“Now we face a new
threat to our survival. The proliferation of human beings, coupled with the
by-products of economic growth, is just as capable as the old threats of wiping
out our society - and every other society as well. (…) The problem is that, as we
have already seen, ethical principles change slowly and the time we have left
to develop a new environmental ethic is short.”
Peter
Singer[1]
Citando Paulo Otero: “a
expressão “ser humano” envolve, por si só, a ideia de dignidade”[2] – ora, não terá o ambiente
um valor intrínseco merecedor de reconhecimento pela sociedade Humana? É indubitável
a necessidade de uma relação consciente do homem para com o meio ambiente.
Como afirma Peter Singer “something is of intrinsic
value if it is good or desirable in itself”[3],
isto é, o valor intrínseco de algo não está relacionado com a obtenção de
objectivos, mas sim na importância que algo tem por si só. A partir do exemplo
da construção de uma barragem o autor contrapõe os interesses económicos dos
humanos ao interesse de todos os animais que habitam o terreno onde teria lugar
a construção da barragem. O pensamento de Singer, embora sem qualquer tipo de
relevância jurídica, leva-nos[4] a (re)pensar profundamente
sobre o valor do ambiente[5].
Relativamente ao caso da construção da barragem supra
referido, valem as palavras de Carla Amado Gomes quando refere que “no estádio civilizacional em que vivemos, é
impensável levar a cabo um conjunto considerável de actividades com a pretensão
de deixar impoluto e intocado o meio natural”[6],
isto é, há que ser responsável na tomada de decisões que envolvam uma intromissão
no meio natural e a efectiva construção de uma barragem acaba por ser o reflexo
da valorização do emprego ou maior rendimento em detrimento da preservação do
meio ambiente, o que do ponto de vista de uma ética ambiental não é acertado; ou melhor, com o intuito de
proteger o ambiente, a maior parte das vezes acabamos mesmo por tomar medidas
que a longo prazo também o destroem. São pensamentos que se cruzam (do filósofo
Singer e da Professora Carla Amado Gomes), embora com perspectivas bastante
diferentes.
Enquanto a Professora enfatiza a vertente dos custos-benefícios[7], Peter Singer aborda a
questão de modo a que pensemos numa vida ambiental/não humana com uma
importância sui generis[8].
Uma vez destruída ou inundada uma floresta para instalação da barragem
hidroeléctrica, segundo Singer, há um corte no meio ambiente que jamais será
reposto – um acto desmedido e egoísta, uma vez que consubstancia um corte no
legado ambiental.
Basicamente, a linha de reflexão que podemos seguir a
partir do cruzamento do capítulo em análise do livro “Practical Ethics” com o
texto da Professora, é a de questionar até que ponto as interferências humanas no
meio ambiente são legítimas (com as respectivas consequências para a vida dos
seres vivos não humanos e afins) sendo certo que recorrer a energias como a hídrica
(com base no exemplo de corte de florestas ou inundação destas para instalação
das barragens e mini-hídricas) não se apresenta como solução totalmente
satisfatória (“não dispensa alternativas
mais fiáveis”[9]).
Podemos contrapor o direito das gerações presentes e
futuras a um ambiente sadio ao direito das gerações futuras (mais longínquas)
ao aproveitamento de espaços verdes/paisagísticos. “To some extent, whether future generations value wilderness is up to
us; it is, at least, a decision we can influence”[10], ou
seja, já alertava Singer ao tempo da elaboração da obra analisada que uma
apreciação e valorização do ambiente pelas gerações humanas que se vão seguindo
no Mundo depende de uma preservação por parte de quem vai passando.
Um ponto de vista ético sobre o direito do ambiente não
deve ser desprezado, pois tanto uma ética racional (fundamentos) e uma ética
interdisiciplinar (debate) “confluem na
modelação da justiça ambiental, tornando-se cada homem, cada um de nós,
responsável, na sua existência, pela permanência da «humanidade» e, logo, pela
permanência da vida”[11].
Por outras palavras, desrespeitar o ambiente equivale a desrespeitar o planeta
e por seu turno também o homem – é um desrespeito pelo próximo resultante de acções
que se afiguram como antiéticas.
