quinta-feira, 25 de abril de 2013

Ética Ambiental


“Now we face a new threat to our survival. The proliferation of human beings, coupled with the by-products of economic growth, is just as capable as the old threats of wiping out our society - and every other society as well. (…) The problem is that, as we have already seen, ethical principles change slowly and the time we have left to develop a new environmental ethic is short.”
  Peter Singer[1]

Citando Paulo Otero: “a expressão “ser humano” envolve, por si só, a ideia de dignidade”[2] – ora, não terá o ambiente um valor intrínseco merecedor de reconhecimento pela sociedade Humana? É indubitável a necessidade de uma relação consciente do homem para com o meio ambiente.  

 Como afirma Peter Singer “something is of intrinsic value if it is good or desirable in itself[3], isto é, o valor intrínseco de algo não está relacionado com a obtenção de objectivos, mas sim na importância que algo tem por si só. A partir do exemplo da construção de uma barragem o autor contrapõe os interesses económicos dos humanos ao interesse de todos os animais que habitam o terreno onde teria lugar a construção da barragem. O pensamento de Singer, embora sem qualquer tipo de relevância jurídica, leva-nos[4] a (re)pensar profundamente sobre o valor do ambiente[5].

Relativamente ao caso da construção da barragem supra referido, valem as palavras de Carla Amado Gomes quando refere que “no estádio civilizacional em que vivemos, é impensável levar a cabo um conjunto considerável de actividades com a pretensão de deixar impoluto e intocado o meio natural”[6], isto é, há que ser responsável na tomada de decisões que envolvam uma intromissão no meio natural e a efectiva construção de uma barragem acaba por ser o reflexo da valorização do emprego ou maior rendimento em detrimento da preservação do meio ambiente, o que do ponto de vista de uma ética ambiental não é acertado; ou melhor, com o intuito de proteger o ambiente, a maior parte das vezes acabamos mesmo por tomar medidas que a longo prazo também o destroem. São pensamentos que se cruzam (do filósofo Singer e da Professora Carla Amado Gomes), embora com perspectivas bastante diferentes.

Enquanto a Professora enfatiza a vertente dos custos-benefícios[7], Peter Singer aborda a questão de modo a que pensemos numa vida ambiental/não humana com uma importância sui generis[8]. Uma vez destruída ou inundada uma floresta para instalação da barragem hidroeléctrica, segundo Singer, há um corte no meio ambiente que jamais será reposto – um acto desmedido e egoísta, uma vez que consubstancia um corte no legado ambiental.

Basicamente, a linha de reflexão que podemos seguir a partir do cruzamento do capítulo em análise do livro “Practical Ethics” com o texto da Professora, é a de questionar até que ponto as interferências humanas no meio ambiente são legítimas (com as respectivas consequências para a vida dos seres vivos não humanos e afins) sendo certo que recorrer a energias como a hídrica (com base no exemplo de corte de florestas ou inundação destas para instalação das barragens e mini-hídricas) não se apresenta como solução totalmente satisfatória (“não dispensa alternativas mais fiáveis”[9]).

Podemos contrapor o direito das gerações presentes e futuras a um ambiente sadio ao direito das gerações futuras (mais longínquas) ao aproveitamento de espaços verdes/paisagísticos. “To some extent, whether future generations value wilderness is up to us; it is, at least, a decision we can influence[10], ou seja, já alertava Singer ao tempo da elaboração da obra analisada que uma apreciação e valorização do ambiente pelas gerações humanas que se vão seguindo no Mundo depende de uma preservação por parte de quem vai passando.

Um ponto de vista ético sobre o direito do ambiente não deve ser desprezado, pois tanto uma ética racional (fundamentos) e uma ética interdisiciplinar (debate) “confluem na modelação da justiça ambiental, tornando-se cada homem, cada um de nós, responsável, na sua existência, pela permanência da «humanidade» e, logo, pela permanência da vida”[11]. Por outras palavras, desrespeitar o ambiente equivale a desrespeitar o planeta e por seu turno também o homem – é um desrespeito pelo próximo resultante de acções que se afiguram como antiéticas.

