sexta-feira, 29 de março de 2013



Direito do Ambiente é, Fundamentalmente, um Interesse Difuso?

Todos os Direitos Fundamentais radicam na ideia subjacente da Dignidade da Pessoa Humana. Todavia, existem diversas concepções, sistemas e atitudes relativas aos Direitos Fundamentais que nos importa saber e ainda diversos conceitos que relevam ser confrontados para uma melhor reflecção sobre o problema em análise, isto é, se será o direito do ambiente um direito fundamental?
Antes de introduzirmos a discussão, torna-se veemente que se deixe clara a definição de Direitos Fundamentais que o Professor Jorge Miranda adopta. Desta feita, o Professor distingue entre sentido formal e sentido material. Assim sendo, direitos fundamentais em sentido formal serão todos aqueles que estão presentes na Constituição formal, ou seja, no texto constitucional. Por sua vez, direitos fundamentais em sentido material serão os direitos fundamentais resultantes da concepção de Constituição dominante, da ideia de Direito, do sentimento jurídico colectivo. Podemos então inferir que todos os direitos fundamentais em sentido formal são também direitos fundamentais em sentido material, no entanto há direitos fundamentais em sentido material que vão para além dos existentes em sentido formal.

Concepções (latu sensu) dos direitos fundamentais

Concepções (strictu sensu) dos direitos fundamentais

As igrejas cristãs perante os direitos do homem:

Doutrina Católica reconhece a consciência de liberdade e dignidade dos homens do nosso tempo, sublinhando que todas as pessoas detêm a mesma dignidade e essas se devem sobrepor às estruturas. Este ponto de vista defende uma conexão entre direito e deveres e entre justiça e caridade, mantendo sempre uma opção preferencial pelos pobres. Defendem não só uma relação entre libertação humana e liberdade cristã como ainda uma relação necessária entre os princípios da solidariedade e da subsidiariedade. Sustentando a função social da propriedade apontam a necessária indissociabilidade entre o desenvolvimento integral de cada homem e o desenvolvimento solidário de toda a humanidade;

Doutrina Ortodoxa não trouxe grande contributo no que à adesão aos princípios da liberdade política e até da liberdade religiosa dizem respeito;

Doutrina Protestante teve uma importante participação ao longo do século XVIII na defesa dos direitos do homem e na sua formação, apoiada numa ética muito mais individualista que a católica.

Outras religiões:

Islamismo proclama a dignidade inerente a todos os homens e a unidade entre eles, reforçada pela relação com Deus. Acredita na dimensão social da vida humana demonstrando uma particular sensibilidade perante o direito à honra, à desobediência à lei injusta e à igualdade económica. Não separa o temporal do espiritual, o jurídico do moral, a comunidade política da comunidade religiosa, os direitos do homem da lei divina. Apesar de respeitar as minorias étnicas e religiosas, não confere os mesmos direitos aos homens e às mulheres nem a muçulmanos e não muçulmanos, não admitindo, paralelamente, a liberdade fora do contexto da comunidade religiosa e política.

Atitudes filosóficas subjacentes às concepções de direitos do homem

Jusnaturalistas - os direitos do homem como imperativos do Direito natural, anteriores e superiores à vontade do Estado;
V.S.
Positivistas - os direitos do homem como faculdades outorgadas e reguladas pela lei positiva;

Idealistas – os direitos do homem como ideia que se projecta sobre o processo histórico;
V.S.
Realistas – os direitos do homem como expressão da experiência ou das lutas políticas, económicas e sociais;

Objectivistas – os direitos do homem como realidades em si ou como valores objectivos ou decorrência de valores;
V.S.
Subjectivistas – os direitos do homem como faculdades da vontade humana ou como manifestações de autonomia;

Contratualistas – os direitos do homem como resultado do contrato social, como a contrapartida para o homem da sua integração na sociedade;
V.S.
Institucionalistas – os direitos do homem como instituições inerentes à vida comunitária.

Sistemas teórico-jurídicos de direitos fundamentais:

Teoria liberal – tende a reconduzir os direitos fundamentais a direitos de autonomia e de defesa, individuais e fortemente subjectivados;

Teoria institucionalista – tende a inseri-los em instituições, em enquadramentos objectivos e funcionais;

Teoria conservadora – tende a subordinar a liberdade individual à autoridade e à tradição a partir de uma visão pessimista da natureza humana e da orgânica da sociedade;

Teoria dos valores – tende a identificá-los com valores;

Teoria democrática - tende a identificá-los com direitos de participação;

Teoria social – tende a afirmar a dimensão social e positiva de todos os direitos;
Teoria socialista marxista – tende a realçar a dimensão económica e concreta de tosos os direitos.


