A recepção da tutela constitucional ambiental surge em Portugal na
Constituição de 1976. Com efeito, e como ressalva Jorge Miranda[1],
já na Constituição de 1822 o legislador preceituou, cometendo às Câmaras
Municipais a tarefa de promover a plantação de árvores nos baldios e nas terras
dos concelhos, contudo tal normativo parece apontar mais para um incentivo ao
desenvolvimento rural do que propriamente para uma tutela ambiental.
Foi na Conferência das Nações
Unidas ocorrida em Estocolmo, em Junho de 1972, através da Declaração do Meio
Ambiente que este foi reconhecido como um novo direito fundamental. A referida
Declaração estabelece vinte e seis princípios que constituem prolongamento da
Declaração Universal dos Direitos do Homem e que acabaram por influenciar as
legislações no que toca à matéria ambiental.
Os textos constitucionais, de uma
maneira geral, foram contagiados pela euforia internacional de consagração de
um direito ao ambiente.
Existindo uma panóplia de Estados
que conferem ao direito ao ambiente o estatuto de direito fundamental, Estados
cujas leis fundamentais caracterizam a protecção do ambiente como tarefa
pública. Tomemos como exemplo o caso Alemão, que desde 1994, fruto de uma
revisão constitucional acolheu na Lei Fundamental, uma norma de protecção do
ambiente.
Consagrado no art. 66.º, CRP numa dupla
perspectiva enquanto tarefa fundamental
do Estado, numa dimensão objectiva, e enquanto direito fundamental, numa
dimensão subjectiva isto é, no entender
de PEREIRA DA SILVA, uma “dupla natureza” (usando a expressão de HESSE), tanto
“se configuram como estruturas objectivas da comunidade, pois compreendem
também uma dimensão positiva, enquanto conjunto de valores e princípios
conformadores de toda a ordem jurídica” que requerem uma actuação por parte dos
poderes públicos, bem como direitos subjectivos
na medida em que possuem uma dimensão negativa que consiste na não
interferência de entidades públicas susceptíveis de prejudicar os direitos dos
cidadãos.
Na sua dimensão negativa, o direito
ao ambiente é seguramente um dos direitos fundamentais de natureza análoga a
que se refere o art. 17º, CRP, sendo-lhe, portanto, aplicável, o disposto no
seu art. 18º.
Segundo a teoria antropocêntrica, a
defesa do ambiente é feita com o objectivo principal – ou mesmo único – de
defender a vida humana. Negando qualquer autonomia aos bens naturais, sendo
alvo de protecção apenas aqueles que tenham uma utilidade para o Homem. Está-se
assim perante uma visão utilitarista em que se conservam apenas aqueles
recursos que possam ser aproveitados pelo Homem e que tenham um valor económico
aferido em função das necessidades e exigências humanas. Isto é, «o ambiente é
um valor em si na medida em que também o é para a manutenção da existência e
alargamento da felicidade dos seres humanos»[2].
Sendo de acordo com o art. 9º, al.
d), CRP uma tarefa fundamental do Estado para a promoção da “qualidade de vida
do povo” a “ efectivação dos direitos (…) ambientais”, justificando tal ligação
entre o Homem e o Ambiente que este seja considerado um direito fundamental. Na
esteira de MARIA DA GLÓRIA GRAÇA, não fazendo sentido a consagração deste
direito fundamental a um ambiente humano, sadio e ecologicamente equilibrado
numa visão ecocêntrica, a qual reconhece um valor intrínseco aos bens naturais,
centrando-se a sua importância não na utilidade que pode ser retirada pelo
Homem, mas sim na estreitíssima ligação que existe entre a subsistência do
Homem (mas não só deste) e das outras espécies e a manutenção de um ambiente natural
sadio. A Natureza teria assim um valor autónomo, valendo por si e sendo a sua
tutela independente de se ter verificado um dano na esfera jurídica de certo
indivíduo. Sendo ainda de justificar a fundamentalidade do ambiente com o
princípio da solidariedade entre gerações, alargando assim intemporalmente a
qualidade de vida humana. A estreita ligação entre o ambiente e a qualidade de
vida, levam a uma responsabilidade inter-geracional, isto é, obriga a
considerar o bem-estar de gerações futuras, não lhes eliminando a possibilidade
de gozo da biodiversidade.
A questão de saber se o direito ao
ambiente é ou não um direito fundamental gira em torno da distinção feita, pela
doutrina e jurisprudência nacionais, da classificação e do regime dos direitos,
liberdades e garantias e dos direitos económicos, sociais e culturais, não
obstante o artigo 66º da CRP que, apesar de prever que o direito ao ambiente é
um direito fundamental, não é suficientemente esclarecedor quanto a saber se
“se está ainda perante um “verdadeiro” direito fundamental ou se se trata antes
de uma tarefa estadual “disfarçada”, em razão da necessidade de intervenção
estadual de que depende a concretização da disposição constitucional”[3].
