quinta-feira, 28 de março de 2013

Tutela Penal ou Tutela Contra-ordenacional do Ambiente?


              Ao olharmos para o nosso meio ambiente, deparamo-nos com imensos problemas de degradação, de poluição, de infestação, e muitos outros também terminados em –ão. A questão fulcral aqui neste texto será analisar se uma tutela penal será a mais correcta para controlar esta situação. Mas, como o Prof. Paulo Sousa Mendes nos diz (“Vale a pena o direito penal do ambiente?”), o direito penal não se interessa por questões “em massa”, mas situações concretas e individualizadas, e, como se sabe, as questões ambientais concretizam-se por pequenos actos de cada um dos humanos, que todos juntos, criam um problema.
                O mesmo autor fala de uma nova perspectiva do legislador ao querer abranger pelo direito penal que apenas se encontravam no direito de mera ordenação social, englobando, por isso, o direito penal de justiça. O mesmo tenta encontrar argumentos a favor de uma tutela penal, nomeadamente, a política criminal de emergência e a sociedade de risco[1].
                Olhando para este último argumento, há que ter em conta o que será uma sociedade de risco. Beck desenvolveu a Teoria da Modernização, relativa à sociedade de risco, onde a sociedade se auto-colocaria em perigo, devido ao desenvolvimento industrial. Sociedade já tomos nós sabemos do que se trata; mas e o risco? O que estará englobado neste conceito? O Prof. Paulo Sousa Mendes, no seu estudo ora em apreço, fala-nos num conceito amplo de risco, onde engloba as situações de dúvida, de incerteza, de insegurança, onde poderá ocorrer efeitos secundários, efeitos esses que não serão os melhores. Na contraposição com a Teoria de Beck, o autor distingue os riscos vulgares dos riscos modernos, sendo que os primeiros são riscos pessoais e não globais, são calculáveis com base na mera experiência da vida, enquanto os segundos fogem à capacidade de previsão do comum dos mortais. Assim, os riscos modernos, da sociedade industrial, são riscos ocultos, desvendáveis devido a interpretações causais complexas, ao nível do conhecimento científico, e que dependem de definição social e moldagem politica. Outras teorias trouxeram os conceitos de perigo e de risco ao de cima, definindo a sociedade de risco como aquele onde os perigos incalculáveis são convertidos em riscos manipuláveis, tornando possível a convivência com a insegurança. Num terceiro modelo entende-se que toda e qualquer sociedade está e estará sempre em risco, na medida em que este faz parte da vida do ser humano e, como tal, a nossa sociedade actual está no mesmo risco que as outras sociedades antecedentes, baseando-se num alarmismo crescente. O mesmo autor conclui que, devido à análise do risco quer pelo legislador, quer pela sociedade propriamente dita, se deve conservar os modelos II e III, referentes à avaliação do risco feita por especialistas e à percepção de riscos por parte do público, respectivamente, em associação constante, sendo as duas faces da sociedade de risco. Será aqui aplicado um Direito Penal Moderno, um que acompanhe a dinâmica característica do bem jurídico do ambiente[2].
                O homem é conhecedor das consequências dos seus actos, e quais os resultados que dai advêm, nomeadamente, se são bons ou maus; não precisa de grandes conhecimentos a nível dos acontecimentos para praticar o mal[3]. O Principio do Altruísmo Recíproco diz-nos que, a nível da sociedade, devemos confiar no próximo, assim como ele deve confiar em nós; trata-se do jogo da vida, onde temos de aprender a viver connosco próprios, mas essencialmente, com os outros. Mas para além de saber viver com os seres humanos, temos, também, que saber viver com aquilo que nos rodeia, o nosso habitat, aquilo que nos fornece os bens necessários à nossa sobrevivência. Há que preservar o futuro civilizacional[4]!
                Devemos seguir o princípio da responsabilidade, ou seja, “agir de maneira que as consequências da tua acção sejam compatíveis com a permanência de uma vida verdadeiramente humana sobre a Terra!”[5]. Não podemos interpretar a Terra, o meio-ambiente ou o que quer que seja, como bem colectivo apenas; devemos antes interpretá-lo também como um bem individual, ao qual todos temos o mesmo direito[6].
