sábado, 13 de abril de 2013

O Estudo de Impacto Ambiental na Realidade Brasileira

SUMÁRIO

1. Introdução. 1.1. Conceito de EIA/RIMA; 1.2. Previsão legislativa; 1.3. Hipóteses de incidência; 1.4. Conteúdo do EIA; 1.5. Momento de realização; 1.6. Características - 2. Objetivo do EIA e a realidade brasileira: 2.1. Objetivo; 2.2. Críticas ao Sistema do EIA/RIMA na Legislação Brasileira; 2.3 Publicidade e audiência pública; 3.Conclusão.


1. Introdução

Hodiernamente, mais do que nunca, as questões relativas ao ambiente natural têm preocupado a sociedade, tomando proporções universais.
Problemas como o efeito estufa , o desmatamento indiscriminado , a deposição do lixo doméstico, industrial e hospitalar de forma inadequada, os resíduos nucleares, a contaminação dos rios, a degradação do solo pela mineração descriteriosa e utilização de agrotóxicos, a poluição atmosférica oriunda dos efluentes industriais e dos veículos automotores, entre outros, mobilizam não só ambientalistas como grande parte da população, preocupada com o futuro da humanidade.
O Coordenador de uma equipe de 60 cientistas que prepararam o relatório do Brasil para a RIO-92 (Conferência da ONU sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente que se realizou na Cidade do Rio de Janeiro, de 1º a 12.06.92) afirma que 1/5 dos habitantes do mundo industrializado consomem 80% das reservas naturais do Planeta, produzindo impacto ambiental 25 vezes superior ao dos 80 % da população pobre ou em desenvolvimento. Enquanto os países desenvolvidos poluem com a chuva ácida, o mencionado efeito estufa, a destruição da camada de ozônio, os resíduos plásticos e rejeitos nucleares jogados no mar, os subdesenvolvidos, além de acumular em parte os impactos suso aludidos, contribuem drasticamente para a degradação ambiental com o esgotamento de suas reservas naturais. A falta de saneamento básico é outra grande inimiga da natureza. No Brasil, 20 milhões de habitantes não têm água tratada, 75 milhões não têm serviço de esgoto e 60 milhões não têm coleta de lixo ( 63% do lixo das cidades é depositado em rios ou outros cursos d'água) .
A chamada "consciência ecológica" tem suas raízes no século XIX, como reação anti-industrialista preconizadora da "volta à natureza", ocorrida após a Revolução Industrial e baseada nas idéias de Rosseau, Chateaubriand, Novalis e Ruskin, segundo ensina Mateo .
De lá para cá, a devastação ambiental tomou um rumo frenético. Atualmente o mundo se volta para a defesa do que restou. O Brasil, como país terceiromundista, acompanhou a evolução legislativa protecionista, ainda que com alguma defasagem temporal, e hoje é titular de uma Constituição Federal que lhe dedica capítulo próprio.
Durante muito tempo a doutrina considerava o Direito Ambiental como um direito aplicado, por faltarem-lhe princípios e métodos de estudo próprios, valendo-se de outros ramos do direito e de ciências não-jurídicas para incidir na solução de um caso concreto. Hoje esse perfil alterou-se, sendo pioneiros na identificação de princípios próprios ao Direito Ambiental Toshio Mukai e Paulo Affonso Leme Machado . Já existe um anteprojeto de Código Ambiental . Por último, há estudos para a criação de um Código Penal Ambiental, onde é urgente a revisão da esparsa legislação dada à defasagem dos tipos penais, à inexistência de isonomia entre flora e fauna, à precária técnica legislativa. Ademais, o tema da responsabilidade penal da pessoa jurídica necessita receber a atenção do legislador .
Dentre os princípios de Direito Ambiental, destacam-se os da prevenção e precaução, consistentes no dever do Poder Público em tomar medidas preventivas para evitar o dano ambiental, mesmo quando haja ausência de certeza absoluta da relação de causalidade .
Dada a dificuldade e, muitas vezes, até a impossibilidade de retorno ao statu quo ante do ambiente degradado ou poluído; a complexidade da avaliação patrimonial do dano e sua onerosidade, a prevenção ainda é a medida protetiva mais eficaz.
O Estudo de Impacto Ambiental, como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente e meio preventivo por excelência, surge como precioso auxiliar para o controle prévio das alterações produzidas no entorno, visando, senão coibir a poluição, pelo menos, a minimizá-la, através de medidas alternativas, mitigadoras ou, em última hipótese, compensatórias do impacto ambiental, fruto da conclusão de estudos realizados por equipe multidisciplinar, anteriores à operação da atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, a fim de possibilitar o que a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, realizada em 1972, em Estocolmo, denominou de desenvolvimento sustentável .
O conhecimento desse instituto importa a todos os profissionais do Direito, especialmente aos membros do Ministério Público que, ao lado dos demais legitimados, têm o poder-dever de ajuizar a Ação Civil Pública na defesa do ambiente natural e cultural, consoante a dicção dos arts. 129, inciso III, da Constituição Federal e 5º, da Lei nº 7.347, de 24.07.85 . Para abordar a matéria é preciso, previamente, esclarecer que a questão ambiental envolve um interesse supra-individual, que necessitou obter guarida no Direito, deflagrando evoluções em seus institutos.