Feita esta introdução conceptual, apresentemos alguns conceitos confrontando explicita ou implicitamente com a definição de direitos fundamentais.

Direitos subjectivos públicos: aqueles que são atribuídos por normas de Direito Público. Abrange não só as situações jurídicas activas das pessoas frente ao Estado como situações funcionais inerentes à titularidade de cargos públicos, nomeadamente situações que cabem no Direito Administrativo, no Tributário ou no Processual e inclui direitos de entidades públicas, enquanto sujeitos de relações jurídico-administrativas, de relações jurídico-financeiras e de outras relações de Direito Público interno;

Direitos de personalidade: são posições jurídicas fundamentais do homem que ele tem pelo simples facto de nascer e viver, aspectos imediatos da exigência de integração do homem, condições essenciais ao seu ser. Revelam o conteúdo necessário da personalidade, são emanações da personalidade humana em si, direitos de exigir de outrem o respeito da própria personalidade. Têm por objecto modos de ser físicos e morais da pessoa ou bens da personalidade física, moral e jurídica. Os direitos de personalidade adquirem imediata relevância constitucional e existem áreas de coincidência entre estes e os direitos fundamentais, como é exemplo o artigo 24 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP);

Situações funcionais: aquelas, activas ou passivas, dos titulares dos órgãos e, porventura, de certos agentes do Estado e de quaisquer entidades públicas enquanto tais (veja-se os artigos 117/nº2 e 164/alínea m) da CRP). Podemos estar perante verdadeiros direitos subjectivos pessoais e patrimoniais, deveres, restrições, direitos funcionais, regalias, garantias, específicas formas de protecção penal e específicas situações de responsabilidade. As situações funcionais são situações jurídicas de membro do Estado-poder, são consequência da prossecução do interesse público e têm, em princípio, um carácter obrigatório. Contrastando com os direitos fundamentais que se caracterizam como situações jurídicas de membros do Estado-comunidade, existindo apenas onde haja um interesse das pessoas e têm um carácter de livre exercício;

Interesses difusos: manifestação da existência ou do alargamento de necessidades colectivas individualmente sentidas, traduzindo um dos entrosamentos específicos de Estado e sociedade que implica formas complexas de relacionamento entre as pessoas e os grupos no âmbito da sociedade política que só podem ser apreendidos numa nova perspectiva de cultura cívica e jurídica (exemplo será a valorização do património cultural presente no artigo 9 alínea e) da CRP);

Garantias institucionais: normas que confinam um sentido organizatório objectivo, independentemente de uma atribuição ou de uma actividade pessoal. Pelo contrário, se a norma estabelece uma faculdade de agir ou de exigir em favor de pessoas ou de grupos, se coloca na respectiva esfera jurídica uma situação activa que uma pessoa ou grupo possa exercer por si e invocar directamente perante outras entidades, estamos perante um direito fundamental;

Deveres fundamentais: situações jurídicas de necessidade ou de adstrição constitucionalmente estabelecidas, impostas às pessoas frente ao poder político ou, por inferência de direitos ou interesses difusos, a certas pessoas perante outras. Tal como nos direitos fundamentais, estes deveres pressupõem uma separação entre poder e comunidade e uma relação directa e imediata entre cada pessoa e o poder político.

