quinta-feira, 28 de março de 2013

Reserva Ecológica Nacional e outros regimes

Regime da Reserva Ecológica Nacional vai ser repartido por outras leis
 
http://www.publico.pt/sociedade/noticia/regime-da-reserva-ecologica-nacional-vai-ser-repartido-por-outras-leis-1564419


A notícia é do Jornal Público e reporta-se a Setembro de 2012. Além da despensa de autorização prévia para uma série de projetos considerados compatíveis com a Reserva Ecológica Nacional, a nota do jornal, prede-se com a intenção do Governo, de integrar noutras leis o regime Reserva Ecológica Nacional (REN). Até lá, o regime atual passará por algumas modificações, incluindo a eliminação de autorização prévia para uma série de projetos considerados compatíveis com a REN. Segundo um comunicado da Secretaria de Estado do Ambiente e do Ordenamento do Território, as novas medidas prender-se-iam com as zonas de proteção do litoral e dos recursos hídricos (dunas, arribas, praias e rios), havendo uma especial integração com a Lei da Água e legislação complementar. Já quanto às áreas suscetíveis de acidentes naturais - como leitos de cheia ou zonas sob risco de erosão - ficariam tuteladas por um plano de prevenção e redução de riscos, que estaria a ser elaborado pelos ministérios do Ambiente e da Administração Interna. A ideia do Governo seria adaptar a REN a um novo contexto, em que a proteção dos recursos hídricos e a conservação da natureza estariam abrangidos por outras leis que não existiam há três décadas.
Como já referido, uma das alterações, é a eliminação da figura da autorização prévia para determinados projetos, considerados compatíveis com a REN. Atualmente, a legislação exige autorização prévia a uma série de operações na Reserva Ecológica Nacional, desde pequenas construções de apoio agrícola, a barragens, estradas e parques eólicos. Revisões anteriores da REN já tinham eximido de autorização vários usos de menor impacte, que apenas careciam de comunicação prévia. A título de exemplo a Secretaria de Estado teria comunicado numa nota enviada ao PÚBLICO, como exemplo, "pequenas operações de âmbito agrícola, geológico, como sejam plantações de vinha, pequenas construções de apoio aos sectores da agricultura e florestas, entre outros".
A ideia do Governo teria com objetivo acelerar os processos administrativos no que toca a projetos de menor dimensão. Se tivessem sido já aprovados no âmbito da avaliação de impacte ambiental, por exemplo, isto seria suficiente para desencadear um processo para alterar a REN naquele ponto. A comissão nacional da REN deixaria de ser ouvida em todas as propostas de delimitação e passariam a ser as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, e não o Governo, a aprovar os limites da REN em cada município.
Com maior ou menor sucesso, a REN tem funcionado como um travão à ocupação urbana de zonas naturais sensíveis. Mas já há vários anos, tem vindo a ser criticada por ser demasiado rígida e burocrática - problemas que sucessivas revisões tentaram solucionar.
Mais do que qualquer especulação sobre a dispensa ou não de autorizações, parece-nos aqui pertinente uma análise um pouco mais cuidada dos pontos de fusão entre o regime jurídico da REN com os outros regimes a que (não) referidos na notícia, em especial, os existentes na área do ambiente e do ordenamento do território.
Primeiramente, uma referência ao artigo 3.º/1[1], que discorre que o regime jurídico da REN deve “articula -se com o quadro estratégico e normativo estabelecido no Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, nos planos regionais de ordenamento do território e nos planos sectoriais relevantes”. Parece que o nosso legislador não tenta com esta remissão, suprir a autonomia de ambos os regimes (o da REN e do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial [adiante, RJIGT], aprovado pelo DL 380/00, de 22 de Setembro), mas sim criar uma relação apenas de complementaridade entre eles, não podendo a REN ignorar os principais instrumentos da política pública do ornamento do território presentes no RJIGT, quando se trate de instrumentos de âmbitos equivalentes (v.g. orientações estratégicas nacionais) ou não coincidentes (v.g. carta da REN de certa localidade). Aqui, não nos podemos esquecer que esta cooperação esta também presente na delimitação das áreas REN, que ocorre em simultâneo com a elaboração, revisão ou alteração do plano municipal ou especial de ordenamento do território.
Não menos importante, é a articulação entre o regime jurídico da REN e o regime jurídico da conservação da Natureza e da Biodiversidade, aprovado pelo DL 142/2008, de 24 de Julho, que vem disposto no art. 2º/3 al. c). Desta forma o art. 3º/3 dispõe que “a REN é uma das componentes da Rede Fundamental de Conservação da Natureza, favorecendo a conectividade entre as áreas nucleares de conservação da natureza e da biodiversidade integradas no Sistema Nacional de Áreas Classificadas”. Assim, o diploma que define as bases da política de ambiente (DL 142/2008, de 24 de Julho), no seu n.º 5º/2 clareia que “as áreas de continuidade referidas no número anterior [a REN] estabelecem ou salvaguardam a ligação e o intercâmbio genético de populações de espécies selvagens entre as diferentes áreas nucleares de conservação, contribuindo para uma adequada proteção dos recursos naturais e para a promoção da continuidade espacial, da coerência ecológica das áreas classificadas e da conectividade das componentes da biodiversidade em todo o território, bem como para uma adequada integração e desenvolvimento das atividades humanas”, transferindo para a REN um papel complementar face às áreas nucleares de conservação da natureza e da biodiversidade; áreas essas, que compõem o Sistema Nacional de Áreas Classificadas. Assim, estes regimes devem ser lidos em paralelo, quer quanto à delimitação das áreas REN, quer no âmbito das ações permitidas, interditas e condicionadas em Áreas REN.
A REN, ao abrigo do 3º/2, contribui também para “utilização sustentável dos recursos hídricos”; assim, o seu regime jurídico deve ser tido em conta também em articulação com a Lei da Água, aprovada pela Lei 58/2005, de 29 de Dezembro, sendo que o art. 3º/2 dispõe que o regime deve ser lido “em coerência e complementaridade com os instrumentos de planeamento e ordenamento e as medidas de proteção e valorização, nos termos do artigo 17.º da Lei da Água”. Não nos podemos esquecer que o ornamento e o planeamento dos recursos hídricos se processam através dos seguintes instrumentos: a) Planos especiais de ordenamento do território; b) Planos de recursos hídricos; e c) Medidas de proteção e valorização dos recursos hídricos (cfr. art. 16º da Lei da Água). Conseguimos assim perceber a articulação do regime jurídico da REN com a Lei da Água, se olharmos para o art. 2.º/3 al. a) que delimita como objetivo para a Reserva Ecológica Nacional a proteção dos recursos naturais água e solo, bem como salvaguardar sistemas e processos biofísicos associados ao litoral e ao ciclo hidrológico terrestre, que asseguram bens e serviços ambientais indispensáveis ao desenvolvimento das atividades humanas, o que se reflete nas áreas que integram a REN. Há pois uma grande proximidade de âmbitos de aplicação dos complexos normativos e de objetivos.
Por fim, uma breve referência ao Regime Jurídico da Rede Natura 2000, aprovado pelo DL140/99 de 24 de Abril (adiante RJRN), referido no art. 3º/4 que “sempre que contribuir para a manutenção do estado de conservação favorável de habitats naturais e de espécies da flora e da fauna inscritos nos anexos desses mesmos diplomas”, o regime da REN deve ser considerando regulador do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 7.º e do n.º 1 do artigo 7.º -C do RJRN.


Jorge Pinto de Almeida
21 515


[1] Os artigos sem menção ao diploma legal, referem-se ao Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional


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