A aceleração e a crescente complexidade das relações jurídicas demonstrou a falência do direito tradicional para solucionar muitos dos conflitos emergentes da sociedade moderna, entre eles, os conflitos ambientais.
Nosso Código Civil, inspirado no liberalismo jurídico reinante na Europa do século passado, prioriza a solução de conflitos intersubjetivos, enfatizando o caráter individualista do direito e super-valorizando a propriedade privada .
Por sua vez, o interesse de agir, erigido a uma das condições da ação, embora considerado como direito subjetivo público à prestação jurisdicional, guarda estreita relação com o interesse material deduzido pela parte.
Assim, tradicionalmente, em matéria processual, somente o titular do direito subjetivo ou seu representante legal, podem demandar em juízo a satisfação de seu interesse, ressalvando-se, expressamente, os casos de substituição processual (art. 6º, do Código de Processo Civil) .
Mauro Cappelletti, a partir de estudos publicados na década de 70 revelou a superação da summa divisio - Direito Público-Privado para solucionar os múltiplos conflitos oriundos de uma sociedade de massa, chamando a atenção para a existência de interesses meta ou transindividuais, aos quais denominou de interesses difusos.
Rodolfo de Camargo Mancuso conceitua os interesses difusos como "os interesses meta-individuais que, não tendo atingido o grau de agregação e organização necessário a sua afetação institucional junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses já socialmente definidos, restam em estado fluido, dispersos pela sociedade civil como um todo" .
São características dos interesses difusos: a supraindividualidade ou metaindividualidade; pluralidade de titulares em número indeterminado e, praticamente indeterminável; indivisibilidade do objeto do interesse, cuja satisfação a todos aproveita e cuja postergação a todos prejudica, em conjunto; existência de vínculos fáticos entre os titulares; potencial e abrangente conflituosidade; ocorrência de lesões disseminadas em massa; desigualdade entre os pólos titulares dos interesses postos em conflito .
O pleito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é exemplo, por excelência, de interesse difuso, pois a conservação dos recursos naturais interessa a todos os habitantes da região afetada, direta ou indiretamente, pela degradação ambiental.
É impossível identificar a titularidade do interesse ao ar puro ou à qualidade da água, pois importam à coletividade de forma indeterminada.
Inexiste vínculo associativo, mas meramente fático ou circunstancial entre os titulares desse ambiente.
Dada a abrangência e complexidade das relações jurídicas que envolvem as questões ambientais é comum ocorrer "uma conflitualidade de massa" : os conflitos deixam de ocorrer indivíduo versus indivíduo para operar-se em maior âmbito; v.g., instalação de empresa poluidora versus razoável oferta de empregos.
A satisfação da pretensão deduzida em juízo a todos aproveita, em face da indivisibilidade do objeto, pelo que, os interesses difusos não são formados por interesses individuais justapostos nem constituem a mera soma desses interesses.
Em conseqüência, sem descurar da legitimidade daquele pessoalmente ofendido por determinada atividade degradadora, houve necessidade da progressão dos instrumentos legais aptos a tutelar os anônimos interesses dos mais diversos prejudicados, ainda que sujeitos indetermináveis.
Assim é que, no âmbito civil, a legislação brasileira evoluiu de uma tutela ao dano meramente individual, normalmente arrimada no ato ilícito ou no uso nocivo da propriedade, para viabilizar uma proteção mais efetiva, através de instrumentos como a ação popular e a ação civil pública.
Verificou-se a necessidade de adequação das normas à realidade moderna, de conflitos inúmeros e multifacetados que abarrotam os tribunais. Em face dessa situação, o processo civil precisa progredir, resguardando, com efetividade, os interesses da população e deixando de subjugá-los aos interesses individuais por meio de normas inacessíveis à maioria dos brasileiros .
Não se pode mais admitir que, em nome da supremacia dos valores individuais sobre os sociais, mantenham-se situações odiosas, onde poucos privatizam o lucro de atividades, no mais das vezes nocivas ao meio, impondo às comunidades o ônus de suportar um ambiente degradado, atentatório à qualidade de suas vidas .
Aliada à questão do acesso à justiça devemos ter presente a necessidade de buscarmos fomento a meios preventivos de defesa do ambiente natural. A prevenção do dano ambiental, hoje erigida a princípio desse novo ramo do Direito, é a única medida capaz de garantir um ambiente hígido para as futuras gerações. De nenhuma valia serão grandes somas destinadas a fundos de reconstituição se não houver ambiente a recuperar.
Dentre os instrumentos legislativos existentes para prevenir o dano ao ambiente o de maior destaque é, sem sombra de dúvida, o estudo de impacto ambiental, quer pela sua finalidade, quer pela ímpar possibilidade de participação popular.
Lamentavelmente, entretanto, esse instrumento da política nacional do meio ambiente - passados mais de dez anos de vigência da Resolução que regulamentou seu procedimento -, ainda é desconhecido de grande parte da população e, até, dos aplicadores do Direito, dando azo a seu desvirtuamento para a acomodação de interesses políticos.

