Uma tutela preventiva do Ambiente:
Prevenção e Precaução
Antes
de avançarmos no tema, cabe fazer uma prévia análise aos princípios da
prevenção e precaução explicar em que consistem, suas manifestações e fontes.
Os mesmos afiguram-se como sendo dois princípios essenciais para uma tutela
preventiva do ambiente.
·
Princípio da
prevenção
Deste
princípio decorre que na iminência de uma actuação humana, a qual
comprovadamente lesará, de forma
grave e irreversível, bens ambientais, que a mesma deve ser travada estamos
aqui numa lógica de intervenção anterior à ocorrência dos danos, pois, mesmo
sendo possível a reconstituição natural da situação anterior à sua ocorrência,
a mesma é de tal modo onerosa, que esse esforço não pode ser exigido ao poluidor.
Citando o professor Vasco Pereira da Silva, sendo que para o qual este princípio
afigura-se como um dos princípios fundamentais em matéria ambiental ao lado de
outros tais como o do desenvolvimento sustentável.
Ainda
na linha de pensamento do professor Vasco Pereira da Silva, o próprio princípio
da prevenção pode ser entendido em duas acepções ampla e restrita. Visto numa
acepção amplo, ele deve permitir a antecipação de eventuais riscos futuros,
ainda que não inteiramente determináveis, numa lógica «mediatista». Por outro
lado no seu sentido restrito, o mesmo princípio deve remeter para a antecipação
de perigos imediatos e concretos, numa lógica «imediatista».
Quanto
às fontes deste princípio, passo em primeiro lugar a fazer reverência ao
Direito Internacional, destacando a Carta Mundial da Natureza de 29 de Outubro
de 1982, as Convenções para a protecção da camada de ozono de 1985 e sobre as
alterações climáticas de 1992. A nível comunitário destaque para as iniciativas
que surgiram com a entrada em vigor do Acto Único Europeu em política de
ambiente. Por fim cabe fazer reverência às fontes de cariz interno, destacando
desde logo o artigo 66.º/ 2a) da CRP, que aponta para uma orientação
preventiva, quando faz referência à necessidade de “Prevenir e controlar a
poluição…”, mais ainda no seu nº2 a sua alínea d) ao consagrar o princípio da
solidariedade intergeracional, dá indício de uma atitude de controlo preventivo
da qualidade dos bens ambientais. O princípio aqui presente tem como principal
função prevenir – e não tanto remediar, não obstante a possibilidade de
influências recíprocas entre as duas realidades. Destaque
ainda para o artigo 3.º da LBA e também para o artigo 52.º/ 3ª) da CRP, de onde
se retira uma preocupação quanto à prevenção do ambiente.
·
Princípio da
Precaução
Quanto
à sua noção cabe referir o Professor
Gomes Canotilho, pois para o mesmo “o princípio
da precaução significa que
o ambiente
deve ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza, por falta de
provas científicas evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um
determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente”, permitindo a antecipação da acção
preventiva ainda que não se tenham certezas sobre a sua necessidade e
legitimando a proibição de actuações potencialmente lesivas, mesmo que essa
potencialidade não seja cientificamente indubitável. Na essência este principio
não mais é do que o produto de preocupações práticas relativamente ao aumento
assustador dos níveis de poluição.
No
contexto Comunitário, este princípio surge como um princípio geral de Direito
Comunitário que exige que as autoridades competentes tomem medidas para
prevenir determinados risco potenciais para a saúde pública, a segurança e o
ambiente, dando precedente às exigências relacionadas com a protecção desses
interesses em relação aos interesses económicos. Numa
dimensão europeia o princípio da precaução tem expressão desde 1992 no artigo
130.ºR, nº2 TCE (hoje, 191.ºTFUE), por outro lada a nível nacional isso não
acontece, estando apenas autonomizado na Constituição o princípio da prevenção
presente como acima já referido no artigo 66.ºCRP, tal conduz-nos ao grande
problema doutrinário da autonomia do princípio da precaução face ao princípio
da prevenção, daqui decorrem duas posições uma a favor e outra contra a
autonomização do princípio da precaução.
