TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA
Exmo.
Sr. Juiz de Direito do Tribunal
Administrativo
de Círculo de Lisboa,
A
Sociedade Lislixo, S.A., NIPC 123
123 123, com sede na Rua Patrocínio, Nº 111, 2715-311, Lisboa,
Em
coligação com,
A
Associação Ambientalista Verdetotal,
NIPC 987 987 987, com rede na Rua Monte Olivete, Nº 35, 1200-278, Lisboa,
Vem
propor acção administrativa comum contra,
O
Município de Lisboa, Paços do
Concelho – Praça do Município, 1149 – 014, Lisboa,
A
Entidade Reguladora dos Serviços de
Águas e de Resíduos, I.P., com sede no Centro Empresarial Torres de Lisboa,
Rua Tomás da Fonseca, Torre G, 8º, 1600-209, Lisboa,
O
Ministério da Agricultura, do Mar, do
Ambiente e do Ordenamento do Território, com sede em Praça do Comércio,
1149-010, Lisboa,
O
que faz nos termos do art. 37º, nº 1, e nº 2, alínea c) do Código de Processo
nos Tribunais Administrativos, doravante CPTA, e com os seguintes fundamentos:
I – DOS PRESSUPOSTOS DA ACÇÃO
1º
Considera-se
competente a jurisdição administrativa e fiscal nos termos do número 3 do art.º
212º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), e art.º 4.º, n.º
1, alíneas f) e l) do Estatuto dos Tribunais Administrativos Fiscais (doravante
ETAF);
2º
Tendo em
conta que estamos perante uma situação de execução de um contrato
administrativo, i.e., um contrato
cujo regime substantivo se encontra regulado por normas de direito administrativo,
a alínea f), do n.º 1 do art.º 4.º encontra-se preenchida;
3º
Competente,
também, nos termos da alínea l), do mesmo art.º 4.º/1 do ETAF, na medida em que
estamos perante a apreciação de “actividades
proibidas por normas de direito administrativo, que imponham à Administração o
dever de prevenir e reprimir a respectiva violação” (MÁRIO AROSO ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2010,
p. 173);
4º
Quanto à sua
competência territorial, a mesma verifica-se, nos termos dos arts. 16º e 19º
CPTA, por ser o tribunal em questão o do lugar do cumprimento do contrato, e o
da residência habitual dos Autores, respectivamente;
5º
A «Sociedade
Lislixo, S.A.» é parte legítima, nos termos do art. 9º, nº 1 CPTA, por ser
parte na relação material controvertida, nomeadamente por haver celebrado um
contrato de concessão de serviços públicos (Doc.
Anexo 1) com o Município de Lisboa, nos termos do art. 407º nº2 do Código
dos Contratos Públicos, doravante CCP;
6º
A
«Associação Ambientalista Verdetotal» é parte legítima nos termos do art. 9º,
nº 2 CPTA, do art. 52º nº 3 da CRP e do art. 2º nº1 e 3º da Lei nº 83/95, de 31
de Agosto, que rege o Direito de Participação Procedimental e Acção Popular.
7º
O Município
de Lisboa é competente em matéria de gestão de resíduos urbanos e promoção do
ambiente e saúde pública, segundo o consagrado nos arts. 13º, nº 1, alínea l),
e 26º, nº 1, alínea c), da Lei nº 159/99, de 14 de Setembro, pelo que se
considera parte legítima, nos termos do art. 10º, nº 1 CPTA, por ser parte na
relação material controvertida;
8º
Acresce
ainda que o Município de Lisboa celebrou com a Sociedade Lislixo, S.A., um
contrato de concessão de serviços públicos, nos termos do art. 407º, nº 2 do Código
dos Contratos Públicos (doravante CCP), nos termos do qual a segunda se obrigou
à gestão de resíduos sólidos urbanos, actividade de serviço público a cargo do
referido município, sendo remunerada pelos resultados financeiros dessa gestão,
pelo que, por virtude desse contrato, é igualmente parte na relação material
controvertida, conforme resulta da aplicação do art. 10º, nº 1 do CPTA;
9º
A Entidade
Reguladora dos Serviços de Águas e de Resíduos, I.P.(doravante ERSAR, I.P.), é
competente em matéria de regulação das entidades gestoras de resíduos sólidos
urbanos, cabendo-lhe também a promoção de uma política sustentável neste
sector, e ainda a promoção do ambiente, nos
termos do art. 5º, nº 1, alínea c) e nº 2, alínea a), b), d) e j) do
Decreto-Lei nº 277/2009, de 2 de Outubro, que aprova a orgânica da respectiva
entidade, tendo assim legitimidade passiva nos termos do art. 10º, nº 1 CPTA,
por ser parte na relação material controvertida;
10º
A Inspecção
Geral do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do
Território (IGAMAOT), possui competência para decidir em questões de
contra-ordenações ambientais, nos termos do art.2º, nº2, do Decreto-Lei nº
23/2012, de 1 de Fevereiro, que aprova a sua orgânica. Ora, atenta a regra do art.
