sábado, 30 de março de 2013

Direito do Ambiente / Direito do Ambiente enquanto Direito Subjectivo /Direito do Ambiente enquanto interesse difuso / Direito do Ambiente enquanto Direito Fundamental


Direito do Ambiente

Segundo certa doutrina, é fazendo uma interpretação conforme à Constituição, na sua versão original, que chegamos ao conceito de Direito do Ambiente, circunscrevendo-se, assim, o objecto ao conjunto de bens ambientais naturais a que alude o art.6º da Lei de Bases do Ambiente. O conceito de ambiente é, não só unitário, como também estrutural e funcional, na medida em que engloba um conjunto de sistemas ecológicos, físicos, químicos e biológicos, assim como factores económicos, sociais e culturais, e estes, por seu turno, funcionais entre si. 


Direito do Ambiente enquanto Direito Subjectivo

É um direito subjectivo fundamental, este Direito do Ambiente, na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, este é um direito que radica no princípio da dignidade da pessoa humana. Para o professor, não tem de existir uma fruição individualizada, porque os direitos fundamentais são elementos fundamentais da comunidade, Têm uma dupla dimensão, na medida em que, a dimensão negativa atende à defesa contra agressões de entidades públicas e privadas, e uma dimensão positiva enquanto valores e princípios de toda ordem jurídica.

É de considerar assim, uma noção ampla de direito do ambiente, tratando-se então de um direito de personalidade instrumental, ou seja, estamos a tratar aqui de uma ampliação dos direitos à saúde e a qualidade de vida. O meio ambiente é, para autores com esta visão, sempre uma extensão da personalidade humana, pelo que a relação de defesa deve ser reportada à esfera individual. Podemos dividir estes direitos de personalidade como intrínsecos, englobando o direito à vida, à integridade física e moral e à honra, e direitos de personalidade periféricos, aqueles que emergem da intersecção do ser humano com o que o rodeia, como será o caso do Direito do Ambiente.

Temos ainda, neste sentido, o Professor Gomes Canotilho, que, por sua vez em matéria de Direito do Ambiente, defende que este é um direito fundamental e um direito subjectivo do tipo dos direitos económicos sociais e culturais, entende que não é um verdadeiro direito subjectivo de defesa pois não garante ao cidadão o direito de defesa contra actividades dos poderes públicos ambientalmente lesivas. Por outro lado entende que não é um direito subjectivo prestacional porque não confere ao particular um direito originário a prestações destinado a exigir uma actividade dos poderes públicos promotores de um ambiente ecológicamente equilibrado, além de que, o direito ao ambiente não nos dá o conteúdo preciso dessas prestações. Aceita contudo que os particulares tenham direitos especificamente incidentes sobre o ambiente, tais como os procedimentais ambientais sob a forma de direitos de informação de participação e de acção judicial e o direito de acção popular. Admite que o dever de protecção do Estado relativamente ao ambiente possa ter como fim assegurar ao titular do direito ao ambiente uma protecção radicalmente subjectiva tendo em conta a intensidade concreta da agressão ambiental (em situações extremas de perigo).
Neste mesmo sentido, atendamos à nossa jurisprudência: Ac. STJ 02/07/1996: Em que o tribunal fundamentou que o direito do ambiente tem dignidade constitucional e insere-se nos direitos fundamentais de personalidade, numa perspectiva antropocêntrica. Assim, considerou-se que o ambiente é uma conditio sine qua non do direito a vida, porque o direito à vida não tem sentido sem a componente "direito à qualidade de vida".

Contra o supra exposto, temos a Srª. Professora Carla Amado Gomes, que nos diz que não há qualquer direito subjectivo, dado que não há uma autonomia em relação aos outros direitos pessoais ou patrimoniais, e não é possível uma livre disposição de fruição de um bem que não pertence ao individuo. Não tem subjacente a lógica de aproveitamento individual de um bem que subjaz à definição de direito subjectivo.

Esta é uma questão, que tem ocupado páginas infindáveis na nossa doutrina jus—ambientalista.