Antes
de enumerar os argumentos das duas teses, penso ser importante, se fazer uma
breve referencia a Charmian Barton, mais concretamente aos critérios que
derivam da aplicação do princípio da precaução elencados pelo dito autor. Em primeiro lugar “as medidas são
tomadas para prevenir danos consideráveis e irreversíveis no meio ambiente, na
ausência de provas científicas que atestem o nexo causal entre a actividade e
os seus efeitos no ambiente.” - Daqui decorre que ao contrário do que se passa
na prevenção estamos no âmbito da possibilidade e não probabilidade, decorre
igualmente uma certa ordem de actuação independentemente da existência de
provas científicas. Em segundo lugar “
o ónus da prova cabe a quem pretenda desenvolver uma determinada actividade
cuja lesividade para o ambiente não está cientificamente comprovada”.- Retira-se
portanto que o ónus da prova passa para quem vai explorar e não para quem
alerta a obrigação de provar que a actividade não trará danos graves e
irreversíveis para o meio ambiente. Em
terceiro lugar “ Para responder à questão de saber se uma actividade
causará danos graves e irreversíveis ao ambiente, o risco de erro será sempre
computado em favor deste.” – Muito simplesmente em caso de incerteza, a decisão
e tomada num sentido de in dúbio pro ambiente.
Em quarto e último critério “
Uma medida tomada com base no princípio da precaução deverá sempre invoca-lo
ou, pelo menos, decorrer da aplicação do princípio do desenvolvimento
sustentado.” – Daqui resulta que o princípio da precaução apresenta um sentido
preventivo, porém estaremos a ultrapassar o seu limite e consequentemente fora
do seu âmbito se as medidas a serem tomadas, o forem diante um risco potencial
certo ou comprovado. O mesmo autor argumenta que numa via processual, a
inversão do ónus da prova operada por este princípio, que o coloca do lado do
poluidor, serve para um equilíbrio de facto entre as partes nos processos que
digam respeito a questões ambientais penso que em certo ponto autor tem razão,
sendo este equilíbrio algo de necessário.
Terminada
esta breve, mas importante, referência passo de seguida a enunciar os
argumentos que cada posição apresenta, remetendo a minha opinião para a parte
final do referido “post”. Começo com
a posição que se opõe à autonomia, a mesma aponta como desvantagens da mesma:
·
A
confusão entre os conceitos de prevenção e precaução, já que os mesmos são a
maior parte das vezes tidos como sinónimos. De facto, a linha que os separa é
muito fina, já que os critérios de distinção construídos pela doutrina (por
exemplo, defesa contra um perigo “presente” vs evitação de um perigo “futuro” e
os resultados a que conduzem nem sempre são claros e inequívocos.
·
Outro
argumento apresentado diz respeito à existência de uma inversão do ónus da
prova ou por outras palavras uma presunção que obriga quem pretende iniciar uma
actividade potencialmente danosa a fazer prova que não existe qualquer perigo
de lesão ambiental, o que se configura como claramente excessivo, uma vez que
tal constituiria um impedimento a qualquer nova realidade. Pois trata-se de
algo utópico querer-se atingir um patamar de evolução sem que com isso a acção
humana não comporte qualquer risco para o ambiente. Pois está comprovado que ao
longo da evolução da história e por forma a melhorar o seu próprio bem-estar o
ser humano recorre muitas vezes a certas medidas que tem impactos desastrosos
para o ambiente.
Na
opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, o dito princípio cabe num sentido amplo do princípio da prevenção,
assim a opinião do Professor vai no sentido de oposição face a sua autonomia.