1.1. Conceito de EIA/RIMA

A par da significativa evolução da legislação ambiental brasileira, a sociedade civil ainda não alcançou o grau de organização necessário para refrear o processo de destruição ambiental em sua origem. Assim, normalmente, os atentados à natureza são combatidos por via judicial, quando seus efeitos nefastos já se fizeram sentir.
O Estudo de Impacto Ambiental, embora não seja uma panacéia, capaz de resolver, por si só, todos os problemas que afligem a natureza, é, como lembra Antônio Herman V. Benjamin é um grande auxiliar em sua defesa, pois retira do órgão licenciador a discricionariedade absoluta, tanto no aprovar, como no rejeitar liminarmente um determinado projeto.
Para chegar-se ao conceito de EIA é preciso conhecer-se o de impacto ambiental.
Impacto é sinônimo de choque, colisão .
Impacto Ambiental pode ser definido como "o conjunto de conseqüências da criação ou presença de um empreendimento sobre o ambiente" ou "o conjunto das repercussões e das conseqüências que uma nova atividade ou nova obra, quer pública ou privada, possa ocasionar ao meio ambiente físico com todos os seus componentes (segurança do território) e às condições de vida da população interessada (qualidade de vida)" .
A definição jurídica de impacto ambiental vem expressa no art. 1º da Res. 1, de 23.1.86 do CONAMA, nos seguintes termos: "considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente e a qualidade dos recursos naturais".
O EIA é "um conjunto de atividades científicas e técnicas que incluem o diagnóstico ambiental, a identificação, previsão e medição dos impactos, sua interpretação e valoração e a definição de medidas mitigadoras e de programas de monitorização destes."
Também é definido como "um estudo das prováveis modificações nas diversas características sócio-econômicas e biofísicas do meio ambiente que podem resultar de um projeto proposto" .
Por sua vez, o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), que espelha as conclusões do EIA , é um resumo desse, consubstanciado em um documento elaborado em linguagem acessível, municiado com gráficos, cartazes, fluxogramas e outras técnicas visuais para facilitar seu entendimento.

