domingo, 24 de março de 2013

Licença Ambiental



1. Introdução e Conceito

Actualmente o regime jurídico desta figura consta do Decreto-Lei nº 173/2008 (doravante, DLLA).
Neste diploma o legislador optou por definir o conceito de licença ambiental na alínea a) do artigo 2º: “Licença ambiental: decisão escrita que visa garantir a prevenção e o controlo integrados da poluição provenientes das instalações abrangidas pelo presente decreto-lei, estabelecendo as medidas destinadas a evitar, ou se tal não for possível, a reduzir as emissões para o ar, a água e o solo, a produção de resíduos e a poluição sonora, constituindo condição necessária da exploração dessas instalações.”
A licença ambiental é um acto administrativo permissor de uma actividade que, em harmonia com vários princípios de Direito Ambiental, tem em vista controlar preventivamente (sendo este aspecto de extrema importância) a realização de actividades económicas que causem impactos ambientais.
De facto, cumpre referir que o regime do licenciamento ambiental traduz de forma imediata a influência de dois princípios de Direito Ambiental[1]:
·        Princípio da prevenção – constante do artigo 3º a) da Lei de Bases do Ambiente (doravante, LBA) na sua dimensão positiva na medida em que com a obrigatoriedade da existência de uma licença para o exercício de uma actividade o indivíduo fica vinculado a evitar ou minimizar os efeitos nefastos da sua actividade[2];
· Princípio do poluidor pagador – artigo 3º a) da LBA in fine tem natureza preventiva e a ideia subjacente neste princípio é apresentar aos poluidores apenas duas alternativas de entre as quais eles escolherão a economicamente mais vantajosa: ou deixam de poluir ou pagam ao Estado um preço para que este os deixe poluir.
A licença ambiental constitui uma tentativa de efectuar um controlo integrado da poluição pois através do procedimento (conforme será descrito adiante) para obtenção de uma licença procura-se fazer com que este controlo seja feito à luz das repercussões que esta tem em cada um dos bens jurídicos ambientais nos quais se constitui o ambiente.
Cabe ao legislador a matéria da definição das actividades que têm como obrigação o licenciamento ambiental (constantes actualmente do anexo I do DLLA).
Cumpre referir que o regime do licenciamento ambiental aplica-se quer a instalações novas que surgiram posteriormente à entrada em vigor do DLLA quer a alterações de instalações pré-existentes (apenas no caso de se tratar de uma alteração substancial, artigos 10º/2 e 2º b) do DLLA).

2. Evolução legislativa

Todas as actualizações dos diplomas legais relativos ao licenciamento ambiental têm sido feitas tendo em vista a harmonização entre legislações (não só aquelas que regulam de modo genérico quaisquer tipos de licenças mas também os diplomas mais específicos).
O DLLA veio revogar o antigo Decreto-lei 194/2000 com o objectivo de simplificação legislativa e administrativa em matéria de licenciamento ambiental e veio dar cumprimento ao disposto no artigo 33º/1 da LBA[3] encarregando-se também da transposição de instrumentos legislativos a nível da União Europeia (através da transposição, nomeadamente, para a nossa ordem jurídica da Directiva nº96/61/CE, do Conselho, de 24 de Setembro).
De facto, o DLLA incorporou a concentração da coordenação do processo de licenciamento ambiental numa única autoridade administrativa considerando as claras vantagens que resultam da adopção de um procedimento único.
A alteração mais significativa resultante do DLLA constitui no facto de a licença ambiental ter passado a constituir uma condição do início de exploração ou funcionamento da instalação[4] passando a integrar também o conceito de “polícia administrativa” na medida em que é a existência de uma licença ambiental que permite exercer uma actividade económica que potencialmente vai gerar poluição. 

