Ao olharmos para o nosso meio
ambiente, deparamo-nos com imensos problemas de degradação, de poluição, de
infestação, e muitos outros também terminados em –ão. A questão fulcral aqui
neste texto será analisar se uma tutela penal será a mais correcta para controlar
esta situação. Mas, como o Prof. Paulo Sousa Mendes nos diz (“Vale a pena o
direito penal do ambiente?”), o direito penal não se interessa por questões “em
massa”, mas situações concretas e individualizadas, e, como se sabe, as
questões ambientais concretizam-se por pequenos actos de cada um dos humanos,
que todos juntos, criam um problema.
O
mesmo autor fala de uma nova perspectiva do legislador ao querer abranger pelo
direito penal que apenas se encontravam no direito de mera ordenação social,
englobando, por isso, o direito penal de justiça. O mesmo tenta encontrar
argumentos a favor de uma tutela penal, nomeadamente, a política criminal de
emergência e a sociedade de risco[1].
Olhando
para este último argumento, há que ter em conta o que será uma sociedade de
risco. Beck desenvolveu a Teoria da Modernização, relativa à sociedade de
risco, onde a sociedade se auto-colocaria em perigo, devido ao desenvolvimento
industrial. Sociedade já tomos nós sabemos do que se trata; mas e o risco? O
que estará englobado neste conceito? O Prof. Paulo Sousa Mendes, no seu estudo
ora em apreço, fala-nos num conceito amplo de risco, onde engloba as situações
de dúvida, de incerteza, de insegurança, onde poderá ocorrer efeitos
secundários, efeitos esses que não serão os melhores. Na contraposição com a
Teoria de Beck, o autor distingue os riscos vulgares dos riscos modernos, sendo
que os primeiros são riscos pessoais e não globais, são calculáveis com base na
mera experiência da vida, enquanto os segundos fogem à capacidade de previsão
do comum dos mortais. Assim, os riscos modernos, da sociedade industrial, são
riscos ocultos, desvendáveis devido a interpretações causais complexas, ao
nível do conhecimento científico, e que dependem de definição social e moldagem
politica. Outras teorias trouxeram os conceitos de perigo e de risco ao de
cima, definindo a sociedade de risco como aquele onde os perigos incalculáveis
são convertidos em riscos manipuláveis, tornando possível a convivência com a
insegurança. Num terceiro modelo entende-se que toda e qualquer sociedade está
e estará sempre em risco, na medida em que este faz parte da vida do ser humano
e, como tal, a nossa sociedade actual está no mesmo risco que as outras
sociedades antecedentes, baseando-se num alarmismo crescente. O mesmo autor
conclui que, devido à análise do risco quer pelo legislador, quer pela
sociedade propriamente dita, se deve conservar os modelos II e III, referentes
à avaliação do risco feita por especialistas e à percepção de riscos por parte
do público, respectivamente, em associação constante, sendo as duas faces da
sociedade de risco. Será aqui aplicado um Direito Penal Moderno, um que
acompanhe a dinâmica característica do bem jurídico do ambiente[2].
O
homem é conhecedor das consequências dos seus actos, e quais os resultados que
dai advêm, nomeadamente, se são bons ou maus; não precisa de grandes conhecimentos
a nível dos acontecimentos para praticar o mal[3].
O Principio do Altruísmo Recíproco
diz-nos que, a nível da sociedade, devemos confiar no próximo, assim como ele
deve confiar em nós; trata-se do jogo da
vida, onde temos de aprender a viver connosco próprios, mas essencialmente,
com os outros. Mas para além de saber viver com os seres humanos, temos,
também, que saber viver com aquilo que nos rodeia, o nosso habitat, aquilo que nos fornece os bens necessários à nossa
sobrevivência. Há que preservar o futuro civilizacional[4]!
Devemos
seguir o princípio da responsabilidade, ou seja, “agir de maneira que as
consequências da tua acção sejam compatíveis com a permanência de uma vida
verdadeiramente humana sobre a Terra!”[5].
Não podemos interpretar a Terra, o meio-ambiente ou o que quer que seja, como
bem colectivo apenas; devemos antes interpretá-lo também como um bem
individual, ao qual todos temos o mesmo direito[6].