                Desta forma, podemos afirmar que tudo isto terá consequências múltiplas de política criminal. Há, necessariamente, uma relação entre o risco e o sistema jurídico, havendo problemas de eficiência e de legitimação[7]. O Prof. Paulo Sousa Mendes diz-nos até que será necessário um novo modelo de responsabilização[8]. O Direito Penal interessa-se agora, diferentemente da perspectiva clássica, por interesses vagos, difusos, bens jurídicos universais, nos quais se inclui o ambiente. Para isso, o legislador necessita de utilizar técnicas de incriminação mais versáteis, e tem de encarar a prevenção de ameaças contra o ambiente como prevenção de riscos empiricamente catalogados, enquanto componentes integradores de uma grande perturbação que é susceptível de agitar os naturais métodos enérgicos da biosfera. O mesmo autor diz-nos que sendo uma matéria de riscos difusos, enquadra-se em perigos abstractos/potenciais, e como tal, devido à sua discriminação através de enunciados simplificados, necessitam de uma técnica de normação penal em branco, sendo a norma penal uma mera norma de remissão para outro ramo de direito. É o denominado direito penal de risco, uma categoria critica[9]!
                O ambiente, enquanto bem jurídico tutelado pela Constituição, ao ser um interesse difuso, tem como objecto da acção aquilo que sofreu a força da acção destruidora do sujeito agente[10], é o que foi alvo de agressão, caso os crimes ambientais se cataloguem como crimes de resultado[11]. Sabemos, logo à partida, que qualquer tipo de poluição (e isso também diz respeito até a qualquer tipo de acção que diga respeito ao meio ambiente) envolve riscos para o ambiente, e, como tal, devemos precaver esses mesmos riscos – Princípio da Precaução. Basta a mera ameaça de lesão do bem para uma protecção preventiva do mesmo[12], na medida em que os recursos naturais não são renováveis, na sua maioria, ou então, não existem em muita abundância. Dai a necessidade de um controlo precoce de riscos difusos[13]. São dois os fundamentos que levam a uma preferência pela classificação como crime de perigo abstracto: o caracter preventivo inerente ao Direito do Ambiente e a já referida Sociedade de Risco[14].
                Cada Estado tem o dever/obrigação de defender o meio ambiente, enquanto direito fundamental que se trata (no nosso caso, consagrado no artigo 66.º da CRP). Tem de definir uma estratégia global, dirigindo essa mesma estratégia. Tem de tornar relativamente proibidas as actividades que põem em causa o meio ambiente, e isso dá-se através dos actos permissivos para o desenvolvimento das actividades, através, por exemplo, de actos administrativos. Ou seja, o desenvolvimento de certa actividade, ao depender de uma autorização, isso significa que tudo o que não seja permitido, é proibido[15]! Cabe ao Direito Administrativo o papel de fiscalizar as formas de utilização dos recursos naturais, de forma a proibir abusos[16].
                Devido à tendência social, passou a existir uma positivação de normas relativas ao direito do ambiente, com o intuito de proteger o ser humano, em especial, como já se referiu, as gerações futuras[17]; para isso surgiu a tutela civil, administrativa e nos casos mais graves, a tutela penal[18]. Existe uma certa subsidiariedade relativamente à tutela penal no que diz respeito ao ambiente na medida em que só actua nos casos inadmissíveis ou intoleráveis[19]. É uma acumulação de condutas, que todas juntas, ofendem o bem jurídico ambiente, podendo até desequilibra-lo de forma irreversível[20], e como bem indivisível que é, também não se pode analisar de forma isolada essa ofensa[21]. Há que ter um nexo de causalidade plausível, isto é, que não seja uma conduta absurda (como por exemplo, alguém urinar num rio, a não ser que se prove que uma comunidade inteira o faça de forma massificada e dolosa!).
                O Direito administrativo será sempre a principal via de defesa do meio ambiente; só quando este não for eficaz, e devido ao princípio da subsidiariedade, é que o direito penal actua[22], de forma relativa, devido às condições da complexidade e globalidade das sociedades. O Direito Penal não poderá tutelar algo que já é tutelado pelo Direito Administrativo; há uma acessoriedade relativa do Direito Penal face ao Direito Administrativo[23] - referência às Normas Penais Em Branco, com remissão para as normas administrativas[24].
