domingo, 24 de março de 2013

Entrevista a Viriato Soromenho Marques

Viriato Soromenho Marques: "Interesse público foi capturado por lóbis"

Como olha para os últimos 30 anos da política de Ambiente?
A nossa política de ambiente é ziguezagueante e até a mudança de nome do Ministério teve sucessivas metamorfoses (do MARN ao MAMAOT). A política de ambiente é uma tentativa que a sociedade encontra para enfrentar os seus limites. Deve ser absolutamente transversal a todas as áreas de governação para não se ficar na ilusão de que as coisas podem continuar como estão.

Falou em ziguezagues?
Houve quatro grandes ciclos virtuosos externos que impulsionaram as nossas políticas de ambiente. Um primeiro, nos EUA nos anos 60, com as questões dos pesticidas, do planeamento urbano, dos resíduos. Em 1972, a Suécia realiza a primeira grande conferência internacional sobre ambiente, para a qual Portugal é convidado, e é então criada a Comissão Nacional de Ambiente. Com o aparecimento do partido dos Verdes no Parlamento Federal alemão, em 1983, entramos noutra onda virtuosa que vai até ao Protocolo de Quioto, em 1998. Em 2006 tivemos um novo conjunto de sinais positivos, com Al Gore, o relatório do economista Nicholas Stern, as propostas da União Europeia e um conjunto de iniciativas que vão até à Cimeira de Copenhaga em 2009.

Com que influências por cá?
O segundo momento mais intenso está ligado à entrada na Comunidade Europeia, com a criação da lei de bases do ambiente, a internalização de diretivas, a entrada dos fundos estruturais, etc. Foi uma época promissora. Porém, a política de ambiente não foi exceção ao que aconteceu em geral em Portugal. Houve a captura do interesse público por lóbis ligados à banca, à construção civil, às obras públicas... com tentáculos no bloco central.

As questões ambientais tornaram-se mais visíveis nas últimas duas décadas.
Sim. Tínhamos indicadores de qualidade de vida (abastecimento de água, esgotos, resíduos) que nos colocavam numa situação quase ao nível do terceiro mundo. As pessoas perceberam, tal como o lóbi dos negócios, que havia muita coisa a ganhar. Os fundos estruturais, todo o processo de transposição para o direito interno, a mudança da PAC, a importância que o ambiente foi ganhando na política europeia, as alterações climáticas... foram questões que deram impulso ao processo.

Como deveria estar organizado o Ministério?
Defendo um modelo em que o ambiente chega às políticas sectoriais por cima, pelo primeiro-ministro, e não pelo ministério do lado. Isto nunca foi praticado em Portugal porque nunca tivemos o software humano com espírito de serviço público para fazer uma política transversal continuada.

Os ministros do Ambiente nunca tiveram autoridade política?
Este nunca foi o modelo seguido. Não é preciso o primeiro-ministro ser um especialista na matéria, basta que perceba que o Ambiente é uma área indispensável e ter um ministro que perceba do assunto.

Não é o caso atual...
A atual ministra é uma jovem determinada e com vontade de fazer as coisas. O problema é o modelo. Passos Coelho nem percebe que está a seguir o modelo de Sócrates, em que o Ministério deixa de funcionar porque fica obeso de competências e o orçamento diminui. Este é um Ministério hipertenso com um conjunto de competências por acumulação e não por coordenação ou visão estratégica. Mas não diria que é inviável. É o possível na medida em que a agricultura, o ambiente e o mar são áreas perfeitamente articuláveis. Mas tenho reservas...

Quais?
...com base na desqualificação da política do ambiente, no desabamento financeiro, na falta de qualidade dos estudos de impacte ambiental (EIA), na dificuldade de inspecionar e de fiscalizar, na situação comatosa da Justiça, que incentiva a infração.

Esta semana, a Quercus chamou a atenção para o facto de os EIA serem um mero pró-forma, onde a participação pública não existe.
É de lamentar. Acabaram com as sessões de discussão pública, não criaram alternativas e não disponibilizam todos os pareceres online. A diretiva da Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) parte do pressuposto de que há um grau de responsabilidade do promotor, da administração pública e do próprio autor do EIA. Na realidade isso não se verifica em nenhuma destas entidades. As empresas fazem os EIA à medida do cliente e a Agência Portuguesa do Ambiente não critica os procedimentos e as metodologias seguidas.

A economia verde é só uma moda?
Estamos a atravessar uma fase de grande incerteza. Suspeito que o consenso que se criou em torno do desenvolvimento sustentável não vai durar muito tempo. Já começam a surgir sinais. Foi-se separando desenvolvimento e crescimento e o que as pessoas pedem agora, com a crise, é só crescimento. Mas há movimentos em França e no Reino Unido, por exemplo, que falam no conceito de decrescimento ou na prosperidade sem crescimento. Têm a convicção de que o sistema vai entrar em entropia rápida e que vamos ter uma fragmentação do mundo. É um recuo da globalização e um regresso do protecionismo. A economia verde (que vai ser discutida na cimeira do Rio +20, em 2012) teve o seu dia até à Cimeira de Copenhaga. A transição para uma economia que incorporasse as vertentes ambientais, mantendo um quadro global de articulação, foi a grande promessa estratégica das negociações climáticas pós-Quioto.

Está pessimista quanto ao futuro?
O futuro é desenhado por aquilo que sabemos, por aquilo que não sabemos e por aquilo que fazemos. Estou pessimista em relação ao que sabemos. Tenho alguma esperança em relação ao que podemos fazer e em relação ao que desconhecemos.

in Expresso, 10.09.2011 (http://expresso.sapo.pt/viriato-soromenho-marques-interesse-publico-foi-capturado-por-lobis=f673891)

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