Desta
forma, podemos afirmar que tudo isto terá consequências múltiplas de política criminal.
Há, necessariamente, uma relação entre o risco e o sistema jurídico, havendo
problemas de eficiência e de legitimação[7].
O Prof. Paulo Sousa Mendes diz-nos até que será necessário um novo modelo de
responsabilização[8]. O
Direito Penal interessa-se agora, diferentemente da perspectiva clássica, por
interesses vagos, difusos, bens jurídicos universais, nos quais se inclui o
ambiente. Para isso, o legislador necessita de utilizar técnicas de
incriminação mais versáteis, e tem de encarar a prevenção de ameaças contra o
ambiente como prevenção de riscos empiricamente catalogados, enquanto
componentes integradores de uma grande perturbação que é susceptível de agitar
os naturais métodos enérgicos da biosfera. O mesmo autor diz-nos que sendo uma
matéria de riscos difusos, enquadra-se em perigos abstractos/potenciais, e como
tal, devido à sua discriminação através de enunciados simplificados, necessitam
de uma técnica de normação penal em branco, sendo a norma penal uma mera norma
de remissão para outro ramo de direito. É o denominado direito penal de risco,
uma categoria critica[9]!
O
ambiente, enquanto bem jurídico tutelado pela Constituição, ao ser um interesse
difuso, tem como objecto da acção aquilo que sofreu a força da acção
destruidora do sujeito agente[10],
é o que foi alvo de agressão, caso os crimes ambientais se cataloguem como
crimes de resultado[11].
Sabemos, logo à partida, que qualquer tipo de poluição (e isso também diz
respeito até a qualquer tipo de acção que diga respeito ao meio ambiente)
envolve riscos para o ambiente, e, como tal, devemos precaver esses mesmos
riscos – Princípio da Precaução.
Basta a mera ameaça de lesão do bem para uma protecção preventiva do mesmo[12],
na medida em que os recursos naturais não são renováveis, na sua maioria, ou
então, não existem em muita abundância. Dai a necessidade de um controlo precoce de riscos difusos[13]. São
dois os fundamentos que levam a uma preferência pela classificação como crime
de perigo abstracto: o caracter preventivo inerente ao Direito do Ambiente e a
já referida Sociedade de Risco[14].
Cada
Estado tem o dever/obrigação de defender o meio ambiente, enquanto direito
fundamental que se trata (no nosso caso, consagrado no artigo 66.º da CRP). Tem
de definir uma estratégia global, dirigindo essa mesma estratégia. Tem de
tornar relativamente proibidas as actividades que põem em causa o meio
ambiente, e isso dá-se através dos actos permissivos para o desenvolvimento das
actividades, através, por exemplo, de actos administrativos. Ou seja, o
desenvolvimento de certa actividade, ao depender de uma autorização, isso
significa que tudo o que não seja permitido, é proibido[15]!
Cabe ao Direito Administrativo o papel de fiscalizar as formas de utilização
dos recursos naturais, de forma a proibir abusos[16].
Devido
à tendência social, passou a existir uma positivação de normas relativas ao
direito do ambiente, com o intuito de proteger o ser humano, em especial, como
já se referiu, as gerações futuras[17];
para isso surgiu a tutela civil, administrativa e nos casos mais graves, a
tutela penal[18]. Existe
uma certa subsidiariedade relativamente à tutela penal no que diz respeito ao
ambiente na medida em que só actua nos casos inadmissíveis ou intoleráveis[19].
É uma acumulação de condutas, que todas juntas, ofendem o bem jurídico
ambiente, podendo até desequilibra-lo de forma irreversível[20],
e como bem indivisível que é, também não se pode analisar de forma isolada essa
ofensa[21].
Há que ter um nexo de causalidade plausível, isto é, que não seja uma conduta
absurda (como por exemplo, alguém urinar num rio, a não ser que se prove que
uma comunidade inteira o faça de forma massificada e dolosa!).