3. Licença VS Autorização

            Cumpre ainda distinguir estes dois conceitos, por vezes utilizados enquanto sinónimos.
            A licença constitui um acto administrativo vinculado que permite aos particulares satisfazerem os seus direitos sujetctivos desde que, para tal, observem determinadas exigências legais.
A Administração Pública simplesmente confere os pré-requisitos necessários à prática de uma determinada actividade e, se estiver de acordo com as determinações legais, concede a licença administrativa.
Já a autorização é um acto administrativo discricionário no qual ainda que o particular cumpra os pré-requisitos legalmente estipulados cabe à Administração Pública decidir, em consonância com a sua conveniência e oportunidade, se concordará ou não com o facto de o particular realizar a actividade requisitada.

4. Características do conteúdo da licença

Tendo em conta o regime jurídico vigente é possível apontar três características principais do conteúdo da licença:
1.    Temporário: na medida em que se encontra sujeito a termo final, tal como será referido, o que possibilita a existência de verificações periódicas da eficiência ambiental das instalações[5]. Se assim não fosse, justificar-se-ia a possibilidade de revogação sem indemnização de licenças ambientais não sujeitas a prazo, de forma a que os particulares deixassem de se preocupar com a prevenção da poluição uma vez obtida a referida licença.
2.    Precário já que a sua renovação pode ser exigida, antes do respectivo termo da licença, por iniciativa do operador (artigo 2º alínea n) DLLA), seguindo as exigências estipuladas no artigo 20º do DLLA, em caso de alteração das circunstâncias de facto e de direito que estão na base da sua emissão. Do artigo 20/3º constam os casos de obrigatoriedade de renovação das licenças ambientais por parte do operador.

5. Prazos

Entende-se que este acto administrativo goza de um regime de irrevogabilidade na medida em que é um acto constitutivo de direitos e permissor de uma actividade pois as actividades efectivamente poluentes, ou seja, praticadas sem a devida licença ambiental, constituem crimes ambientais (artigo 279º do Código Penal).
De facto, e tendo em conta o artigo 66º/2 da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) estamos perante um verdadeiro dever fundamental paralelo ao direito fundamental ao ambiente consagrado no mesmo preceito constitucional[6].
Pese embora o cariz irrevogável da licença ambiental por parte da Administração esta é atribuída com um prazo máximo de 10 anos (tendo em conta o artigo 18º/2 alínea g) do DLLA), para que haja amortização do investimento e recuperação do investimento realizado. Para lá desse período o operador já se sujeita a que a administração lhe imponha uma tecnologia mais avançada.

Findo o termo de 10 anos a licença tem de ser renovada porque o desenvolvimento tecnológico faz com que ao fim deste período as tecnologias mais avançadas, diante da tecnologia existente no mercado à data, podem ter-se alterado o que faz com que seja necessário mudar as instalações.
Esta exigência decorre da consagração pelo legislador do conceito de “melhores técnicas disponíveis”, consagrado nos artigos 2º alínea l) e 7º do DLLA, que estabelece que o operador económico quando tem que obter uma licença ambiental tem que escolher a tecnologia mais avançada a nível de protecção do ambiente.
Este conceito não pode ser olhado só no momento inicial no qual é conferida a licença mas sim supervenientemente quando se deve renovar a licença.
Cumpre referir que a tecnologia exigida pela Administração não pode ser uma tecnologia que do ponto de vista económico torne inviável a prossecução da actividade.

6. Natureza jurídica

            Tal como já foi aflorado anteriormente a licença ambiental possui natureza de acto administrativo (na acepção do artigo 120º do Código de Procedimento Administrativo) uma vez que se trata de um acto susceptível de causar lesão a direitos dos particulares sendo, por essa razão, constitucionalmente impugnável - 268º/4 CRP – podendo defender-se que constitui uma verdadeira decisão autoritária imposta unilateralmente pelo órgão administrativo[7].
            Trata-se ainda de um acto administrativo criador de direitos mas também de deveres e encargos para o seu titular integrando-se numa relação jurídica duradoura (sendo esta relação jurídica de natureza multilateral pois abrange os particulares afectados nos seus direitos por essa actuação administrativa).
            Também se pode afirmar que, relativamente à sua natureza jurídica, a licença ambiental é uma decisão prévia condicionadora da existência e do conteúdo de posteriores actos administrativos bem como um acto administrativo integrado num procedimento faseado (tal como será abordado de seguida).