1.2. Previsão legislativa

A origem do EIA no Brasil deveu-se à exigência de órgãos financiadores internacionais , posteriormente vinculando-se ao sistema de licenciamento ambiental. Foi contemplado, pela primeira vez, na Lei 6.803, de 3.7.80, que dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição. A previsão, contudo, era bastante acanhada porque a mencionada lei limitava-se a exigir o EIA para a localização de pólos petroquímicos, cloroquímicos, carboquímicos, instalações nucleares e outras definidas em lei para zoneamento estritamente industrial em áreas críticas de poluição.
Posteriormente, a Lei 6.938/81 veio inserir a Avaliação de Impactos Ambientais como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, no art. 9º, inciso III, sem ainda definir seu conceito, hipóteses de incidência, conteúdo mínimo e momento de preparação. Note-se que houve, sem dúvida, uma evolução na denominada Lei da Política Nacional do Meio-Ambiente em relação à Lei do Zoneamento Industrial, pois esta limitava-se a contemplar o EIA tão-somente para as atividades industriais, quando fossem implantadas em zona estritamente industrial. A Lei 6.938/81, no que tange ao EIA, teve o mérito de prever a Avaliação de Impactos Ambientais como instrumento da Política Nacional do Meio-Ambiente, ainda que de forma genérica, mas sem circunscrevê-la ao limitado campo das atividades industriais. Além disso, em razão da mencionada generalidade, avançou ao incluir as ações degradadoras produzidas pelas pessoas jurídicas de Direito Público.
A principiologia da Lei 6.938/81 apenas concretizou-se com a Res. 1/86 do CONAMA. Esse órgão, a quem compete estabelecer normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras veio, através da Res. 1/86, disciplinar o Estudo de Impacto Ambiental quanto às atividades que ensejam sua formulação, conteúdo mínimo e procedimento. As audiências públicas foram previstas na Res. 09/87 do CONAMA que, derrogando o art. 11 da Res. 1/86, retirou a discricionariedade do poder público na sua realização quando solicitadas pelo Ministério Público, cinqüenta ou mais cidadãos ou por entidade civil, sob pena de invalidação do futuro licenciamento.
A Constituição Federal, dedicando capítulo próprio ao Meio-Ambiente, erigiu-o à categoria de bem de uso comum do povo, considerando-o essencial à qualidade de vida e determinando incumbir ao Poder Público e à coletividade o dever de preservá-lo e defendê-lo para as presentes e futuras gerações.
Para assegurar o direito fundamental de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 5º, LXXIII), a Lei Maior determinou incumbir ao Poder Público a exigência do estudo de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, assegurada a sua publicidade (art. 225, § 1º, IV).
Derradeiramente, o Decreto 99.274/90, revogando expressamente o de n° 88.351/83 , dispôs competir ao CONAMA a fixação dos critérios básicos que determinam a realização do EIA; assegurou seu acesso ao público , exceto alegação comprovada de sigilo industrial, bem como definiu sua realização por técnicos habilitados, cabendo ao proponente do projeto arcar com as despesas da elaboração.
Assim, a restrição inaugural do EIA às atividades industriais não permanece. Seu espectro é muito maior, incidindo sobre outras, quer em zona industrial ou não, nos limites urbanos ou em áreas rurais. Seu limite está na verificação, pelo órgão licenciador, da potencialidade de geração de impactos significativos após a implantação da obra ou atividade.
Feita essa breve digressão, interessa-nos examinar o EIA quanto aos seus objetivos, hipóteses de incidência, momento de elaboração, conteúdo e publicidade.