O
Direito administrativo será sempre a principal via de defesa do meio ambiente;
só quando este não for eficaz, e devido ao princípio da subsidiariedade, é que
o direito penal actua[22],
de forma relativa, devido às condições da complexidade e globalidade das
sociedades. O Direito Penal não poderá tutelar algo que já é tutelado pelo
Direito Administrativo; há uma acessoriedade relativa do Direito Penal face ao
Direito Administrativo[23]
- referência às Normas Penais Em Branco, com remissão para as normas
administrativas[24].
Já
Figueiredo Dias dizia, em 1978, que apesar de defender a discriminação do
ambiente, contesta a ideia de não intervenção no mesmo, na medida em que se
deve preservar, proteger os direitos fundamentais. O mesmo entendia que
qualquer norma que dissesse respeito a esta matéria deveria constar em normas
penais extravagantes, fazendo parte do direito penal secundário, diferente do
que se entende por direito de mera ordenação social, na medida em que se trata
de uma actuação comunitária[25].
Trata-se de um direito que se refere a condutas ético-socialmente censuráveis,
ou seja, a verdadeiros bens jurídicos.
O
mesmo autor entendia que se devia criar uma lei penal autónoma, mas tendo em
atenção a dita dinâmica do ambiente e a progressividade técnica, não podendo
demasiada ampla, visto que desrespeitaria as exigências mínimas do princípio
jurídico-constitucional, nem demasiado estrita, na medida em que seria
ultrapassada pelos avanços da técnica. Por outro lado o autor entende que se
deve tratar de delitos de desobediência à
entidade estadual encarregada de fiscalizar os agentes poluentes e competente
para lhes conceder autorizações ou lhes impor limitações ou proibições de
actividade[26] (trata-se de crimes de desobediência e
de dano).
A
prof.ª Maria Fernanda Palma não concorda com esta Teoria clássica da utilização
da tutela penal como reforço das políticas da Administração. Devido à criação
de um Direito de Mera Ordenação Social, o Direito Penal está praticamente
subtraído na tutela do ambiente, só intervindo os tribunais em situações de
recurso. A tutela penal foi maioritariamente acompanhada por uma descrição das
condutas ilícitas que radicam na violação de prescrições das autoridades, sendo
um direito autónomo do direito penal. Se se considerar o único critério de
distinção a atribuição de pena ou de coima, então esse critério é insuficiente.
Sobre isso surgiu uma nova teoria em que se considera o Direito Administrativo
como subsidiário, em que o nexo de causalidade tem de estar preenchido para o
direito penal actuar, cabendo à Administração definir os índices técnicos de
forma a condicionar as actividades lesivas.
Mas
qual será a dimensão do conceito de ambiente que deverá ter dignidade punitiva?
O artigo 5.º/2 a) amplia o conceito para além da imediata utilidade humana e o
artigo 66.º da CRP abrange ainda a conservação da natureza e a estabilidade ecológica.
O Direito Penal tem um campo de aplicação restrito (necessidade de protecção de
direitos e interesses essenciais), necessitando de um consenso social primário.
Deve-se ponderar o valor de cada bem jurídico como âmbito de protecção penal.
Maria Fernanda Palma diz-nos que os critérios para se determinar se o bem deve
ser tutelado penalmente são: a necessidade de protecção do bem jurídico: o
prévio relevo ético das condutas incriminadas; a não contradição axiológica com
outros ramos do direito; necessidade de um consenso amplo sobre a dignidade
punitiva; e a ineficácia de outros meios para a protecção do bem jurídico. Será
o Direito de mera ordenação social o meio mais idóneo para as infracções
anti-ambientais? Maria Fernanda Palma diz-nos que devido aos seus meios
sancionatórios e por ter como critério a reparação do dano e a desmotivação do
infractor através do prejuízo pecuniário, é o mecanismo ideal para situações
remotamente perigosas. Desta forma, conclui que o direito penal tem limites
rigorosos, sendo inultrapassável a evidente repercussão humana[27].
No
nosso ordenamento existe uma regulação penal indirecta: os artigos 269.º e
271.º CP proíbem certas actividades mas têm como fim último a protecção da
saúde. O mesmo se diga da Lei da Caça e da Lei das Florestas.
Existem
igualmente outras leis, de caracter contraordenacional, como protecção da água,
do solo e da natureza, cujas infracções previstas dizem respeito a condutas que
infringem regras da administração, condutas abstractamente perigosas, condutas
reveladoras de perigo concreto ou danosas para o ambiente ou para o ser humano.