Para o Professor Vasco Pereira da Silva, os direitos fundamentais apresentam-se com uma “dupla natureza”. Por um lado, são direitos subjectivos na medida em que detêm uma dimensão negativa, isto é, direitos de defesa contra agressões de entidades públicas e privadas na esfera individual constitucionalmente protegida. Por outro, caracterizam-se como estruturas objectivas da comunidade, pois compreendem também uma dimensão positiva, enquanto conjunto de valores e princípios conformadores de toda a ordem jurídica que estabelecem deveres de actuação e tarefas de concretização para os poderes públicos. Para “encaixar” o Direito ao Ambiente como direito fundamental, para além de sublinhar a clara opção do legislador constituinte na consagração do direito no artigo 66 reforçado pelo artigo 9 alíneas d) e e), o Professor sustenta-se numa fonte histórica de fundamento para a existência de Direitos Fundamentais. Ou seja, radicando os direitos fundamentais no princípio axiológico da dignidade da pessoa humana, é necessário acrescentar a sua base histórica, a sua concretização em distintos momentos e sociedades humanas. Para este Professor “se o fundamento axiológico impõe uma busca incessante dos melhores caminhos para a realização de um objectivo ideal, a sua dimensão histórica mostra como a realização da dignidade da pessoa humana, em cada momento histórico e em cada sociedade, coloca novos desafios e exige novas respostas ao Direito, obrigando à transformação e ao alargamento dos direitos fundamentais.” Assim, afirma o Professor, se justifica a utilização do termo “geração” de direitos fundamentais, apontando, desta maneira, a existência de três gerações sendo que o Direito ao Ambiente apresentar-se-ia na Terceira Geração dos Direitos Fundamentais.
Para refutar a ideia de que o Direito ao Ambiente não será um direito subjectivo devido á impossibilidade de apropriação individual mas antes um interesse difuso ou talvez um interesse legítimo, o Professor aponta a definição de direito subjectivo como uma posição de vantagem tal como as outras duas situações, sendo que não faz sentido proceder a uma distinção entre direitos de primeira, segunda ou de terceira categoria. Dever-se-á evitar a distinção, preferindo então um tratamento unificado dessas posições substantivas de vantagem no “conceito-quadro” de direito subjectivo. Conclui o Professor que o Direito ao Ambiente será, tal como os direitos fundamentais em geral, um direito subjectivo público. Quanto às consequências de regime em função da configuração do Direito ao Ambiente como direito fundamental, o Professor levantando o problema da dualidade de regimes jurídicos respeitantes aos direitos, liberdades e garantias e aos direitos económicos, sociais e culturais e o facto de não haver “na Constituição portuguesa (como na generalidade das Constituições) um regime sistemático explícito dos direitos económicos, sociais e culturais simétrico do regime dos direitos, liberdades e garantias, quer no plano substantivo quer nos demais planos” (Professor Jorge Miranda), conclui que a ponte de unificação de regime jurídico para os direitos fundamentais se encontra no artigo 17 da CRP. Assim sendo, o artigo apontado pelo Professor Vasco Pereira da Silva, faz aplicar o regime jurídico dos direitos, liberdades e garantias também aos direitos económicos, sociais e culturais. Desta feita, e apoiado numa afirmação do Professor Jorge Miranda  “embora contemplado ex professo no título III da parte I da Constituição, o direito ao ambiente não suscita só, nem talvez primordialmente, direitos económicos, sociais e culturais. Conduz outrossim a direitos, liberdades e garantias ou a direitos de natureza análoga”, o Professor Vasco Pereira da Silva acaba por inferir que ao direito ao ambiente é de aplicar o regime jurídico dos direitos, liberdades e garantias, na medida da sua dimensão negativa, e o regime jurídico dos direitos económicos, sociais e culturais na medida da sua dimensão positiva. Fá-lo da mesma forma como define o Professor Jorge Miranda ao considerar o direito ao ambiente como um direito de natureza complexa com uma estrutura dual que fica sujeito “ora ao regime dos direitos, liberdades e garantias (artigo 17 da CRP)” por ser um direito de natureza análoga, “ora ao dos direitos económicos, sociais e culturais”. Ficará sujeito ao regime dos direitos, liberdade e garantias quando se mostre como sendo um direito de autonomia ou de defesa das pessoas perante os poderes públicos ou sociais que as condicionam e envolvam. Nesta hipótese, o direito ao ambiente tem por “contrapartida o respeito, a abstenção, o non facere”, e por objecto a “conservação do ambiente”, consistindo isto na “pretensão de cada pessoa a não ter afectado hoje, já o ambiente em que vive e em, para tanto, obter os indispensáveis meios de garantia”. Por sua vez, ficará sujeito ao regime dos direitos económicos, sociais e culturais uma vez que é um “direito a prestações positivas do Estado e da sociedade, um direito a que seja criado um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado (artigo 66/1 da CRP)”.