1.3. Hipóteses de incidência

Todas as atividades potencialmente poluidoras devem sujeitar-se ao licenciamento ambiental, nos termos do art. 10, da Lei 6.938/81.
O licenciamento ambiental constitui-se em um procedimento administrativo durante o qual são deferidas "Licenças Ambientais" progressivas, na medida do atendimento das determinações do órgão licenciador.
O Decreto 99.274/90, no art. 19, prevê essas fases do licenciamento.
A primeira é a Licença Prévia, correspondente à etapa preliminar do planejamento da atividade. Na prática, a Licença Prévia (LP) equivale a uma autorização, sinalando a possibilidade de futura implantação do projeto no sítio eleito pelo empreendedor. É uma mera declaração de compatibilidade do imóvel escolhido para sediar a futura atividade com as leis de uso do solo, v.g., com o plano diretor do município.
A segunda, denominada de Licença de Instalação (LI), autoriza o início da implantação do empreendimento, de acordo com as especificações constantes do projeto executivo aprovado - faculta ao proponente o início das obras.
Por fim, a Licença de Operação (LO), autoriza o exercício da atividade licenciada e o funcionamento de seus equipamentos de controle de poluição, de acordo com o previsto nas licenças anteriores.
O EIA, em que pese atrelado ao processo de licenciamento, com ele não se confunde . O licenciamento ambiental é exigido para toda e qualquer atividade potencialmente poluidora. O EIA, ao revés, deve ser elaborado apenas para as atividades potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental, isto é, apenas para aquelas capazes de provocar impactos significativos.
Portanto, não é qualquer atividade degradadora/poluidora que enseja a elaboração do EIA mas, somente, aquelas capazes de gerar alteração adversa significativa.
Quais são as atividades capazes de gerar significativos impactos ambientais? O art. 2º, da Res. 1/86 do CONAMA, com os acréscimos advindos das Res.11, de 18.3.86 e 5, de 6.8.87 trazem o rol dessas atividades. Esse elenco não é "numerus clausus" pois o "caput" do mencionado artigo, após utilizar a expressão tais como, arrola várias atividades modificadoras do meio ambiente, cujo licenciamento depende, obrigatoriamente, da elaboração de EIA/RIMA.
Para divisar-se outras espécies de atividades modificadoras do ambiente que, não inventariadas no art. 2º, determinam a elaboração de EIA/RIMA para o regular licenciamento, é preciso conjugar-se a referida norma com o disposto no art. 225, § 1º, IV, da CF.
Portanto, além das estradas de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento, aterros sanitários, portos, aeroportos, mineração, distritos industriais, projetos urbanísticos e agropecuários acima das áreas definidas no art. 2º, XV e XVII, e outras atividades que elenca, dependerá de EIA/RIMA, para licenciamento, todo o empreendimento, industrial ou não, capaz de causar, ainda que potencialmente, significativa degradação ambiental.
A vantagem do rol exemplificativo constante do Resolução do CONAMA é retirar a discricionariedade da Administração Pública para licenciar tais empreendimentos. Constem eles daquele rol, o órgão licenciador não poderá dispensar o EIA/RIMA sob pena de invalidar o procedimento administrativo, eis que se trata de ato vinculado .
Relembremos os requisitos dos atos administrativos: competência, finalidade, forma, motivo e objeto.
Segundo Hely Lopes Meirelles , "motivo ou causa é a situação de direito ou de fato que determina ou autoriza a realização do ato administrativo. O motivo, como elemento integrante da perfeição do ato pode vir expresso em lei, como pode ser deixado ao critério do administrador. No primeiro caso será um elemento vinculado..."
Ora, o motivo ou causa da exigência do estudo de impacto ambiental vem expressamente previsto nas hipóteses elencadas no art. 2°, da Res. 1/86 do CONAMA, vinculando, assim, a administração a exigi-lo naqueles casos.
Há, portanto, uma presunção, de natureza absoluta e de caráter cogente, de que aquelas atividades, uma vez implementadas, causarão impactos significativos. A opção do legislador em elencar algumas atividades tem, exatamente, essa finalidade. A Res. 01/86 do CONAMA, recepcionada pela Lei Maior, garante minimamente à sociedade, a exigência de minuciosa análise dos impactos pelo órgão licenciador para aquelas atividades previstas em seu art. 2°, restringindo a liberdade do administrador e permitindo a participação popular através dos comentários escritos e audiências públicas
Assim, não encontra apoio legal a tese que sustenta ser a exemplaridade do rol do art. 2°, da Res. 1/86 um mecanismo apto a tornar discricionária a exigência do EIA/RIMA pelo órgão licenciador.
De outro lado, dificuldade residiria em descobrir-se a natureza do ato administrativo que exige ou dispensa a elaboração do EIA/RIMA para as atividades não elencadas no art. 2º.
É que as expressões "potencialmente" e "significativa", constantes do texto constitucional, dão margem à valoração pelo administrador. Traçando um paralelo com o Direito Penal, seriam como elementos normativos do tipo (de valoração de conduta).
Atos administrativos vinculados ou regrados são "aqueles para os quais a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização. Nessa categoria de atos, as imposições legais absorvem, quase que por completo, a liberdade do administrador, uma vez que sua ação fica adstrita aos pressupostos estabelecidos pela norma legal, para validade da atividade administrativa. Desatendido qualquer requisito, compromete-se a eficácia do ato praticado, tornando-se passível de anulação pela própria Administração, ou pelo Judiciário, se assim o requerer o interessado".
Contrariamente, nos atos discricionários, há relativa liberdade de avaliação e decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade.
Como foi dito, não restam dúvidas de que as expressões "potencialmente" capazes de gerar "significativa" degradação ambiental, constantes da Constituição Federal, por serem vagas, dão margem a interpretações pelo agente do órgão licenciador.
Em princípio, portanto, poder-se-ia concluir que não se tratando de atividade elencada no art. 2º da Res. 1/86 do CONAMA, o órgão licenciador teria discricionariedade para exigir ou dispensar o EIA/RIMA.
Não me parece tenha sido esta a intenção do constituinte ao determinar que o Poder Público exija, na forma da lei, para o licenciamento de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, estudo prévio de impacto.
A Res. 1/86 do CONAMA, "sendo ato jurídico-administrativo normativo, possui certas características de lei: é geral, abstrato e obrigatório para seus destinatários" . Não poderia ela, com certeza, abarcar todas as atividades que necessitariam de prévio EIA/RIMA para o licenciamento.
A avaliação de outras atividades não elencadas no art. 2º da mencionada Resolução, ainda que ensejem a valoração do poder público quanto aos seus significativos impactos, não facultam a dispensa do EIA/RIMA por critérios de conveniência ou oportunidade.
A qualidade de "significativamente degradante", oriunda da atividade, não depende de juízo de valor sumário do agente.
A dispensa de EIA/RIMA deve ser fundamentada a partir de dados científicos e da experiência do órgão licenciador em casos análogos . Haveria, aí, uma discricionariedade técnica.
Releva notar que, ainda que se considere discricionária a atividade do agente em exigir ou dispensar o EIA/RIMA para atividades não elencadas no art. 2º, "...resulta certo que a liberdade administrativa acaso conferida por uma norma de direito, não significa sempre liberdade de eleição entre indiferentes jurídicos. Não significa poder de opções livres, como as do Direito Privado" .
Nenhum ato é absolutamente discricionário, eis que estará sempre vinculado ao Princípio da Finalidade do ato administrativo, que é, necessariamente, o interesse público.
Assim, toda vez que o agente público, usando de discricionariedade, desviar-se do interesse público, cabível é a invalidação do ato pela própria Administração, nos termos da súmula 473 do STF, ou o recurso ao Judiciário para avaliação da finalidade do ato administrativo inquinado .
Traçando-se um paralelo com o patrimônio cultural, outro bem jurídico tutelado pela Lei 7.347/85, importante referir haver firmada jurisprudência no sentido da desnecessidade de tombamento dos bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico para merecerem a proteção pela Lei da Ação Civil Pública .