O pensamento de Singer, sem prejuízo de alguma
radicalidade em certos pontos, não deixa de fazer sentido uma vez que todos nós
sabemos e temos vindo a ser alertados de ano para ano sobre problemas ambientais
que se mostram como autênticos atentados à vida humana, à vida no planeta
Terra, enfim. “We have deprived nature of its independence, and that is fatal to its
meaning. Nature's
independence is its meaning; without it there is nothing but us”[12] e o
certo é que no dia em que a natureza der
de si, não há vida humana que resista.
Parafraseando Maria da Glória Garcia[13] “o ambiente está crescentemente a degradar-se e a tornar-se uma ameaça
para o futuro da vida na Terra” e tal desconforto não pode ser encarado de
modo neutro pois a degradação deve-se em grande medida a um “quadro eticamente comprometido, já que é a
degradação da vida, e logo, da vida humana que está em causa, quando não, a
prazo, a sua extinção”[14].
Uma das conclusões a que Singer chega na sua obra é a de
que se torna arbitrário defender a tese segundo a qual apenas os seres humanos
têm um valor intrínseco[15]. No exemplo da barragem
não estão em causa apenas benefícios económicos para os cidadãos da região e as
perdas para os cientistas que valorizam exacerbadamente o estado natural de um
rio[16], levanta-se também o
problema inerente à possível destruição de toda uma espécie animal ou uma
espécie de plantas. A Professora Maria da Glória Garcia[17] alude a um «sentimento de
injustiça» que no entanto só tem em conta a vida humana, imputando ao homem a
culpa da degradação ambiental. Não há somente uma injustiça resultante da
diminuição de qualidade de vida dos humanos, há também uma tremenda injustiça
face a espécies animais não humanos que deve ser valorizada.
Quanto aos
animais, seres sencientes, dúvidas não me restam que merecem um respeito e
consideração especial. Já relativamente às plantas, torna-se problemático
afirmar que têm um valor intrínseco na medida em que é quase impossível aceitar
um desejo pela parte da biosfera de manter-se a si própria, de se fazer valer
por si.
Face a uma sociedade que não pára de evoluir e que revela
uma tendência a tornar-se cada vez mais consumista (com a consequente produção
excessiva que causa um desequilíbrio natural), seria importante que além de uma
consciencialização ambiental houvesse, de facto, uma ética ambientalista
reflectida em todas as acções humanas. Uma ética ambientalista propaga a
estimação por interesses que não sejam apenas os humanos[18].
Peter Singer centra e explana toda a sua opinião a partir
da senciência.
A construção de uma ética ambientalista firmada em
interesses dos seres sencientes não é impossível, já que estes têm vontades,
têm desejos que nos podem fornecer uma orientação quanto ao que é certo e
quanto ao que é errado. Mas será que todas as coisas “vivas” têm (o mesmo) valor intrínseco?
Uma coisa é certa, todos os homens, todos os animais,
todas as plantas hão-de ter um papel no ecossistema, mas ainda assim não é por
haver um todo inter-relacionado que até às plantas deva ser reconhecido um
valor intrínseco[19],
por não se lhes poder reconhecer um valor moral em termos de existência
individual.
É possível imaginar o sofrimento de um animal que é
afogado na construção de uma barragem, já quanto a um ecossistema nada existe
que possa corresponder ao que ocorre em termos de sentidos (“there is nothing that corresponds to what it
feels like to be an ecosystem flooded by a dam, because there is no such
feeling”[20]).
Não obstante, existe um valor na protecção e preservação
das áreas que vão restando ao meio ambiente[21] – nos termos das alíneas d) e e)
do artigo 4º da Lei de Bases do Ambiente[22] as interferências devem
sempre visar: “a manutenção dos
ecossistemas que suportam a vida, a utilização racional dos recursos vivos e a
preservação do património genético e da sua diversidade”; “a conservação da Natureza, o equilíbrio
biológico e a estabilidade dos diferentes habitats, nomeadamente através da
compartimentação e diversificação das paisagens, da constituição de parques e
reservas naturais e outras áreas protegidas, corredores ecológicos e espaços
verdes urbanos e suburbanos de modo a estabelecer um continuum naturale”.
Segundo o autor, são as próprias sociedades que reflectem
considerações éticas que por seu turno definirão as condições sob as quais se
pode actuar, na medida em que uma (verdadeira) ética ambiental envolve variadas
escolhas, até nas práticas mais simples como é o caso de um desporto[23] menos prejudicial ao
ambiente.
