domingo, 31 de março de 2013

Energia nuclear - parte I


1. Introdução
   
    A energia nuclear é hoje uma questão não apenas política, como também jurídica e económica importantíssima. Não admira. O Mundo, e em particular a União Europeia, em cujos Estados-membros não existem reservas significativas nem de petróleo, nem de gás natural, nem de carvão, estão atravessando uma crise energética. A União Europeia, como acabei de mencionar, tem uma indústria fortíssima, uma economia desenvolvidíssima, mas não tem maneira de ampará-la, porque não dispõe de reservas de petróleo, de gás natural e de carvão em grande quantidade. É, por conseguinte, dependente, do ponto de vista energético, especialmente de países como a Rússia e do Oriente Médio, que se têm servido da sua posição para procurar dominá-la politicamente e economicamente.
     Entre nós, tem-se discutido como pôr termo a essa dependência energética. Duas soluções se têm posto: a energia nuclear e as energias renováveis. Para Krämer, a União Europeia tem estimulado, porventura de forma excessiva, a energia nuclear. O autor critica veementemente esta opção política e defende mais investimento nas denominadas energias verdes. A posição de Krämeré, a meu ver, irrealista. Ponhamos a questão. A energia nuclear é limpa, barata e segura. Pelo contrário, as energias renováveis, como a energia solar, a energia eólica, entre outros, são de viabilidade duvidosa e pouco rendíveis. Por isso a decisão de encerrar as centrais nucleares e investir unicamente nas energias verdes não me parece algo avisado e espero que não siga em diante.
    A eleição da energia que melhor satisfará as nossas necessidades é, naturalmente, política. Para quem se identifique mais com a direita política, evidentemente defenderá a energia nuclear ou, ao menos, não a verá com tanto receio. O ambiente pouco importa, se não existir progresso económico e social. Para quem se filie num pensamento político de esquerda, a energia nuclear poderá ser uma opção ultrapassada e não isenta de perigos.
     De resto, os tratados europeus não se mostram a favor nem da energia nuclear, nem das energias fósseis, nem das energias renováveis. Tão só estabelecem determinadas medidas de segurança, a que todas elas deverão obedecer.




 2. Colisão de direitos fundamentais
    Como mencionei anteriormente, a escolha entre energia nuclear e energias renováveis é, naturalmente, política. Mas pode existir, de igual modo, uma colisão de direitos fundamentais: direito ao ambiente e direito à livre iniciativa económica e ao progresso social económico. Para dirimir esse conflito, o intérprete deve recorrer a uma lógica de ponderação e não de subsunção. Quer dizer: terá de encontrar uma forma de optimizar cada um dos direitos, em lugar de se limitar a subsumir a premissa menor à premissa maior. Mais tarde voltaremos ao tema.




3. Princípios da precaução e da prevenção
    Para alguns autores, estes termos estão em sinonímia, mas essa ideia não corresponde fielmente à realidade.
    Para o princípio da precaução, o legislador ordinário deve tomar medidas preventivas quando seja razoável prever que esta ou aqueloutra substância cause graves danos ao ser humano, independentemente de esses riscos estarem suficientemente provados ou não.  É a tese defendida pelos ecologistas e, decerto, pelos partidos de esquerda mais radicais, como os partidos comunistas e os partidos verdes. Concede mais importância ao ambiente do que à economia e, como escreve o Professor Vasco Pereira da Silva, mergulha, não raro, num “ecofunfamentalismo”: deixa de admitir-se a experimentação de novas tecnologias, porque há sempre uma possibilidade de isso pôr em causa o ambiente.
    Em minha opinião, esta tese não convence, porque o ambiente pouco importa, se não existir progresso social e económico e não houver inovação científica. O ambiente deve estar ao serviço do homem. Naturalmente, o homem tem a obrigação de protegê-lo.
    O princípio da prevenção é um pouco mais moderado. Determina que o legislador ordinário estabeleça medidas adequadas quando o risco seja evidente e esteja cientificamente comprovado. Por força disso, deve o legislador ordinário limitar ou até proibir a construção de centrais nucleares? Em minha opinião, não. Naturalmente, a resposta será afirmativa, quando se pondere a construção de uma central numa área particularmente sísmica ou em que se faça uso de uma substância ou de uma técnica inovadora, que ainda não esteja cientificamente comprovada. Pense-se numa central nuclear que permitisse a fusão nuclear, quando é sabido que esse é o maior pesadelo dos cientistas nucleares. Ou imagine-se uma central nuclear obsoleta, como é o caso de não poucas centrais localizadas na antiga União Soviética (donde, Chernobyl, mas não só. Na própria Alemanha Oriental, que não fazia parte da União Soviética, mas que se encontrava sob o seu domínio, subsistem algumas centrais nucleares da era soviética. Em boa hora se decidiu, no entanto, começar a fechá-las).
    Pessoalmente, filio-me na tese da prevenção. A tese da precaução é, a meu ver, a expressão acabada de um fundamentalismo ideológico. É um obstáculo ao crescimento económico e à inovação científica e olvida que a vida é um risco e que sem riscos a própria humanidade não progride. Diferentemente, o princípio da precaução previne não todos os riscos, mas apenas aqueles cuja existência esteja cientificamente provada e não seja uma mera miragem.
    O TJUE tem seguido o critério da prevenção. Donde, os casos C-157/96 e C-180/96.