1.4. Conteúdo do EIA

O Dec. 99.274/90 (art. 17, § 1º) e a Res. 1/86 do CONAMA (arts. 5º, 6° e 9º ) dispõem sobre o conteúdo mínimo do EIA/RIMA:
1. Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto - consiste no levantamento e análise dos recursos ambientais e suas interações na área de influência do projeto, considerando o meio físico, biológico e sócio-econômico. O diagnóstico ambiental é trabalho preliminar do EIA, referente ao levantamento das características da região, ainda sem a consideração das alterações que advirão com a futura implementação do empreendimento.
A área de influência do projeto é aquela que será afetada pelos impactos, podendo transcender ao espaço territorial do município sede do empreendimento .
2. Descrição da ação proposta e suas alternativas e identificação, análise e previsão dos impactos significativos, positivos e negativos.
3. Definição das medidas mitigadoras desses impactos, tais como, a implementação de equipamentos antipoluentes. Entre tais medidas, embora não expressamente prevista pela Resolução do CONAMA, poderão estar as compensatórias, em caso de impacto irreversível.
4. Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e negativos. Note-se que o monitoramento dos impactos produzidos pela atividade estudada ocorrerá após o deferimento da Licença de Operação. Contudo, já deverá estar programado desde a elaboração do EIA.
O coração do EIA são as alternativas tecnológicas e locacionais, confrontadas com a hipótese de não execução do projeto, pois de nada vale o estudo se a forma de atuar e a localização do projeto forem impostas à sociedade.
Esses requisitos mínimos, sendo garantias da sociedade, vinculam o licenciamento. A dispensa pelo órgão licenciador, de qualquer deles, fulmina de invalidade o procedimento.

