1. Introdução
e Conceito
Actualmente o regime
jurídico desta figura consta do Decreto-Lei nº 173/2008 (doravante, DLLA).
Neste diploma o legislador
optou por definir o conceito de licença ambiental na alínea a) do artigo 2º:
“Licença ambiental: decisão escrita que visa garantir a prevenção e o controlo
integrados da poluição provenientes das instalações abrangidas pelo presente
decreto-lei, estabelecendo as medidas destinadas a evitar, ou se tal não for
possível, a reduzir as emissões para o ar, a água e o solo, a produção de
resíduos e a poluição sonora, constituindo condição necessária da exploração
dessas instalações.”
A licença ambiental é um
acto administrativo permissor de uma actividade que, em harmonia com vários
princípios de Direito Ambiental, tem em vista controlar preventivamente (sendo
este aspecto de extrema importância) a realização de actividades económicas que
causem impactos ambientais.
De facto, cumpre referir que
o regime do licenciamento ambiental traduz de forma imediata a influência de
dois princípios de Direito Ambiental[1]:
·
Princípio
da prevenção – constante do artigo 3º a) da Lei de Bases
do Ambiente (doravante, LBA) na sua dimensão positiva na medida em que com a
obrigatoriedade da existência de uma licença para o exercício de uma actividade
o indivíduo fica vinculado a evitar ou minimizar os efeitos nefastos da sua actividade[2];
·
Princípio
do poluidor pagador – artigo 3º a) da LBA in fine tem natureza
preventiva e a ideia subjacente neste princípio é apresentar aos poluidores
apenas duas alternativas de entre as quais eles escolherão a economicamente
mais vantajosa: ou deixam de poluir ou pagam ao Estado um preço para que este
os deixe poluir.
A licença ambiental constitui
uma tentativa de efectuar um controlo integrado da poluição pois através do
procedimento (conforme será descrito adiante) para obtenção de uma licença
procura-se fazer com que este controlo seja feito à luz das repercussões que
esta tem em cada um dos bens jurídicos ambientais nos quais se constitui o
ambiente.
Cabe ao legislador a matéria
da definição das actividades que têm como obrigação o licenciamento ambiental
(constantes actualmente do anexo I do DLLA).
Cumpre referir que o regime
do licenciamento ambiental aplica-se quer a instalações novas que surgiram
posteriormente à entrada em vigor do DLLA quer a alterações de instalações
pré-existentes (apenas no caso de se tratar de uma alteração substancial,
artigos 10º/2 e 2º b) do DLLA).
2. Evolução
legislativa
Todas as actualizações dos diplomas
legais relativos ao licenciamento ambiental têm sido feitas tendo em vista a
harmonização entre legislações (não só aquelas que regulam de modo genérico
quaisquer tipos de licenças mas também os diplomas mais específicos).
O DLLA veio revogar o antigo
Decreto-lei 194/2000 com o objectivo de simplificação legislativa e
administrativa em matéria de licenciamento ambiental e veio dar cumprimento ao
disposto no artigo 33º/1 da LBA[3]
encarregando-se também da transposição de instrumentos legislativos a
nível da União Europeia (através da transposição, nomeadamente, para a nossa
ordem jurídica da Directiva nº96/61/CE, do Conselho, de 24 de Setembro).
De facto, o DLLA incorporou
a concentração da coordenação do processo de licenciamento ambiental numa única
autoridade administrativa considerando as claras vantagens que resultam da
adopção de um procedimento único.
A alteração mais
significativa resultante do DLLA constitui no facto de a licença ambiental ter
passado a constituir uma condição do início de exploração ou funcionamento da
instalação[4]
passando a integrar também o conceito de “polícia administrativa” na medida em
que é a existência de uma licença ambiental que permite exercer uma actividade
económica que potencialmente vai gerar poluição.
3. Licença
VS Autorização
Cumpre
ainda distinguir estes dois conceitos, por vezes utilizados enquanto sinónimos.
A
licença constitui um acto administrativo vinculado que permite aos particulares
satisfazerem os seus direitos sujetctivos desde que, para tal, observem
determinadas exigências legais.
A Administração Pública
simplesmente confere os pré-requisitos necessários à prática de uma determinada
actividade e, se estiver de acordo com as determinações legais, concede a
licença administrativa.