10º, nº2, do CPTA, estando em causa a acção ou omissão de uma entidade pública,
“deve ser demandada a pessoa colectiva de
direito público ou , no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja
imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de
praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”. Neste
caso, considera-se parte legítima o Ministério da Agricultura, do Mar, do
Ambiente e do Ordenamento do Território (doravante MAMAOT), no qual se integra
a IGAMAOT, nos termos do art. 1º do Decreto-Lei referido;
11º
A coligação
é admissível, entre os vários Autores contra os vários Réus, pois apesar da
diferença da causa de pedir, a procedência dos pedidos principais depende
essencialmente da apreciação dos mesmos factos e da interpretação e aplicação
dos mesmos princípios ou regras de direito, nos termos do art. 12º, nº 1,
alínea b), do CPTA.
II – DOS FACTOS
12º
A Sociedade Lislixo,
S.A. celebrou, no dia três de Dezembro de dois mil e nove, com o Município de
Lisboa, um contrato de concessão de serviços em regime de exclusividade (Doc. Anexo 1);
13º
O objecto do
contrato passava (e passa ainda) pela recolha e triagem dos resíduos sólidos
urbanos da área concelhia de Lisboa;
14º
Em 2012,
reportaram-se várias situações de desaparecimento de Resíduos Sólidos Urbanos
(RSU) que se encontravam nos ecopontos da Sociedade Lislixo, S.A.;
15º
Verificou-se
que estes desaparecimentos se deviam à recolha dos RSU por parte de sujeitos
privados desconhecidos, que se antecipavam à passagem das viaturas de recolha
da Sociedade Lislixo, S.A., a qual ocorre diariamente, entre as 23h e as 5h;
16º
Nos cálculos
finais de recolha de RSU do ano de 2012, constatou-se uma diminuição de cerca
de 40% (Doc. Anexo 2) em relação aos
anos anteriores;
17º
Apesar da
grave crise económica que o país atravessa, podemos verificar que, noutros
concelhos (Doc. Anexo 3), a
diminuição não foi tão acentuada, o que demonstra estarmos perante um problema
local, a saber, o dos “catadores de lixo”.
18º
Como
consequência desta situação, resultaram perdas significativas nos proventos
económicos da Sociedade Lislixo, S.A., na ordem dos 33% (Doc. Anexo 4);
19º
Tais perdas
colocam a empresa numa situação bastante débil, uma vez que a sua situação
económico-financeira depende única e exclusivamente do contrato celebrado com o
Município de Lisboa, o seu único “cliente”;
20º
Tornando-se
assim extremamente difícil a execução de um serviço com tão elevados custos,
pois a quebra verificada, para além de não permitir que a empresa atinga
qualquer lucro decorrente sua actividade, revela-se igualmente insustentável o
suporte das despesas com os funcionários e com a manutenção do equipamento
técnico crucial;
21º
Para além
dos graves prejuízos económicos, a actuação dos catadores de lixo prejudicou
também o espaço circundante dos ecopontos, uma vez que o mesmo foi deixado em
condições precárias (Doc. Anexo 5);
22º
Tais
situações demonstraram-se prejudiciais para o ambiente e para a saúde pública
da população (Doc. Anexo 6);
23º
As situações
prejudiciais para o ambiente surgem, sobretudo, em virtude de os RSU serem
removidos por sujeitos não conhecidos, pelos seus próprios meios e não pelos
meios adequados e legalemente estabelecidos, não se sabendo qual o destino dado
a estes resíduos;
24º
Por via
desta remoção clandestina, verifica-se ainda uma acumulação de resíduos nas
zonas circundantes aos ecopontos pertencentes à «Sociedade Lislixo, SA», a qual,
para além de causar uma manifesta poluição em várias zonas da cidade, se mostra
como propícia à criação e proliferação de doenças, causando graves perigos à
saúde pública;
25º
Os dados
respeitantes ao primeiro trimestre de 2013 evidenciam que a situação, não só se
mantém, como se tem vindo a agravar (Doc.