1.5. Momento de realização

O EIA deve ser elaborado em momento prévio ao licenciamento e deve anteceder à licença prévia, pois com ela pode ser incompatível. Suponhamos que a equipe técnica do órgão licenciador considere inadequada a localização do empreendimento, opinando pela utilização de alternativa locacional existente no EIA. O deferimento da licença prévia, anteriormente à apreciação do EIA/RIMA seria incompatível com a conclusão do órgão licenciador. Para evitar tal contradição, não obstante o entendimento doutrinário preponderante de que a licença prévia não passa de autorização, não gerando direito subjetivo, é mister aguardar-se a apreciação final do EIA/RIMA pelo órgão licenciador para o deferimento da licença prévia.
De qualquer sorte, em nenhuma hipótese poderá ser deferida Licença de Instalação e, muito menos, de Operação, sem a necessária apreciação final do EIA/RIMA.
Do contrário, como lembra o insigne Procurador de Justiça, Antônio Herman Benjamin "a finalidade do EIA se quedará impossível de realização e o próprio EIA se transformaria em farsa para encobrir um licenciamento irregular" .
O licenciamento ambiental deferido antes da apreciação final do EIA/RIMA determina responsabilidade objetiva da Administração pelos danos advindos ao meio ambiente, nos termos do art. 37, § 6º da CF.

1.6. Características

Do que foi até aqui exposto podemos extrair as características do EIA: é instrumento preventivo de danos ao meio-ambiente e forma de avaliação dos impactos ambientais considerados significativos; é atrelado ao procedimento administrativo licenciador, sendo prévio à autorização da obra ou atividade - leia-se, da Licença Prévia -; é exigido pela Administração Pública, elaborado pela conjugação da análise de diversas áreas de conhecimento técnico; suas despesas são arcadas pelo proponente do projeto, garantida sua publicidade .

2. Objetivo do EIA e a realidade brasileira

2.1. Objetivo

O objetivo do EIA é "conciliar o desenvolvimento econômico com a conservação da natureza, estabelecendo vínculo entre a proteção do meio ambiente e os processos de decisão" .
É, na verdade, um instrumento de controle prévio ao licenciamento para evitar que a implantação de atividades, cujos impactos sejam significativos ao ambiente, possa ocorrer por critérios de mera conveniência e oportunidade da Administração. Além disso, o EIA permite criteriosa avaliação científica dos impactos, positivos e negativos, de determinada atividade, podendo ensejar o indeferimento das licenças ambientais pelo órgão licenciador.

2.2. Críticas ao sistema do EIA/RIMA na legislação brasileira

Embora o EIA brasileiro tenha-se inspirado no National Environmental Policy Act, Lei da Política Nacional Ambiental Norte-americana, de 1969, que o previa como instrumento de planejamento, a legislação brasileira vinculou-o ao licenciamento ambiental, oferecendo margem a pressões econômicas e políticas.
Na prática brasileira, muitas vezes, inexiste o monitoramento tal e qual disciplinado pela Res. 1/86 do CONAMA. Pela deficiência natural da máquina administrativa no país - agora extremamente agravada pelos Planos de Demissão (ou desligamento) Voluntários -, é comum optar-se pelo automonitoramento, que consiste no envio periódico dos efluentes das empresas ao órgão fiscalizador, previamente analisados por laboratórios não oficiais, o que debilita o acompanhamento das atividades poluidoras.
O EIA pátrio se presta para a produção de documentos freqüentemente inadequados pelo despreparo científico das equipes multidisciplinares e análise deficiente devido à carência material dos órgãos da Administração Pública.
Por fim, nosso sistema permite a sobreposição de interesses políticos sobre as conclusões dos EIA/RIMAs . Enquanto Estados e Municípios esforçam-se em uma competição para ver quem oferece mais vantagens, grandes empreendimentos fazem exigências de toda ordem, até com a tentativa de escamoteamento da legislação ambiental.

