e não a pessoa individual per si.
Tendo em consideração tudo o que já
foi exposto, julgo que será pertinente questionarmo-nos sobre qual será então o
principal entrave à implementação das metas de desenvolvimento sustentável.
Para além da falta de preparação, a
realidade é que se pode considerar que existe falta de interesse da maioria dos
países quanto à implementação de uma política sustentável, sendo visível que
prevalecem ainda os interesses comerciais e económicos em detrimento dos
direitos humanos e da preservação ambiental. Da Conferência do Rio resultou o
reconhecimento das consequências da enorme quantidade de gases poluentes que
são emitidos, tendo sido feito o compromisso de redução gradual das suas
emissões.
Em
1997 foi inclusivamente adoptado, na 3ª Conferência das Nações Unidas sobre
Mudanças Climatéricas, o Protocolo de Quioto, cujo principal objectivo passava
pela diminuição das emissões totais de dióxido de carbono para a atmosfera. Porém,
tanto os Estados Unidos da América como a Rússia recusaram a sua participação
nesta tentativa de esforço comum e tal levou a que a meta traçada se tivesse
tornado de difícil alcance.
É imprescindível concluir que, para
que as Nações Unidas voltem a considerar organizar outro evento desta
magnitude, será necessária uma mudança nas posturas e nos valores globais para
que se consiga alcançar de forma efectiva a cooperação de todos os Estados na
solução dos problemas socio-ambientais. Independentemente deste factor, dentro
de cada País pode sempre ser considerado um conjunto de acções concretas, por
via de qualquer meio de que disponha, de modo a que se combata de vez este
desinteresse político relativamente às questões ambientais. Em Portugal, a
título de exemplo, existem instrumentos legais que permitem a defesa dos
interesses difusos próprios de um Estado de Direito Democrático que podem ser
invocados a este respeito.
Acresce ainda a ideia de que,
independentemente da existência das mais variadas convenções internacionais,
constitui um dever da Administração Pública a implementação de políticas
públicas de preservação do meio ambiente e de consciencialização da população
acerca destes problemas, que devem mesmo fazer parte do modo de agir de cada
indivíduo. Este era um pequeno grande avanço para que o desenvolvimento
sustentável deixasse de ser uma meta tão difícil de se alcançar na sua
plenitude.
O Princípio do Desenvolvimento Sustentável
carece de uma maior divulgação, de mais significado e importância. Exigem-se
acções concretas pois decisões que pautam pelo desenvolvimento sustentável são
da maior importância para a existência humana, para uma melhoria na qualidade
de vida no Planeta.
O fundamental é entender que não
pode haver desenvolvimento sem equilíbrio ecológico e esta ideia tem vindo a
ser percepcionada nos últimos 20 anos. O que pretendo enaltecer com este texto é
que o facto de se ter chegado a esta conclusão não é suficiente. É necessário
concretizar medidas e é essencial que se tome consciência de que não basta
saber qual é o caminho, é preciso saber que o temos que percorrer.
Sendo o ambiente uma componente
essencial da concepção actual do desenvolvimento e ultrapassada a ideia de que
a defesa do ambiente envolve menos lucro ou proveito pessoal, haverá certamente
um menor conflito entre a defesa do ambiente e as motivações típicas dos
consumidores. As normas jurídicas e as políticas ambientais deverão definir e
harmonizar a médio e longo prazo estas duas vertentes, ultrapassando
disparidades através da ideia dupla do equilíbrio ecológico e do
desenvolvimento global e integral.
Apenas a articulação entre ecologia
e economia numa perspectiva de desenvolvimento poderá levar a um cenário
unificador e globalizante. É imperativo integrar as ditas instituições do
Direito do Ambiente numa perspectiva global da evolução do Homem, de modo a que
se desenvolva uma relação equilibrada tanto dos seres humanos entre si como
destes com a própria Natureza.
A
planta está em crescimento. Veremos agora que valores trarão as suas pétalas,
quem e como as vão tratar. Sendo esta uma tarefa de todos nós, seremos fiéis
jardineiros?
Inês dos Santos Mateus
N.º de aluno: 19632
BIBLIOGRAFIA:
Monografias, Artigos e Teses
AMARAL, Diogo Freitas do; Direito do ambiente; Lisboa, 1994.
GOMES, Carla Amado;
- Introdução ao direito do ambiente;
Lisboa, AAFDL, 2012.
- Textos dispersos de direito do ambiente
e matérias relacionadas; volume II, Lisboa, AAFDL, 2008.
JUNIOR, Edson Beas Rodrigues; Tutela jurídica dos recursos da biodiversidade, dos conhecimentos
tradicionais e do folclore: uma abordagem de desenvolvimento sustentável; Rio
de Janeiro, Elsevier, 2010.
MAHALEM, Elza
Aparecida; O princípio do desenvolvimento
sustentável no Direito brasileiro e português - relatório de mestrado para
a cadeira de Relações Internacionais, Lisboa, 2004.
SILVA, Nara Cavalcanti Guimarães Mendes da; O desenvolvimento sustentável como princípio
fundamental dos direitos humanos inserido na órbita internacional - relatório
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Lisboa, 2009.
SILVA, Vasco Pereira da; Verde cor de direito: lições de direito do ambiente; Coimbra,
Almedina, 2002.
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