4. Fim da energia nuclear?
    Recentemente tem-se discutido o fim da energia nuclear. Para alguns, ela é sobremaneira perigosa e o mais avisado seria iniciar o encerramento das centrais nucleares. A Alemanha, durante o consulado de Schroeder, aderiu a essa opção política. Decretou o encerramento progressivo das centrais nucleares e passou a estimular com mais afinco as energias renováveis. Institui, nesse sentido, um programa de apoio às energias verdes. O programa foi frutífero, é certo, mas não tanto como se veiculou nos meios de comunicação social: na Alemanha, apenas 15% da energia produzia é “verde”. Por isso decidiu prorrogar-se a vida útil destas centrais, enquanto não exista melhor alternativa. Pouco tempo depois se anunciou novamente o encerramento das centrais nucleares. Com a crise económica e a ascensão ao poder da CDU, liderada por Angela Merkel, o fecho das centrais nucleares passou a ser uma certeza apenas relativa.
    A decisão é, sobretudo, política e dependerá, dalguma sorte, da ideologia política que triunfe. Poderá a Alemanha abastecer-se unicamente de energias renováveis e, eventualmente, fósseis? É duvidoso. A Alemanha é a maior economia europeia e a sua indústria, uma das maiores do Mundo. A decisão de fechar as centrais nucleares é, por conseguinte, precipitada e oxalá não tenha seguidores.




5. A falta de uma estratégia energética.
    Como escreve  Krämer, a ausência de uma política energética tem quatro causas principais.
- Em primeiro lugar, costuma existir uma grande dependência das energias fósseis e a política energética varia de país para país, consoante as suas necessidades.
-Em segundo lugar, as várias formas de produção de energia não comportam apenas problemas pelo que toca à emissão de gases poluentes. Donde, as centrais nucleares emitem meramente vapor de água para atmosfera. Desta sorte são menos poluentes do que as centrais a carvão ou petróleo, etc. Mas as centrais nucleares não são isentas de riscos. Ainda hoje, não se sabe bem como tratar determinados resíduos nucleares, nem que destino dar ao lixo nuclear. A energia nuclear é ainda mal aceite pelas populações. Não é de admirar. Esta energia é, dalguma forma, maculada ou, se se preferir, estigmatizada. Para o autor, a energia nuclear é ainda pouco rendível, talvez com a excepção da França. Não é verdade. O milagre económico alemão deveu-se, até certo ponto, à energia nuclear.
-Em terceiro lugar, as emissões variam muito de país para país: um país altamente industrializado, como a Alemanha ou a França, decerto emitirá muito mais gases poluentes do que um país como Portugal, que se dedica a actividades do sector terciário, com relevo para o turismo.
-Em quarto lugar, não tem havido vontade política no sentido de desincentivar o uso de carro e estimular os transportes públicos e, enfim, meios de transporte como a bicicleta.




6. Dimensão política das energias renováveis
    As energias renováveis adquiriram importância política há relativamente pouco tempo. Só recentemente acolheram a atenção da União Europeia e ainda assim o seu papel continua sendo residual. Não é de surpreender. Após o fim dos trinta gloriosos anos (1945-1973), assistiu-se a um enfraquecimento dos partidos de esquerda e os partidos de direita readquiriam preponderância na política europeia. Ainda hoje isso é evidente: a maior parte dos Estados europeus tem governos de direita e o Partido Popular Europeu tem sido, quase sempre, o maior grupo parlamentar do Parlamento Europeu.