É por isso que é necessário uma reforma que faça uma clara fronteira entre o
direito penal e o direito de mera ordenação social. É necessário instituir
vários tipos de crime de poluição e/ou ambientais, distinguindo-se os crimes de
perigo concreto dos crimes de dano. Há situações que estão previstas no direito
contraordenacional que deveriam estar previstas penalmente devido à sua gravidade.
É
verdade que a catalogação de crimes ambientais tem sempre certas desvantagens:
por exemplo, se se considerarem crimes de dever, são criticáveis por se
considerarem crimes de desobediência, se for crimes de dano pressupõem uma
actuação tardia do direito penal, se crimes de perigo abstracto, é uma técnica
legislativa de difícil articulação com o Direito penal de culpa, se crimes de
perigo concreto, persiste a dificuldade em provar a causalidade em relação ao
perigo.
Pegando
no exemplo do crime de poluição previsto no CP, Figueiredo Dias, como já se
referiu supra considera-o como sendo
uma combinação de crime de dever/desobediência (O prof. Vasco Pereira da Silva
parece seguir a mesma linha[28])
e de resultado enquanto que a Prof. Maria Fernanda Palma entende ser uma
combinação de crime de desobediência e de perigo concreto, dizendo que o prof.
FD vai contra o principio de que se a tipicidade depende do crivo da
contradição com normas ou ordens da Administração, então o dano ambiental é
determinado pela autoridade administrativa[29].
Por outro lado, o Prof. Sousa Mendes entende que se deve tratar o tipo de crime
ambiental penal como sendo um crime de resultado e de perigo concreto[30].
O professor Vasco Pereira da Silva enumera[31]
vantagens e desvantagens sobre as duas vertentes de sancionar o ambiente. Em
relação à tutela penal, enumera as seguintes vantagens: “ a importância simbólica da existência de crimes ambientais, que confere
à defesa do ambiente uma maior “dignidade punitiva”, ao mesmo tempo que atribui
ao Direito Penal uma função de “pedagogia social”; a maior intensidade da
tutela ambiental, já que está em causa a reacção mais vigorosa da ordem jurídica
contra comportamentos lesivos do ambiente, podendo dar origem não apenas à
aplicação de sanções pecuniárias mas também de penas privativas de liberdade; a
existência de garantias do processo penal, uma vez que se é verdade que, por um
lado, o direito penal pode levar à aplicação das sanções mais severas, por
outro lado, são asseguradas a todos os cidadãos todas as garantias de defesa,
que vão desde a “presunção de inocência” até à realização de um “justo
julgamento””.
No
entanto, a mesma tutela trás algumas desvantagens: “a inadequação do Direito Penal para a tutela do ambiente, pois enquanto
que o Direito do Ambiente assenta basicamente num principio de prevenção, o
Direito Penal orienta-se, sobretudo, no sentido da repressão de comportamentos
anti-juridicos graves. Ainda que se possa diminuir a força relativa de tal
argumento, contrapondo que as finalidades de prevenção não são desconhecidas do
Direito Penal; a existência no domínio do ilícito ambiental de numerosas
situações danosas provocadas pela actuação de pessoas colectivas, enquanto que
no Direito Penal “a imputação de responsabilidade é rigorosamente individual”;
e o perigo de descaracterização e de subalternização do Direito Penal, pois a
maior parte dos crimes ambientais decorre da desobediência às prescrições de
autoridade administrativas, o que coloca o direito penal numa relação de
acessoriedade”; e ainda, a ineficácia de um sistema sancionatório do ambiente
de tipo penal, dada a dificuldade prática em “apanhar” e em “condenar” os
“criminosos do ambiente””.
Por
outro lado, em relação a uma tutela através da via administrativa, o autor
enuncia as seguintes vantagens: “maior
celeridade e eficácia na punição do infractor ambiental, que decorrre da
simplicidade do procedimento; permite a responsabilização não apenas dos
indivíduos mas também das pessoas colectivas, alargando o universo dos sujeitos
a quem pode ser imputado um comportamento delitual; a salvaguarda da autonomia
do Direito Penal, que não necessita de estar subalternizado às estatuições das
autoridades administrativas”.