A sobrevivência do planeta com um ambiente sadio e
necessário à vida humana é uma incógnita. Como tivemos oportunidade de elucidar
no presente post, até mesmo as
medidas de desenvolvimento sustentável acabam por ter os seus contras. Importa que todos nós comecemos
a dar importância à depreciação do capital natural.
É com as suas interrogações (até certo ponto extremistas)
que Singer nos sugere uma ética mínima de preservação ambiental, embora ferida
de grande imprecisão e impraticabilidade, por implicar uma profunda e total
alteração do modo como vivemos[24].
Ainda assim, há que tentar recuperar para o direito uma
axiologia fundante de uma justiça intra e
intergeracional, estabelecendo como que uma responsabilidade ética pelo
futuro, enraizar um novo dever ser face ao futuro, um dever ser baseado na
solidariedade que cada pessoa humana, na sua singularidade de acção, fará por
todos (leia-se, todos os seres vivos humanos e não humanos, sencientes).
Destarte, acções e interferências moderadas ajudarão a
precaver o que poderá vir a ser irremediável.
“O
controlo da «questão ecológica» passa pelo abandono da ética do bem-estar,
utilitarista, e sua substituição por uma ética de responsabilidade”[25].
“The emphasis on frugality and a simple life does not mean that an environmental ethic frowns upon pleasure, but
that the pleasures it values do not come from conspicuous consumption. ”[26] Digamos
que a ética
do meio ambiente faz relevar a simplicidade, o que não implica necessariamente
um desprezo pelo prazer mas sim valorizar prazeres que não estejam intimamente
relacionados com um consumo exagerado. Destarte, aponta-se para actividades que
convivam harmoniosamente com o ambiente, que não o degradem. Pequenas e simples
opções de vida que podem poupar-nos a todos e manter intactos certos lugares do
mundo em que vivemos através de acções criativas, favoráveis ao ambiente[27].
Enfim, a acção humana deve procurar ser virtuosa,
praticar o bem não simplesmente para a sua espécie como para todas as outras.
Deve ser assegurado o futuro do Ambiente pois, nas palavras de Klopfer[28], “o Direito do Ambiente tem futuro, porque, sem ele, não haverá qualquer
futuro”. Um agir ético é da responsabilidade de todos, indistintamente.
[1] In “Practical Ethics”, 2nd
Edition, 1999, p. 285
[2] OTERO, Paulo in “Instituições Políticas e Constitucionais”,
Vol. I, 2007, p. 547.
[3] SINGER, Peter in ob. cit. p. 274.
[4] Aos juristas, que encaram, por
exemplo, os animais como coisas.
[5] “Should we also give
weight, not only to the suffering and death of individual animals, but to the
fact that an entire species may disappear? What of the loss of trees that have
stood for thousands of years? How much - if any - weight should we give to the
preservation of the animals, the species, the trees and the valley's ecosystem,
independendy of the interests of human beings - whether economic, recreational,
or scientific - in their preservation?” SINGER, Peter in ob. cit. p. 276.
[6] GOMES, Carla Amado in “O regime jurídico da produção de
electricidade a partir de fontes de energia renováveis: aspectos gerais”,
[7] “Outro
exemplo é o da produção de energia hidroeléctrica, em razão dos pesados
impactos ambientais que a construção de novas barragens provoca, que já
justificou mesmo a alegação de "estado de necessidade ecológico" num
conhecido caso decidido pelo Tribunal Internacional de Justiça, em 1997 (caso
da barragem Gabcikovo-Nagymaros). As atenções viram-se agora para as
mini-hídricas, empreendimentos com muito menor envergadura e, em consequência,
menos agressivos do ponto de vista ambiental — cujos locais de implantação
começam, contudo, a rarear. Também aqui deve caber uma análise
custo-benefício, na medida em que a produção de energia a partir da força
motriz da água está sujeita à imprevisibilidade atmosférica — cada vez maior,
em razão do aquecimento global e das mudanças que o fenómeno produz no clima —,
e a fortes perdas no sistema de transporte (para utilizações de regadio); ou
seja, só compensa em anos pluviosos e não dispensa alternativas mais fiáveis”
GOMES, Carla Amado, in ob. cit., p.
9.
[8] A
título de exemplo: “Now, however, a
different metaphor is more appropriate: the remnants of true wilderness left to
us are like islands amidst a sea of human activity that threatens to engulf
them”; “The disruption in the natural life cycles of the plants and animals means
that the forest will never again be as it would have been, had it not been cut”,
SINGER, Peter, in ob. cit., p. 269.