7. Segue.
    O Tratado da União Europeia e a Euratom propõem medidas energéticas. A Euratom surgiu em 1957 com o desígnio de promover o uso pacífico da energia nuclear mas acabou perdendo a sua “raison d’être”. A França, a maior potência nuclear da União Europeia, recusou subordinar as suas centrais nucleares a regras comuns e também a Alemanha. A Euratom continua existindo, apesar de muitos vaticinarem o seu fim.
    Em 2000, sete países não dispunham de centrais nucleares: Grécia, Itália, Portugal, Irlanda, Dinamarca, Luxemburgo e Áustria. Com a adesão dos países da Europa Central e Oriental, em 2004 e 2007, é claro que o número de centrais nucleares da União Europeia aumentou consideravelmente.




8. Resíduos nucleares
    As regras comunitárias não regulam pormenorizadamente o destino a dar ao lixo nuclear. Deixam essa matéria ao livre arbítrio dos Estados-membros.
    Recentemente (http://ec.europa.eu/news/energy/101103_1_pt.htm), sugeriu-se a criação de regras comuns a todos os Estados-membros, sobre o tratamento dos resíduos nucleares. Como é sabido, as centrais nucleares produzem cerca de um terço da electricidade consumida na União Europeia, bem como 7000 metros cúbicos de resíduos nucleares por ano. Presentemente é possível tratar cerca de 97% dos resíduos nucleares, mas o destino dos outros 3% é incerto.
    Actualmente, os resíduos nucleares são colocados em depósitos perto da superfície. A solução é pouco convincente. Como esses resíduos perduram por milhões de anos, o melhor seria colocá-los a grande profundidade, até para pô-los a salvo de possíveis terramotos e outras catástrofes naturais.
    A instituição de normas comuns a todos os Estados-membros poderia mitigar o receio da opinião pública em relação à energia nuclear, que procede, em grande medida, do acidente nuclear de Chernobyl, em 1986. Os dados são elucidativos. Mais de 80% dos cidadãos da União Europeia entendem que é preciso investir na segurança das centrais nucleares e criar regras comuns para o tratamento de resíduos nucleares.
    As normas sugeridas por alguns grupos políticos do Parlamento Europeu obrigariam os Estados-membros a adoptar a solução de enterrar a grande profundidade os resíduos nucleares a longo prazo. Tornaria juridicamente vinculativas para todos os Estados-membros as regras da Agência Internacional de Energia Atómica.
    Os Estados-membros teriam de apresentar aos órgãos da União Europeia os seus programas para o tratamento de resíduos nucleares. Esses órgãos poderiam sugerir alterações.
    Entidades competentes ficariam encarregadas da concessão de licenças para a construção e gestão de depósitos. Admitir-se-iam acordos entre Estados-membros para a gestão comum dos resíduos nucleares. Porém, proibir-se-ia a sua exportação para fora da União Europeia.
    As populações seriam consultadas sobre a instalação de depósitos nucleares perto das suas casas. Na União Europeia, França, Finlândia e Suécia começaram já a construção de novas instalações, que permitirão armazenar os resíduos nucleares a grande profundidade, mitigando assim os perigos existentes.
    Em suma, sugiro a criação de regras comuns, não apenas sobre os resíduos nucleares, mas também sobre a segurança das centrais nucleares. A energia nuclear é essencial, mas não pode deixar de obedecer a apertadas medidas de segurança. Tais regras não deixam de ser também uma forma de tranquilizar as populações ao pé das quais se localizarão estes depósitos nucleares.




9. Regras comunitárias já existentes sobre a segurança das centrais nucleares
    Em 1994, foi concluída em Viena a Convenção sobre a Segurança Nuclear. A mesma convenção afirma, no seu preâmbulo, a necessidade de garantir que a energia nuclear seja limpa e segura. Ressalva ainda que ela pode ter impactos transfronteiriços. Donde, o caso de Chernobyl. O acidente nuclear repercutiu-se severissimamente não só na Ucrânia, onde se deu, mas também em países como a Bielorrússia, em cujo território caiu 70% da radiação causada pelo acidente, e a Rússia, onde as consequências não foram, ainda assim, tão nefastas como nos dois primeiros países.
    A Convenção sobre Energia Nuclear preocupa-se sobremodo com o impacto transfronteiriço das nuvens radioactivas oriundas das centrais nucleares. Por isso estabelece que a os signatários devem comunicar aos seus vizinhos a decisão de construir centrais nucleares que possam afectá-los (17º, iv) da referida convenção). É o caso das centrais situadas na fronteira entre dois países.
    A regra que impõe aos Estados signatários o dever de inteirar os seus vizinhos da construção de instalações nucleares decorre, até certo ponto, do princípio da boa fé objectiva (que consagra deveres de lealdade, de informação e de segurança para as partes, neste caso os Estados signatários). Com efeito, os resíduos nucleares não conhecem fronteiras, não se alojam tão só no Estado de cujas centrais nucleares provêm. Viajam para outros Estados e estes têm o direito de ser informados, de modo a prevenir que isso suceda.