2.3. Publicidade e audiência pública

A publicidade é deficiente.
A manifestação do público quanto ao EIA/RIMA é prevista, em duas oportunidades: a primeira, de forma escrita, corresponde a fase de comentários (art. 11 da Res. 1/86), quando o RIMA fica à disposição na biblioteca do órgão licenciador. Essa norma é de pouca eficácia. A prática tem demonstrado que são raras as entidades que se manifestam nos prazos concedidos . A segunda, oral, correspondia, inicialmente, à possibilidade de o órgão ambiental "sempre que julgar necessário" (art. 11, § 1º), promover a realização de audiência pública.
Nos termos da Res. 1/86 do CONAMA, portanto, a realização de audiência pública dependia exclusivamente da vontade da Administração. A Res. 9, de 3.12.87 veio retirar o caráter discricionário quanto à realização de audiência pública ao prever, em seu art. 2º, que "sempre que julgar necessário, ou quando for solicitado por entidade civil, Ministério Público, ou por 50 ou mais cidadãos, o órgão do Meio Ambiente promoverá a audiência pública".
Note-se que, por expressa disposição da Resolução do CONAMA, o Ministério Público poderá "solicitar" a realização de audiência pública, caso em que a Administração ficará compelida a realizá-la. Ainda que a expressão "solicitar" não se coadune com os poderes deferidos ao Ministério Público pela Constituição Federal (art. 129, IV) e pela Lei 7.347/85 (art. 8°, § 1°) é certo que se previu a possibilidade de intervenção ministerial no processo de avaliação do EIA/RIMA pelo órgão licenciador, no que tange à audiência pública. Com isso, abre-se uma brecha para a participação do Ministério Público no referido processo de decisão, deixando de ser mero espectador, ainda que ativo, dos fatos ocorridos durante a elaboração do EIA/RIMA e do processo de licenciamento, para ser órgão interveniente e fiscal de seu correto desenvolvimento perante a Administração.
Veja-se que, no § 2° do mesmo artigo, a Resolução dispõe ser inválida a licença concedida, pendente solicitação de audiência pública.
Não obstante a evolução legislativa, a audiência pública ainda não permite uma eficaz participação do público atingido no processo decisório do EIA/RIMA. Isso porque ela é posterior à entrega do estudo e não vincula a decisão do órgão licenciador. Serve apenas de subsídio à decisão final sobre o EIA/RIMA e oportuniza a indagação do público à equipe multidisciplinar, ao proponente do projeto e ao próprio órgão licenciador ambiental acerca do conteúdo do estudo .
Tal como hoje está prevista, a audiência pública é de pouca eficácia, não só informativa, como quanto ao poder de participação e influência na decisão relativa ao licenciamento.
O que a prática vem demonstrando é que o envolvimento do público, no mais das vezes, é "formal, previsível e orientado" , tanto em relação àqueles que pretendem a implantação de um projeto, quanto em relação aos que o rechaçam.
A triste experiência do Estado do Rio Grande do Sul, nas audiências públicas que vem realizando é o patrocínio, pelos proponentes dos projetos e Prefeituras Municipais, de verdadeiras caravanas de interessados tão-só na "industrialização do Estado". Através dessa estratégia, o legítimo espaço que deveria ser dedicado ao questionamento dos impactos ambientais resta, praticamente, inviabilizado.

3. Conclusão

Ainda que a legislação brasileira tenha acompanhado a necessária evolução que impõe medidas protetivas ao ambiente, verifica-se que a sociedade não logrou acompanhar, satisfatoriamente, tal processo.
É preciso proteger o meio, sem descurar do desenvolvimento econômico, indispensável em um país terceiromundista.
Mas esse processo deve ser consciente, exigindo investimentos e, principalmente, a mudança da arraigada mentalidade, onde a voz corrente é a de que "não existe maior poluição do que a pobreza".
Instrumentos como o EIA/RIMA permitem, se adequadamente utilizados, compatibilizar o desenvolvimento com a proteção do ambiente.
Diz o ditado popular que "mais vale prevenir do que remediar". Urge fortalecer a sociedade com tais meios preventivos, modificando o atual quadro, em que se busca a recuperação do meio, quase que com exclusividade, através do Judiciário.
O fortalecimento da sociedade passa não só pela educação ambiental como pela possibilidade de efetiva participação popular na Política Nacional do Meio Ambiente , com iniciativa para apresentação de projetos legislativos, participação em órgãos colegiados, dotados de poderes normativos, e através do Poder Judiciário.
Precisamos, por fim, urgentemente, oferecer meios para o eficaz controle popular do EIA/RIMA, hoje limitado às audiências públicas.
Somente assim conseguiremos dar o salto qualitativo que a defesa do Meio-Ambiente no Brasil exige.

in: http://www.mp.rs.gov.br/ambiente/doutrina/id21.htm

                                                                                                     Sofia Morgado, 19862

Sem comentários:

Enviar um comentário