Inúmeros autores recusam-se a
identificar o direito ao ambiente como um direito fundamental, pelo facto de
defenderem que se trata de uma tarefa estadual disfarçada. Tal pensamento advém
da constante comparação que muitos autores fazem com os chamados “direitos
fundamentais de primeira geração”, que nasceram no Estado Liberal, com o
constitucionalismo liberal, da necessidade premente que existia de fazer face
ao Estado. Esses direitos possuíam um conteúdo meramente negativo,
correspondente a um dever de abstenção das entidades públicas. Ou seja, nesse
caso, o Estado tem o dever de se abster perante o particular, de modo a não lhe
causar danos. Muitos consideram que estes direitos não compreendem a vertente
positiva típica dos direitos de segunda e terceira geração. Vertente esta que
se traduz na intervenção do Estado de modo a que os particulares possam gozar
plenamente dos direitos constituídos (nomeadamente direitos sociais).
O constitucionalista RUI MEDEIROS
reconhece, natureza de direito, liberdade e garantia ao direito de acção
popular para intentar acções visando prevenir ou ressarcir condutas lesivas do
ambiente (art. 52º/3, CRP), pronunciando-se no sentido do carácter social do
direito ao ambiente. Defendendo que o art. 66º, CRP “contém, basicamente, uma
mera imposição de legislação, cabendo ao legislador, em face da realidade
constitucional, promover a sua concretização”[4].
Com uma posição de negação da
fundamentalidade do direito do ambiente, encontram-se REBELO DE SOUSA e MELO
ALEXANDRINO, negando a sua vertente negativa. Todavia, afirmam a sua natureza positiva,
social-prestacional [5].
Para JORGE MIRANDA, trata-se de um
dever fundamental, considerando o direito ao ambiente um direito complexo, de
estrutura bifronte, que fica sujeito “ora ao regime dos direitos, liberdades e
garantias (art. 17º, CRP)”, por ser um direito de natureza análoga, “ora ao dos
direitos económicos, sociais e culturais”. Ficando sujeito ao primeiro regime
quando se mostre um direito de defesa das pessoas perante os poderes públicos
ou sociais. Contrariamente, ficará sujeito ao segundo regime uma vez que é um
“direito a prestações positivas do Estado e da sociedade, um direito a que seja
criado um ‘ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado’, ex vi
art. 66.º/1, CRP) ”.
Por seu turno, COLAÇO ANTUNES apoia-se
na vertente colectiva do bem ambiente, para o classificar como interesse difuso
fundamental. Uma vez que este não satisfaz necessidades individuais, mas sim
colectivas isto é, não se presta a uma
função de troca e de alienação, mas a uma função de fruição colectiva.
O partidário mais acérrimo da tese do
direito ao ambiente como direito subjectivo fundamental é PEREIRA DA SILVA, não
apenas em razão da consagração constitucional de uma noção ampla de direitos
fundamentais, como também pelo fundamento axiológico enquanto manifestação da
dignidade da pessoa humana e por apresentar uma estrutura comum a todos os
direitos fundamentais, de primeira, segunda ou terceira geração, isto é,
combina uma vertente negativa, correspondente a uma esfera protegida de
agressões estaduais (como já foi supra analisado), impedindo o Estado de agir,
se essa acção puser em causa o ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, com
uma vertente positiva, que obriga à intervenção dos poderes públicos de modo a
permitir a realização plena e efectiva de tais posições e que se traduz em
concretas actividades de promoção de um ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado ou de controlo de acções capazes de o degradar.
Nesta lógica, MARIA DA GLÓRIA GARCIA e GONÇALO
MATIAS apontam para a existência de uma nova categoria de direitos humanos,
onde o direito ao ambiente se insere - direitos/deveres ou direitos circulares.
Assim, o direito fundamental ao ambiente não seria um puro direito perante o
Estado, mas, outrossim, um direito que “co-envolve o dever de todos
contribuírem para o que do Estado solicitam, isto é, em concreto a defesa do
ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, o que abre espaço para a dimensão
auto-reflexiva do direito”[6].
Assim sendo, defende PEREIRA DA SILVA,
ao direito ao ambiente, será de aplicar o regime jurídico dos direitos,
liberdades e garantias, na medida da sua dimensão negativa, e o regime dos
direitos económicos, sociais e culturais, na medida da sua dimensão positiva.
O direito ao ambiente é o direito que assiste
aos cidadãos de ter um espaço de realização pessoal do ponto de vista de saúde
e bem-estar físico e moral. Pode ser visto de uma perspectiva extensiva, caso
em que o ambiente aparece como um conglomerado dos elementos naturais,
culturais, económicos ou sócias que influenciam o homem; ou num sentido
restrito onde só contam os elementos naturais, traduzindo se na ideia de
Natureza.
Mas afinal, haverá ou não um
Direito Fundamental ao Ambiente?
Os direitos fundamentais, prima
facie, são definidos como direitos inerentes à própria noção de pessoa, como
direitos básicos da pessoa.