7. Procedimento

            Tendo em conta o regime jurídico vigente o procedimento de licença ambiental processa-se em três fases:
           
1.    Iniciativa do procedimento, da competência dos particulares. O privado apresenta o pedido perante a entidade coordenadora do licenciamento em formulário único tal como consta do artigo 11º do DLLA. Este formulário único é designado por formulário PCIP (prevenção e controlo integrados da poluição, cujo modelo consta da Portaria 1047/2001) e é “aprovado por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área do ambiente e da tutela das EC” tendo que conter necessariamente os elementos constantes no artigo 11º/1.
A autoridade administrativa remete o pedido à APA (Agência Portuguesa do Ambiente) nos termos do artigo 11º/3 do DLLA

2.    Preparação da decisão tendo em conta o estipulado no artigo 13º do DLLA a APA, após receber o pedido de licença ambiental, tem 15 dias para verificar se o mesmo cumpre com todos os requisitos legalmente exigidos. Na hipótese de isso não ocorrer o artigo 13º/2 refere que a APA poderá ou solicitar à EC que peça ao operador elementos ou informações particulares ou mesmo a reformulação do pedido ou poderá a APA indeferir liminarmente o pedido (originando necessariamente a extinção do procedimento para obtenção de uma licença, tal como consta do artigo 13º/2 alínea a) do DLLA).
Caso não se tenha verificado nenhuma das situações descritas no artigo 13º/2 ou, tendo-se verificado, as mesmas não tenham culminado numa extinção do procedimento, segue-se a avaliação técnica efectuada pela APA nos termos do artigo 14º do DLLA.

3.    Decisão final cuja competência pertence à APA devendo esta pronunciar-se no prazo de 55 dias ou 75 dias consoante tenha existido prévia avaliação do impacto ambiental (AIA) ou não (respectivamente, artigos 16º/1 e 16º/2 do DLLA). Pode considerar-se que a decisão da APA está subordinada a critérios formais cuja verificação é predominantemente vinculada pois cabe a esta autoridade verificar o cumprimento pelo operador dos requisitos expressos nos artigos 13º e 14º do DLLA.[8]
O artigo 16º/4 do DLLA prevê a possibilidade de o procedimento de licença ambiental decorrer em simultâneo com o procedimento da AIA. Neste caso a decisão é proferida no prazo de 10 dias a contar da emissão da declaração de impacte ambiental (DIA, 16º/4 alínea a)) ou da emissão do parecer de localização ou a aprovação do relatório de segurança (16º/4 alínea b)).
Uma declaração de impacte ambiental desfavorável é fundamento para o indeferimento da licença ambiental tal como refere o artigo 16º/6.
                       
8. Deferimento tácito, Indeferimento tácito, ou nenhum?

            Cumpre agora analisar o que acontece caso haja um esgotamento do prazo de decisão por descuido da autoridade competente, neste caso, a APA, e se a lei atribui valor jurídico ao silêncio da Administração.
            O artigo 14º/1 estabelece que no caso de a APA nada fazer nos prazos legalmente estipulados há o deferimento tácito da decisão da licença ambiental, desde que não se verifique nenhuma das causas de indeferimento previstas no artigo 16º/6 do DLLA.
            A lei consagra outro caso de deferimento tácito no artigo 18º/1 d) do Decreto-lei 183/2009 relativo ao regime jurídico da deposição de resíduos em aterro.     
Ora, adoptando uma posição um pouco radical, não se percebe por que razão consentiu o legislador (num claro atropelo dos princípios gerais de Direito, os princípios ambientais, da CRP e da LBA) nesta figura.
            De facto, a actividade poluente pressupõe a intervenção da autoridade competente pois é isto que justifica em primeiro lugar a necessidade de um verdadeiro licenciamento ambiental.
Não se considera correcta esta atribuição de valor jurídico ao silêncio nestas situações, muito embora o artigo 17º/4 defina expressamente que o deferimento tácito do pedido de licença ambiental só ocorrerá caso o operador cumpra com todos os requisitos do conteúdo do pedido de licença ambiental já descritos (constantes do artigo 11º do DLLA) e, para casos específicos, do artigo 12º do mesmo diploma.