Anexo 2);
26º
Face a esta
conjuntura, foram enviados vários requerimentos (Docs. Anexos 7, 8 e 9), quer ao Ministério do Ambiente, isto é, à
IGMAOT, à ERSAR e ao Município de Lisboa.
27º
A estes requerimentos
não obteve a sociedade qualquer tipo de resposta;
28º
Tendo a
sociedade dirigido vários pedidos às entidades supra mencionadas, solicitando-se a sua intervenção de forma a por
termo à situação assinalada, a sua inércia de resposta e actuação tem
contribuído para um agravamento da situação, pelo que resta senão às autoras
recorrer aos meios jurisdicionais.
III – DO DIREITO
a) Do direito ao ambiente
29º
O ambiente é
um bem constitucionalmente protegido, possuindo uma tutela objectiva, nos termos do art. 9º, alíneas d) e e), onde se
estabelece, como uma das tarefas fundamentais do Estado, a protecção do
ambiente, mas também uma tutela
subjectiva, já que o art. 66º consagra o direito ao ambiente como um
verdadeiro direito fundamental.
30º
O direito ao
ambiente configura-se, no entanto, como um direito
complexo, já que, da norma se extraem diversos direitos fundamentais, i.e., várias dimensões do direito ao ambiente (sobre o direito fundamental como um todo, JORGE REIS NOVAIS, As Restrições aos Direitos Fundamentais não
Expressamente Autorizadas pela Constituição…, 2º ed, 2010, pp. 128-133).
31º
Uma dessas dimensões traduz-se no direito à protecção (ROBERT ALEXY, apud JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, A Estruturação do
Sistema de Direitos, Liberdades e Garantias na Constituição Portuguesa, 2006, Vol. II, p. 208, nota 864),
protecção que cabe ao Estado, ao qual cumpre defender o direito ao ambiente
contra actos lesivos de terceiros.
32º
A doutrina
tem considerado que o direito à protecção
é um direito social, já que o seu conteúdo não está determinado a nível
constitucional (JORGE MIRANDA, Manual de
Direito Constitucional, IV, 3ª ed, 2000, p. 541; J. J. GOMES CANOTILHO, “O
direito ao ambiente como direito subjectivo”,
Estudos sobre Direitos Fundamentais, 20008,
pp. 187-189, VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde
Cor de Direito, 2002, p. 103) e, consequentemente, não podem os
particulares exigir em tribunal, ao seu abrigo, uma determinada conduta aos
entes públicos.
33º
VIEIRA DE
ANDRADE considera mesmo não estarmos perante um direito fundamental, mas antes
perante uma dimensão objectiva do
direito ao ambiente, dimensão essa que impõe deveres de actuação às entidades
públicas, mas que não cria qualquer direito
subjectivo na esfera jurídica dos particulares (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5º ed,
2012, pp. 137 ss.).
34º
Assim, para
este A., os particulares só poderiam invocar directamente o direito à protecção se fosse violado o “mínimo existencial ecológico” (CARLA
AMADO GOMES, Risco e modificação…, p.
75), caso em que haveria uma “ressubjectivação
da dimensão objectiva” (VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., pp. 146-147).
