segunda-feira, 1 de abril de 2013


Uma tutela preventiva do Ambiente:

Prevenção e Precaução

 

Antes de avançarmos no tema, cabe fazer uma prévia análise aos princípios da prevenção e precaução explicar em que consistem, suas manifestações e fontes. Os mesmos afiguram-se como sendo dois princípios essenciais para uma tutela preventiva do ambiente.

·         Princípio da prevenção

Deste princípio decorre que na iminência de uma actuação humana, a qual comprovadamente lesará, de forma grave e irreversível, bens ambientais, que a mesma deve ser travada estamos aqui numa lógica de intervenção anterior à ocorrência dos danos, pois, mesmo sendo possível a reconstituição natural da situação anterior à sua ocorrência, a mesma é de tal modo onerosa, que esse esforço não pode ser exigido ao poluidor. Citando o professor Vasco Pereira da Silva, sendo que para o qual este princípio afigura-se como um dos princípios fundamentais em matéria ambiental ao lado de outros tais como o do desenvolvimento sustentável.

Ainda na linha de pensamento do professor Vasco Pereira da Silva, o próprio princípio da prevenção pode ser entendido em duas acepções ampla e restrita. Visto numa acepção amplo, ele deve permitir a antecipação de eventuais riscos futuros, ainda que não inteiramente determináveis, numa lógica «mediatista». Por outro lado no seu sentido restrito, o mesmo princípio deve remeter para a antecipação de perigos imediatos e concretos, numa lógica «imediatista».

Quanto às fontes deste princípio, passo em primeiro lugar a fazer reverência ao Direito Internacional, destacando a Carta Mundial da Natureza de 29 de Outubro de 1982, as Convenções para a protecção da camada de ozono de 1985 e sobre as alterações climáticas de 1992. A nível comunitário destaque para as iniciativas que surgiram com a entrada em vigor do Acto Único Europeu em política de ambiente. Por fim cabe fazer reverência às fontes de cariz interno, destacando desde logo o artigo 66.º/ 2a) da CRP, que aponta para uma orientação preventiva, quando faz referência à necessidade de “Prevenir e controlar a poluição…”, mais ainda no seu nº2 a sua alínea d) ao consagrar o princípio da solidariedade intergeracional, dá indício de uma atitude de controlo preventivo da qualidade dos bens ambientais. O princípio aqui presente tem como principal função prevenir – e não tanto remediar, não obstante a possibilidade de influências recíprocas entre as duas realidades. Destaque ainda para o artigo 3.º da LBA e também para o artigo 52.º/ 3ª) da CRP, de onde se retira uma preocupação quanto à prevenção do ambiente.

·         Princípio da Precaução

Quanto à sua noção cabe referir o Professor Gomes Canotilho, pois para o mesmo “o princípio da precaução significa que o ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza, por falta de provas científicas evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente”, permitindo a antecipação da acção preventiva ainda que não se tenham certezas sobre a sua necessidade e legitimando a proibição de actuações potencialmente lesivas, mesmo que essa potencialidade não seja cientificamente indubitável. Na essência este principio não mais é do que o produto de preocupações práticas relativamente ao aumento assustador dos níveis de poluição.

No contexto Comunitário, este princípio surge como um princípio geral de Direito Comunitário que exige que as autoridades competentes tomem medidas para prevenir determinados risco potenciais para a saúde pública, a segurança e o ambiente, dando precedente às exigências relacionadas com a protecção desses interesses em relação aos interesses económicos. Numa dimensão europeia o princípio da precaução tem expressão desde 1992 no artigo 130.ºR, nº2 TCE (hoje, 191.ºTFUE), por outro lada a nível nacional isso não acontece, estando apenas autonomizado na Constituição o princípio da prevenção presente como acima já referido no artigo 66.ºCRP, tal conduz-nos ao grande problema doutrinário da autonomia do princípio da precaução face ao princípio da prevenção, daqui decorrem duas posições uma a favor e outra contra a autonomização do princípio da precaução.