                Já Figueiredo Dias dizia, em 1978, que apesar de defender a discriminação do ambiente, contesta a ideia de não intervenção no mesmo, na medida em que se deve preservar, proteger os direitos fundamentais. O mesmo entendia que qualquer norma que dissesse respeito a esta matéria deveria constar em normas penais extravagantes, fazendo parte do direito penal secundário, diferente do que se entende por direito de mera ordenação social, na medida em que se trata de uma actuação comunitária[25]. Trata-se de um direito que se refere a condutas ético-socialmente censuráveis, ou seja, a verdadeiros bens jurídicos.
                O mesmo autor entendia que se devia criar uma lei penal autónoma, mas tendo em atenção a dita dinâmica do ambiente e a progressividade técnica, não podendo demasiada ampla, visto que desrespeitaria as exigências mínimas do princípio jurídico-constitucional, nem demasiado estrita, na medida em que seria ultrapassada pelos avanços da técnica. Por outro lado o autor entende que se deve tratar de delitos de desobediência à entidade estadual encarregada de fiscalizar os agentes poluentes e competente para lhes conceder autorizações ou lhes impor limitações ou proibições de actividade[26] (trata-se de crimes de desobediência e de dano).
                A prof.ª Maria Fernanda Palma não concorda com esta Teoria clássica da utilização da tutela penal como reforço das políticas da Administração. Devido à criação de um Direito de Mera Ordenação Social, o Direito Penal está praticamente subtraído na tutela do ambiente, só intervindo os tribunais em situações de recurso. A tutela penal foi maioritariamente acompanhada por uma descrição das condutas ilícitas que radicam na violação de prescrições das autoridades, sendo um direito autónomo do direito penal. Se se considerar o único critério de distinção a atribuição de pena ou de coima, então esse critério é insuficiente. Sobre isso surgiu uma nova teoria em que se considera o Direito Administrativo como subsidiário, em que o nexo de causalidade tem de estar preenchido para o direito penal actuar, cabendo à Administração definir os índices técnicos de forma a condicionar as actividades lesivas.
                Mas qual será a dimensão do conceito de ambiente que deverá ter dignidade punitiva? O artigo 5.º/2 a) amplia o conceito para além da imediata utilidade humana e o artigo 66.º da CRP abrange ainda a conservação da natureza e a estabilidade ecológica. O Direito Penal tem um campo de aplicação restrito (necessidade de protecção de direitos e interesses essenciais), necessitando de um consenso social primário. Deve-se ponderar o valor de cada bem jurídico como âmbito de protecção penal. Maria Fernanda Palma diz-nos que os critérios para se determinar se o bem deve ser tutelado penalmente são: a necessidade de protecção do bem jurídico: o prévio relevo ético das condutas incriminadas; a não contradição axiológica com outros ramos do direito; necessidade de um consenso amplo sobre a dignidade punitiva; e a ineficácia de outros meios para a protecção do bem jurídico. Será o Direito de mera ordenação social o meio mais idóneo para as infracções anti-ambientais? Maria Fernanda Palma diz-nos que devido aos seus meios sancionatórios e por ter como critério a reparação do dano e a desmotivação do infractor através do prejuízo pecuniário, é o mecanismo ideal para situações remotamente perigosas. Desta forma, conclui que o direito penal tem limites rigorosos, sendo inultrapassável a evidente repercussão humana[27].
                No nosso ordenamento existe uma regulação penal indirecta: os artigos 269.º e 271.º CP proíbem certas actividades mas têm como fim último a protecção da saúde. O mesmo se diga da Lei da Caça e da Lei das Florestas.
                Existem igualmente outras leis, de caracter contraordenacional, como protecção da água, do solo e da natureza, cujas infracções previstas dizem respeito a condutas que infringem regras da administração, condutas abstractamente perigosas, condutas reveladoras de perigo concreto ou danosas para o ambiente ou para o ser humano. É por isso que é necessário uma reforma que faça uma clara fronteira entre o direito penal e o direito de mera ordenação social. É necessário instituir vários tipos de crime de poluição e/ou ambientais, distinguindo-se os crimes de perigo concreto dos crimes de dano. Há situações que estão previstas no direito contraordenacional que deveriam estar previstas penalmente devido à sua gravidade.
                É verdade que a catalogação de crimes ambientais tem sempre certas desvantagens: por exemplo, se se considerarem crimes de dever, são criticáveis por se considerarem crimes de desobediência, se for crimes de dano pressupõem uma actuação tardia do direito penal, se crimes de perigo abstracto, é uma técnica legislativa de difícil articulação com o Direito penal de culpa, se crimes de perigo concreto, persiste a dificuldade em provar a causalidade em relação ao perigo.