Direito do Ambiente enquanto interesse difuso

O direito do Ambiente é ainda, debatido nos dias de hoje como um interesse difuso, o que tem levado também a largas querelas na doutrina. O interesse difuso é assim entendido dado que objectivamente se estrutura como interesse pertencente a todos e a cada um dos componentes da pluralidade indeterminada de que se trate. Não é um simples interesse individual, reconhecedor de uma esfera pessoal e própria, exclusiva de domínio. O interesse difuso é o interesse de todos e de cada um ou, por outras palavras, é o interesse que cada indivíduo possui pelo fato de pertencer à pluralidade de sujeitos a que se refere à norma em questão. Conforme exposto, o objecto dos interesses difusos é indivisível. Assim sendo, e tratando-se o meio ambiente como um bem plurindividual, (pertencente a todos e a cada um ao mesmo tempo), indivisível e sendo os seus titulares unidos por circunstâncias fáticas conexas (e não por vínculos jurídicos ou origens comuns, como ocorre, respectivamente, nos direitos colectivos e individuais homogéneos, enquadra-se portanto, o direito do ambiente, perfeitamente na categoria dos interesses difusos.
A título de exemplo das querelas doutrinárias supra mencionadas, temos o Professor Vasco Pereira da Silva na sua defesa da teoria do direito subjectivo, que nos diz que : “A Constituição estabelece, portanto, uma posição substantiva de vantagem, que é conferida aos particulares para a realização dos seus próprios interesses, e que é de configurar como um direito (de “defesa” contra uma agressão ilegal), no âmbito de uma relação jurídico-pública de ambiente.” Relativamente a este ponto, o professor Vasco Pereira da Silva entende que a distinção de direito subjectivo, interesse legítimo e interesse difuso, atende às diferentes técnicas de atribuição de posições de vantagem, embora considere que não se deve distinguir mas sim, optar por um tratamento unificado destas posições de vantagem no conceito quadro de direito subjectivo.

Já o Professor Menezes Cordeiro, ao apresentar a noção de situação jurídica activa correspondente a uma protecção reflexa, expõe que “há, no entanto, outra técnica para conferir vantagens, que consiste em fazer incidir, numa generalidade de pessoas, normas de comportamento que acabem por acautelar certos interesses. Assim, haverá um beneficiário ao qual, não sendo atribuída qualquer permissão, se concede uma certa tutela, através dos deveres assacados a terceiros: surge uma protecção reflexa.”.

Ambos os autores referem-se à mesma realidade substantiva e que esta, por sua vez, não pode deixar de se considerar distinta.
Temos ainda o Professor José de Melo Alexandrino neste entendimento de Direito do Ambiente enquanto interesse difuso, defendendo que não é simplesmente individual nem tão pouco interesse público, assim, distingue-se dos direitos fundamentais por não constituir situação jurídica activa dos indivíduo.
No que toca à nossa jurisprudência, é ela a favor de uma dupla interpretação do direito ao ambiente, simultaneamente como um direito subjectivo e como um interesse difuso em função do caso concreto, temos nesse sentido, por exemplo, o acórdão do STJ 23/09/1998.
Temos ainda a opinião do autor Luís Carlos Baptista que defende também o direito do ambiente enquanto interesse difuso: “de acordo com a perspectiva da titularidade, sendo os bens ambientais imateriais e de fruição tendencialmente universal, deve estar aberta a todos. Sobre esses bens, existem direitos subjectivos, nalguns casos como direitos de personalidade, que recebem a tutela prevista nos artigos 70º e seguintes do CC. Já o meio ambiente natural, enquanto bem imaterial, colectivo e indivisível, só pode configurar um interesse difuso, de titularidade comum, arguível por qualquer cidadão e associação que tenha por objectivo a sua protecção".

Assim sendo, em que medida nos pertence este Direito do Ambiente ? Quem tem a função de delimitá-lo ?

O Estado tem o dever de implementar um conjunto de medidas de protecção do ambiente. Porquê o Estado ? Porque a defesa do ambiente é uma tarefa estadual, é um verdeiro dever fundamental e não um mero efeito externo da previsão de um direito, cuja violação tem as necessárias consequências jurídicas (art.52º/3 CRP), ora, assim sendo temos na nossa Constituição da Republica Portuguesa, no seu art. 9º a reprodução disso mesmo, quando esta trata a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais.
É, no âmbito desta matéria, conferida oportunidade aos particulares de um estatuto que lhes permita lidar com estes mesmos Direitos Subjectivos no plano de igualdade frente às entidades públicas, é, também ela, uma decorrência do Principio da Dignidade da Pessoa Humana. É neste âmbito que surgem posições jurídicas subjacentes ao direito do ambiente que têm por sujeitos passivos não apenas o Estado e as entidades públicas, como também entidades privadas, continuando a existir, desta forma, uma unidade de protecção dos bens ambientais no contexto da Constituição (art.18º/1 CRP).