10. Colisão de direitos fundamentais (desenvolvimento).


10.1 Colocação do problema
    Como mencionei supra, a decisão entre energia nuclear e outra forma de energia é, evidentemente, uma decisão política, que não deixa de pôr em colisão determinados direitos fundamentais. Esses direitos são o direito ao ambiente e o direito à iniciativa privada e, se se quiser, à prosperidade económica. Seguidamente, daremos o nosso parecer sobre o direito ao ambiente.
    O direito ao ambiente é, segundo a expressão de Vasco Pereira da Silva, um genuíno direito fundamental, isto é, um direito subjectivo. É directamente oponível aos poderes públicos e públicos e não constitui uma mera protecção reflexa. É, para usar a conhecida definição de António de Menezes Cordeiro, uma permissão normativa específica de aproveitamento de um bem: o direito existe para aquele cidadão e este não é, qual bom samaritano, um mero interessado no seu cumprimento. É antes o seu árbitro, aquele em função do qual esse direito existe.
    Não acompanho a posição do Professor Vasco Pereira da Silva. O direito ao ambiente é, em primeiro lugar, um direito de terceira geração e, como sucede com a maioria dos direitos de segunda geração em diante, é dificílimo defender a sua directa oponibilidade perante os poderes públicos e políticos ou, por outros termos, a sua consideração como direitos subjectivos.
    Como escreve Diez-Picaso, é decerto pacífico que estes direitos, mais do que constituir direitos subjectivos, estabelecem directrizes ao legislador.
    O direito ao ambiente, como a maioria dos direitos de segunda, terceira e quarta geração, não é, por conseguinte, directamente invocável perante os poderes públicos e políticos e dificilmente poderá ser visto como um parâmetro de constitucionalidade dos actos do poder político. Mas, apesar disso, este tipo de direitos não deixa de encarnar determinados valores ou bens jurídicos dignos de protecção.