                Pegando no exemplo do crime de poluição previsto no CP, Figueiredo Dias, como já se referiu supra considera-o como sendo uma combinação de crime de dever/desobediência (O prof. Vasco Pereira da Silva parece seguir a mesma linha[28]) e de resultado enquanto que a Prof. Maria Fernanda Palma entende ser uma combinação de crime de desobediência e de perigo concreto, dizendo que o prof. FD vai contra o principio de que se a tipicidade depende do crivo da contradição com normas ou ordens da Administração, então o dano ambiental é determinado pela autoridade administrativa[29]. Por outro lado, o Prof. Sousa Mendes entende que se deve tratar o tipo de crime ambiental penal como sendo um crime de resultado e de perigo concreto[30].
                 O professor Vasco Pereira da Silva enumera[31] vantagens e desvantagens sobre as duas vertentes de sancionar o ambiente. Em relação à tutela penal, enumera as seguintes vantagens: “ a importância simbólica da existência de crimes ambientais, que confere à defesa do ambiente uma maior “dignidade punitiva”, ao mesmo tempo que atribui ao Direito Penal uma função de “pedagogia social”; a maior intensidade da tutela ambiental, já que está em causa a reacção mais vigorosa da ordem jurídica contra comportamentos lesivos do ambiente, podendo dar origem não apenas à aplicação de sanções pecuniárias mas também de penas privativas de liberdade; a existência de garantias do processo penal, uma vez que se é verdade que, por um lado, o direito penal pode levar à aplicação das sanções mais severas, por outro lado, são asseguradas a todos os cidadãos todas as garantias de defesa, que vão desde a “presunção de inocência” até à realização de um “justo julgamento””.
                No entanto, a mesma tutela trás algumas desvantagens: “a inadequação do Direito Penal para a tutela do ambiente, pois enquanto que o Direito do Ambiente assenta basicamente num principio de prevenção, o Direito Penal orienta-se, sobretudo, no sentido da repressão de comportamentos anti-juridicos graves. Ainda que se possa diminuir a força relativa de tal argumento, contrapondo que as finalidades de prevenção não são desconhecidas do Direito Penal; a existência no domínio do ilícito ambiental de numerosas situações danosas provocadas pela actuação de pessoas colectivas, enquanto que no Direito Penal “a imputação de responsabilidade é rigorosamente individual”; e o perigo de descaracterização e de subalternização do Direito Penal, pois a maior parte dos crimes ambientais decorre da desobediência às prescrições de autoridade administrativas, o que coloca o direito penal numa relação de acessoriedade”; e ainda, a ineficácia de um sistema sancionatório do ambiente de tipo penal, dada a dificuldade prática em “apanhar” e em “condenar” os “criminosos do ambiente””.
                Por outro lado, em relação a uma tutela através da via administrativa, o autor enuncia as seguintes vantagens: “maior celeridade e eficácia na punição do infractor ambiental, que decorrre da simplicidade do procedimento; permite a responsabilização não apenas dos indivíduos mas também das pessoas colectivas, alargando o universo dos sujeitos a quem pode ser imputado um comportamento delitual; a salvaguarda da autonomia do Direito Penal, que não necessita de estar subalternizado às estatuições das autoridades administrativas”.
                No entanto, também apresenta desvantagens: “a diminuição das garantias de defesa dos particulares, pois a transferência das questões delituosas para a esfera administrativa, do processo judicial administrativo, implica uma diminuição efectiva das possibilidades de defesa; a tendência para a “banalização” das actuações delituais em matéria de ambiente;a tendência para a transformação da sanção pecuniária num simples “custo” da actividade económica poluente, que pode tornar lucrativo um delito ambiental mediante uma mera operação contabilística”.
                O autor conclui que deverá haver um equilíbrio entre os dois tipos de tutela, e eu, sinceramente, concordo. Se analisarmos bem as vantagens/desvantagens, umas anulam as outras, estando, portanto, em igualdade de circunstâncias. E umas também não podem existir sem outras.
                Podemos dizer que o grande ponto de partida relativo à legislação desta matéria adveio da Directiva 86/337/CEE, que deu origem ao DL 186/90, de 6 de Junho, já para não falar das inúmeras convenções internacionais sobre o ambiente.