Para justificar a sua posição o Professor invoca argumentos semelhantes aos
dados anteriormente, como por exemplo a identidade de sentidos entre prevenção
e precaução, pelos critérios avançados que são utilizados para a sua distinção,
pois os dois princípios entrecruzam-se de modo a que defender a autonomia do
princípio da precaução seria algo errado por os dois conceitos serem vistos no
vocabulário português como sinónimos. Não considera o Professor igualmente
adequado, a distinção assentar no carácter actual ou futuro dos riscos, por os
mesmos se encontrarem interligados, nem a utilização da ideia de perigos
decorrentes de causas naturais a fim de distinguir prevenção, porque
actualmente as lesões ambientais são resultado de um concurso de causas. O
mesmo vale para a utilização da ideia de riscos provocados por acções humanas a
fim de distinguir precaução. Quanto a defesa de uma inversão do ónus da prova,
a mesma e considerada como excessiva por impedir qualquer fenómeno de mudança.
Por fim o Professor refere que estando o princípio da prevenção consagrado a
nível constitucional, e não fazendo a nossa Constituição qualquer referência ao
princípio da precaução, o mais correcto seria proceder a sua interpretação em
sentido amplo de modo a lá conseguir integrar o princípio da precaução.
Em
síntese a posição adoptada pelo Professor referente a esta querela doutrinária
centra-se na construção de uma noção ampla de prevenção de modo a incluir no
mesmo a consideração tanto de perigos naturais como de riscos humanos, como
igualmente a antecipação de lesões ambientais de carácter actual como de
futuro, sempre de acordo com critérios de razoabilidade e de bom senso.
Ainda
dentro das posições contra a autonomização do princípio da precaução, cabe
fazer referencia a Professora Carla Amado Gomes, pois para ela a diferença
entre os dois princípios centra-se no facto, “de a prevenção lidar com a
probabilidade, sendo que a precaução vai mais além, revestindo a mera
possibilidade- e mesmo a descoberto de qualquer base de certeza científica”.
E portanto não existe assim qualquer razão no entendimento da Professar para se autonomizar os dois conceitos, estamos assim e na linha de pensamento do Professor Vasco Pereira da Silva, na presença de um conceito de Prevenção no sentido amplo.
E portanto não existe assim qualquer razão no entendimento da Professar para se autonomizar os dois conceitos, estamos assim e na linha de pensamento do Professor Vasco Pereira da Silva, na presença de um conceito de Prevenção no sentido amplo.
Passando
agora, à posição a favor da autonomização do princípio da precaução, a mesma
refere como argumentos a vantagem na
uniformização deste conceito, em virtude da autonomização generalizada nos
planos Comunitário, Internacional e no próprio Direito interno da maioria dos
Estados, por via a evitar equívocos.
Convém
no entanto destacar como argumento principal desta posição, a mesma afirma que
a autonomização evidência que a protecção do ambiente não se fica só pela prevenção
dos danos, havendo igualmente que gerir os riscos. A favor desta posição surge
o Professor Gomes Canotilho uma vez que o mesmo defende a autonomização do
princípio da precaução face ao da prevenção pois esta afigura-se como a ideia
defendida no artigo 174º, nº 2 TCUE (hoje, artigo 191º TFUE).
Estes
dois princípios conciliados com outros de cariz Constitucional, mais
concretamente aqueles previstos na nossa lei fundamental, dos quais se destacam
a titulo exemplificativo, os artigos 66.º, nº2 alínea h), 93.º, nº1 alíneas a)
e d), tendo de conciliar este seu desejo de preservação dos recursos naturais
presentes no território nacional, com o desenvolvimento económico e social do
pais inclusive com a sua politica industrial (artigo 100.º da CRP). Invoco aqui
uma frase dita por Breuer “ A protecção
do ambiente custa dinheiro e só pode ser financiada através de medidas de
incentivo ao desenvolvimento económico”, ora bem por mais estranho que
pareça todas estas actividades do Estado, essências para que o mesmo atinja um
esperado nível de estabilidade, geram riqueza, que vai ser canalizada para que
o Estado, possa ter preocupações ambientais, daqui resulta uma tutela ambiental
por parte do Estado, sendo que a mesma não será possível se todos esses
incentivos financeiros que o mesmo tenta criar.
No
entanto e importante referir que a nossa Constituição, coloca um travão no
progresso, não abdicando de valores ambientais em prol do desenvolvimento a
qualquer custa, tal encontra-se reflectido em preceitos Constitucionais tais
como os artigos 81.º/ alínea l) e m) e no artigo 90.º. A própria lógica do
desenvolvimento sustentável espelhada no artigo 66.º, nº2 da CRP, já aqui
varias vezes citado, demonstra o caminho tomado pelo legislador neste plano.