10.2 Colisão de direitos fundamentais
    A Constituição da República Portuguesa consagra, como as suas congéneres alemã e espanhola, a necessidade de as leis que restringem direitos, liberdades e garantias respeitarem o conteúdo essencial do direito sacrificado (18º;nº3). Por outra parte sugere que não existem direitos absolutos (18º,nº2), ressalvando a possibilidade de qualquer direito ser restringido para salvaguardar outro direito ou interesse constitucionalmente protegido. A jurisprudência e a doutrina portuguesas são a este respeito muito pobres e é preciso recorrer à doutrina e à jurisprudência estrangeiras.
    Na Alemanha, a Lei Fundamental de Bona consagra a necessidade de o decisor político respeitar sempre o conteúdo essencial do direito, aquando da sua restrição. Igual dever se acha estabelecido na Constituição Espanhola.
    Sobre este tema existe bastante jurisprudência tanto espanhola, como alemã.
    Vejamos a importante sentença 11/1981. Aqui o Tribunal Constitucional Espanhol entendeu que a decisão de restringir um direito fundamental deveria passar necessariamente por dois crivos: conteúdo essencial e princípio da proporcionalidade.
    Neste aresto, o Tribunal Constitucional entendeu que havia duas formas de entender o conteúdo essencial do direito. Numa primeira acepção, o conteúdo essencial integraria as faculdades, as ideias e as convicções geralmente admitidas entre os juristas. Numa outra acepção, o conteúdo essencial compreenderia os interesses juridicamente protegidos que formam parte do núcleo duro do direito subjectivo.
    O Tribunal Constitucional reafirmou ainda a necessidade de a restrição ser proporcional. A proporcionalidade é uma criação da jurisprudência alemã, que passou para a jurisprudência do Supremo Tribunal Europeu de Direitos Humanos e do Tribunal de Justiça da União Europeia. O referido princípio constitui um instrumento de controlo de quaisquer actos dos poderes públicos e políticos (leis, regulamentos, actos administrativos, etc.). Para o princípio da proporcionalidade, os mesmos devem, sob pena de inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, respeitar três requisitos fundamentais:
-Que a intervenção seja adequada a alcançar o fim proposto;
-Que a intervenção seja necessária, na medida em que não exista melhor alternativa para os interesses do cidadão;
-Que seja proporcionada em sentido estrito ou, por outros termos, que jamais acarrete um sacrifício excessivo do direito que se está restringindo.
    Segundo este último requisito, a medida não seria adequada, no caso de o direito ficar esvaziado. É o caso da decisão política de confiscar os depósitos bancários (violação do direito de propriedade), como forma de resolver os problemas financeiros do Estado. Em conclusão, o princípio da proporcionalidade é uma técnica cujo desígnio passa por garantir que a prossecução dos interesses públicos não se faça em detrimento excessivo dos direitos e interesses dos particulares. Procura antes um ponto de equilíbrio entre ambos. A proporcionalidade distingue-se do princípio da razoabilidade: este último simplesmente exige que a intervenção não seja absurda, pelo que nem todas as restrições desproporcionadas seriam inconstitucionais. O princípio da razoabilidade não é, por isso, geralmente acolhido nem pelos tribunais internacionais, nem pelos tribunais nacionais. E ainda bem, porque a adopção desse princípio permitiria abusos por parte do Estado.
    Posto isto, cumpre apresentar uma solução para a eventual colisão entre o direito ao ambiente e o direito à iniciativa privada e, não é errado dizê-lo, à prosperidade económica.
    Como invoquei umas linhas atrás, nenhum direito é absoluto. Todos os direitos podem sofrer algum tipo de limitação, apesar de uns tenderem a ser mais importantes do que outros. Antes do mais, tanto o direito ao ambiente como o direito à iniciativa privada não são direitos absolutos, no sentido atrás exposto, e por isso se admite que eles possam ser restringidos (18º,nº2 da Constituição da República Portuguesa). Seguindo a doutrina do Tribunal Constitucional Espanhol e do Tribunal Constitucional Alemão, a decisão política de construir uma central nuclear, se é certo que proporciona energia barata e que é imposta pela circunstância de existir uma economia de mercado, pode pôr em causa, é verdade, o meio ambiente, desde logo porque a emissão de carbono, apesar de ser bem inferior à das centrais a petróleo ou a carvão, continua existindo e porque a energia nuclear não é isenta de riscos: embora 97% dos resíduos sejam tratáveis, os outros 3% não o são ou não o são adequadamente e os cientistas ainda estão tentando descobrir uma forma de solucionar esse problema. Pode dizer-se, por conseguinte, que a decisão de construir uma central nuclear deverá respeitar o conteúdo essencial do direito que se está sacrificando, isto é, o direito ao ambiente. O seu conteúdo essencial integrará o direito a um ambiente sadio, que permita aos cidadãos crescer livres de doenças provocadas, por exemplo, pela radiação. Por outra parte, a mesma decisão política terá de ser proporcional, isto é, adequada para alcançar o fim proposto, necessária, na medida em que não haja melhor alternativa para os interesses dos cidadãos sacrificados, e proporcionada em sentido estrito ou, por outros termos, não acarretar um sacrifício excessivo para o direito ou interesse sobre o qual está recaindo a intervenção pública. Passado este teste, a decisão é perfeitamente válida.
    Em suma, a decisão de construir centrais nucleares é, em princípio, admissível. Mais é recomendável, contanto que se garantam as condições de segurança. A energia nuclear é, ademais, limpa, segura e barata e constitui uma excelente solução para o problema do aquecimento global e para a escassez e o elevado preço dos combustíveis fósseis, como o petróleo e o gás natural.










Bibliografia
Vasco Pereira da Silva, «Verde Cor de Direito». Em especial, página 25.
Luis María Diez-Picaso, «Sistema de Derechos Fundamentales», em especial páginas 61 e seguintes e 111 e seguintes.
Ludwig Krämer - «Environmental Law», em especial pontos 1-24 – 1-29; 2-86 – 2-94; 4-28 – 4-30; 8-01 – 8-02; 9-09 – 9-16; 9-42 – 9-51; 10-16 – 10-18.

Filipe Nuno Schönburg Carrillo de Mira, nº18135




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