35º
De facto, o
entendimento pela impossibilidade de invocação do direito à protecção é sustentável, dado que a nossa Lei Fundamental
não determina a que medidas de protecção está o Estado obrigado a prosseguir
para tal protecção. Contudo, e apesar de não haver um direito originário a essa prestação, verifica-se que existem direitos derivados à prestação, os quais
se concretizam através de lei (JORGE REIS NOVAIS, Direitos Sociais, 2010, pp. 155 ss.), e que, in casu, consistem em medidas de fiscalização, como concretizaremos
adiante.
36º
Sem
enveredar pelo problema da articulação desses direitos de fonte legal com “verdadeiro” direito fundamental,
nomeadamente sabendo se aqueles direitos beneficiam do regime deste, a verdade
é que o particular pode sempre exigir a actuação dos entes públicos, dado que
possui um direito subjectivo criado ex
lege.
b) O regime geral da gestão de resíduos
37º
A gestão de
resíduos encontra-se regulada no Decreto-Lei nº 178/2006, de 5 de Setembro, o
qual transpôs para o nosso ordenamento
as Directivas nº 2006/12/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5
de Abril, e nº 91/689/CEE, do Conselho, de 12 de Dezembro.
38º
Neste
diploma consagram-se os diversos princípios aplicáveis aos serviços de gestão
(arts. 4º a 10º), assim como também os termos do seu planeamento e ainda as
normas técnicas aplicáveis, entre outros.
c) Da concessão de serviços públicos
39º
A gestão de
RSU das áreas municipais é uma atribuição dos munícipios, nos termos dos arts. 13º,
nº 1, alínea l), e 26º, nº 1, alínea c), da Lei nº 159/99, de 14 de Setembro.
40º
A gestão dos
serviços municipais de gestão dos resíduos sólidos pode, no entanto, ser delegada
em entidades privadas, através da concessão do serviço, como determina o
Decreto-Lei nº 194/2009, de 20 de Agosto, no seu artigo 7º, nº1, alínea
d).
41º
Tal sucedeu, no nosso caso, pela celebração
do contrato com a Sociedade Lislixo S.A., em 2009.
42º
De facto, o
contrato celebrado entre a Sociedade Lislixo, S.A. e o Município de Lisboa
qualifica-se como um contrato administrativo de concessão de serviço público,
pois define-se por “o Estado conferir
temporariamente, a uma entidade privada, os poderes bastantes para explorar um
serviço público, sob fiscalização do concedente, durante o prazo estipulado,
incluindo os investimentos necessários para a sua manutenção. A entidade
concessionária actua por sua conta e risco, como se fora o concedente, sendo
renumerada por meio de taxas ou tarifas a pagar pelos utentes ou consumidores
do respectivo serviço público” (FERNANDA MAÇÃS, “A concessão de serviços
públicos e o Código dos Contratos Públicos, Estudos
de Contratação Pública, 2008, pp. 379-380).
43º
Embora o
concessionário actue por sua conta e risco, esta assumpção não é total, como
reitera PEDRO GONÇALVES, já que “a
concessão é uma técnica de repartição de responsabilidades administrativas (…)
deixa na Administração o controlo ou fiscalização dessa gestão ou exercício”
(A Concessão de Servições Públicos, 1999,
p. 246).
44º
Esta
repartição de competências impõe que o concedente fiscalize o funcionamento do
serviço, e que lhe seja vedada a possibilidade de “renunciar à faculdade de regulamentar e de inspeccionar o funcionamento
do serviço” (MARCELLO CAETANO, Manual
de Direito Administrativo, II, 9º ed, 1983, p. 1109), incumbindo ao
concedente “superintender na fiscalização
da observância das disposições regulamentares” (MARCELLO CAETANO, ob. cit., p. 1110).
45º
Além do
dever de regulamentar a actividade que cabe ao concedente, o regime jurídico
aplicável às concessões de serviços públicos confere ao concessionário o
direito à exclusividade do serviço público, i.e.,
só a ele é permitido juridicamente o exercício daquela actividade na área
definida (vd. art. 415º, alínea a) do CCP).