                Hoje em dia temos a Lei-Quadro das Contraordenações ambientais (Lei 50/2006), veio trazer a possibilidade de cumulação de incriminação penal e contraordenacional, o aumento significativo do montante das coimas, na medida em que há muito era reclamado[32] devido à desproporção com as multas criminais, a figura das medidas cautelares, a criação de um cadastro nacional, e a criação do Fundo de Intervenção Ambiental.
                O artigo 1.º/2 da mesma diz-nos que “Constitui contra-ordenação ambiental todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima”, faltando, portanto, aqui a componente “grave”, sendo que esse diz respeito ao Direito Penal.
                Esta lei trata-se essencialmente de uma lei procedimental, não dizendo quais, exactamente, são os actos ilícitos. Acho que deveria haver uma delimitação neste campo, mesmo que meramente exemplificativa.
                Devido à sua dinâmica, o direito administrativo deverá ser aquele que mais se adequa à tutela do ambiente; mas tal implica uma verdadeira atenção por parte dela. No entanto, haverá sempre lesão do ambiente por inúmeros factores, e, devido a isso, é necessário um caracter sancionatório. As soluções regra geral estão dentro do direito de mera ordenação social ou crimes que indirectamente protegem o ambiente, mas isso não invalida a tutela penal.
                O mundo tal como é conhecido hoje em dia, está “inundado” de tecnologia, híper desenvolvido em comparação com à mil anos atrás… E isso tem repercussões na natureza. O homem pensa no seu bem-estar e, para isso, está numa constante procura de melhores condições, e isso encontra-se no progresso tecnológico (pelo menos, aos olhos da sociedade de hoje). No entanto, por vezes esquece-se que isso afecta a natureza de várias formas, esgotando recursos, modificando outros. O homem depende da natureza para subsistir, mas por outro lado, é independente dela. O direito administrativo, enquanto meio preferencial de tutela do ambiente, deverá ter em atenção o mesmo, de forma a não o lesar. Não obstante, tal tarefa é impossível, na medida em que irá sempre haver algo que irá afectar o meio ambiente. Desta forma, é necessário recorrer a meios sancionatórios, que na grande maioria se encontram no Direito de Mera Ordenação Social, na medida em que uma sanção pecuniária é bem mais fácil de ser implementada e, na maioria das vezes estamos perante situações que põem causa valores de forma directa.
                No entanto, o direito penal é da mesma forma imprescindível. O direito penal considera o ambiente um bem jurídico-penal. Mas, para que esteja nos conformes, necessitará de uma reforma, nomeadamente, através da introdução de mais “Crimes Ecológicos” do que os previstos nos artigos 278.º e ss. do CP. Não bastam os crimes indirectos que atendem ao ambiente! Tem de haver uma criminalização directa do mesmo! Uma visão antropocêntrica nesta matéria, ou seja, a protecção do homem, é sempre importante. Mas necessita igualmente, e de certa forma, de uma visão ecológica, em que o objectivo seja realmente a protecção do ambiente. Trata-se de um antropocentrismo relativo. Já que a CRP entende o ambiente como um direito fundamental, então que façamos jus a essa disposição. O mesmo se verifica no artigo 46.º da Lei de Bases do Ambiente. Que se deve ter em conta é a qualidade do ambiente, e consequentemente, estamos a velar pela qualidade de vida do homem. O homem será sempre o beneficiário último de um ambiente com qualidade.         
                Desta forma, é considerado o bem jurídico “qualidade do ambiente” como o bem difuso que se apresenta de modo informal, que os seus elementos devem ser preservados, de forma a que as espécies se possam desenvolver.
Não devemos esquecer, além do mais, da conjugação das normas constitucionais como o 66.º, 52.º/3 a), 18.º/2 e 3, e 29.º, que, todos juntos, nos levam a crer numa efectiva tutela penal ambiental.
                Acredito na dificuldade de se “classificar” o tipo de crime relativo ao ambiente, pois, como já foi exposto, nenhuma é perfeita. Mas também acredito que se nada for estipulado, se não houver um inicio, ai sim, nunca nada nem ninguém será responsabilizado criminalmente. Talvez qualquer norma criada e integrada no Código Penal Português só irá abarcar certos crimes, nunca abrangendo todas as situações. Por isso, defendo a ideia da criação de uma Lei Penal Extravagante e Autónoma que consagre a maioria das situações. Em todo o caso, tudo deverá ser analisado in casu.