Direito do Ambiente enquanto Direito Fundamental

O direito do ambiente, enquanto direito constitucional fundamental, é um direito à abstenção de acções nocivas por parte do Estado e de terceiros, enquadrando-se nos direitos análogos consagrados no art.17ºCRP, por um lado; por outro, é um direito positivo a uma acção do Estado, no sentido da defesa do ambiente e de controlo das acções de degradação ambiental, impondo-se-lhe as correspondentes obrigações, correspondendo assim a um direito social. No entanto, diferentemente do que ocorre com outros direitos sociais, em que se trata de criar ou realizar o que ainda não existe, o direito ao ambiente visa garantir o que ainda existe e recuperar o que deixou de existir ou se degradou, o leva à existência de um dever de defesa do ambiente (art.66º/ 1CRP in fine), na medida em que há a obrigação de não atentar contra o ambiente, obrigações positivas diversas, já que se trata de um bem colectivo constitucionalmente protegido.
É inegável a importância da consagração constitucional do ambiente enquanto Direito Fundamental, que coloca a CRP 1976 na primeira linha de modernidade das constituições mundiais.
 Observamos que o tratamento que é dado ao bem jurídico Ambiente, é sempre de carácter dúplice, assim sendo temos uma perspectiva objectivista, no sentido de ambiente enquanto tarefa fundamental do estado, enquanto objecto a ser atingido pelo estado, objecto fixado em Constituição e uma perspectiva de reconhecimento de direitos individuais dos cidadãos para defesa do interesse comum, uma perspectiva que tem que ver com o individuo directa e individualmente situado.
Alguns autores, como é o caso do Professor Vasco Pereira da Silva defendem que o direito ao ambiente se inclui na terceira geração de direitos fundamentais, nesta terceira geração, encontramos a referência a este Direito entre tantos outros, como é o caso, a título de exemplo da protecção de dados e do direito à preservação do património genético.
Esta nossa geração, é uma geração que vem introduzir uma tónica de protecção jurídica individual dos novos domínios, da nova geração, da nossa geração, da geração de direitos humanos, direitos estes que não se limitam àqueles fruíveis individualmente ou por grupos determinados, como foi o caso dos direitos individuais e dos direitos sociais, cujo início ocorreu com a transição do século XX para o século XXI.
Este Direito do Ambiente enquanto Direito Fundamental de terceira geração é um direito a actuações estaduais para protecção dele mesmo. O Estado, e daí a remissão directa ao art. 9º CRP tem de criar condições no seu conteúdo, há discricionariedade, mas é um dever que lhe cabe e que não poderá de forma alguma furtar. É um dever de actuação, de participação, para por fim, ser possível tutelar.


Há no entanto doutrina que não defende a repartição dos direitos fundamentais em gerações de acordo com a mesma, há uma repartição possível sim, mas antes por classes, defende que o direito ao ambiente participa do âmbito dos direitos, liberdades e garantias, como dos direitos económicos, sociais e culturais; por outro lado, afirma-se, ainda, neste sentido, que estamos antes no âmbito dos direitos dos povos ou das colectividades, inconfundíveis com os direitos das pessoas.