46º
A este
direito do concessionário opõe-se o dever do concedente de não permitir a
concorrência de terceiros. Desta forma, “(…) se a concorrência surgir ilegalmente é ainda ao concedente que cumpre
empregar os meios de polícia necessários para fazer cessar a ilegalidade e
reprimir esta criminalidade, ficando igualmente responsável, se o não fizer,
pelos danos deccorentes da sua inacção” (MARCELLO CAETANO, ob. cit., p. 1099).
47º
Este sector
de actividade está disciplinado no Regulamento Municipal (Deliberação 523/CM/2004,
de 28 de Julho de 2004), dispondo-se no art.º 21.º que “À excepção da Câmara Municipal de
Lisboa e de outras entidades, públicas ou privadas, devidamente autorizadas
para o efeito, é proibido a qualquer outra entidade o exercício de quaisquer
actividades de remoção de RSU”, preceito
cuja violação implica, nos termos do art.º 41.º do mesmo diploma, responsabilidade
contra-ordenacional.
48º
No mesmo
sentido vai, aliás, o Decreto-Lei nº 178/2006, de 5 de Setembro (que aprova o regime
geral aplicável à prevenção, produção e gestão de resíduos), ao determinar a
proibição de exercício não licenciado de gestão de resíduos (art. 23º), a qual,
sendo violada, implica responsabilidade contra-ordenacional (art. 67º, nº!,
alínea b)).
49º
Nos termos
do DL nº 178/2006, cabe ao munícipio, entre outros, a fiscalização do seu
cumprimento (art. 66º).
50º
Como já demonstrámos, também a observância das disposisões
regulamentares cabe ao concedente (o Município), o que não tem sucedido, dado
que não têm sido realizadas quaisquer acções de fiscalização por parte deste.
51º
Assim, além da violação desse imperativo de “fazer cumprir” o regulamento administrativo que regula esse sector
de actividade, o concedente tem violado o direito à exclusividade da
concessionária, pois não tem prevenido nem reprimido as actuações ilícitas de
terceiros, actuações que têm causado prejuízos àquela.
d) Da ERSAR
52º
A ERSAR,
I.P., foi criada pelo Decreto-Lei nº 277/2009 (ao qual nos referiremos daqui em
diante), de 2 de Outubro, que aprova o seu estatuto orgânico. Qualifica-se como
um instituto público, dotado de autonomia administrativa e financeira, assim
como de património próprio, e prossegue as atribuições do Ministério do
Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, sob a
tutela do respectivo ministro (artigo 1º).
53º
A sua missão
passa pela “regulação dos sectores dos
serviços de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais
urbanas e de gestão de resíduos urbanos e o exercício de funções de autoridade
competente para a coordenação e fiscalização da água para consumo humano”
(artigo 3º).
54º
Entre as
suas atribuições (artigo 5º) encontramos, na alínea b) do número 2: “Assegurar a protecção dos direitos e
interesses dos utilizadores, salvaguardar a viabilidade económica das entidades
gestoras, incentivar a consolidação do tecido empresarial e contribuir para a
protecção do ambiente e dos recursos naturais”.
55º
Parece-nos,
pois, por demais evidente, que tais atribuições só podem ser prosseguidas, in casu, com o recurso a acções de
fiscalização sobre o cumprimento das normas que regulam a matéria, i.e., entre outros, o regulamento de
resíduos sólidos da cidade de Lisboa já referido, nomeadamente, no cumprimento
do disposto nos seus artigos 21º e 49º.
56º
É, aliás,
esse o entendimento que resulta da interpretação sistemática da alínea b) do nº
2, do art. 5º, nomeadamente com os art.
5º, nº 1, alínea c) e nº 2, alínea a), d) e j) do mesmo diploma.
57º
De facto, é
neste sentido que se dirige a Proposta de Lei nº 125/XII de 10 de Janeiro de
2013 (publicada no Diário da República, II, série A, nº 61), onde se prevê
expressamente, no artigo 11º, poderes para “processar
as contraordenações e aplicar as coimas correspondentes e ainda as demais
sanções aplicáveis às infrações das leis e regulamentos cuja implementação ou
supervisão lhe esteja cometida, bem como as resultantes do incumprimento das
suas próprias determinações, nos termos previstos na lei.”