9. Contra-ordenações ambientais

            Em jeito de conclusão, e tendo em linha de conta o regime jurídico vigente relativamente às contra-ordenações ambientais, constante actualmente da Lei nº89/2009 de 31/08, cumpre analisar as consequências do desrespeito de alguns dos preceitos em matéria de licenciamento ambiental.
            Consta do regime geral das licenças DLLA, que as decisões relativas ao início da exploração de uma actividade que violem a obrigatoriedade de licença são nulas (artigo 9º/4 do DLLA).
            Outra estipulação legal diz respeito à possibilidade de apreensão de uma licença consistindo esta ocorrência numa medida cautelar que poderá ocorrer caso a autoridade competente assim o preveja, conforme estipula o artigo 42º alínea b).
            De referir que o artigo 30º da lei em análise determina que a cessação ou suspensão de uma licença poderá constituir uma sanção na medida em que o particular infractor que exerça a actividade sujeita a licença ambiental pratique uma contra-ordenação ambiental grave e/ou muito grave (artigo 30º/1 alíneas e), f) e g) desde que e esteja relacionada com a actividade a que se refere a licença (artigo 31º/6).


Bibliografia

            FREITAS, Dinamene de, Breve reflexão para um olhar jus-ambiental sobre o regime do licenciamento industrial in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, p 783-816, 2001.
SOUZA, Sarah Rosignoli, O licenciamento ambiental na implantação de aterros sanitários de resíduos sólidos urbanos: um estudo comparado das legislações portuguesa e brasileira, 2010. 46f. Relatório de estágio de mestrado, Ciências Jurídico-Ambientais – Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, 2011.
SILVA, Kelly Cristina da, O licenciamento ambiental no direito comparado Brasil – Portugal com ênfase no licenciamento de actividades industriais, 2008. 138f. Tese de Mestrado, Ciências Jurídico-Criminais – Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, 2009.
SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito, Almedina, Coimbra, 2009 2ª edição.   

Rute Fernandes, 19847


[1] FREITAS, Dinamene de, Breve reflexão para um olhar jus-ambiental sobre o regime do licenciamento industrial in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2001, página 806.
[2] Tal como refere SOUZA, Sarah Rosignoli, O licenciamento ambiental na implantação de aterros sanitários de resíduos sólidos urbanos: um estudo comparado das legislações portuguesa e brasileira, 2010. 46f. Relatório de estágio de mestrado, Ciências Jurídico-Ambientais – Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, 2011, cumpre notar que a licença é um acto administrativo “no qual se permite a um determinado agente realizar uma actividade potencialmente poluidora (uma vez que dentro de uma noção de desenvolvimento sustentável não seria razoável se se proibisse todo e qualquer tipo de poluição.”
[3]1 - A construção, ampliação, instalação e funcionamento de estabelecimentos e o exercício de actividades efectivamente poluidoras dependerão do prévio licenciamento pelo serviço competente do Estado responsável pelo ambiente e ordenamento do território, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.
[4] E não como uma mera condição de execução do projecto da instalação, FREITAS, Dinamene, op.cit.
[5] SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito, Almedina, Coimbra, 2009 2ª edição. Refere a possibilidade de uma licença ambiental vitalícia.
[6] FREITAS, Dinamene, op.cit. “É de realçar que da natureza negativa do direito fundamental ao ambiente, entendido como direito pessoal, sempre resultaria de forma implícita um dever de não atentar contra esse mesmo ambiente.”
[7] SOUZA, Sarah Rosignoli, O licenciamento ambiental na implantação de aterros sanitários de resíduos sólidos urbanos: um estudo comparado das legislações portuguesa e brasileira, 2010. 46f. Relatório de estágio de mestrado, Ciências Jurídico-Ambientais – Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, 2011
[8] Tal como já defendia SILVA, Vasco Pereira da, op.cit. aquando do regime anterior ao DLLA.

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