 O professor Vasco Pereira Da Silva acrescenta ainda nas suas lições que julga que esta dupla dimensão seja de facto a chave para a resolução de muitos dos problemas relacionados com o Direito do Ambiente ainda por resolver.
O Professor defende portanto que ambas as dimensões são necessárias e não podem ser confundidas, uma vez que “uma coisa é a protecção individual atribuída por uma norma, que é daquele individuo concreto e determinado, outra coisa é a protecção jurídica-objectiva que a ordem jurídica estabelece e que é conferida independentemente de sujeitos”.
Os direitos fundamentais de hoje são realidades estruturalmente complexas, no entanto e nas palavras do Professor, “A diversidade e multiplicidade dos direitos fundamentais, como dos demais direitos subjectivos públicos, é antes uma realidade inevitável nas sociedades complexas dos nossos dias, sem que isso signifique pôr em causa a respectiva natureza jurídica substantiva”.  Não é por apresentarem uma multiplicidade de sujeitos a que se referem que isso os impede de serem considerados direitos subjectivos, já que, conforme alerta o Professor, isso seria confundir titularidade do direito e previsão legal.
O direito ao meio ambiente e o seu reconhecimento como um direito fundamental do ser humano surgiu com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada pela ONU em 1972, na cidade de Estocolmo, a qual deu origem ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Como resultado das discussões dessa conferência, foi elaborada a “Declaração de Estocolmo” , conjunto de 26 proposições denominadas Princípios. Traz-nos a consagração do meio ambiente como um direito fundamental do ser humano, essencial para dignidade da vida humana e que deve ser preservado não só para os atuais, como para os futuros habitantes do planeta.
O direito ao ambiente diz respeito a um bem que não está na disponibilidade particular de ninguém, nem de pessoa privada, nem de pessoa pública.O bem a que se refere o artigo 225 da Magna Carta é, assim, um bem que pode ser desfrutado por toda e qualquer pessoa, tendo como característica básica sua vinculação “à sadia qualidade de vida”. Nota-se, portanto, a absoluta simetria entre o direito ao meio ambiente e o direito à vida da pessoa humana. A construção prática do Direito do Ambiente moderno demonstra que o mesmo é fruto da luta dos cidadãos por uma nova forma e qualidade de vida. Com efeito, os indivíduos e as diferentes Organizações Não Governamentais têm vindo a procurar um factor de participação política e de construção de uma nova cidadania, bem como soluções para as gravíssimas demandas ambientais.
Como supra mencionado “inegável é importância da consagração constitucional do ambiente enquanto Direito Fundamental, que coloca a CRP 1976 na primeira linha de modernidade das constituições mundiais”. 

O artigo 66º, que prevê o ambiente como Direito Fundamental, não se esgota nessa previsão. Consagra também uma série de incumbências, que não sendo realizadas pelo Estado, dão origem a uma inconstitucionalidade por omissão ou por acção, respectivamente.

O mesmo preceito prevê os princípios estruturantes do nosso sistema jurídico-ambiental: a prevenção (e a precaução também, para alguns autores), o desenvolvimento sustentável, a racionalidade na utilização dos recursos e o poluidor-pagador.
Por fim, este preceito constitucional consagra ainda um dever, o de defender um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e impende sobre todos os cidadãos.
A previsão constitucional do ambiente não se esgota no artigo 66º. O artigo 9º, nas suas alíneas d) e e) fazem da efectivação dos direitos ambientais e da sua preservação, respectivamente, tarefa fundamental do Estado.
Ficam assim consagradas constitucionalmente, segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, as dimensões subjectiva e objectiva do ambiente: no artigo 66º afirma-se a primeira dimensão e no artigo 9º a segunda dimensão.
São assim, realidades de dupla vertente. Daí o Direito do Ambiente ser um Direito Fundamental, é exactamente aqui que se integram: o ético-valorativo, em que está aqui em causa uma dimensão essencial da dignidade da pessoa humana; o social, em que estamos na presença de um direito do cidadão, ou seja, de um cidadão que tem a permissão normativa ao gozo do meio ambiente e à sua protecção e manutenção. É, um avanço enorme, a consideração do Direito do Ambiente como Direito Fundamental, este, fica assim, sujeito ao regime comum destes, o que inclui beneficiar de diversos princípios constitucionais como a universalidade (artigo 12º CRP), igualdade (artigo 13º CRP), o acesso aos tribunais (artigo 20º CRP, que o professor Jorge Miranda considera aplicar-se a todos os Direitos Fundamentais e não apenas aos Direitos, Liberdades e Garantias como transparece do preceito).A inserção do meio ambiente como direito fundamental permite uma maior amplitude e efectividade na sua protecção.

BIBLIOGRAFIA:
- ALEXANDRINO, José de Melo, Direitos Fundamentais, Introdução Geral, 2ª ed, 2011, Principia Editora;
- BAPTISTA, Luís Carlos, Reflexões em torno da figura do direito subjectivo ao ambiente.
- CANOTILHO, J.J.Gomes, Juridicialização da Ecologia ou Ecologização do Direito, in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º4, Dezembro 1995
- CANOTILHO, J.J Gomes, O direito ao Ambiente, 1998, Universidade Aberta;
-CORDEIRO, António Menezes; Tratado de Direito Civil Português – Parte Geral, Tomo I, 3ª ed., 2007, Almedina;
- GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito Do Ambiente, 2012, AAFDL

- MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional - Direito Fundamentais, tomo IV, 9ª Edição, Coimbra Editora, 2012

- PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente; 1ª ed., 2005, Almedina;

- Aulas Teóricas até à data leccionadas, ano lectivo 2012/2013

Patrícia Domingos, 19800



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