O pensamento de Singer, sem prejuízo de alguma radicalidade em certos pontos, não deixa de fazer sentido uma vez que todos nós sabemos e temos vindo a ser alertados de ano para ano sobre problemas ambientais que se mostram como autênticos atentados à vida humana, à vida no planeta Terra, enfim. We have deprived nature of its independence, and that is fatal to its meaning. Nature's independence is its meaning; without it there is nothing but us[12] e o certo é que no dia em que a natureza der de si, não há vida humana que resista.

Parafraseando Maria da Glória Garcia[13] “o ambiente está crescentemente a degradar-se e a tornar-se uma ameaça para o futuro da vida na Terra” e tal desconforto não pode ser encarado de modo neutro pois a degradação deve-se em grande medida a um “quadro eticamente comprometido, já que é a degradação da vida, e logo, da vida humana que está em causa, quando não, a prazo, a sua extinção”[14].

Uma das conclusões a que Singer chega na sua obra é a de que se torna arbitrário defender a tese segundo a qual apenas os seres humanos têm um valor intrínseco[15]. No exemplo da barragem não estão em causa apenas benefícios económicos para os cidadãos da região e as perdas para os cientistas que valorizam exacerbadamente o estado natural de um rio[16], levanta-se também o problema inerente à possível destruição de toda uma espécie animal ou uma espécie de plantas. A Professora Maria da Glória Garcia[17] alude a um «sentimento de injustiça» que no entanto só tem em conta a vida humana, imputando ao homem a culpa da degradação ambiental. Não há somente uma injustiça resultante da diminuição de qualidade de vida dos humanos, há também uma tremenda injustiça face a espécies animais não humanos que deve ser valorizada.

 Quanto aos animais, seres sencientes, dúvidas não me restam que merecem um respeito e consideração especial. Já relativamente às plantas, torna-se problemático afirmar que têm um valor intrínseco na medida em que é quase impossível aceitar um desejo pela parte da biosfera de manter-se a si própria, de se fazer valer por si.

Face a uma sociedade que não pára de evoluir e que revela uma tendência a tornar-se cada vez mais consumista (com a consequente produção excessiva que causa um desequilíbrio natural), seria importante que além de uma consciencialização ambiental houvesse, de facto, uma ética ambientalista reflectida em todas as acções humanas. Uma ética ambientalista propaga a estimação por interesses que não sejam apenas os humanos[18].

Peter Singer centra e explana toda a sua opinião a partir da senciência.
A construção de uma ética ambientalista firmada em interesses dos seres sencientes não é impossível, já que estes têm vontades, têm desejos que nos podem fornecer uma orientação quanto ao que é certo e quanto ao que é errado. Mas será que todas as coisas “vivas” têm (o mesmo) valor intrínseco?

Uma coisa é certa, todos os homens, todos os animais, todas as plantas hão-de ter um papel no ecossistema, mas ainda assim não é por haver um todo inter-relacionado que até às plantas deva ser reconhecido um valor intrínseco[19], por não se lhes poder reconhecer um valor moral em termos de existência individual.

É possível imaginar o sofrimento de um animal que é afogado na construção de uma barragem, já quanto a um ecossistema nada existe que possa corresponder ao que ocorre em termos de sentidos (“there is nothing that corresponds to what it feels like to be an ecosystem flooded by a dam, because there is no such feeling[20]).

Não obstante, existe um valor na protecção e preservação das áreas que vão restando ao meio ambiente[21] – nos termos das alíneas d) e e) do artigo 4º da Lei de Bases do Ambiente[22] as interferências devem sempre visar: “a manutenção dos ecossistemas que suportam a vida, a utilização racional dos recursos vivos e a preservação do património genético e da sua diversidade”; “a conservação da Natureza, o equilíbrio biológico e a estabilidade dos diferentes habitats, nomeadamente através da compartimentação e diversificação das paisagens, da constituição de parques e reservas naturais e outras áreas protegidas, corredores ecológicos e espaços verdes urbanos e suburbanos de modo a estabelecer um continuum naturale”.

Segundo o autor, são as próprias sociedades que reflectem considerações éticas que por seu turno definirão as condições sob as quais se pode actuar, na medida em que uma (verdadeira) ética ambiental envolve variadas escolhas, até nas práticas mais simples como é o caso de um desporto[23] menos prejudicial ao ambiente.