No
entanto, também apresenta desvantagens: “a
diminuição das garantias de defesa dos particulares, pois a transferência das
questões delituosas para a esfera administrativa, do processo judicial
administrativo, implica uma diminuição efectiva das possibilidades de defesa; a
tendência para a “banalização” das actuações delituais em matéria de ambiente;a
tendência para a transformação da sanção pecuniária num simples “custo” da
actividade económica poluente, que pode tornar lucrativo um delito ambiental
mediante uma mera operação contabilística”.
O
autor conclui que deverá haver um equilíbrio entre os dois tipos de tutela, e
eu, sinceramente, concordo. Se analisarmos bem as vantagens/desvantagens, umas
anulam as outras, estando, portanto, em igualdade de circunstâncias. E umas
também não podem existir sem outras.
Podemos
dizer que o grande ponto de partida relativo à legislação desta matéria adveio
da Directiva 86/337/CEE, que deu origem ao DL 186/90, de 6 de Junho, já para
não falar das inúmeras convenções internacionais sobre o ambiente.
Hoje
em dia temos a Lei-Quadro das Contraordenações ambientais (Lei 50/2006), veio
trazer a possibilidade de cumulação de incriminação penal e contraordenacional,
o aumento significativo do montante das coimas, na medida em que há muito era
reclamado[32] devido
à desproporção com as multas criminais, a figura das medidas cautelares, a
criação de um cadastro nacional, e a criação do Fundo de Intervenção Ambiental.
O
artigo 1.º/2 da mesma diz-nos que “Constitui
contra-ordenação ambiental todo o facto ilícito e censurável que preencha um
tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares
relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual
se comine uma coima”, faltando, portanto, aqui a componente “grave”, sendo que
esse diz respeito ao Direito Penal.
Esta
lei trata-se essencialmente de uma lei procedimental, não dizendo quais,
exactamente, são os actos ilícitos. Acho que deveria haver uma delimitação
neste campo, mesmo que meramente exemplificativa.
Devido
à sua dinâmica, o direito administrativo deverá ser aquele que mais se adequa à
tutela do ambiente; mas tal implica uma verdadeira atenção por parte dela. No
entanto, haverá sempre lesão do ambiente por inúmeros factores, e, devido a
isso, é necessário um caracter sancionatório. As soluções regra geral estão
dentro do direito de mera ordenação social ou crimes que indirectamente
protegem o ambiente, mas isso não invalida a tutela penal.
O
mundo tal como é conhecido hoje em dia, está “inundado” de tecnologia, híper
desenvolvido em comparação com à mil anos atrás… E isso tem repercussões na
natureza. O homem pensa no seu bem-estar e, para isso, está numa constante
procura de melhores condições, e isso encontra-se no progresso tecnológico
(pelo menos, aos olhos da sociedade de hoje). No entanto, por vezes esquece-se
que isso afecta a natureza de várias formas, esgotando recursos, modificando
outros. O homem depende da natureza para subsistir, mas por outro lado, é
independente dela. O direito administrativo, enquanto meio preferencial de
tutela do ambiente, deverá ter em atenção o mesmo, de forma a não o lesar. Não
obstante, tal tarefa é impossível, na medida em que irá sempre haver algo que
irá afectar o meio ambiente. Desta forma, é necessário recorrer a meios sancionatórios,
que na grande maioria se encontram no Direito de Mera Ordenação Social, na
medida em que uma sanção pecuniária é bem mais fácil de ser implementada e, na
maioria das vezes estamos perante situações que põem causa valores de forma
directa.
No
entanto, o direito penal é da mesma forma imprescindível. O direito penal
considera o ambiente um bem jurídico-penal. Mas, para que esteja nos conformes,
necessitará de uma reforma, nomeadamente, através da introdução de mais “Crimes
Ecológicos” do que os previstos nos artigos 278.º e ss. do CP. Não bastam os
crimes indirectos que atendem ao ambiente! Tem de haver uma criminalização
directa do mesmo! Uma visão antropocêntrica nesta matéria, ou seja, a protecção
do homem, é sempre importante. Mas necessita igualmente, e de certa forma, de
uma visão ecológica, em que o objectivo seja realmente a protecção do ambiente.