                Não descuro a ideia do Direito de Mera Ordenação Social em relação ao ambiente. De facto, há situações que não têm a gravidade suficiente para uma criminalização[33]. Defendo, antes, uma interligação entre o Direito Penal e o Direito de Mera Ordenação Social, em relação ao ambiente, não legislando os dois sobre as mesmas questões, mas diferentes. Afinal trata-se de uma perturbação de uma ordem social, que, segundo o Estado, proporciona bem-estar às pessoas.
                É uma área cheia de conceitos indeterminados. Mas, qual o ramo do direito que não os tem?!
                É verdade que o Código Penal tem previsto o crime de “Poluição”. No entanto, creio que ainda não é suficiente. Apesar de ter sido um grande avanço nesta matéria, a verdade é que poderão haver muitos mais crimes para além do da Poluição, como por exemplo de destruição ou deterioração de algum bem no ambiente. Além do mais, analisando os artigos 278.º e ss. Do CP, verificamos uma certa e determinada acessoriedade do direito administrativo (“não observando as disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente”), o que provavelmente, não é via mais correcta; como é óbvio, deverá haver uma certa relação com o direito administrativo, até porque é, de facto, a autoridade competente, mas, em vez de uma relação de dependência, deverá ser uma relação de interligação.
                Creio, também, que uma maior “penalização” por atentados ao meio ambiente iria mudar ainda mais a mentalidade da sociedade. É verdade que nos últimos anos temos tido um grande progresso a este nível, como por exemplo, a reciclagem passou a fazer parte do quotidiano de muitas famílias portuguesas, a construção de ETAR’s, um maior controlo e fiscalização por parte da Administração, etc. No entanto, ainda há muitos problemas a este nível. É verdade que não podemos “obrigar” ninguém a ter determinada conduta. Mas também é verdade que não podemos pôr em causa as gerações futuras, e mesmo a nossa. Há que ter um equilíbrio. Todas as normas existem por alguma razão: porque há violação dessas situações. Então porque é que o ambiente não pode ter normas, para que sejam quebradas?! Como é óbvio, nunca se poderá ter um controlo absoluto sobre a situação. Aliás, não se tem esse controlo em nada. Mas, desta forma, provavelmente, os possíveis infractores irão pensar duas vezes antes da possível infracção.
                Por último, penso que a melhor vertente será proteger o ambiente de forma preventiva e reparatória.

BIBLIOGRAFIA
è CHAGAS, Eduardo, Tutela Contra-Ordenacional em Matéria de Ambiente, Textos : ambiente / Centro de Estudos Judiciários. - Lisboa : CEJ, 1994. - p. 511 a 514
è COELHO, Leonardo Maldonado, Modelos de Acessoriedade e Autonomia do Direito Penal no âmbito da Tutela Ambiental, Tese de Mestrado (Cota da Biblioteca: T-5098)
è COLAÇO, Luis Filipe, O Procedimento Administrativo de Avaliação de impacto Ambiental – Para uma Tutela Preventiva do Ambiente, Livrarias Almedina, Coimbra, 1998
è DIAS, Jorge Figueiredo, Sobre o Papel do Direito Penal na Protecção do Ambiente, Centro Interdisciplinar de Estudos Juridico-económicos, separata do n.º1 de Janeiro/junho de 1978 da Revista de Direito e Economia, Coimbra, 1978
è GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, Lisboa, 2012
è MEDEIROS, João Paulo, Estreitando-se os laços entre os direitos cumulativos e a necessidade de um Direito Penal realmente Ambiental de Titela de um bem jurídico, tese de Mestrado (Cota da Biblioteca: T-6513)
è MENDES, Paulo Sousa, Vale a Pena o Direito Penal do Ambiente?, AAFDL,1.ª Impressão, Lisboa, 2000
è MOURA, José Souto de, O Crime de Poluição a Propósito do Artigo 279.º do projecto de Reforma do Código Penal, Textos : ambiente / Centro de Estudos Judiciários. - Lisboa : CEJ, 1994. - p. 11-33
è MOURA, José Souto de, Tutela Penal e Contra-Ordenacional em Matéria de Ambiente – Notas à Jurisprudência, Textos : ambiente / Centro de Estudos Judiciários. - Lisboa : CEJ, 1994. - p. 175 a 188
è PALMA, Maria Fernanda, Direito Penal do Ambiente – Uma Primeira Abordagem, Direito do ambiente : comunicações apresentadas no curso realizado no Instituto Nacional de Administração [de] 17 a 18 de Maio de 1993, INA, 1994 – páginas 431 a 448
è SILVA, Daniely Andressa da, O bem Juridico Ambiental e a Técnica da Tutela Penal: Crime de Perigo ou Crime de Dano, Tese de Mestrado (Cota Biblioteca: T-5799)
è SILVA, Vasco Pereira da, Verde, Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Livrarias Almedina, Coimbra, Reimpressão, 2005


[1] Foram desenvolvidos vários modelos relativos à socidade de risco: o modelo de modernização de Beck é um dos exemplos (in “Vale a pena o direito penal ambiente? – Paulo Sousa Mendes, páginas 43 e ss.)