A sobrevivência do planeta com um ambiente sadio e necessário à vida humana é uma incógnita. Como tivemos oportunidade de elucidar no presente post, até mesmo as medidas de desenvolvimento sustentável acabam por ter os seus contras. Importa que todos nós comecemos a dar importância à depreciação do capital natural.

É com as suas interrogações (até certo ponto extremistas) que Singer nos sugere uma ética mínima de preservação ambiental, embora ferida de grande imprecisão e impraticabilidade, por implicar uma profunda e total alteração do modo como vivemos[24].

Ainda assim, há que tentar recuperar para o direito uma axiologia fundante de uma justiça intra e intergeracional, estabelecendo como que uma responsabilidade ética pelo futuro, enraizar um novo dever ser face ao futuro, um dever ser baseado na solidariedade que cada pessoa humana, na sua singularidade de acção, fará por todos (leia-se, todos os seres vivos humanos e não humanos, sencientes).

Destarte, acções e interferências moderadas ajudarão a precaver o que poderá vir a ser irremediável.
“O controlo da «questão ecológica» passa pelo abandono da ética do bem-estar, utilitarista, e sua substituição por uma ética de responsabilidade”[25].

The emphasis on frugality and a simple life does not mean that an environmental ethic frowns upon pleasure, but that the pleasures it values do not come from conspicuous consumption. [26] Digamos que a ética do meio ambiente faz relevar a simplicidade, o que não implica necessariamente um desprezo pelo prazer mas sim valorizar prazeres que não estejam intimamente relacionados com um consumo exagerado. Destarte, aponta-se para actividades que convivam harmoniosamente com o ambiente, que não o degradem. Pequenas e simples opções de vida que podem poupar-nos a todos e manter intactos certos lugares do mundo em que vivemos através de acções criativas, favoráveis ao ambiente[27].

Enfim, a acção humana deve procurar ser virtuosa, praticar o bem não simplesmente para a sua espécie como para todas as outras. Deve ser assegurado o futuro do Ambiente pois, nas palavras de Klopfer[28], “o Direito do Ambiente tem futuro, porque, sem ele, não haverá qualquer futuro”. Um agir ético é da responsabilidade de todos, indistintamente.  