Trata-se de um antropocentrismo relativo. Já que a CRP entende o ambiente como
um direito fundamental, então que façamos jus a essa disposição. O mesmo se
verifica no artigo 46.º da Lei de Bases do Ambiente. Que se deve ter em conta é
a qualidade do ambiente, e consequentemente, estamos a velar pela qualidade de
vida do homem. O homem será sempre o beneficiário último de um ambiente com
qualidade.
Desta
forma, é considerado o bem jurídico “qualidade do ambiente” como o bem difuso
que se apresenta de modo informal, que os seus elementos devem ser preservados,
de forma a que as espécies se possam desenvolver.
Não devemos
esquecer, além do mais, da conjugação das normas constitucionais como o 66.º,
52.º/3 a), 18.º/2 e 3, e 29.º, que, todos juntos, nos levam a crer numa
efectiva tutela penal ambiental.
Acredito
na dificuldade de se “classificar” o tipo de crime relativo ao ambiente, pois,
como já foi exposto, nenhuma é perfeita. Mas também acredito que se nada for
estipulado, se não houver um inicio, ai sim, nunca nada nem ninguém será
responsabilizado criminalmente. Talvez qualquer norma criada e integrada no
Código Penal Português só irá abarcar certos crimes, nunca abrangendo todas as
situações. Por isso, defendo a ideia da criação de uma Lei Penal Extravagante e
Autónoma que consagre a maioria das situações. Em todo o caso, tudo deverá ser
analisado in casu.
Não
descuro a ideia do Direito de Mera Ordenação Social em relação ao ambiente. De
facto, há situações que não têm a gravidade suficiente para uma criminalização[33].
Defendo, antes, uma interligação entre o Direito Penal e o Direito de Mera
Ordenação Social, em relação ao ambiente, não legislando os dois sobre as
mesmas questões, mas diferentes. Afinal trata-se de uma perturbação de uma
ordem social, que, segundo o Estado, proporciona bem-estar às pessoas.
É
uma área cheia de conceitos indeterminados. Mas, qual o ramo do direito que não
os tem?!
É
verdade que o Código Penal tem previsto o crime de “Poluição”. No entanto,
creio que ainda não é suficiente. Apesar de ter sido um grande avanço nesta
matéria, a verdade é que poderão haver muitos mais crimes para além do da
Poluição, como por exemplo de destruição ou deterioração de algum bem no
ambiente. Além do mais, analisando os artigos 278.º e ss. Do CP, verificamos
uma certa e determinada acessoriedade do direito administrativo (“não
observando as disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente”), o que
provavelmente, não é via mais correcta; como é óbvio, deverá haver uma certa
relação com o direito administrativo, até porque é, de facto, a autoridade
competente, mas, em vez de uma relação de dependência, deverá ser uma relação
de interligação.
Creio,
também, que uma maior “penalização” por atentados ao meio ambiente iria mudar
ainda mais a mentalidade da sociedade. É verdade que nos últimos anos temos
tido um grande progresso a este nível, como por exemplo, a reciclagem passou a
fazer parte do quotidiano de muitas famílias portuguesas, a construção de
ETAR’s, um maior controlo e fiscalização por parte da Administração, etc. No
entanto, ainda há muitos problemas a este nível. É verdade que não podemos
“obrigar” ninguém a ter determinada conduta. Mas também é verdade que não
podemos pôr em causa as gerações futuras, e mesmo a nossa. Há que ter um
equilíbrio. Todas as normas existem por alguma razão: porque há violação dessas
situações. Então porque é que o ambiente não pode ter normas, para que sejam
quebradas?! Como é óbvio, nunca se poderá ter um controlo absoluto sobre a
situação. Aliás, não se tem esse controlo em nada. Mas, desta forma,
provavelmente, os possíveis infractores irão pensar duas vezes antes da
possível infracção.
Por
último, penso que a melhor vertente será proteger o ambiente de forma
preventiva e reparatória.