58º
Assim,
apesar de ainda não ser expressa a sua menção na legislação actual, entendemos
que só reconhecendo estes poderes à ERSAR se pode garantir efectividade às
atribuições referidas (artigo 5º, nº2, alínea b), as quais permitem, no nosso
caso, a tutela das situações de desrespeito por normas reguladoras do sector.
e) A IGAMAOT
59º
Relativamente
à IGMAOT, destaca-se, enquanto uma das suas áreas de intervenção, o controlo e
inspecção das actividades com incidência ambiental.
60º
Exercendo
uma função de controlo, auditoria e fiscalização e sendo dotado de autonomia
administrativa, sob a tutela do MAMAOT, competem-lhe, entre outras, as
atribuições referidas no artigo 2.º, nº 2 a), f), g), h), e i) do DL 23/2012 e
no artigo 11º nº2 f) do DL 7/2012, de 17 de Janeiro.
61º
Daqui se
retira que a IGMAOT deverá proceder a auditorias, inspecções, e outras acções
de controlo, exercendo funções próprias de órgão de polícia criminal em
matérias de incidência ambiental, devendo, ainda, instaurar, instruir e decidir
os processos de contraordenação ambiental, impondo as medidas que previnam ou
eliminem situações de perigo grave para a saúde, segurança das pessoas, dos
bens e do ambiente.
62º
Assim, como referimos acima, não cabe à Sociedade Lislixo, S.A.,
nos termos do contrato, a função
fiscalizadora e preventiva, pelo que a eficácia das normas do Regulamento supra referido deveria ser assegurada
pelas entidades mencionadas, i.e., o
Município de Lisboa, a ERSAR e a IGAMAOT.
f) Da participação da Associação Ambientalista Verdetotal
63º
No que
concerne à intervenção da «Associação Ambientalista Verdetotal», destaca-se que
o supra referido artigo 52º nº3 da
CRP, relativo à legitimidade desta, consagra o direito de acção popular para
defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, enquanto direito
fundamental de participação política.
64º
Na verdade, “uma acção popular ao serviço do ambiente
deve conceder a todos (particulares e associações ou fundações de defesa do
ambiente) o direito de acesso aos tribunais para a sua defesa, nos termos que a
Constituição portuguesa consagra.”(JOSÉ LEBRE DE FREITAS, “A acção popular
ao serviço do ambiente” in Ab Vno Ad Omnes, 75 anos Coimbra
editora, p. 809).
65º
A
legitimidade da «Associação Ambientalista Verdetotal» parece decorrer
igualmente do art 9º nº2 CPTA, que determina, “para os casos aí previstos, a extensão da legitimidade processual a
quem não alegue ser parte numa relação material que se proponha submeter à
apreciação do tribunal” (MÁRIO AROSO ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2010, p. 225).
66º
Deste modo, “as associações que actuam em defesa dos
interesses colectivos e difusos fazem valer uma legitimidade originária
específica quando propõem acções para tutela de tais interesses (...)”,
podendo, consequentemente, “(...) uma
associação e particulares interessados mover conjuntamente acções de tutela de
interesses colectivos e difusos (...)” (JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ob. cit., p. 802).
67º
Por outro
lado, encontram-se preenchidos os requisitos previstos no art. 3º da Lei nº
83/95: a «Associação Ambientalista Verdetotal» tem personalidade jurídica, visa
a protecção do ambiente e da saúde pública e não exerce qualquer tipo de actividade
concorrente com empresas ou profissionais liberais.
68º
Assim,
encontra-se assegurado o respeito pelo princípio
da especialidade, uma vez que está em causa um bem ou interesse cuja defesa
se inclui expressamente no âmbito das atribuições da associação referida.
69º
Acresce,
ainda, que a «Associação Ambientalista Verdetotal» constitui uma Organização
Não Governamental de Ambiente (ONGA), de acordo com o art. 2º nº1 da Lei nº
35/98 de 18 de Julho.