[2] In “O bem juridico ambiental e a técnica da tutela penal: crime de perigo ou crime de dano”, tese de mestrado de Daniely Andresse da Silva, páginas 34 e ss
[3] “Todas as éticas até hoje conhecidas (…) tinham em comum as seguintes premissas interdependentes: que a condição humana, determinada pela natureza do homem e pela natureza das coisas, era um dado intemporal; que, nessa base, o bem humano era imediatamente determinável; e que o âmbito da acção e, logo, da responsabilidade humanas, se encontrava cuidadosamente delimitado” in Paulo Sousa Mendes, página 77.
[4] Hans Jonas disse que não conseguia encontrar fundamentos absolutamente racionais, tendo, portanto, de recorrer à religião para o facto de não termos o direito de pôr em risco as gerações futuras (Paulo Sousa Mendes, Página 80). Cabe a nós, os maiores interessados na nossa “espécie”, permitir que os nossos filhos, netos, bisnetos, …, tenham direito a usufruir da vida, do ambiente, da Terra, tal como nós tivemos.
[5] Imperativo proclamado por Hans Jonas.
[6] “Mera razoabilidade do bem”.
[7] “A relação do direito penal com o risco, em particular, é superlativamente difícil, dada a seguinte conjugação de factores: em primeiro lugar, o direito penal é geralmente convocado pela opinião publica para ocupar a linha da frente do combate contra as mais serias ameaças à segurança individual ou colectiva (…) e o legislador tem tendência para sucumbir ao sentimento geral. Em segundo lugar, o direito penal, em contraste com os outros domínios jurídicos, já vinha padecendo de problemas crónicos quer de eficácia, quer de legitimação, os quais so podem agravar-se com a referida assunção de funções de controlo  de riscos; finalmente, o direito penal é, dentre todos os domínios jurídicos, o menos falado para assumir os novos desafios, por causa da rigidez dos respectivos mecanismos de imputação da responsabilidade.” (Paulo Sousa Mendes, página 85)
[8] In Vale a Pena Direito Penal do Ambiente? Pagina 90
[9] In Paulo Sousa Mendes, página 93
[10] In Paulo Sousa Mendes, página 105
[11] Este ponto trata-se uma questão doutrinária, tendo como referencia o crime de Poluição consagrado no artigo 279.º do CP: o prof. Paulo Sousa Medes entende que se trata, efectivamente, de um crime de perigo abstracto potencial (o legislador não menciona expressamente o perigo e a prova dos crimes ambientais será sempre difícil) e de resultado, simultaneamente, outros de perigo concreto e outros de perigos abstracto-concreto (in Paulo Sousa Mendes, página 115 e ss.)