Caminho esse que se traduz no seguinte: O desenvolvimento económico deve fazer-se com a
salvaguarda dos valores ambientais, não contra eles.
Conclusão
Cabe
agora proceder a uma síntese e respectiva apreciação critica sobre o tema em
questão. Relativamente ao princípio da prevenção, pelo acima exposto é possível
retirar que o mesmo é reconhecido quer a nível interno, internacional como
também comunitário, tendo subjacente a ideia de evitar a ocorrência de danos
ambientais irreversíveis. Por outro lado já o princípio da precaução deverá ser
entendido, como sendo decorrente de uma interpretação do princípio da
prevenção, como tal concordo com a posição que afirma ser mais adequado
entender a prevenção numa acepção ampla. Deve-se ter igualmente presente que na
génese do princípio da precaução se encontra a ideia de que na ausência de
comprovativo científico sobre a existência e gravidade de uma actuação humana
ou omissão, a decisão regulamentadora ser devera pautar por um princípio in dúbio pro ambiente.
Claro
está que ao contrário do que se verifica face ao princípio da prevenção que
consta da nossa constituição o mesmo já não acontece quanto ao princípio da
precaução, no entanto tal não impede, que quer o legislador, quer o
administrador português, e encontrem vinculados a um dever de ponderação do
interesse ambiental por força, do princípio Constitucional da
Proporcionalidade.
Penso,
e de acordo com o que foi exposto, que no que diz respeito ao núcleo do
princípio da precaução, que não se deverá proceder a uma leitura
fundamentalista do mesmo uma vez que tal daria azo a um aumento de atitudes
alarmistas, o que só por si será algo desnecessário, pelo que tal irá afectar
em excesso os demais bens jurídicos protegidos a nível constitucional.
Revejo-me na posição do Professor Vasco Pereira da Silva, quando o Professor
defende que o princípio da precaução deve ser “temperado” com critérios de
racionalidade e de bom senso. E portanto o mesmo só será chamado quando haja
uma dúvida fundada sobre as consequências de uma determinada acção para o meio
ambiente. Na minha opinião, ambos os princípios contribuem para a protecção dos
bens ambientais, sendo que pelo que pude observar a principal diferença reside
no facto de a precaução partir sempre de uma lógica preventiva, ao passo que a
prevenção pode não se traduzir em precaução.
Isto
assume uma grande importância na prática uma vez que nas situações duvidosas,
havendo uma certa incerteza, as decisões serão tomadas num sentido in dubio pro ambiente, e consequentemente
irá se dar a já referida inversão do ónus da prova, passando a mesma para o
poluidor, o que vai reduzir a carga sobre a pessoa/entidade que sofre a
poluição ou sobre quem quer agir em prol da natureza, também se verifica uma
redução nos gastos, muitas vezes avultados, que são necessários no processo e
que esse agente iria despender. Resta-me concluir com a ideia de que
independentemente da escolha a ser tomada, quer se opte por uma autonomização
do princípio da precaução face ao princípio da prevenção, ou se adopte uma
interpretação da prevenção no sentido amplo de forma a la caber o principio da
precaução, deve-se ter em conta que as medidas preventivas que são necessárias
não se conjugam com a espera pela certeza absoluta que muitas vezes já chega
tarde demais.
Bibliografia
Canotilho,
J.J.Gomes, “Introdução ao Direito do Ambiente”, Universidade Aberta,
Lisboa,1998;
Gomes,
Carla Amado, “Introdução ao Direito do Ambiente”, AAFDL, 2012;
Silva,
Vasco Pereira da, “Verde cor do Direito – Lições de Direito do Ambiente”,
Almedina,Coimbra,2002;
Gomes,
Carla Amado, “ As providências cautelares e o princípio da precaução – Ecos de
Jurisprudência”, Porto, 2007.
João Marques
Nº 19674
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