70º
Esta ONGA
beneficia, conforme o art. 3º da Lei 35/98 de 18 de Julho, do respectivo
estatuto, uma vez que se
encontra inscrita no Registo Nacional das Organizações Não Governamentais de
Ambiente e equiparadas, organizado pelo Instituto do Ambiente, nos termos da
Lei nº 35/98, de 18 de Julho e da Portaria nº 478/99, de 29 de Junho, alterada
pela Portaria nº 71/2003, de 20 de Janeiro e pela Portaria 771/2009 de 20 de
Julho (Doc. ANEXO 10).
71º
Para além disso, a «Associação Verdetotal» constitui uma ONGA de âmbito
local, nos termos do art 7º nº 3 c) da Lei nº 35/98 de 18 de Julho, visto que desenvolve, com carácter regular e permanente, actividades
de interesse ou alcance geográfico municipal ou inframunicipal e que tem mais
de 100 associados.
72º
Verifica-se,
desta forma, uma adequação no que respeita ao âmbito geográfico desta
associação: constituindo uma ONGA de âmbito local, a nível do Município de
Lisboa, considera-se a sua legitimidade, visto que a lesão do ambiente e da
saúde pública se verifica, neste caso, no município referido.
73º
Assim,
constata-se o respeito pelo princípio da
territorialidade, visto que o direito de acção não só se encontra “circunscrito à área da intervenção
principal” da associação (ambiente), como também está em conformidade com a
“respectiva incidência geográfica, que
poderá ser de âmbito nacional, regional ou local.” (MÁRIO AROSO ALMEIDA, ob. cit., p. 226).
74º
A exigência
desta adequação assenta na consideração de que “(...) a personalidade colectiva é uma personalidade criada em atenção
a objectivos estatutários determinados. Se a acção extravasar este âmbito, a
associação não pode actuar – porque ela própria se auto-limitou na sua
capacidade de actuação.” (CARLA AMADO GOMES, “Não pergunte o que o ambiente pode fazer por si; pergunte-se o que
pode fazer pelo ambiente! Reflexões breves sobre a acção pública e a acção
popular na defesa do ambiente”, Estudos
de Direito do Ambinete, Vol. III, p. 222).
IV- Do pedido
75º
Atendendo
aos elementos acima descritos e referidos vêm os AA. pedir a condenção dos RR.
na adopção de comportamentos, designadamente, de acções de fiscalização e
prevenção das violações das normas regulamentares que acima se mencionam, bem
como da violação do direito à
exclusividade conferido à Sociedade Lislixo, S.A..
76º
Estas acções
consubstanciam operações materiais
administrativas visto que a sua “vocação
única é a produção de efeitos de facto” podendo definir-se como “conjunto de actos que visam exclusivamente
produzir alterações na realidade física, praticados por entidades que
desenvolvem a função administrativa, no âmbito da prossecução dos seus
objectivos de interesse público” (CARLA AMADO GOMES, As Operações Materiais Administrativas e o Direito do Ambiente, 2ª
ed, 2005, p. 35)
77º
Deste modo
fundamenta-se o pedido no disposto na alínea c) do número 2 do artigo 37º do
CPTA, entre os processos que integram a acção comum administrativa, acção
aplicável a todos os litígios que se insiram na jurisdição administrativa e que
não sejam objecto de regulação especial (37º, número 1 CPTA), já que “esta via serve, tanto para a paralisação
como para a propulsão da actividade material (ou seja, para vencer a inércia)”
(CARLA AMADO GOMES, Ob. cit., p. 53)
V – DA PROVA
Prova Testemunhal:
-
Ana Prantelhana Vê Tudo, residente em Rua Pinheiro Chagas, 21A,
1050-175, Lisboa.
-
João Boa Guarda, residente em Rua Rodrigo da Fonseca, 105,
1070-239, Lisboa.
Valor da
causa: €30.000,01
(34º, nº 1 e 2º do CPTA)
Junta: Procurações
forenses, DUC, comprovativo de pagamento DUC, e 10 documentos anexos.
Lisboa, 20 de Abril de 2013
Os Advogados,
Daniel Bogalheiro
Diana Nunes
Inês Mateus
Isabel Ferreira
João Maltez
Luís Aragão
Marisa Silva
Miguel Vieira
Patrícia Domingos
Vera Martins
NOTA: Junto segue o link de download dos anexos e documentos relevantes.
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