Antes de enumerar os argumentos das duas teses, penso ser importante, se fazer uma breve referencia a Charmian Barton, mais concretamente aos critérios que derivam da aplicação do princípio da precaução elencados pelo dito autor. Em primeiro lugar “as medidas são tomadas para prevenir danos consideráveis e irreversíveis no meio ambiente, na ausência de provas científicas que atestem o nexo causal entre a actividade e os seus efeitos no ambiente.” - Daqui decorre que ao contrário do que se passa na prevenção estamos no âmbito da possibilidade e não probabilidade, decorre igualmente uma certa ordem de actuação independentemente da existência de provas científicas. Em segundo lugar “ o ónus da prova cabe a quem pretenda desenvolver uma determinada actividade cuja lesividade para o ambiente não está cientificamente comprovada”.- Retira-se portanto que o ónus da prova passa para quem vai explorar e não para quem alerta a obrigação de provar que a actividade não trará danos graves e irreversíveis para o meio ambiente. Em terceiro lugar “ Para responder à questão de saber se uma actividade causará danos graves e irreversíveis ao ambiente, o risco de erro será sempre computado em favor deste.” – Muito simplesmente em caso de incerteza, a decisão e tomada num sentido de in dúbio pro ambiente. Em quarto e último critério “ Uma medida tomada com base no princípio da precaução deverá sempre invoca-lo ou, pelo menos, decorrer da aplicação do princípio do desenvolvimento sustentado.” – Daqui resulta que o princípio da precaução apresenta um sentido preventivo, porém estaremos a ultrapassar o seu limite e consequentemente fora do seu âmbito se as medidas a serem tomadas, o forem diante um risco potencial certo ou comprovado. O mesmo autor argumenta que numa via processual, a inversão do ónus da prova operada por este princípio, que o coloca do lado do poluidor, serve para um equilíbrio de facto entre as partes nos processos que digam respeito a questões ambientais penso que em certo ponto autor tem razão, sendo este equilíbrio algo de necessário.

Terminada esta breve, mas importante, referência passo de seguida a enunciar os argumentos que cada posição apresenta, remetendo a minha opinião para a parte final do referido “post”. Começo com a posição que se opõe à autonomia, a mesma aponta como desvantagens da mesma:

·         A confusão entre os conceitos de prevenção e precaução, já que os mesmos são a maior parte das vezes tidos como sinónimos. De facto, a linha que os separa é muito fina, já que os critérios de distinção construídos pela doutrina (por exemplo, defesa contra um perigo “presente” vs evitação de um perigo “futuro” e os resultados a que conduzem nem sempre são claros e inequívocos.

 

·         Outro argumento apresentado diz respeito à existência de uma inversão do ónus da prova ou por outras palavras uma presunção que obriga quem pretende iniciar uma actividade potencialmente danosa a fazer prova que não existe qualquer perigo de lesão ambiental, o que se configura como claramente excessivo, uma vez que tal constituiria um impedimento a qualquer nova realidade. Pois trata-se de algo utópico querer-se atingir um patamar de evolução sem que com isso a acção humana não comporte qualquer risco para o ambiente. Pois está comprovado que ao longo da evolução da história e por forma a melhorar o seu próprio bem-estar o ser humano recorre muitas vezes a certas medidas que tem impactos desastrosos para o ambiente.