Nem a CRP, nem a lei ordinária dão
uma definição geral do que é um direito fundamental e, muito menos, o que se
considera o seu conteúdo essencial. Essa tem sido tarefa da doutrina e da
jurisprudência.
A delimitação do «conteúdo
essencial» dos direitos fundamentais só se coloca, porque estes podem ser
objecto de restrições. Na verdade, não existem direitos fundamentais absolutos,
como também não o será o Direito ao Ambiente. No entanto, as restrições dos
direitos fundamentais têm sempre um limite, já que não poderá ser ofendido
aquele mínimo para além do qual o direito fundamental deixa de o ser, fica
esvaziado enquanto tal. Esse mínimo intocável, o núcleo essencial dos direitos
fundamentais, prende-se com o facto de os direitos fundamentais assentarem numa
compreensão predominantemente antropocêntrica, fundada na autonomia e dignidade
da pessoa humana, do homem concreto como ser livre, que é o que, grosso modo,
justifica a consagração de um direito como fundamental.
A defesa do ambiente pode
justificar restrições a outros direitos constitucionalmente protegidos, por
exemplo, a liberdade de construção (direito de propriedade) que se encontra
muitas das vezes condicionada a medidas de planificação de protecção do
ambiente.
Os direitos fundamentais são, assim,
antes de mais, direitos subjectivos por
atribuírem posições jurídicas subjectivas a todos os indivíduos.
Mas a base antropológica dos
direitos fundamentais não é apenas o homem per si, mas também o homem enquanto
ser social, pelo que tais direitos devem também ser pensados do ponto de vista
da comunidade, como valores ou fins a prosseguir, assumindo então a natureza de
direitos-deveres (que já foi supra mencionada), o que confere aos direitos
fundamentais também uma dimensão objectiva.
Porquanto, a protecção dos direitos
fundamentais visa a prossecução de valores ligados à dignidade da pessoa humana
como ser livre e é essa ideia que confere unidade material aos direitos fundamentais.
Os chamados direitos fundamentais de
“terceira geração” (onde se integra o ambiente) vieram reclamar prestações
graduais. Isto é, o Direito do Ambiente consagra uma lógica de abstenção mas
também uma lógica prestadora. Implica um nível de participação dos particulares
para a defesa de bens públicos, e não apenas o intervencionismo estadual para
tutelar as necessidades ambientais, sendo daí que advém o carácter subjectivo
do direito em análise.
Ademais a própria Constituição
Portuguesa ao enquadrar o Direito ao Ambiente na sua Parte I referente aos
direitos e deveres fundamentais, sob a epígrafe Ambiente e qualidade de vida,
que consta do art. 66º, parece apontar para a sua fundamentalidade.
Maioritariamente a doutrina e
jurisprudência portuguesa têm adoptado o direito ao ambiente como fundamental.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ de 2 de Julho de 1996, publicado na
Revista da Ordem dos Advogados e anotado por Menezes Cordeiro nos seguintes
termos: “ (…) não pode entender-se o direito à vida sem uma componente
essencial que é a do direito à qualidade de vida. Esta componente é tão exacta
quanto a liberdade ou a segurança, porque senão, repare – se neste pormenor tão
simples quanto incontroverso: se as condições reais levarem à desarticulação
dos meios ambientais que permitam, efectivamente, viver, o direito à vida não
passará de uma abstracção teórica de curto prazo”.
Assim, importa indagarmos das
possibilidades de actuação quando se verifique uma infracção ambiental, ou também
urbanística, a fim de darmos corpo a este direito fundamental. Desde logo
consideremos como infracção qualquer actuação (por acção ou omissão), culposa
ou não, susceptível de afectar o direito fundamental a um ambiente humano,
sadio e ecologicamente equilibrado. Entre os vários instrumentos de protecção
ambiental encontra-se por exemplo o direito de queixa ao Provedor de Justiça
(art. 23º, CRP) o direito de petição e o direito de acção popular (art. 52º,
CRP).
Saliente-se que é em sede
administrativa que se torna mais eficiente a defesa dos bens ambientais, dado
ser extremamente difícil uma actuação preventiva em termos de instância
judicial.
O direito fundamental a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado
caracteriza-se por não ser um genuíno direito perante o Estado, co-envolve o
dever de todos contribuírem para a defesa do ambiente.
Inês Vieira
nº 19640
[2] MIRANDA,
Jorge e MEDEIROS, Rui, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2010,
Coimbra Editora, anotação ao art. 66º.
[3] SILVA,
Vasco Pereira Da, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, 2002,
Almedina, p. 85.
[4] MEDEIROS,
Rui, “O ambiente na Constituição”, in revista de Direito e Estudos Sociais, 1993.
[5] SOUSA,
Marcelo Rebelo de e ALEXANDRINO, José de Melo, Constituição da República
Portuguesa Comentada, Edições Lex, Lisboa, 2000.
[6] MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2010, Coimbra Editora, anotação ao art. 66º.
Sem comentários:
Enviar um comentário