Já a autorização é um acto
administrativo discricionário no qual ainda que o particular cumpra os
pré-requisitos legalmente estipulados cabe à Administração Pública decidir, em consonância
com a sua conveniência e oportunidade, se concordará ou não com o facto de o
particular realizar a actividade requisitada.
4. Características
do conteúdo da licença
Tendo em conta o regime
jurídico vigente é possível apontar três características principais do conteúdo
da licença:
1.
Temporário: na
medida em que se encontra sujeito a termo final, tal como será referido, o que
possibilita a existência de verificações periódicas da eficiência ambiental das
instalações[5]. Se assim
não fosse, justificar-se-ia a possibilidade de revogação sem indemnização de
licenças ambientais não sujeitas a prazo, de forma a que os particulares
deixassem de se preocupar com a prevenção da poluição uma vez obtida a referida
licença.
2. Precário já
que a sua renovação pode ser exigida, antes do respectivo termo da licença, por
iniciativa do operador (artigo 2º alínea n) DLLA), seguindo as exigências
estipuladas no artigo 20º do DLLA, em caso de alteração das circunstâncias de
facto e de direito que estão na base da sua emissão. Do artigo 20/3º constam os
casos de obrigatoriedade de renovação das licenças ambientais por parte do
operador.
5. Prazos
Entende-se que este acto
administrativo goza de um regime de irrevogabilidade na medida em que é um acto
constitutivo de direitos e permissor de uma actividade pois as actividades
efectivamente poluentes, ou seja, praticadas sem a devida licença ambiental,
constituem crimes ambientais (artigo 279º do Código Penal).
De facto, e tendo em conta o
artigo 66º/2 da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) estamos perante um verdadeiro dever
fundamental paralelo ao direito fundamental ao ambiente consagrado no mesmo
preceito constitucional[6].
Pese embora o cariz irrevogável da licença ambiental por parte da
Administração esta é atribuída com um prazo máximo de 10 anos (tendo em conta o
artigo 18º/2 alínea g) do DLLA), para que haja amortização
do investimento e recuperação do investimento realizado. Para lá desse período
o operador já se sujeita a que a administração lhe imponha uma tecnologia mais
avançada.
Findo o termo de 10 anos a licença tem de ser renovada porque o desenvolvimento tecnológico faz com que ao
fim deste período as tecnologias mais avançadas, diante da tecnologia existente
no mercado à data, podem ter-se alterado o que faz com que seja necessário
mudar as instalações.
Esta exigência decorre da consagração pelo legislador
do conceito de “melhores técnicas disponíveis”, consagrado nos artigos 2º
alínea l) e 7º do DLLA, que estabelece que o operador económico quando tem que
obter uma licença ambiental tem que escolher a tecnologia mais avançada a nível
de protecção do ambiente.
Este conceito não pode ser olhado só no momento inicial
no qual é conferida a licença mas sim supervenientemente quando se deve renovar
a licença.
Cumpre referir que a tecnologia exigida pela Administração não pode ser uma tecnologia que do ponto de vista
económico torne inviável a prossecução da actividade.
6. Natureza
jurídica
Tal
como já foi aflorado anteriormente a licença ambiental possui natureza de acto
administrativo (na acepção do artigo 120º do Código de Procedimento
Administrativo) uma vez que se trata de um acto susceptível de causar lesão a
direitos dos particulares sendo, por essa razão, constitucionalmente impugnável
- 268º/4 CRP – podendo defender-se que constitui uma verdadeira decisão
autoritária imposta unilateralmente pelo órgão administrativo[7].
Trata-se
ainda de um acto administrativo criador de direitos mas também de deveres e
encargos para o seu titular integrando-se numa relação jurídica duradoura
(sendo esta relação jurídica de natureza multilateral pois abrange os
particulares afectados nos seus direitos por essa actuação administrativa).
Também
se pode afirmar que, relativamente à sua natureza jurídica, a licença ambiental
é uma decisão prévia condicionadora da existência e do conteúdo de posteriores
actos administrativos bem como um acto administrativo integrado num
procedimento faseado (tal como será abordado de seguida).