 

Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, o dito princípio cabe num sentido amplo do princípio da prevenção, assim a opinião do Professor vai no sentido de oposição face a sua autonomia. Para justificar a sua posição o Professor invoca argumentos semelhantes aos dados anteriormente, como por exemplo a identidade de sentidos entre prevenção e precaução, pelos critérios avançados que são utilizados para a sua distinção, pois os dois princípios entrecruzam-se de modo a que defender a autonomia do princípio da precaução seria algo errado por os dois conceitos serem vistos no vocabulário português como sinónimos. Não considera o Professor igualmente adequado, a distinção assentar no carácter actual ou futuro dos riscos, por os mesmos se encontrarem interligados, nem a utilização da ideia de perigos decorrentes de causas naturais a fim de distinguir prevenção, porque actualmente as lesões ambientais são resultado de um concurso de causas. O mesmo vale para a utilização da ideia de riscos provocados por acções humanas a fim de distinguir precaução. Quanto a defesa de uma inversão do ónus da prova, a mesma e considerada como excessiva por impedir qualquer fenómeno de mudança. Por fim o Professor refere que estando o princípio da prevenção consagrado a nível constitucional, e não fazendo a nossa Constituição qualquer referência ao princípio da precaução, o mais correcto seria proceder a sua interpretação em sentido amplo de modo a lá conseguir integrar o princípio da precaução.

Em síntese a posição adoptada pelo Professor referente a esta querela doutrinária centra-se na construção de uma noção ampla de prevenção de modo a incluir no mesmo a consideração tanto de perigos naturais como de riscos humanos, como igualmente a antecipação de lesões ambientais de carácter actual como de futuro, sempre de acordo com critérios de razoabilidade e de bom senso.

Ainda dentro das posições contra a autonomização do princípio da precaução, cabe fazer referencia a Professora Carla Amado Gomes, pois para ela a diferença entre os dois princípios centra-se no facto, “de a prevenção lidar com a probabilidade, sendo que a precaução vai mais além, revestindo a mera possibilidade- e mesmo a descoberto de qualquer base de certeza científica”.
E portanto não existe assim qualquer razão no entendimento da Professar para se autonomizar os dois conceitos, estamos assim e na linha de pensamento do Professor Vasco Pereira da Silva, na presença de um conceito de Prevenção no sentido amplo.

Passando agora, à posição a favor da autonomização do princípio da precaução, a mesma refere como argumentos a vantagem na uniformização deste conceito, em virtude da autonomização generalizada nos planos Comunitário, Internacional e no próprio Direito interno da maioria dos Estados, por via a evitar equívocos.

Convém no entanto destacar como argumento principal desta posição, a mesma afirma que a autonomização evidência que a protecção do ambiente não se fica só pela prevenção dos danos, havendo igualmente que gerir os riscos. A favor desta posição surge o Professor Gomes Canotilho uma vez que o mesmo defende a autonomização do princípio da precaução face ao da prevenção pois esta afigura-se como a ideia defendida no artigo 174º, nº 2 TCUE (hoje, artigo 191º TFUE).

Estes dois princípios conciliados com outros de cariz Constitucional, mais concretamente aqueles previstos na nossa lei fundamental, dos quais se destacam a titulo exemplificativo, os artigos 66.º, nº2 alínea h), 93.º, nº1 alíneas a) e d), tendo de conciliar este seu desejo de preservação dos recursos naturais presentes no território nacional, com o desenvolvimento económico e social do pais inclusive com a sua politica industrial (artigo 100.º da CRP). Invoco aqui uma frase dita por Breuer “ A protecção do ambiente custa dinheiro e só pode ser financiada através de medidas de incentivo ao desenvolvimento económico”, ora bem por mais estranho que pareça todas estas actividades do Estado, essências para que o mesmo atinja um esperado nível de estabilidade, geram riqueza, que vai ser canalizada para que o Estado, possa ter preocupações ambientais, daqui resulta uma tutela ambiental por parte do Estado, sendo que a mesma não será possível se todos esses incentivos financeiros que o mesmo tenta criar.

No entanto e importante referir que a nossa Constituição, coloca um travão no progresso, não abdicando de valores ambientais em prol do desenvolvimento a qualquer custa, tal encontra-se reflectido em preceitos Constitucionais tais como os artigos 81.º/ alínea l) e m) e no artigo 90.º. A própria lógica do desenvolvimento sustentável espelhada no artigo 66.º, nº2 da CRP, já aqui varias vezes citado, demonstra o caminho tomado pelo legislador neste plano. Caminho esse que se traduz no seguinte: O desenvolvimento económico deve fazer-se com a salvaguarda dos valores ambientais, não contra eles.