[12] In “O bem juridico ambiental e a técnica da tutela penal: crime de perigo ou crime de dano”, tese de mestrado de Daniely Andresse da Silva, página 24
[13] In Paulo Sousa Mendes, página 111
[14] In “O bem juridico ambiental e a técnica da tutela penal: crime de perigo ou crime de dano”, tese de mestrado de Daniely Andresse da Silva, página 23
[15] Relativamente a este ponto, ver o artigo do prof. Gomes Canotilho “Actos Autorizativos Juridico-públicos e Responsabilidade por Danos Ambientais” e “O procedimento administrativo de avaliação de impacto ambiental: para uma tutela preventiva do Ambiente”, de Luis Filipe Colaço Antunes, páginas 586 a 628
[16] In “Modelos de Acessoriedade e Autonomia do Direito Penal no Âmbito da Tutela Ambiental”, Tese de Mestrado de Leonardo Coelho, página 26
[17] Já Figueiredo Dias dizia em 1978 que se trata de uma protecção imediata dos valores ambientais essenciais à plena realização da personalidade de cada homem. In “Sobre o papel do direito penal na protecção do ambiente”, Jorge Figueiredo Dias, página 10
[18] In “O bem juridico ambiental e a técnica da tutela penal: crime de perigo ou crime de dano”, tese de mestrado de Daniely Andresse da Silva, página 28
[19] In “Estreitando-se os laços entre os direitos cumulativos e a necessidade de um direito penal realmente ambiental de tutela de um bem jurídico indivisível” , Tese de mestrado de João Medeiros, página 23
[20] In “Estreitando-se os laços entre os direitos cumulativos e a necessidade de um direito penal realmente ambiental de tutela de um bem jurídico indivisível” , Tese de mestrado de João Medeiros, página 37
[21] Não deve passar os limites de tolerância e de irreversibilidade, In “Estreitando-se os laços entre os direitos cumulativos e a necessidade de um direito penal realmente ambiental de tutela de um bem jurídico indivisível” , Tese de mestrado de João Medeiros, página 38
[22] In “Modelos de Acessoriedade e Autonomia do Direito Penal no Âmbito da Tutela Ambiental”, Tese de Mestrado de Leonardo Coelho, página 25
[23] In “Modelos de Acessoriedade e Autonomia do Direito Penal no Âmbito da Tutela Ambiental”, Tese de Mestrado de Leonardo Coelho, página 26
[24] Leonardo Coelho diz-nos que se não houvesse tal acessoriedade do direito penal face ao direito administrativo, estaríamos a violar o princípio da unidade da ordem jurídica; não podemos esquecer a relação entre o desenvolvimento económico e a protecção ambiental, no caso de uma proibição absoluta por parte do direito penal, facto que não acontece numa relação de acessoriedade com o direito administrativo. In “Modelos de Acessoriedade e Autonomia do Direito Penal no Âmbito da Tutela Ambiental”, Tese de Mestrado de Leonardo Coelho, página 28 ess.
[25] In “Sobre o papel do direito penal na protecção do ambiente”, Jorge Figueiredo Dias, páginas 9 e 11
[26] Trata-se de delitos que protegem imediatamente bens juridicos ambientais, em especial a saúde pública e a qualidade da vida comunitária. Punível será toda a pessoa que, no exercício da sua actividade, desobedeça às exigências e prescrições que lhe foram dirigidas validamente, pela instância de tutela em matéria de protecção do ambiente, ou aos condicionamentos ou proibições que por aquela instância foram postos ao exercício da sua actividade”. In “Sobre o papel do direito penal na protecção do ambiente”, Jorge Figueiredo Dias, páginas 15 e ss.
[27] In “Direito Penal do Ambiente – Uma primeira abordagem”, Maria Fernanda Palma, página 432 e ss.
[28] In Verde, Cor de Direito – Liçoes de Direito do Ambiente, de Vasco Pereira da Silva página 282
[29]Se houver dano material elevado e mesmo assim se tiver respeitado o comando da Administração não haverá conduta típica. Se, pelo contrário, houver dano pouco significativo ou objectivamente adminissivel, mas associado à desobediência, o agente será punível à luz do disposto no 279.º, uma vez que esta norma incriminadora delimita a conduta típica através de uma actividade em si mesma considerada.” In “Direito Penal do Ambiente – Uma primeira abordagem”, Maria Fernanda Palma, página 444.
[30] In “Vale a Pena Direito Penal do Ambiente?” – Paulo Sousa Mendes, página 185
[31] In Verde, Cor de Direito – Liçoes de Direito do Ambiente, de Vasco Pereira da Silva páginas 275 e ss.
[32] Exemplo de uma das reclamações: in “Tutela Penal e Contra-ordenacional em Matéria do Ambiente – Notas à jurisprudência”, de José Souto Moura, página 182
[33]As contra-ordenações podem funcionar como instrumentos ao serviço da qualidade do ambiente, como instrumento psicológico que conduza os particulares proprietários de industrias poluentes a conformar-se com a lei.” In “A Tutela Contra-Ordenacional em Materia de Ambiente” de Eduardo Chagas, página 513

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