7. Procedimento
Tendo
em conta o regime jurídico vigente o procedimento de licença ambiental
processa-se em três fases:
1.
Iniciativa do procedimento, da competência dos
particulares. O privado apresenta o pedido perante a entidade coordenadora do
licenciamento em formulário único tal como consta do artigo 11º do DLLA. Este
formulário único é designado por formulário PCIP (prevenção e controlo
integrados da poluição, cujo modelo consta da Portaria 1047/2001) e é “aprovado
por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área do ambiente
e da tutela das EC” tendo que conter necessariamente os elementos constantes no
artigo 11º/1.
A
autoridade administrativa remete o pedido à APA (Agência Portuguesa do
Ambiente) nos termos do artigo 11º/3 do DLLA
2.
Preparação
da decisão tendo em conta o estipulado no artigo 13º do DLLA a APA,
após receber o pedido de licença ambiental, tem 15 dias para verificar se o
mesmo cumpre com todos os requisitos legalmente exigidos. Na hipótese de isso
não ocorrer o artigo 13º/2 refere que a APA poderá ou solicitar à EC que peça
ao operador elementos ou informações particulares ou mesmo a reformulação do
pedido ou poderá a APA indeferir liminarmente o pedido (originando
necessariamente a extinção do procedimento para obtenção de uma licença, tal
como consta do artigo 13º/2 alínea a) do DLLA).
Caso
não se tenha verificado nenhuma das situações descritas no artigo 13º/2 ou,
tendo-se verificado, as mesmas não tenham culminado numa extinção do
procedimento, segue-se a avaliação técnica efectuada pela APA nos termos do
artigo 14º do DLLA.
3.
Decisão
final cuja competência pertence à APA devendo esta pronunciar-se
no prazo de 55 dias ou 75 dias consoante tenha existido prévia avaliação do
impacto ambiental (AIA) ou não (respectivamente, artigos 16º/1 e 16º/2 do
DLLA). Pode considerar-se que a decisão da APA está subordinada a critérios
formais cuja verificação é predominantemente vinculada pois cabe a esta
autoridade verificar o cumprimento pelo operador dos requisitos expressos nos
artigos 13º e 14º do DLLA.[8]
O artigo 16º/4 do DLLA prevê
a possibilidade de o procedimento de licença ambiental decorrer em simultâneo
com o procedimento da AIA. Neste caso a decisão é proferida no prazo de 10 dias
a contar da emissão da declaração de impacte ambiental (DIA, 16º/4 alínea a))
ou da emissão do parecer de localização ou a aprovação do relatório de
segurança (16º/4 alínea b)).
Uma declaração de impacte
ambiental desfavorável é fundamento para o indeferimento da licença ambiental
tal como refere o artigo 16º/6.
8. Deferimento
tácito, Indeferimento tácito, ou nenhum?
Cumpre
agora analisar o que acontece caso haja um esgotamento do prazo de decisão por
descuido da autoridade competente, neste caso, a APA, e se a lei atribui valor
jurídico ao silêncio da Administração.
O
artigo 14º/1 estabelece que no caso de a APA nada fazer nos prazos legalmente estipulados
há o deferimento tácito da decisão da licença ambiental, desde que não se
verifique nenhuma das causas de indeferimento previstas no artigo 16º/6 do DLLA.
A
lei consagra outro caso de deferimento tácito no artigo 18º/1 d) do Decreto-lei
183/2009 relativo ao regime jurídico da deposição de resíduos em aterro.
Ora, adoptando uma posição
um pouco radical, não se percebe por que razão consentiu o legislador (num
claro atropelo dos princípios gerais de Direito, os princípios ambientais, da
CRP e da LBA) nesta figura.
De
facto, a actividade poluente pressupõe a intervenção da autoridade competente
pois é isto que justifica em primeiro lugar a necessidade de um verdadeiro
licenciamento ambiental.
Não se considera correcta
esta atribuição de valor jurídico ao silêncio nestas situações, muito embora o
artigo 17º/4 defina expressamente que o deferimento tácito do pedido de licença
ambiental só ocorrerá caso o operador cumpra com todos os requisitos do
conteúdo do pedido de licença ambiental já descritos (constantes do artigo 11º
do DLLA) e, para casos específicos, do artigo 12º do mesmo diploma.