[1] In “Practical Ethics”, 2nd Edition, 1999, p. 285
[2] OTERO, Paulo in “Instituições Políticas e Constitucionais”, Vol. I, 2007, p. 547.
[3] SINGER, Peter in ob. cit. p. 274.
[4] Aos juristas, que encaram, por exemplo, os animais como coisas.
[5] “Should we also give weight, not only to the suffering and death of individual animals, but to the fact that an entire species may disappear? What of the loss of trees that have stood for thousands of years? How much - if any - weight should we give to the preservation of the animals, the species, the trees and the valley's ecosystem, independendy of the interests of human beings - whether economic, recreational, or scientific - in their preservation?” SINGER, Peter in ob. cit. p. 276.
[6] GOMES, Carla Amado in “O regime jurídico da produção de electricidade a partir de fontes de energia renováveis: aspectos gerais”,
[7] “Outro exemplo é o da produção de energia hidroeléctrica, em razão dos pesados impactos ambientais que a construção de novas barragens provoca, que já justificou mesmo a alegação de "estado de necessidade ecológico" num conhecido caso decidido pelo Tribunal Internacional de Justiça, em 1997 (caso da barragem Gabcikovo-Nagymaros). As atenções viram-se agora para as mini-hídricas, empreendimentos com muito menor envergadura e, em consequência, menos agressivos do ponto de vista ambiental — cujos locais de implantação começam, contudo, a rarear. Também aqui deve caber uma análise custo-benefício, na medida em que a produção de energia a partir da força motriz da água está sujeita à imprevisibilidade atmosférica — cada vez maior, em razão do aquecimento global e das mudanças que o fenómeno produz no clima —, e a fortes perdas no sistema de transporte (para utilizações de regadio); ou seja, só compensa em anos pluviosos e não dispensa alternativas mais fiáveis” GOMES, Carla Amado, in ob. cit., p. 9.
[8] A título de exemplo: “Now, however, a different metaphor is more appropriate: the remnants of true wilderness left to us are like islands amidst a sea of human activity that threatens to engulf them”; “The disruption in the natural life cycles of the plants and animals means that the forest will never again be as it would have been, had it not been cut”, SINGER, Peter, in ob. cit., p. 269.
[9] GOMES, Carla Amado, in ob. cit., p. 9.
[10] SINGER, Peter, in ob. cit., p. 272.
[11] GARCIA, Maria da Glória, in “O lugar do Direito da protecção do ambiente”, 2008, http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/ebook_ambienteurbanismo_completo.pdf, p. 30 e 31.
[12] Bill McKibben, in “The end of Nature” (referenciado na obra de Peter Singer supra citada).
[13] In “O lugar do Direito…”, p. 23.
[14] Idem, ibidem.
[15] “We have already seen that it is arbitrary to hold that only human beings are of intrinsic value”, SINGER, Peter, in ob. cit., p. 274.
[16] “Thus most of the animals living in the flooded area will die: either they will be drowned, or they will starve. Neither drowning nor starvation are easy ways to die,  and the suffering involved in these deaths should, as we have seen, be given no less weight than we would give to an equivalent amount of suffering experienced by human beings”, idem, ibidem, p. 275.
[17] In “O lugar do Direito…”, p. 23.
[18] Como reconhece a Professora Carla Amado Gomes in “Escrever verde por linhas tortas: o direito ao ambiente na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, p. 2: “O Tribunal [TEDH] escreve, na verdade, verde por linhas tortas: na ausência de uma norma de protecção do ambiente no catálogo da CEDH, a tutela que esta realidade, enquanto macro-bem, merece, é puramente reflexa ou "por ricochete", como já foi observado, uma vez que não dispensa a lesão de um bem jurídico pessoal como fundamento de acesso a juízo”. (http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/CarlaAGEscrever.pdf) O Tribunal não reconhece o ambiente como um bem em si mesmo; o ambiente não é protegido enquanto tal mas sim enquanto algo que, quando afectado, põe em risco a vida humana.
[19] “It is misleading of Schweitzer to attempt to sway us towards an ethic of reverence for all life by referring to 'yearning', 'exaltation', 'pleasure', and 'terror'. Plants experience none of these.” SINGER, Peter, in ob. cit., p. 279.
[20] SINGER, Peter, in ob. cit, p. 283.
[21] O que torna relevante o regime da avaliação de impacte ambiental (AIA) Decreto - Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio.
[22] Lei nº 11/87 de 7 de Abril.
[23]To take just one example: from the perspective of an environmental ethic, our choice of recreation is not ethically neutral. At present we see the choice between motor car racing or cycling, between water skiing or windsurfing, as merely a matter of taste. Yet there is an essential difference: motor car racing and water skiing require the consumption of fossil fuels and the discharge of carbon dioxide into the atmosphere. Cycling and windsurfing do not.” SINGER, Peter, in ob. cit., p. 285.
[24] No mesmo sentido GARCIA, Maria da Glória, in ob. cit., p. 28. “A procura de formas de produção de bens e serviços adequados à escassez de recursos naturais, o investimento científico em energias alternativas, na reutilização e reciclagem dos materiais e a mudança de relacionamento do homem com a natureza correspondem a alterações profundas de comportamento social”.
[25] Idem, ibidem, p. 32.
[26] SINGER, Peter, in ob. cit., p. 288.
[27] O papel da lei acaba por ter uma menor relevância em comparação com o que políticas públicas ambientais poderiam solucionar.
[28] KLOPFER, Michael in “Umweltrecht”, 3ª Auflage, 2004, p. 9.

______________________

BIBLIOGRAFIA/SITIOGRAFIA:

GARCIA, Maria da Glória, “O lugar do Direito da protecção do ambiente”, 2008, http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/ebook_ambienteurbanismo_completo.pdf;

GOMES, Carla Amado, “O regime jurídico da produção de electricidade a partir de fontes de energia renováveis: aspectos gerais”,

GOMES, Carla Amado, “Escrever verde por linhas tortas: o direito ao ambiente na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/CarlaAGEscrever.pdf;

KLOPFER, Michael in “Umweltrecht”, 3ª Auflage, 2004;

OTERO, Paulo, “Instituições Políticas e Constitucionais”, Vol. I, 2007;

SINGER, Peter, “Practical Ethics”, 2nd Edition, 1999.




Ana Miranda
nº 19457

Sem comentários:

Enviar um comentário