Com todo o respeito por ambos os Professores mencionados e com a devida humildade intelectual com que se deve pautar a minha opinião como jurista “embrionário”, custa-me a crer que o Direito ao Ambiente se possa configurar como um Direito Fundamental. O argumento histórico, de fundamento para existência de novos direitos fundamentais, apontado pelo Professor Vasco Pereira da Silva levaria, a meu ver, a médio-longo prazo, a um alargamento excessivo da categoria que se denomina como de Direitos Fundamentais. Se actualmente podemos apontar diferenças entre diversos conceitos com fronteira pouco nítida com os Direitos Fundamentais e que concedemos e admitimos a existência de casos de coincidência como são exemplo os direitos de personalidade, não podemos agora incluir na “caixa” dos Direitos Fundamentais todas as situações que se apresentem minimamente conexas. Muitas são as posições jurídicas que alimentam o princípio axiológico da dignidade da pessoa humana que não podem nem devem ser configuradas como direitos fundamentais, mas sim como direitos instrumentais dos verdadeiros e únicos direitos fundamentais, tendo assim um papel de auxílio na efectivação desse princípio axiológico subjacente. A única maneira de fazer valer o Direito ao Ambiente como Direito Fundamental será por via de uma argumentação que estenda essa categoria de Direitos a direitos que alimentem aqueles, isto é, definir direito ao ambiente como direito fundamental tendo por base a sua influência noutros direitos fundamentais, como são o caso do direito à integridade física ou mesmo o direito à vida. Ou seja, como tive oportunidade de sublinhar anteriormente, tornar o direito ao ambiente um direito fundamental na medida em que uma deficiente tutela deste direito porá em risco os verdadeiros direitos fundamentais, ou melhor dizendo, os direitos fundamentais de primeira e segunda gerações. O legislador apontou uma vertente objectiva do direito ao ambiente patente no artigo 9 alíneas d) e e) como também consagrou a vertente subjectiva na medida em que o definiu como direito fundamental no artigo 66, no entanto essa configuração ficou claramente atenuada a partir do momento em que a regra do artigo 17 da CRP não faz aplicar, na minha opinião, o regime dos direitos, liberdades e garantias ao Título III onde se encontra o artigo 66. Assim sendo, é clara a intenção do legislador na hierarquização dos direitos que confinam uma protecção do princípio da dignidade da pessoa humana. Na minha opinião, as alíneas do artigo 9 apontam uma tarefa estadual que se impôs pelo desenvolvimento dos problemas modernos (aqui sim, a preponderância do argumento histórico) e o artigo 66, erroneamente colocado no capítulo da Constituição referente aos direitos e deveres fundamentais, apenas quererá reforçar a importância da tarefa apontada pelo artigo 9, enunciando alguns parâmetros de actuação. Se é certo que onde o legislador consagrou a menos, não deve o intérprete e o aplicador ler a mais, pelo contrário podemos apontar erros de sistematização ou de configuração, situações acidentais de inclusão em categorias a que não pertencem, isto é, podemos apontar casos em que o legislador disse mais do que era a sua intenção. Este é, do meu ponto de vista, um desses casos. Paralelamente, o Professor Vasco Pereira da Silva aquando da crítica da impossibilidade de apropriação individual do direito ao ambiente, afirma que o direito subjectivo e fundamental ao ambiente não se pauta por uma apropriação individual imediata tal como muitos outros direitos fundamentais existentes (ex: direito ao voto). Pauta-se sim por ser uma fonte de relações jurídicas relativas ao direito em sim mesmo. Para este Professor, não se trata de uma excepção na medida em que, por exemplo no direito ao voto, será impossível a qualquer pessoa exercê-lo sem mecanismos instrumentais de auxílio. Tenho para mim, que não se trata de situações comparáveis no sentido em que por um lado temos um bem jurídico claro e por outro temos um bem jurídico dificilmente palpável, pouco definido e muito menos reconduzível a apenas um indivíduo. Se o argumento do Professor Vasco Pereira procedesse, podíamos dizer que quase nenhum direito seria exercível sem auxílios externos de que teor fosse. “Pegando” agora na definição do Professor Menezes Cordeiro para direito subjectivo, ou seja, permissão normativa específica de aproveitamento de um bem jurídico, cumpre-nos tentar coincidir esta definição com o direito ao ambiente. Sim, é impossível. Não há nenhuma permissão de aproveitamento, ou melhor, haver há como é óbvio mas dificilmente configurável na vida real a não ser que sejamos radicais ao ponto de utilizar a expressão “o ar é de todos”. Sim, pois se o Ar é uma das componentes naturais do direito ao ambiente (artigo 8 da Lei de Bases do Ambiente), podemos mesmo reconduzir esta concepção como direito fundamental à expressão supracitada. Concluindo, a meu ver, independentemente de uma melhor, maior ou mais profunda argumentação, será sempre difícil para mim sustentar, apoiar ou defender o direito ao ambiente como direito fundamental. Na minha perspectiva, será mais um exemplo de interesse difuso a par da segunda parte da alínea e) do artigo 9 (valorização cultural), podendo sim abrir-se a discussão da possibilidade de recurso à acção popular prevista no artigo 52/nº3/ alínea a). Será então chamado de “interesse que é de todos mas que não é de ninguém.”

Bibliografia:
Miranda, Jorge. Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais;
Pereira da Silva, Vasco. Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente;

JPM, 19685


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