9. Contra-ordenações
ambientais
Em
jeito de conclusão, e tendo em linha de conta o regime jurídico vigente
relativamente às contra-ordenações ambientais, constante actualmente da Lei
nº89/2009 de 31/08, cumpre analisar as consequências do desrespeito de alguns
dos preceitos em matéria de licenciamento ambiental.
Consta
do regime geral das licenças DLLA, que as decisões relativas ao início da
exploração de uma actividade que violem a obrigatoriedade de licença são nulas
(artigo 9º/4 do DLLA).
Outra
estipulação legal diz respeito à possibilidade de apreensão de uma licença
consistindo esta ocorrência numa medida cautelar que poderá ocorrer caso a
autoridade competente assim o preveja, conforme estipula o artigo 42º alínea
b).
De
referir que o artigo 30º da lei em análise determina que a cessação ou
suspensão de uma licença poderá constituir uma sanção na medida em que o
particular infractor que exerça a actividade sujeita a licença ambiental
pratique uma contra-ordenação ambiental grave e/ou muito grave (artigo 30º/1
alíneas e), f) e g) desde que e esteja relacionada com a actividade a que se
refere a licença (artigo 31º/6).
Bibliografia
FREITAS,
Dinamene de, Breve reflexão para um olhar
jus-ambiental sobre o regime do licenciamento industrial in Revista da
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, p 783-816, 2001.
SOUZA, Sarah Rosignoli, O licenciamento ambiental na implantação de
aterros sanitários de resíduos sólidos urbanos: um estudo comparado das
legislações portuguesa e brasileira, 2010. 46f. Relatório de estágio de
mestrado, Ciências Jurídico-Ambientais – Faculdade de Direito, Universidade de
Lisboa, 2011.
SILVA, Kelly Cristina da, O licenciamento ambiental no direito
comparado Brasil – Portugal com ênfase no licenciamento de actividades
industriais, 2008. 138f. Tese de Mestrado, Ciências Jurídico-Criminais –
Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, 2009.
SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito, Almedina, Coimbra,
2009 2ª edição.
Rute Fernandes, 19847
[1]
FREITAS, Dinamene de,
Breve reflexão para um olhar
jus-ambiental sobre o regime do licenciamento industrial in Revista da
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2001, página 806.
[2] Tal
como refere SOUZA, Sarah Rosignoli, O
licenciamento ambiental na implantação de aterros sanitários de resíduos
sólidos urbanos: um estudo comparado das legislações portuguesa e brasileira,
2010. 46f. Relatório de estágio de mestrado, Ciências Jurídico-Ambientais –
Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, 2011, cumpre notar que a licença
é um acto administrativo “no qual se permite a um determinado agente realizar
uma actividade potencialmente poluidora (uma vez que dentro de uma noção de
desenvolvimento sustentável não seria razoável se se proibisse todo e qualquer
tipo de poluição.”
[3] “1 - A construção, ampliação, instalação e funcionamento de
estabelecimentos e o exercício de actividades efectivamente poluidoras
dependerão do prévio licenciamento pelo serviço competente do Estado
responsável pelo ambiente e ordenamento do território, sem prejuízo de outras
licenças exigíveis.”
[4]
E não como uma mera
condição de execução do projecto da instalação, FREITAS, Dinamene, op.cit.
[5] SILVA,
Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito, Almedina, Coimbra, 2009 2ª
edição. Refere a possibilidade de uma licença ambiental vitalícia.
[6] FREITAS,
Dinamene, op.cit. “É de realçar que da natureza negativa do direito fundamental
ao ambiente, entendido como direito pessoal, sempre resultaria de forma
implícita um dever de não atentar contra esse mesmo ambiente.”
[7]
SOUZA, Sarah Rosignoli, O licenciamento ambiental na implantação de
aterros sanitários de resíduos sólidos urbanos: um estudo comparado das
legislações portuguesa e brasileira, 2010. 46f. Relatório de estágio de
mestrado, Ciências Jurídico-Ambientais – Faculdade de Direito, Universidade de
Lisboa, 2011
[8]
Tal como já defendia SILVA, Vasco Pereira da, op.cit. aquando do regime
anterior ao DLLA.
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