Conclusão

Cabe agora proceder a uma síntese e respectiva apreciação critica sobre o tema em questão. Relativamente ao princípio da prevenção, pelo acima exposto é possível retirar que o mesmo é reconhecido quer a nível interno, internacional como também comunitário, tendo subjacente a ideia de evitar a ocorrência de danos ambientais irreversíveis. Por outro lado já o princípio da precaução deverá ser entendido, como sendo decorrente de uma interpretação do princípio da prevenção, como tal concordo com a posição que afirma ser mais adequado entender a prevenção numa acepção ampla. Deve-se ter igualmente presente que na génese do princípio da precaução se encontra a ideia de que na ausência de comprovativo científico sobre a existência e gravidade de uma actuação humana ou omissão, a decisão regulamentadora ser devera pautar por um princípio in dúbio pro ambiente.

Claro está que ao contrário do que se verifica face ao princípio da prevenção que consta da nossa constituição o mesmo já não acontece quanto ao princípio da precaução, no entanto tal não impede, que quer o legislador, quer o administrador português, e encontrem vinculados a um dever de ponderação do interesse ambiental por força, do princípio Constitucional da Proporcionalidade.

Penso, e de acordo com o que foi exposto, que no que diz respeito ao núcleo do princípio da precaução, que não se deverá proceder a uma leitura fundamentalista do mesmo uma vez que tal daria azo a um aumento de atitudes alarmistas, o que só por si será algo desnecessário, pelo que tal irá afectar em excesso os demais bens jurídicos protegidos a nível constitucional. Revejo-me na posição do Professor Vasco Pereira da Silva, quando o Professor defende que o princípio da precaução deve ser “temperado” com critérios de racionalidade e de bom senso. E portanto o mesmo só será chamado quando haja uma dúvida fundada sobre as consequências de uma determinada acção para o meio ambiente. Na minha opinião, ambos os princípios contribuem para a protecção dos bens ambientais, sendo que pelo que pude observar a principal diferença reside no facto de a precaução partir sempre de uma lógica preventiva, ao passo que a prevenção pode não se traduzir em precaução.

Isto assume uma grande importância na prática uma vez que nas situações duvidosas, havendo uma certa incerteza, as decisões serão tomadas num sentido in dubio pro ambiente, e consequentemente irá se dar a já referida inversão do ónus da prova, passando a mesma para o poluidor, o que vai reduzir a carga sobre a pessoa/entidade que sofre a poluição ou sobre quem quer agir em prol da natureza, também se verifica uma redução nos gastos, muitas vezes avultados, que são necessários no processo e que esse agente iria despender. Resta-me concluir com a ideia de que independentemente da escolha a ser tomada, quer se opte por uma autonomização do princípio da precaução face ao princípio da prevenção, ou se adopte uma interpretação da prevenção no sentido amplo de forma a la caber o principio da precaução, deve-se ter em conta que as medidas preventivas que são necessárias não se conjugam com a espera pela certeza absoluta que muitas vezes já chega tarde demais.

 

Bibliografia

Canotilho, J.J.Gomes, “Introdução ao Direito do Ambiente”, Universidade Aberta, Lisboa,1998;

Gomes, Carla Amado, “Introdução ao Direito do Ambiente”, AAFDL, 2012;

Silva, Vasco Pereira da, “Verde cor do Direito – Lições de Direito do Ambiente”, Almedina,Coimbra,2002;

Gomes, Carla Amado, “ As providências cautelares e o princípio da precaução – Ecos de Jurisprudência”, Porto, 2007.

                                                                                                                                    João Marques

                                                                                                                                           Nº 19674

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