[9] GOMES, Carla Amado, in ob. cit., p.
9.
[10] SINGER,
Peter, in ob. cit., p. 272.
[11] GARCIA, Maria da Glória, in “O lugar do Direito da protecção do ambiente”, 2008, http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/ebook_ambienteurbanismo_completo.pdf, p. 30 e 31.
[12] Bill McKibben, in “The end of Nature” (referenciado na obra de Peter Singer supra
citada).
[15] “We have already seen that
it is arbitrary to hold that only human beings are of intrinsic value”, SINGER, Peter, in ob. cit., p. 274.
[16] “Thus most of the animals
living in the flooded area will die: either they will be drowned, or they will
starve. Neither drowning nor starvation are easy ways to die, and the suffering involved in these deaths
should, as we have seen, be given no less weight than we would give to an
equivalent amount of suffering experienced by human beings”, idem, ibidem, p. 275.
[17]
In “O lugar do Direito…”, p. 23.
[18] Como reconhece a Professora Carla
Amado Gomes in “Escrever verde por linhas
tortas: o direito ao ambiente na jurisprudência do Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem”, p. 2: “O Tribunal
[TEDH] escreve, na verdade, verde por
linhas tortas: na ausência de uma norma de protecção do ambiente no catálogo da
CEDH, a tutela que esta realidade, enquanto macro-bem, merece, é puramente
reflexa ou "por ricochete", como já foi observado, uma vez que não
dispensa a lesão de um bem jurídico pessoal como fundamento de acesso a juízo”.
(http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/CarlaAGEscrever.pdf) O Tribunal não reconhece o ambiente
como um bem em si mesmo; o ambiente não é protegido enquanto tal mas sim
enquanto algo que, quando afectado, põe em risco a vida humana.
[19] “It is misleading of
Schweitzer to attempt to sway us towards an ethic of reverence for all life by
referring to 'yearning', 'exaltation', 'pleasure', and 'terror'. Plants
experience none of these.” SINGER, Peter, in ob.
cit., p. 279.
[20] SINGER,
Peter, in ob. cit, p. 283.
[21] O que torna relevante o regime da
avaliação de impacte ambiental (AIA) Decreto - Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio.
[22] Lei nº 11/87 de 7 de Abril.
[23] “To take just one example: from the perspective
of an environmental ethic, our choice of recreation is not ethically neutral.
At present we see the choice between motor car racing or cycling, between water
skiing or windsurfing, as merely a matter of taste. Yet there is an essential
difference: motor car racing and water skiing require the consumption of fossil
fuels and the discharge of carbon dioxide into the atmosphere. Cycling and
windsurfing do not.” SINGER, Peter, in
ob. cit., p. 285.
[24] No mesmo sentido GARCIA, Maria da
Glória, in ob. cit., p. 28. “A procura de
formas de produção de bens e serviços adequados à escassez de recursos
naturais, o investimento científico em energias alternativas, na reutilização e
reciclagem dos materiais e a mudança de relacionamento do homem com a
natureza correspondem a alterações profundas de comportamento social”.
[25] Idem, ibidem, p. 32.
[27] O papel da lei acaba por ter uma menor relevância em
comparação com o que políticas públicas ambientais poderiam solucionar.
[28] KLOPFER,
Michael in “Umweltrecht”, 3ª Auflage, 2004, p. 9.
______________________
BIBLIOGRAFIA/SITIOGRAFIA:
GARCIA, Maria da Glória, “O
lugar do Direito da protecção do ambiente”, 2008, http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/ebook_ambienteurbanismo_completo.pdf;
GOMES, Carla Amado, “O regime jurídico da produção de
electricidade a partir de fontes de energia renováveis: aspectos gerais”,
GOMES, Carla Amado, “Escrever verde por linhas tortas: o
direito ao ambiente na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”,
http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/CarlaAGEscrever.pdf;
KLOPFER, Michael in “Umweltrecht”, 3ª Auflage, 2004;
OTERO, Paulo, “Instituições Políticas e Constitucionais”,
Vol. I, 2007;
SINGER, Peter, “Practical
Ethics”, 2nd Edition, 1999.
Ana Miranda
nº 19457
Sem comentários:
Enviar um comentário