Viriato Soromenho Marques: "Interesse público foi
capturado por lóbis"
Como olha para os últimos 30 anos da política de Ambiente?
A nossa política de ambiente é ziguezagueante e até a
mudança de nome do Ministério teve sucessivas metamorfoses (do MARN ao MAMAOT).
A política de ambiente é uma tentativa que a sociedade encontra para enfrentar
os seus limites. Deve ser absolutamente transversal a todas as áreas de
governação para não se ficar na ilusão de que as coisas podem continuar como
estão.
Falou em ziguezagues?
Houve quatro grandes ciclos virtuosos externos que
impulsionaram as nossas políticas de ambiente. Um primeiro, nos EUA nos anos
60, com as questões dos pesticidas, do planeamento urbano, dos resíduos. Em
1972, a Suécia realiza a primeira grande conferência internacional sobre
ambiente, para a qual Portugal é convidado, e é então criada a Comissão
Nacional de Ambiente. Com o aparecimento do partido dos Verdes no Parlamento
Federal alemão, em 1983, entramos noutra onda virtuosa que vai até ao Protocolo
de Quioto, em 1998. Em 2006 tivemos um novo conjunto de sinais positivos, com
Al Gore, o relatório do economista Nicholas Stern, as propostas da União
Europeia e um conjunto de iniciativas que vão até à Cimeira de Copenhaga em
2009.
Com que influências por cá?
O segundo momento mais intenso está ligado à entrada
na Comunidade Europeia, com a criação da lei de bases do ambiente, a
internalização de diretivas, a entrada dos fundos estruturais, etc. Foi uma
época promissora. Porém, a política de ambiente não foi exceção ao que
aconteceu em geral em Portugal. Houve a captura do interesse público por lóbis
ligados à banca, à construção civil, às obras públicas... com tentáculos no
bloco central.
As questões ambientais tornaram-se mais visíveis nas últimas duas décadas.
Sim. Tínhamos indicadores de qualidade de vida
(abastecimento de água, esgotos, resíduos) que nos colocavam numa situação
quase ao nível do terceiro mundo. As pessoas perceberam, tal como o lóbi dos
negócios, que havia muita coisa a ganhar. Os fundos estruturais, todo o
processo de transposição para o direito interno, a mudança da PAC, a
importância que o ambiente foi ganhando na política europeia, as alterações
climáticas... foram questões que deram impulso ao processo.
Como deveria estar organizado o Ministério?
Defendo um modelo em que o ambiente chega às políticas
sectoriais por cima, pelo primeiro-ministro, e não pelo ministério do lado.
Isto nunca foi praticado em Portugal porque nunca tivemos o software humano com
espírito de serviço público para fazer uma política transversal continuada.
Os ministros do Ambiente nunca tiveram autoridade política?
Este nunca foi o modelo seguido. Não é preciso o
primeiro-ministro ser um especialista na matéria, basta que perceba que o
Ambiente é uma área indispensável e ter um ministro que perceba do assunto.
Não é o caso atual...
A atual ministra é uma jovem determinada e com vontade
de fazer as coisas. O problema é o modelo. Passos Coelho nem percebe que está a
seguir o modelo de Sócrates, em que o Ministério deixa de funcionar porque fica
obeso de competências e o orçamento diminui. Este é um Ministério hipertenso
com um conjunto de competências por acumulação e não por coordenação ou visão
estratégica. Mas não diria que é inviável. É o possível na medida em que a
agricultura, o ambiente e o mar são áreas perfeitamente articuláveis. Mas tenho
reservas...
Quais?
...com base na desqualificação da política do
ambiente, no desabamento financeiro, na falta de qualidade dos estudos de
impacte ambiental (EIA), na dificuldade de inspecionar e de fiscalizar, na
situação comatosa da Justiça, que incentiva a infração.
Esta semana, a Quercus chamou a atenção para o facto de os EIA serem um
mero pró-forma, onde a participação pública não existe.
É de lamentar. Acabaram com as sessões de discussão
pública, não criaram alternativas e não disponibilizam todos os pareceres
online. A diretiva da Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) parte do pressuposto
de que há um grau de responsabilidade do promotor, da administração pública e
do próprio autor do EIA. Na realidade isso não se verifica em nenhuma destas
entidades. As empresas fazem os EIA à medida do cliente e a Agência Portuguesa
do Ambiente não critica os procedimentos e as metodologias seguidas.
A economia verde é só uma moda?
Estamos a atravessar uma fase de grande incerteza.
Suspeito que o consenso que se criou em torno do desenvolvimento sustentável
não vai durar muito tempo. Já começam a surgir sinais. Foi-se separando
desenvolvimento e crescimento e o que as pessoas pedem agora, com a crise, é só
crescimento. Mas há movimentos em França e no Reino Unido, por exemplo, que
falam no conceito de decrescimento ou na prosperidade sem crescimento. Têm a
convicção de que o sistema vai entrar em entropia rápida e que vamos ter uma
fragmentação do mundo. É um recuo da globalização e um regresso do
protecionismo. A economia verde (que vai ser discutida na cimeira do Rio +20,
em 2012) teve o seu dia até à Cimeira de Copenhaga. A transição para uma
economia que incorporasse as vertentes ambientais, mantendo um quadro global de
articulação, foi a grande promessa estratégica das negociações climáticas
pós-Quioto.
Está pessimista quanto ao futuro?
O futuro é desenhado por aquilo que sabemos, por
aquilo que não sabemos e por aquilo que fazemos. Estou pessimista em relação ao
que sabemos. Tenho alguma esperança em relação ao que podemos fazer e em
relação ao que desconhecemos.
in Expresso,
10.09.2011 (http://expresso.sapo.pt/viriato-soromenho-marques-interesse-publico-foi-capturado-por-lobis=f673891)
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