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Lições de Direito do Ambiente, Livrarias Almedina, Coimbra, Reimpressão,
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[1] Foram
desenvolvidos vários modelos relativos à socidade de risco: o modelo de
modernização de Beck é um dos exemplos (in
“Vale a pena o direito penal ambiente? – Paulo Sousa Mendes, páginas 43 e
ss.)
[2] In “O bem juridico ambiental e a técnica da
tutela penal: crime de perigo ou crime de dano”, tese de mestrado de
Daniely Andresse da Silva, páginas 34 e ss
[3] “Todas as éticas até hoje conhecidas (…)
tinham em comum as seguintes premissas interdependentes: que a condição humana,
determinada pela natureza do homem e pela natureza das coisas, era um dado
intemporal; que, nessa base, o bem humano era imediatamente determinável; e que
o âmbito da acção e, logo, da responsabilidade humanas, se encontrava
cuidadosamente delimitado” in Paulo Sousa Mendes, página 77.
[4] Hans
Jonas disse que não conseguia encontrar fundamentos absolutamente racionais,
tendo, portanto, de recorrer à religião para o facto de não termos o direito de
pôr em risco as gerações futuras (Paulo Sousa Mendes, Página 80). Cabe a nós,
os maiores interessados na nossa “espécie”, permitir que os nossos filhos,
netos, bisnetos, …, tenham direito a usufruir da vida, do ambiente, da Terra,
tal como nós tivemos.
[5]
Imperativo proclamado por Hans Jonas.
[6] “Mera
razoabilidade do bem”.
[7] “A relação do direito penal com o risco, em
particular, é superlativamente difícil, dada a seguinte conjugação de factores:
em primeiro lugar, o direito penal é geralmente convocado pela opinião publica
para ocupar a linha da frente do combate contra as mais serias ameaças à
segurança individual ou colectiva (…) e o legislador tem tendência para
sucumbir ao sentimento geral. Em segundo lugar, o direito penal, em contraste
com os outros domínios jurídicos, já vinha padecendo de problemas crónicos quer
de eficácia, quer de legitimação, os quais so podem agravar-se com a referida
assunção de funções de controlo de
riscos; finalmente, o direito penal é, dentre todos os domínios jurídicos, o menos falado
para assumir os novos desafios, por causa da rigidez dos respectivos mecanismos
de imputação da responsabilidade.” (Paulo Sousa Mendes,
página 85)
[8] In Vale a Pena Direito Penal do Ambiente?
Pagina 90
[9] In Paulo Sousa Mendes, página 93
[10] In Paulo Sousa Mendes, página 105
[11] Este
ponto trata-se uma questão doutrinária, tendo como referencia o crime de
Poluição consagrado no artigo 279.º do CP: o prof. Paulo Sousa Medes
entende que se trata, efectivamente, de um crime de perigo abstracto potencial
(o legislador não menciona expressamente o perigo e a prova dos crimes
ambientais será sempre difícil) e de resultado, simultaneamente, outros de perigo
concreto e outros de perigos abstracto-concreto (in Paulo Sousa Mendes, página 115 e ss.)
[12] In “O bem juridico ambiental e a técnica da
tutela penal: crime de perigo ou crime de dano”, tese de mestrado de
Daniely Andresse da Silva, página 24
[13] In Paulo Sousa Mendes, página 111
[14] In “O bem juridico ambiental e a técnica da
tutela penal: crime de perigo ou crime de dano”, tese de mestrado de
Daniely Andresse da Silva, página 23
[15]
Relativamente a este ponto, ver o artigo do prof. Gomes Canotilho “Actos Autorizativos
Juridico-públicos e Responsabilidade por Danos Ambientais” e “O procedimento
administrativo de avaliação de impacto ambiental: para uma tutela preventiva do
Ambiente”, de Luis Filipe Colaço Antunes, páginas 586 a 628
[16] In “Modelos de Acessoriedade e Autonomia do
Direito Penal no Âmbito da Tutela Ambiental”, Tese de Mestrado de Leonardo
Coelho, página 26
[17] Já
Figueiredo Dias dizia em 1978 que se trata de uma protecção
imediata dos valores ambientais essenciais à plena realização da personalidade
de cada homem. In “Sobre o
papel do direito penal na protecção do ambiente”, Jorge Figueiredo Dias,
página 10
[18] In “O bem juridico ambiental e a técnica da
tutela penal: crime de perigo ou crime de dano”, tese de mestrado de
Daniely Andresse da Silva, página 28
[19] In “Estreitando-se os laços entre os
direitos cumulativos e a necessidade de um direito penal realmente ambiental de
tutela de um bem jurídico indivisível” , Tese de mestrado de João Medeiros,
página 23
[20] In “Estreitando-se os laços entre os
direitos cumulativos e a necessidade de um direito penal realmente ambiental de
tutela de um bem jurídico indivisível” , Tese de mestrado de João Medeiros,
página 37
[21] Não
deve passar os limites de tolerância e de irreversibilidade, In “Estreitando-se os laços entre os
direitos cumulativos e a necessidade de um direito penal realmente ambiental de
tutela de um bem jurídico indivisível” , Tese de mestrado de João Medeiros,
página 38
[22] In “Modelos de Acessoriedade e Autonomia do
Direito Penal no Âmbito da Tutela Ambiental”, Tese de Mestrado de Leonardo
Coelho, página 25
[23] In “Modelos de Acessoriedade e Autonomia do
Direito Penal no Âmbito da Tutela Ambiental”, Tese de Mestrado de Leonardo
Coelho, página 26
[24]
Leonardo Coelho diz-nos que se não houvesse tal
acessoriedade do direito penal face ao direito administrativo, estaríamos a
violar o princípio da unidade da ordem jurídica; não podemos esquecer a relação
entre o desenvolvimento económico e a protecção ambiental, no caso de uma
proibição absoluta por parte do direito penal, facto que não acontece numa
relação de acessoriedade com o direito administrativo. In “Modelos de Acessoriedade e Autonomia do
Direito Penal no Âmbito da Tutela Ambiental”, Tese de Mestrado de Leonardo
Coelho, página 28 ess.
[25] In “Sobre o papel do direito penal na
protecção do ambiente”, Jorge Figueiredo Dias, páginas 9 e 11
[26] “Trata-se
de delitos que protegem imediatamente bens juridicos ambientais, em especial a
saúde pública e a qualidade da vida comunitária. Punível será toda a pessoa
que, no exercício da sua actividade, desobedeça às exigências e prescrições que
lhe foram dirigidas validamente, pela instância de tutela em matéria de
protecção do ambiente, ou aos condicionamentos ou proibições que por aquela
instância foram postos ao exercício da sua actividade”. In “Sobre o papel do direito penal na
protecção do ambiente”, Jorge Figueiredo Dias, páginas 15 e ss.
[27] In “Direito Penal do Ambiente – Uma primeira
abordagem”, Maria Fernanda Palma, página 432 e ss.
[28] In Verde, Cor de Direito – Liçoes de Direito
do Ambiente, de Vasco Pereira da Silva página 282
[29] “Se houver dano material elevado e mesmo
assim se tiver respeitado o comando da Administração não haverá conduta típica.
Se, pelo contrário, houver dano pouco significativo ou objectivamente
adminissivel, mas associado à desobediência, o agente será punível à luz do
disposto no 279.º, uma vez que esta norma incriminadora delimita a conduta
típica através de uma actividade em si mesma considerada.” In “Direito Penal do
Ambiente – Uma primeira abordagem”, Maria Fernanda Palma, página 444.
[30] In “Vale a Pena Direito Penal do Ambiente?”
– Paulo Sousa Mendes, página 185
[31] In Verde, Cor de Direito – Liçoes de Direito
do Ambiente, de Vasco Pereira da Silva páginas 275 e ss.
[32] Exemplo
de uma das reclamações: in “Tutela Penal
e Contra-ordenacional em Matéria do Ambiente – Notas à jurisprudência”, de
José Souto Moura, página 182
[33] “As contra-ordenações podem funcionar como
instrumentos ao serviço da qualidade do ambiente, como instrumento psicológico
que conduza os particulares proprietários de industrias poluentes a
conformar-se com a lei.” In “A Tutela Contra-Ordenacional em Materia de
Ambiente” de Eduardo Chagas, página 513
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